Políticas sociais para o século 21

O jornal O Estado de São Paulo publica hoje, 19 de junho de 2011 o artigo abaixo:

Políticas Sociais para o Século 21

Edmar Bacha e Simon Schwartzman

A Constituição brasileira de 1988 dispõe que a ordem social tenha como objetivo o bem-estar e a justiça social. “A saúde é direito de todos e dever do Estado”, prescreve a Carta. As políticas sociais no Brasil são, assim, caracterizadas por direitos universais. Na prática, a distribuição dos benefícios dessas políticas se conforma à capacidade de pressão política de diferentes grupos de interesse.

O resultado é um sistema extremamente desigual, em que o financiamento por estudante ao ensino universitário é muitas vezes superior ao da educação básica; os benefícios da previdência social dos funcionários públicos são muito maiores do que no setor privado; a segurança pública está disponível para quem pode pagar pelos “bicos” dos policiais, mas não nos locais onde ocorrem mais crimes; e os serviços de saúde pública são assegurados por mandados judiciais para quem tem bons advogados, mas não para quem sofre nas filas dos hospitais públicos.

A conjunção de direitos aparentemente universais, com a presença de poderosos grupos de interesse, faz do Brasil um dos países com maior iniquidade na distribuição de copiosos gastos sociais, que, em boa medida, seguem a lógica da má distribuição da renda do País, sendo destinados, sobretudo, ao financiamento das demandas de grupos de renda média e alta.

Nos últimos anos tem havido modificações importantes nesse quadro, com a ampliação dos programas de saúde da família, a generalização do acesso à educação básica, o melhor planejamento das ações policiais e a extensão dos programas de renda mínima como o Bolsa-Família e a aposentadoria rural. A condição de extrema pobreza, que ainda afeta muitas pessoas, especialmente na zona rural, vem se reduzindo aos poucos, sobretudo pelo crescimento, urbanização e modernização da economia, mas também pela ampliação dos programas sociais.

A população brasileira já não tem problemas de fome em escala significativa, o analfabetismo praticamente desapareceu entre a população mais jovem e, relativamente, poucos morrem por diarreia ou doenças infecciosas. Mas milhões ainda não conseguem um atendimento médico razoável, o analfabetismo funcional é enorme, os jovens agora morrem pela violência urbana e o envelhecimento da população prenuncia problemas crescentes nos sistemas de previdência social, de tratamento de saúde e de amparo aos idosos.

A par da eliminação da pobreza extrema, doravante será preciso enfrentar as questões que afetam a grande maioria da população em áreas urbanas, cuja renda monetária pode estar acima das linhas convencionais de pobreza extrema, mas que vivem em situação precária e com problemas de complexidade crescente. As políticas sociais que esses cidadãos necessitam não podem se limitar à simples distribuição de benefícios.

Há duas questões centrais. Uma delas é a escassez de recursos, que afeta a educação, a saúde, a segurança pública e a previdência, cujos custos são crescentes. A segunda é a complexidade das políticas requeridas para melhorar a qualidade da educação e da saúde e para reduzir a violência urbana, problemas que não se resolvem simplesmente com a construção de mais escolas, hospitais ou quartéis, ou o aumento dos salários dos profissionais envolvidos. É necessário ter políticas de melhor qualidade e que sejam factíveis com recursos que não podem crescer indefinidamente. Isso requer uma administração pública mais eficiente, o estabelecimento de prioridades claras e o envolvimento de organizações da sociedade civil em seu financiamento e implementação.

Ao longo de 2010, realizamos diversos seminários com um grupo qualificado de profissionais procurando detalhar o conteúdo dessas políticas. O livro Brasil: A Nova Agenda Social é o resultado desse esforço para dar curso ao debate sobre os novos rumos das políticas sociais, para que elas sejam mais equitativas, realistas e eficientes do que têm sido até agora.

