Coesão social e educação

Como deve ser a educação moral e cívica nas escolas? No passado, havia a idéia de que a escola devia ensinar os valores da pátria, da família, das glorias do passado, dos heróis, etc.  Hoje, os grandes temas nacionais já quase não aparecem nos curriculos, sendo substituidos por temas de identidade, crítica social, a filosofia e a sociologia, cujos conteúdos variam muito conforme as preferencias e a competencia dos professores. Será que existe ainda um lugar para uma educacão de valores que contribua, como se pensava no passado, para fortalecer a coesão social?  Ou este é um assunto conservador e ultrapassado, no mundo globalizado de hoje?

Este é o tema de um texto entitulado “Educación y cohesión social en América Latina”  que preparei para um seminário sobre “Educación para el Desarrollo en América Latina””, organizado pela  “Agenda del Desarrollo Iberoamericana”, Barcelona, cuja versão preliminar pode ser baixada aqui. Comentários são benvindos!

Padrão de vida dos professores universitários no Brasil|Academic Salaries in Brazil

Participei na semana passada de uma reunião organizada em Moscou pela Higher School of Economics, uma das mais prestigiadas universidades russas, de um estudo comparado sobre as condições de trabalho dos professores universtiários em 30 países, apresentando um texto sobre o Brasil que está disponível aqui, e comentários são muito benvindos. Em minha apresentação comentei, entre outras coisas, a situação privilegiada das universidades paulistas, que recebem uma percentagem fixa do orçamento do Estado, e cujos professores são funcionários públicos com estabilidade para a vida. Um dos participantes, dos Estados Unidos, aonde ter uma posição com “tenure” é cada vez mais dificil, comentou que o melhor emprego possível no mundo de hoje para um professor universitário deve ser na USP ou em outra universidade paulista…

I attended last week a conference organized by the Higher School of Economics, one of the most prestigious Russian universities, on a comparative project on academic salaries in 30 countries. The first draft of my presentation on Brazil is available from here, and comments are welcome. In my presentation, I mentioned the situation of the universities in the state of São Paulo, which are entitled to a fixed percentage of the State’s tax revenues, and whose professors are civil servants with stable jobs for life.  One participant from the United States noted that, given the growing difficulty of getting tenure in the US and most other developed countries today,  one of the best jobs an academic could have today in the world is to work in one of São Paulo’s public universities…

Ações afirmativas na educação superior brasileira|Affirmative action in higher education in Brazi

O site Inside Higher Education – The World View publica hoje uma nota minha sobre o tema das ações afirmativas no ensino superior brasileiro, que pode ser visto aqui

The site Inside Higher Education – The World View published today a note I wrote on affirmative action in higher education in Brazil, which can be accessed here

Aonde trabalham os pós graduados?

34% por cento dos pós graduados trabalham no setor público, 37% são empregados com carteira assinada, e os demais tabalham por conta própria. Olhando  a distribuição por grupos de idade,  vemos, primeiro, que as pessoas tendem a completar a pós-graduação na faixa dos 35 a 45 anos, e que, quanto mais jovens, menos trabalham no setor público. No grupo entre 25 e 34 anos, 23% têm emprego público; no grupo mais velho, de 55 a 64 anos,  são 43.1%.  Isto sugere que está havendo um mercado crescente no setor privado para pessoas com formação de alto nível, embora não necessariamente com a titulação formal “strito senso”.

Se olhamos as rendas, na tabela abaixo, vemos que de fato o rendimento no setor privado para este grupo é maior do que o do setor público principalmente para o que trabalham como empregadores.

Isto sugere que a pós-graduação profissional tem um papel cada vez mais importante, e deveria deixar de ser vista, como ocorre frequentemente, como uma formacão de baixa qualidade e pouco interesse, comparada com os mestrados e doutorados formais.

Que fazem os pós graduados?

Esta tabela resume as informações sobre o número de pessoas e a renda de todos os trabalhos das pessoas com pós-graduação  em 2002 e 2009, tal como estimado pelas respectivas  PNADs; só incluimos as estimativas acima de 5 mil pessoas em 2002. O maior grupo, que continua crescendo, é o dos  profissionais do ensino. seguidos de profissionais das ciências biológicas, exatas, sociais e jurídicas. Corrigimos os salários médios de 2002 pelo índice de preços do IBGE (IPCA), e vemos que a renda dos profissionais de ensino com pós-graduação, que era relativamente baixa em 2002, praticamente se mantém inalterada.

As rendas dos profissionais das áreas técnicas e científicas eram na média bem mais altas, se reduziram de lá para cá, mas ainda continuam vantajosas em relação à dos professores. Os maiores aumentos de renda, no entanto, ocorreram entre as pessoas com posicões de direção, administrativas e nas áreas do direito.