 

Plano Nacional de Educação é lista de Papai Noel

A Folha de São Paulo de hoje, 16 de junho, publica o artigo abaixo sobre o Plano Nacional de Educação que está sendo debatido pelo Congresso

PNE É LISTA DE PAPAI NOEL

CLAUDIO DE MOURA CASTRO, J. B. ARAUJO E OLIVEIRA e SIMON SCHWARTZMAN

O Congresso deverá aprovar o terceiro Plano Nacional de Educação (PNE) até novembro. A proposta do Executivo poderá sofrer emendas, mas dificilmente será alterada sua essência. Os dois planos anteriores oscilaram entre utopias e inconsequências. Não se espera nada diferente agora. O plano atual é uma versão mitigada do mesmo.

O PNE foi elaborado em processo participativo, que culminou em um grande Encontro Nacional de Educação. Sindicatos, associações e ONGs foram chamadas a se pronunciar. Resultou numa enorme lista de Papai Noel, posteriormente resumida na proposta elaborada pelo Ministério da Educação.

Mas o Ministério não tem escolas de nível básico, tampouco instrumentos para convencer prefeitos a gastar o prescrito ou operar de modo diferente. O mesmo acontece com os Estados. No caso de universidades federais, elas são autônomas. A realidade é que não se muda a sociedade, ou a educação, com planos grandiosos e metas genéricas. Mais dinheiro não implica melhores resultados. São necessárias políticas consistentes e persistência na implementação.

Nos anos 90, o Brasil universalizou o ensino fundamental; desde então, continua a expandir a educação na pré-escola e no ensino médio. Mas ainda persiste em grande escala o analfabetismo escolar e funcional, e o abandono escolar entre adolescentes não se reduz.

A melhoria dos resultados do Pisa, em 2009, é boa notícia, porque nossa qualidade estava estacionada há décadas. Mas é pouco, pois 55% dos jovens de 15 anos nas séries apropriadas ainda não sabem o mínimo requerido de linguagem, e 73% desconhecem o patamar básico em matemática. Formamos muito poucos com alto nível de desempenho; com isso, comprometemos a competitividade do país.

Não é fácil sair dessa situação. A experiência internacional indica caminhos que precisam ser trilhados. Alguns deles são:

1 – Mudar o sistema de gestão das escolas públicas: mais autonomia e responsabilidade pelos resultados; novas formas de parceria público-privada e veto à influência político-partidária na designação de gestores e professores nas secretarias de Educação;

2 – Definir com clareza conteúdos dos currículos nos diversos níveis de ensino e alinhar os materiais pedagógicos e sistemas de avaliação;

3 – Exigir que todas as crianças sejam alfabetizadas no primeiro ano do ensino fundamental, valendo-se de metodologias e materiais pedagógicos testados;

4 – Rever o sistema de formação e carreira de professores, que devem dominar os conteúdos como condição de ingresso, passar por período probatório de prática supervisionada e por processo de certificação;

5 – Facilitar e estimular o acesso de profissionais de nível superior e de estudantes de pós-graduação ao magistério;

6 – Permitir que o ensino médio se diferencie na pluralidade de opções acadêmicas e profissionais e que o Enem se transforme em um conjunto de certificações correspondentes ao leque de opções;

7 – Eliminar o ensino médio no período noturno;

8 – Mudar o atual sistema de educação de jovens e adultos para um leque de certificações distintas, sobretudo de natureza profissional.

Sabe-se que a execução de medidas como essas irá depender da clara definição das responsabilidades dos três níveis de governo. Isso, mais a revisão de vários aspectos da Lei de Diretrizes e Bases, pode ser objeto de lei. Ainda caberia à esfera federal estimular iniciativas de reforma bem conduzidas. Dessa forma, sim, teremos uma perspectiva para melhorar a educação.

Novas Metas para um novo Brasil

Com este título, a revista Veja de 15 de julho de 2011 publica uma matéria de 4 páginas sobre o livro A Nova Agenda Social, cujo lançamento está previsto para esta quinta feira dia 16 no Instituto Casa das Garças no Rio de Janeiro, e no dia 5 de julho la Livraria da Vila em São Paulo.

A matéria da Veja está disponível aqui, e convite com os endereços do lançamento, para quem ainda não viu, pode ser aberto aqui.

Lançamento de “Brasil: A Nova Agenda Social”

Clique no convite para comprar o livro

Prefácio

Este livro é o resultado de uma série de seminários organizados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e pelo Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças (IEPE/CdG) ao longo do ano de 2010 com o objetivo de aprofundar e ampliar o entendimento e os debates sobre as questões pendentes no campo das políticas públicas na área social, que tendem a ficar em segundo plano em relação às urgências de natureza econômica e de impacto mais imediato sobre a opinião pública.

Há um paradoxo aqui, que é a contradição entre a complexidade crescente dessas políticas, por um lado, e as simplificações que ocorrem sempre que esses temas sociais entram de maneira mais intensa no debate público. No debate público, as discussões tendem para dicotomias simples, invariavelmente em termos da “generosidade” do setor público em distribuir benefícios: mais escolas, mais universidades, mais bolsas, mais atendimento médico gratuito, melhores aposentadorias, mais casas populares, etc. Além dos óbvios limites financeiros dessas políticas distributivas, estas simplificações impedem que o país desenvolva a inteligência e a competência necessárias para que elas sejam implementadas de forma efetiva. O resultado é a péssima qualidade dessas políticas – a educação não melhora de patamar, o sistema do SUS não consegue atender à demanda de serviços de saúde, a violência urbana não se reduz, o sistema previdenciário tende à insolvência. Isto não significa que não existam experiências importantes que mostram resultados promissores, e que precisariam ser melhor conhecidas e aprofundadas, nas diferentes áreas.

Cada área de política social tem suas características e problemas próprios, mas todas elas têm em comum a contradição entre as necessidades e aspirações da população, em grande parte consagradas como direitos subjetivos na Constituição de 1988, a serem proporcionados pelos governos, e as limitações gerenciais, legais e financeiras do setor público. Esta contradição gera, por um lado, mecanismos alternativos de atendimento a estas necessidades, seja por iniciativa do setor empresarial privado, seja por intervenções de instituições não governamentais do “terceiro setor”, seja pelo desenvolvimento de mercados informais, cujo relacionamento com o setor público tende a ser pouco claro, e muitas vezes questionável do ponto de vista legal; e, por outro, a aceitação, por parte da sociedade, de níveis de atendimento precários do ponto de vista dos valores de uma sociedade moderna e das necessidades da população; e leva, também, à conformidade com a baixa produtividade de uso dos recursos públicos despendidos.

Os seminários tiveram como ponto de partida um conjunto de textos centrais sobre os temas de saúde, educação, previdência social, políticas de renda e violência urbana, que foram apresentados e discutidos com a participação de um ou mais comentadores especialmente convidados. Tanto quanto possível, cada um dos textos centrais procurou cobrir cinco pontos que nos pareceram centrais:

  • Um diagnóstico dos problemas principais da área, do ponto de vista da cobertura e da produtividade. Em que medida ela consegue atender às necessidades e aspirações da população? Em que medida esta situação se constitui ou não em uma crise, seja do brasil: a nova agenda social vi ponto de vista financeiro, do ponto de vista político, de um ponto de vista normativo?
  • Quais são as principais instituições e agências – públicas, privadas, ONGs, federais, estaduais ou municipais – responsáveis pelo provimento dos benefícios? Qual o peso relativo de cada uma delas? Como se dá a concorrência ou a divisão de tarefas entre essas instituições e com que nível de eficiência elas atendem a seus objetivos?
  • Marco legal – em que medida a legislação existente permite ou dificulta a implementação dessas políticas, e a atuação e cooperação das diversas instituições e agências envolvidas?
  • Custos e mecanismos de financiamento – quais são os custos atuais das políticas e suas fontes de financiamento; quais seriam os custos necessários para uma melhoria adequada de cobertura e atendimento; quais seriam as fontes possíveis de recursos, públicas e privadas; e quais seriam as possibilidades e custos de focalização dos gastos públicos em setores e questões mais críticas e prioritárias. Como formas gerenciais alternativas poderiam alterar a estrutura de incentivos na provisão de serviços, de modo a aumentar sua produtividade.
  • Sugestões do ponto de vista institucional, gerencial, legal e financeiro para o setor.