Em resumo, então: a principal função da pós-graduação é preparar profissionais para as próprias instituições de ensino;  o mercado de trabalho privado remunera melhor estas pessoas;  e os grandes prêmios em termos salariais vão para pessoas em posições executivas e administrativas, o que explica a expansão e a procura crescente pelos MBAs.

Quanto vale uma pós-graduação?

A PNAD de 2009 encontrou 580 mil pessoas que tinham completado cursos de pós-graduação, em comparação com 320 mil em 2002, um aumento de 81%, maior do que o de pessoas com curso de graduação, de 65%. O dado da PNAD não permite distinguir os diferentes tipos de pós-graduação – lato senso, especialização, mestrado, doutorado, etc.  Mas o que explica esta grande busca pela pós-graduação é o ganho de renda que ela significa. Em 2002, ter uma pós-graduação significava ter uma renda do trabalho 80% maior do que os que só tinham graduação. Em 2009, esta diferença havia aumentado para 100%, o dobro.  Isto, de alguma maneira, compensa o fato de a renda relativa das pessoas de educação superior em  2009 seja menor do que a de 2002.

Com o crescimento da pós-graduação, a composição social dos pós-graduados também se alterou. Em termos de cor, 87% dos pós-graduados em 2002 eram brancos; em 2009, eram 79%. Os pardos e pretos, que eram 12%, passaram a 20%.  O próximo passo será olhar em que áreas estas pessoas trabalham.

Quanto ganham nossos bachareis?

Em uma nota anterior, mostrei alguns dados sobre o crescimento quantitativo de pessoas com educação superior entre 2002 e 2009. Esta nota apresenta alguns dados sobre a renda destas pessoas.

Entre 2002 e 2009, diminuiu um pouco as diferenças de renda em função da educação, mas obter uma educação superior ainda significa ganhar 193% mais do que a média, comparado com 273% em 2002.  A vantagem de quem tem nível superior em relação a quem tem o nível médio completo era de 3 vezes em 2002, contra 2.8 vezes em 2009 (renda de todos os trabalhos, maiores de 18 anos de idade)

A renda dos diversos grupos ocupacionais com educação superior é muito variada, mas as diferenças  dentro de cada grupo de oupações em relação a quem não tem o diploma são sempre muito significativas. Para os profissionais de ensino, o rendimento médio com nível superior é de R$ 2.022,00, uma diferença de 59%.  Para os escriturários, R$ 1.780,00, uma vantagem de 86%. Para gerentes, R$3.632,00, uma diferença de 77%. Para os profissionais de ciências exatas e engenharia, R$ 4.375,00,um ganho de 117%; para os técnicos de nível médio em ciencias administrativas, R$ 3.349,00, um ganho de 127%; para os trabalhadores em serviços, R$ 1.420,00, um ganho de 152%. Estas são, justamente, as categorias em que aumentou mais o número de pessoas com educação superior no mercado de trabalho no período.

Estes mesmos ganhos podem ser observados quando dividimos a população ocupada pela categoria de “cor”  das pesquisas do IBGE. Brancos e orientais  com educação superior têm renda maior do que pretos e pardos, mas os ganhos destes últimos são maiores: entre os pretos, há um aumento de 265%, e, entre os pardos, de 298%; há mais desigualdade relacionada à cor na população sem educação superior do que entre a população mais educada.

O que fazem nossos bacharéis?

Entre 2002 e 2009, o número de pessoas no Brasil com educação superior  estimado pela PNAD passou de 6.9 para 12.2 milhões, um aumento de 74,8%, o que corresponde a quase 750 mil novos formados a cada ano . O aumento maior foi entre as mulheres e, nas categorias de cor do censo, entre pardos e pretos.

Que fazem estas pessoas?  O maior aumento foi entre profissionais do ensino com formação de nível superior. Eram 1,076 milhões em 2002, passaram a 2,096 milhões em 2009, um aumento de 94,7%. Do total, 80% destes profissionais trabalhavam na educação básica. O que explica este aumento é o grande número de professores da educação básica que se titularam neste período. Em 2002, haviam 2,7 milhões de profissionais do ensino, 46% deles de nível superior; em 2009, haviam 3.7 milhões, 61% de nível superior.

A segunda categoria que cresceu foi a de “escriturários” – são 998 mil com educação superior  em 2009, comparado com 395 mil em 2002, um aumento de 152%. Esta categoria, na classificação do IBGE, inclui atividades administrativas de vários tipos. Haviam 6 milhões de escriturários em 2009, a grande maioria sem educação superior. É possível pensar que a grande maioria das pessoas de nível superior ocupadas nesta categoria estavam trabalhando em funções de nível médio.