Os comentaristas, além de contribuírem para aprimorar as primeiras versões dos trabalhos, muitas vezes desenvolveram e aprofundaram aspectos específicos, considerados merecedores de mais atenção, preparando textos que também foram incorporados ao livro na forma de artigos independentes.

Este projeto contou, desde o início, com o apoio e o estímulo de Dionisio Dias Carneiro, que, infelizmente, não pôde acompanhar seu desenvolvimento até o fim, mas cuja contribuição gostaríamos de registrar. Gostaríamos de registrar e agradecer também o apoio administrativo da equipe da Casa das Garças, Juliana Rezende e Fernando Barbosa, e o trabalho de revisão e preparação dos originais feito por Tatiana Amaral e Fabrícia Ramos, do IETS. Finalmente, este livro não estaria hoje nas mãos dos leitores sem o trabalho competente e persistente da equipe editorial do Grupo Gen – Grupo Editorial Nacional: Carla Nery, Munich Abreu e Raquel Barraca. A todos e todas, o nosso muito obrigado.

Edmar Lisboa Bacha Simon Schwartzman

 

Quem quer ser professor?

Os microdados do ENEM de 2008 permitem saber responder em parte à qustão sobre quem escolhe a profissão de professor no Brasil.  Dos cerca de 2.3 milhões de pessoas que fizeram a prova naquele ano, 1.7 milhões responderam à pergunta do questinonário sobre que profissão escolheram para seguir. Destes, menos de 10% disseram que queriam ser professores, e a média de seu desempenho na parte objetiva da prova foi de 37%, quase 10 pontos abaixo da média dos que preferiam os cursos de engenharia e ciências humanas.

Sergei Soares: A importância relativa dos salários dos professores

Recebi de Sergei Suarez Dillon Soares a seguinte nota, sobre o tema dos salários dos professores:

Tal como grande parte do Brasil, fiquei impressionado com a coragem e eloquência da Professora Amanda Gurgel, mas algo me incomodou ao ouvir sua fala. Depois de pensar um pouco no assunto e ler o texto do Paulo Ferraz, entendi o que foi: a professora ficou repetindo, com grande eloquência, ao longo de 10 minutos “eu ganho pouco” e muitos interpretaram isso como uma análise sobre o por que da baixa qualidade da educação no Brasil.

Primeiro, quero deixar bem claro que eu acho que a professora ganha pouco sim. Venho de uma família de professores (avó, mãe, pai e dois irmãos) e certamente concordo que os professores deveriam ganhar mais. O que me incomoda é que o salário dos professores tem sido colocado como a causa e a solução de quase todas as nossas mazelas educacionais. Certamente não é assim: o que a pesquisa educacional mostra é que o salário de professores tem relação incerta e tenue com qualidade educacional, mas outras coisas tem relação clara.

As estimações econométricas são incertas. Uma parte da literatura, principalmente nos Estados Unidos, estima os determinantes de valor agregado das notas das crianças e encontra que não existe relação entre isso e salários de professores; outros controlam pela existência de sindicatos de professores – uma variável omitida que aumenta salários e reduz a qualidade educacional – e alguns tipos de seleção e encontram o oposto: sim, alunos de professores com salários maiores aprendem mais. Mas em qualquer caso, a relação não é forte.

Meu comentário sobre o assunto segue um pouco o relatório da McKinsey sobre educação. Nenhuma escola pode ter qualidade superior de seus professores e salários baixos dificultam o recrutamento de bons professores. Nos Estados Unidos, os professores vem da metade de baixo das turmas, em países como a Finlândia ou Singapura, os melhores alunos viram professores.  Seria interessante saber de quais percentis no ENEM vem os futuros professores. No longo prazo, é razoável que salários altos atraiam professores de alto status socioeconómico e, portanto, tenham forte relação com qualidade. Mas para que isso seja eficaz, teríamos que pagar salários altos e, concomitantemente, demitir professores ruins, coisa que certamente seria violentamente oposto por qualquer sindicato de professores. No curto prazo, salários mais altos talvez façam com que professores vivam melhor – um fim com muitos méritos em si – mas não creio que façam uma grande diferença na qualidade de ensino, uma vez que serão os mesmos professores com os mesmos incentivos ruins ensinando do mesmo jeito, o que não traz grandes resultados.

Seguindo a deixa do Simon fui olhar salários de professores, segundo a Pnad de 2009, no DF, onde moro. Olhei professores do ensino infantil ao médio (CBO domiciliar de 2311 a 2321, espero não ter cometido nenhum erro) nas redes privada e pública. Os professores da rede privada ganham em média R$ 1047 contra R$ 3320 na rede pública. Os números não são muito confiáveis por que a amostra para o DF é pequena e os professores na rede pública do DF só tem uma matrícula enquanto os da rede privada trabalham em várias escolas. Padronizando por horas trabalhadas os totais são R$ 1512 contra R$ 3378.  Em qualquer caso, parece certo que os professores da rede privada ganham menos. Onde vocês acham que as famílias que tem meios para tanto colocam seus filhos?

Os professores da rede pública do DF tem de longe os maiores salários no Brasil.  Já os resultados são bem medíocres – a rede pública do DF fica no IDEB (8 a série) em 2009 atrás das redes públicas do Acre, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e São Paulo –  todas redes cujos salários são muito inferiores ao salário no DF.

Enquanto a discussão educacional for dominada pelo tema salário de professores, não vamos passar nem perto de temas que poderiam ter um efeito maior sobre a qualidade educacional.

O que parece trazer, sim, grandes resultados com os mesmos professores são esquemas de merit pay ou performance pay. Ao contrário de nível geral de salários, as avaliações sobre diversos tipos de merit pay mostram resultados bastante fortes. Aqui no Brasil há uma experiência em Pernambuco, cuja avaliação ainda está em curso. Mas os resultados preliminares mostram que um bônus anual de até dois salários mensais teve impactos impressionantes sobre a performance dos alunos, principalmente em português. O pagamento por performance levou a mudanças comportamentais – principalmente maior assiduidade dos professores – e estas levaram a melhorias consideráveis na nota de português. (em matemática os resultados impressionam menos, mas são significativos e positivos).

Outra possibilidade é pagar diretamente por comportamentos como assiduidade ou conhecimento de matéria. A Bolívia tinha um bônus pago a todos os professores que apareceram para dar aula pelo menos 200 dias por ano. Nunca foi adequadamente avaliado, mas foi combatido desde o início, e finalmente derrubado, pelo Sinpro local. Outra possibilidade é pagar um bônus a professores que passam exames das suas disciplinas para garantir que permanecem atualizados.  Tudo isso já foi pelo menos discutido no Brasil e quase sempre derrubado antes de nascer pelo sindicato local.

Outra coisa que todas as estimações econométricas mostram estar fortemente relacionada à qualidade do ensino é simplesmente quantas horas de instrução os alunos tem por ano. O número de horas por dia e o número de dias por ano.  O Brasil é um dos países no PISA que tem a menor jornada escolar média e o ano letivo aqui é notoriamente curto. Tais ideias também desagradam profundamente não apenas às secretarias de educação, que teriam que refazer turnos, mas principalmente aos sindicatos docentes,

O que me traz de volta ao assunto deste post: por que fiquei irritado com uma professora, que ganha pouco, corajosamente, eloquentemente e corretamente defendendo seu salário junto a deputados que ganham talvez dez vezes o que ela ganha.  A fonte da minha irritação certamente não foi a eloquência e coragem da professora. Foi que mais uma vez se reduz educação ao salário dos professores ou infira-estrutura escolar, coisas importantes, sem dúvida, mas nem de perto as variáveis fundamentais na definição da qualidade educacional.