O que se pode observar  em geral, é que, fora da educação, as ocupações que mais crescem são as tipo administrativo e de serviços. Nas áreas de nivel superior propriamente ditas, a que mais cresce é a dos profissionais das ciencias sociais e humanas.

Em síntese: a educação superior brasileira cresceu muito no período, deu acesso a pessoas de grupos sociais menos favorecidos, e beneficiou especialmente as mulheres. Uma parte muito importante deste crescimento se explica pela titulação obtida por professoras da educação básica, outra pelo grande número de pessoas que, apesar do título superior, continuaram trabalhando em funções de nível médio, e também pelo crescimento dos profissionais das ciencias sociais e humanas. Na outra ponta, o crescimento de profissionais nas áreas das ciências biológicas e técnicas, que já eram um contingente pequeno, foi muito menos expressivo.


Lula: entre Roosevelt e Perón

Vários comentaristas tem feito comparações entre Lula e Roosevelt,  mas existem também os que fazem paralelos com Perón. Roosevelt, Perón e Lula têm em comum ter aumentado os gastos do setor público, aumentado o papel do Estado na economia e introduzido  políticas de distribuição de renda,  conquistando grande apoio popular. Para manter seu poder  e levar à frente suas políticas, fizeram parcerias com setores aparentemente incompatíveis:  no caso de Roosevelt, com as oligarquias racistas do antigo Partido Democrata do Sul dos Estados Unidos; no caso de Perón, com os militares, sindicatos e oligarquias regionais; e no caso de Lula, com os coronéis do Nordeste, os velhos pelegos  e os políticos fisiológicos do PMDB e próprios.

Os  legados de Roosevelt e Perón, no entanto, são muito distintos, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Roosevelt governa os Estados Unidos entre 1933 e 1945, e depois da guerra o pais entra em um período de grande expansão econômica, enquanto que a Argentina, governada por Perón entre 1943 e 1955, que até os anos trinta tinha um nível de renda que se aproximava da Alemanha e da França, entra gradativamente em um processo de decadência econômica e desorganização social que parece não ter fim. Na política, os Estados Unidos mantêm intacto, ao longo dos anos, o sistema partidário e as instituições políticas, enquanto que a Argentina vê sua ordem legal  e institucional rompida por crises sucessivas.

Como explicar estas diferenças? No caso dos Estados Unidos, a intervenção do Estado na economia, o aumento de impostos e dos gastos públicos se deram pela premência da crise dos anos 30 e pela economia de guerra que lhe sucedeu. Em parte, foram ações irreversíveis. Terminada a guerra, os Estados Unidos não voltam aos baixos níveis de taxação dos anos anteriores,  nem rompem os vínculos econômicos entre o governo e os setores da indústria que participaram do esforço de guerra, e que continuaram se beneficiando de contratos com o governo durante a guerra fria – o  chamado complexo industrial militar, criticado pelo presidente e general Eisenhower em 1961 .  O sindicalismo, antes fortemente reprimido, encontra um espaço legítimo de atuação, e o embrião do estado de bem estar social que havia sido esboçado nos anos 30 continua se expandindo, culminando com o projeto da Great Society de Lyndon Johnson.

Roosevelt tinha grande popularidade, tanto pelo New Deal quanto pela liderança que exerceu durante a guerra, mas seu poder era limitado pela autonomia do judiciário e do Congresso, o sistema bipartidário não foi ameaçado, os impostos se mantiveram contidos e a dívida pública, que havia atingido níveis altíssimos com a guerra, cai sistematicamente até os tempos de Bush e Reagan. Apesar das políticas de expansão de gastos em seu governo, Roosevelt tinha também um lado claramente conservador do ponto de vista fiscal, que tentou colocar em prática ao final dos anos 30 . O que deu impulso à economia americana, e permitiu a formação da grande classe media naquele pais, foi sem dúvida a economia de mercado, fortalecendo o argumento daqueles que consideravam, e ainda consideram, o período de Roosevelt como uma exceção.