Fundamental seriam mudanças em incentivos comportamentais, que quando conseguem ser discutidos são derrubados com veemência pelos mesmos sindicatos que atualmente aplaudem a performance da professora Gurgel. Enquanto esta for a discussão sobre educação no Brasil, vamos ter professores um ganhando um pouco menos ou um pouco mais, mas a mesma qualidade abaixo do desejável nas nossas escolas.

Ainda os salários dos professores

Surgiram muitas dúvidas a respeito dos dados que divulguei ontem sobre os salários dos professores no Brasil. Uma das questões era se estes números tomavam em consideração o número de horas trabalhadas, ou se a pessoa tinha mais de um trabalho.  Na realidade, o dado se referia à renda média de todas as fontes, e  por isto incluia todos os trabalhos e fontes de renda das pessoas.

Mas a PNAD tem informações também sobre a renda do trabalho principal  e o número de horas por semana trabalhadas. Isto permite calcular o salário médio por hora das diferentes categorias, que é o mostrado na tabela abaixo.  O dado se refere às horas semanais trabalhadas

Esta tabela mostra a grande vantagem salarial dos professores de instituições federais, e, no outro extremo, a baixíssima remuneração dos que trabalham em educação infantil.  No ensino fundamental e médio, a renda por hora semanal trabalhada nas redes estaduais é maior do que nas escolas privadas, que se aproximam mais das redes municipais.

Uma outra informação complementar é o número de horas trabalhadas por semana nesta ocupação principal, que pode ser vista no quadro abaixo.

O que observamos é que o professores trabalham ao redor de 30 horas por semana na atividade principal (seja em uma ou duas matrículas), sobrando outras dez para outras atividades, com uma carga maior para os profesores de nível superior das redes estaduais e federal, que geralmente têm contratos de tempo completo.

Existem outros aspectos importantes que estes dados não revelam, como o tempo que os professores dedicam efetivamente a dar aulas em comparação com o tempo dedicado à preparação, à pesquisa ou a atividades administrativas. Também não se considera aqui os benefícios de longo prazo de aposentadoria, por exemplo, que são muito maiores no setor público do que no setor particular.  Uma análise mais detalhada que toma em consideração estes benefícios adicionais foi feita por Fernando de Holanda Barbosa Filho,  Samuel de Abreu Pessoa e Luís Eduardo Afonso, disponível aqui. O objetivo do artigo foi comparar a remuneração da rede pública e particular, e a conclusão principal é que “os diferenciais de renda são na maior parte dos casos favoráveis ao setor privado. Esta conclusão se altera quando se calcula o Valor Presente do Contrato de Trabalho. O VPCT leva em consideração toda a renda auferida pelo docente, incluindo os salários recebidos durante a vida ativa e também a aposentadoria. O VPCT do ensino público é sempre mais elevado que o VPCT privado.”

Quanto ganham os professores?

Os dados da pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD) de 2009 permitem saber algo sobre o que ganham de fato os professores no Brasil. O quadro abaixo dá a estimativa da renda média mensal de todas as fontes de pessoas que trabalham em atividades de ensino, conforme o nível em que ensinam e o setor em que trabalham.  Em comparação, a renda média de todos os trabalhos de quem tinha nível superior no Brasil em 2009 (15 ou mais anos de escolaridade)  era de 3.041,00 reais. Dos cerca de 3 milhões de professores que aparecem na PNAD, 2 milhões tinham nível superior, e isto inclui todos os que ensinam acima da 4a série da educação fundamental. Metade dos professores das primeiras series ainda têm nível médio, assim como grande parte dos professores de educação infantil, profissional e livre (fora de escolas regulares).