No caso da Argentina, o que predominou no após guerra foi uma política de fechamento da economia, que fez com que o pais deixasse de aproveitar do fato de ser um dos grandes produtores agrícolas do mundo para fazer crescer a economia como um todo, como aconteceu, por exemplo, na Austrália.  Eis como um autor resume o que ocorreu:

“O governo de Perón, que tinha sido eleito com o voto popular, levou à frente uma grande redistribuição da renda nacional que beneficiou, pelo menos no curto prazo, setores da sociedade com menor renda. Ele criou os fundamentos de um poderoso estado de bem estar social, controlado pelo governo e os sindicatos, e ampliou ainda mais o poder do estado através de nacionalizações e um alto grau de intervenção do governo no comércio internacional e local, no sistema bancário e de seguros. O governo era apoiado sobretudo pelos militares, por uma burocracia estatal crescente, por alguns empresários locais, que se beneficiavam das políticas protecionistas e do apoio do governo, e dos sindicatos, que eram patrocinados pelo governo e se transformaram nos principais beneficiários de suas políticas.  Perón gozava de grande apoio popular, ainda que os direitos individuais e as liberdades políticas de seus oponentes nem sempre fossem respeitados, a imprensa fosse controlada, e as atividades políticas da oposição fosse reprimida”  (traduzido de Felipe A. M. De La Balze,. Remaking the Argentine Economy. New York: Council of Foreign Relations Press. 1995)

Esta estratégia produziu bons resultados econômicos no início,  sobretudo para os setores mais protegidos, mas acabou redundando em uma economia com pouco potencial de crescimento. As indústrias se desenvolveram a taxas razoáveis até os anos 60, e depois estagnaram. Os baixos investimentos em tecnologia e as políticas fiscais e de câmbio fizeram com que o setor agrícola não se desenvolvesse como deveria. Com a saída de Perón em 1955, o sistema político argentino não consegue de estabilizar, e a Argentina perde cada vez mais o lugar que poderia ter tido. Entre 1950 e 1970, enquanto que a economia do mundo se expandia, e com ela o Brasil (uma das economias que mais cresceu, acima de 6% ao ano), a Argentina não foi além de  2,1% ao ano.

Duas outras características negativas, também assinaladas por Balze, marcam o peronismo. A primeira é que o país, sistematicamente, tomava decisões erradas na política internacional. O golpe de estado que levou Perón ao poder tinha por objetivo manter a proximidade do país com as ditaduras do Eixo na segunda guerra. A paranóia contra o imperialismo inglês e americano fez com que a Argentina se recusasse por muitos anos a participar dos acordos do GATT, deixando de se beneficiar do fluxo de comércio e investimentos do período. Como diz Balze, “a Argentina se voltou para o intervencionismo e protecionismo na área econômica e para o nacionalismo, o populismo e o militarismo na área política – estratégias equivocadas em resposta ao novo ambiente da economia internacional.”

A diferença crucial entre Roosevelt e Perón, do ponto de vista econômico, parece ter sido que as políticas intervencionistas de Roosevelt foram feitas e tiveram como resultado estimular a economia americana, enquanto que as políticas peronistas serviram para isolar a Argentina da economia internacional e fazer com que o pais entrasse em um longo processo de decadência econômica e desorganização institucional do qual até hoje não saiu .

Um outro ponto assinalado por Balze é que o tipo de política desenvolvido por Perón e os peronistas, de uso predatório do setor público em benefício de seus aliados, fez com que a Argentina nunca tivesse desenvolvido instituições públicas com a competência e a qualidade que seriam necessárias para levar à frente as políticas intervencionistas que faziam e ainda fazem parte do discurso peronista. Do ponto de vista político, Perón criou o peronismo,  que sufocou a oposição na Argentina tanto à direita quanto à esquerda, enquanto que Roosevelt não criou um Rooseveltismo, embora tenha contribuído para alterar as características do Partido Democrata, que ficou mais identificado com as políticas sociais, os sindicatos e o movimento de direitos civis do que o Partido Republicano.

A crise econômica recente fez com que muitos, no Brasil, comemorassem o fim da economia de mercado e a vitória das políticas de  intervencionismo estatal representadas, aparentemente, por Roosevelt e Perón.     Na verdade, o desenvolvimento do Japão e da Coréia nas últimas décadas já haviam servido para demonstrar que existe espaço e pode ser importante, para os países,  desenvolver política industriais e de investimentos, da mesma maneira que o welfare state da Europa Ocidental já havia demonstrado que não existe oposição necessária entre proteção social e desenvolvimento da economia.  Mas todos os países que conseguiram se desenvolver, incluindo a China nos últimos anos, o fizeram pela combinação de políticas industriais com a abertura da economia e participação intensa nos fluxos internacionais de comércio, finanças e tecnologia, e não pelo isolamento e fechamento, nem pelo sufocamento do mercado por impostos excessivos e déficits públicos crescentes. Estes países foram capazes, também, de investir fortemente na educação de qualidade, e fortalecer e capacitar suas instituições públicas.