Paulo Ferraz: As professoras heroínas

Recebi de Paulo Ferraz a nota abaixo, motivada pelas entrevistas da professora Armanda Gurgel de Freitas , que tem tido tanta repercussão na imprensa e na Internet:

Quase todos sabem que temos problemas sérios na área de educação. No ensino fundamental conseguiu-se ao longo do tempo vagas para praticamente todas as crianças e jovens, MAS ainda sofremos com a qualidade média do ensino.Quase todos sabem que os fatores que mais influenciam são o histórico das condições sócio-econômicas dos pais (sendo história, nada pode ser feito) e a qualidade dos professores e diretores.

Por mais que alguns gostem de alardear, não existe correlação entre remuneração do professor ou infraestutura da escola e desempenho dos alunos. Ou seja, existem escolas sem condições e com professores ganhando mal com excelentes resultados e escolas com tudo, inclusive professores bem remunerados, com resultados ruins.

Existem muitos bons professores e diretores. A característica deles é sempre a mesma: foco no aprendizado e motivação do aluno. Muito trabalho e suor, e nunca achar que se o aluno não está aprendendo é problema de terceiros. São os heróis deste país que, assim como bons policiais, médicos, bombeiros, etc., deveriam ser parabenizados diariamente pelos cidadãos.

MAS, como em toda profissão, também existem muitos professores e diretores ruins. Todos com as mesmas características: desmotivados, faltantes com suas obrigações, e para eles a razão dos alunos não aprenderem nunca é deles e sim de outros fatores (salários baixos, infraestrutura, família, etc.).

Não tenho a menor ideia em que categoria que a prof. Amanda de Freitas, que virou um grande hit da internet, está. Só que alguns fatos me chamaram a atenção em sua entrevista no Globo de 20/5:

1)       Um dos pontos altos do vídeo na internet é quando ela diz para os vereadores que ganha R$ 930,00. MAS ela não diz que isto é por 16 hrs de trabalho semanal, e que ganha outros R$ 1.217,00 por outras 16 hrs trabalhando em uma escola estadual. Ou seja, sua remuneração SALARIAL (ou seja, SEM incluir os diversos adicionais comuns no setor público) é de R$ 2.147,00 por 32 HRS semanais (que equivale a quase R$ 3 MIL, se ajustarmos para uma jornada de 44 horas típica de um trabalhador brasileiro). Não estou aqui para dizer se R$ 3 mil reais é muito ou pouco, mas é um fato que se trata de uma remuneração acima da média da maior parte das profissões universitárias com poucos anos de formatura.

2)       Ela NÃO disse no depoimento filmado que NÃO dá mais aula. Ela pediu troca de função depois de uma depressão e agora trabalha na biblioteca de um colégio e no setor de informática numa escola municipal. Ela deveria estar feliz com isto, pois são poucos as profissões em que uma pessoa deprimida pode ser alocada a outra função estranha à sua competência.

3)       Ela diz na entrevista que: “Esse caos que existe na educação não é um caos desorganizado, entre aspas, é um caos preparado, existe uma intenção para que a educação funcione desse jeito, para que os filhos da classe trabalhadora jamais atinjam altos níveis de cultura, para que no máximo eles aprendam um ofício.” Mas isto não é incoerente com o fato de que nos últimos 8 anos tivemos como presidente, e, portanto, responsável pela política educacional nacional, uma pessoa de origem na dita classe trabalhadora ?

4)       Por fim, achei muito estranho a seguinte declaração (NOTA: os professores estão em greve no RN): “E a nossa atividade é principalmente manter o aluno em sala de aula, independente de qualquer coisa. Por isso que muitas vezes as pessoas confundem os responsáveis pelo caos e acham que a greve atrapalha os alunos.” Como é que greve NÃO atrapalha os alunos? Se o aluno não tem aula ele não aprende. Se assim não fosse não haveria necessidade de escolas e professores. Será que estamos diante de uma destas pessoas para quem no fundo o “tal do aluno é um detalhe”?

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