O governo de Lula é mais Roosevelt ou mais Perón?  Olhando a experiência dos últimos anos, é possível pensar que ele oscila entre os dois pólos. Beneficiado por um ciclo extremamente positivo do comércio internacional, o governo tem mantido a economia aberta e respeitado, embora com arranhões,  a ordem constitucional. A autonomia do Banco Central tem sido mantida, fortalecendo desta forma um lado de austeridade e equilíbrio macroeconômico que contrabalança o descontrole crescente dos gastos públicos. Ao mesmo tempo vem se acentuando, sobretudo nos últimos anos, sua face peronista, comprometendo cada vez mais os orçamentos com gastos fixos, aparelhando a administração pública e  ampliando o capitalismo de estado, em parceria com grupos empresariais privilegiados. Embora ainda preservadas, as instituições se vêm constantemente ameaçadas pelo fantasma dos “movimentos sociais” e do “controle social”, inclusive dos meios de comunicação.  Existe um discurso populista que tenta contrapor os  “pobres” às “elites”, reminiscente dos discursos de Perón sobre os “descamisados”.

No discurso político, predomina a idéia de que tudo é possível, não há limites, e que quaisquer restrições que se possa fazer às políticas do governo são meramente ideológicas. Este voluntarismo faz com que reformas institucionais importantes, como a reforma fiscal e do sistema previdenciário, não aquiram prioridade. Alguns setores no governo chegam a argumentar que o desenvolvimento da economia nos últimos se deve ao crescimento da intervenção estatal, ao aumento dos gastos públicos e às políticas de redistribuição de renda, assim como à política internacional terceiromundista e anti-norteamericana; eu tendo a crer, ao contrário, que é  a relativa abertura da economia e o equilíbrio macroeconômico, obtidos sobretudo a partir das políticas de Fernando Henrique Cardoso, mais os ventos favoráveis que vêm da China, que têm permitido estas ações. Se estes bons ventos continuarem a soprar nos próximos anos, esta ambigüidade pode continuar por muito tempo. Se as coisas se tornarem difíceis, será o momento, então, de o pais optar com mais clareza entre  Roosevelt e Perón.

Tony Judt: Meritocratas

Em um de seus últimos escritos, Tony Judt escreve sobre seus tempos de estudante no King’s College, Cambridge, nos anos 60, e que ele pensa que uma universidade deve ser. O texto completo está publicado no New York Review of Books de 19 de agosto de 2010. Traduzo os parágrafos finais:

In one of list last texts, Tony Judt writes about his years as a student at Cambridge’s King College, and about what he thinks a university shoud be. The full text was published in the New York Review of Books of August 19, 2010.

Universidades são elitistas: seu objetivo é selecionar o grupo mais talentoso de uma geração e educá-los tanto quanto suas habilidades permitem, abrindo espaço nas elites e renovando-as consistentemente. Igualdade de oportunidade e igualdade de resultados não são a mesma coisa. Uma sociedade dividida pela riqueza e pelas heranças não tem comoo corrigir a injustiça camuflando-a nas instituições educacionais – negando as distinções de habilidades ou restringindo as oportunidades seletivas – ao mesmo tempo em que aumenta as desigualdades de renda em nome da abertura de mercado. Isto é hipocrisia.

Em minha geração, nós nos considerávamos radicais e membros da elite. Se isto parece incoerente, é a incoerência de uma tradição liberal que adquirimos intuitivamente na universidade. É a incoerência de um aristocrata Keynes estabelecendo o Royal Ballet e o Conselho de Artes para o benefício de todos, mas tomando cuidado para que eles fossem dirigidos pelos mais competentes. É a incoerência da meritocracia dando oportunidade a todos, e privilegiando os talentosos. É a incoerência de meu King’s College, que tive a felicidade de ter experimentado.

—————–

Universities are elitist: they are about selecting the most able cohort of a generation and educating them to their ability—breaking open the elite and making it consistently anew. Equality of opportunity and equality of outcome are not the same thing. A society divided by wealth and inheritance cannot redress this injustice by camouflaging it in educational institutions—by denying distinctions of ability or by restricting selective opportunity—while favoring a steadily widening income gap in the name of the free market. This is mere cant and hypocrisy.

In my generation we thought of ourselves as both radical and members of an elite. If this sounds incoherent, it is the incoherence of a certain liberal descent that we intuitively imbibed over the course of our college years. It is the incoherence of the patrician Keynes establishing the Royal Ballet and the Arts Council for the greater good of everyone, but ensuring that they were run by the cognoscenti. It is the incoherence of meritocracy: giving everyone a chance and then privileging the talented. It was the incoherence of my King’s and I was fortunate to have experienced it.

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial