É hora de descer da torre de marfim!

A revista Exame Ceo, da Editora Abril, publica, neste mês de outubro de 2010, o texto abaixo sobre a educação superior no Brasil, que também está disponível em formato pdf clicando aqui.

É hora de descer da torre de marfim!

O sistema de educação superior no Brasil cresce, mas seu tamanho ainda é muito reduzido se comparado com o de países de economia desenvolvida ou até mesmo em desenvolvimento. Nesses países, é comum ver a maior parte dos jovens em algum tipo de instituição de ensino superior. Já no Brasil, apenas cerca de 10 milhões de pessoas têm uma graduação (menos de 10% da população adulta) e pouco mais de 5 milhões estão matriculados em uma universidade (menos de 14% da população jovem). Como há pouca gente com diploma, a remuneração para esse grupo costuma ser muito melhor. Essa discrepância acaba sendo um grande incentivo para que as pessoas queiram entrar numa universidade. Elas enfrentam, no entanto, várias barreiras: a má qualidade do ensino médio, os altos níveis de abandono escolar, a seletividade das universidades públicas e os custos relativamente altos das instituições privadas.

O governo federal tem procurado aumentar a quantidade de vagas e facilitar o acesso ao ensino superior. Além de criar novas universidades e centros de educação tecnológica, dá estímulos para que as universidades públicas abram mais vagas e estimula programas de cotas. Apesar disso, o setor público não consegue aumentar sua fatia e só atende hoje a 25% da demanda, ficando os 75% restantes com o setor privado. Outra maneira encontrada pelo governo federal de facilitar o acesso é a “compra” de vagas do setor privado, tendo como moeda de troca a isenção fiscal.

O Brasil vai precisar na próxima década de mais gente com formação superior, mas é importante perguntar também quem estamos formando e com quais qualificações. O censo do ensino superior do Ministério da Educação mostra que 43% dos estudantes estão matriculados hoje em cursos de ciências sociais, negócios e direito, 17% em educação e 15% na área de saúde e bem-estar. O total nas engenharias é de 9% e nas áreas de matemática e computação, de 8%. Nas sociedades modernas, as áreas de negócios realmente precisam de muita gente, assim como as de serviços de saúde. O nosso problema está no numero de engenheiros formados anualmente. Eles são pouco mais de 51 000, menos de 6% do total, um percentual muito baixo se comparado ao de países como Japão, Coreia e Finlândia (25%), sem mencionar a China (36%). A taxa brasileira é mais próxima de sociedades pós-industriais, como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Reino Unido.

Nunca conseguimos desenvolver um setor significativo de formação tecnológica que pudesse, em poucos anos, capacitar pessoas para trabalhar em laboratórios, hotéis, restaurantes, empresas de tecnologia de alimentos, oficinas mecânicas, construção civil, entre outras áreas. Todos os países que expandiram sua educação superior deram esse passo. No Brasil, os estudantes evitam essas carreiras porque as consideram de pouco prestígio. Na prática, em muitos casos, essas funções acabam sendo desempenhadas por pessoas com diplomas universitários. Os dados da PNAD do IBGE de 2008 mostram que 23% das pessoas com nível superior no Brasil trabalham em atividades técnicas e administrativas de nível médio.

A área da pós-graduação também merece atenção. O Brasil forma hoje cerca de 10 000 doutores ao ano. A pesquisa domiciliar do IBGE registra cerca de 326 000 pessoas fazendo cursos de pós-graduação. Em várias áreas, como economia e administração, existem muitos cursos de graduação e a qualidade nem sempre é boa. Nesses casos, a pós-graduação aparece como uma saída para buscar uma posição diferenciada no mercado de trabalho. Mas a questão é que a grande maioria das pessoas com doutorado acaba indo trabalhar em universidades públicas, se é que já não estava lá quando começou a buscar seu novo título. Isso traz vantagens para as universidades públicas, que ficam com professores melhores, mas beneficia pouco os 75% dos estudantes em instituições privadas, que quase não contratam professores doutores. Para ser bem avaliados pela CAPES e receber apoio, os programas de pós-graduação precisam que seus professores publiquem artigos em revistas acadêmicas. Com essa exigência, o número de artigos científicos de fato tem aumentado. A qualidade dessas publicações, no entanto, é baixa quando se usa como medida o número de citações que recebem. Isso sem falar na falta de resultados dessas pesquisas na produção de patentes e de tecnologia.

Existem cursos universitários muito bons no país, mas também muitos de qualidade duvidosa, tanto no setor público quanto no particular. O Ministério da Educação dá conceitos aos cursos, mas não diz, por exemplo, qual é o mínimo de qualidade aceitável em medicina, direito ou administração. Fora isso, tem muito pouca capacidade de interferir nas instituições consideradas de qualidade inaceitável. No setor privado, existem cada vez mais empresas que atendem a dezenas de milhares de alunos a custos muito reduzidos, geralmente à noite, com uma educação de qualidade indefinível. No setor público, não existem mecanismos que incentivem as instituições a melhorar a qualidade e a usar bem os recursos públicos que recebem.

Para a próxima década, o país precisa expandir a educação superior e, sobretudo, fazer com que ela se torne cada vez mais relevante para a sociedade em seus diversos níveis. Os cursos de formação tecnológica precisam aumentar muito, não só para suprir as necessidades crescentes do mercado de trabalho, mas também porque muitos dos que hoje buscam uma universidade não têm formação adequada para realmente seguir um curso superior. Para que os cursos tecnológicos sejam atrativos e produzam pessoas capacitadas, eles precisam ser desenvolvidos em forte cooperação com o setor produtivo, que deve participar discutindo os conteúdos dos cursos, abrindo suas portas para estágios e fornecendo equipamentos. Para que o estigma associado a esses cursos desapareça, é preciso que os créditos obtidos em cursos de curta duração possam valer para pessoas que desejem mais tarde continuar a estudar e completar um curso superior pleno.

Os cursos de graduação também se beneficiariam muito de uma aproximação mais forte com o setor produtivo e precisam adquirir muito mais transparência em relação à sua qualidade e aos resultados que produzem. O Brasil ainda vive a ficção de que todos os títulos de nível superior são iguais. Tanto o mercado de trabalho quanto o setor público ainda recompensam as pessoas que têm títulos independentemente das qualificações efetivas que possam ter. Essa situação é reforçada pelo sistema de regulamentação profissional e também pela reserva de mercado estimulada pelos sindicatos e associações profissionais. São os sociólogos que conseguiram tornar obrigatório o ensino de sociologia nas escolas, os comunicadores que insistem em requerer diplomas para jornalistas, os médicos que querem restringir o trabalho de outros profissionais de saúde, as farmácias que são obrigadas a contratar farmacêuticos… O fortalecimento da educação tecnológica e a redução dos privilégios associados aos diplomas podem fazer com que as pessoas comecem a buscar qualificações mais efetivas e mais práticas, em vez diplomas de cursos superiores de qualidade duvidosa.

Tanto o setor público quanto o privado precisam se ajustar aos novos tempos. As universidades públicas são financiadas com recursos orçamentários que independem de bons resultados. Essas instituições não podem desenvolver políticas ativas de busca de talento, nem demitir professores de má qualidade, ou fechar departamentos e cursos para os quais não há demanda. Como são seus professores que desenvolvem os sistemas de avaliação que o Ministério da Educação utiliza, não é surpreendente que essas universidades sejam, em geral, bem avaliadas. O setor privado se queixa das avaliações que são impostas pelo Ministério da Educação, mas até hoje não desenvolveu um sistema alternativo de controle de qualidade. Os critérios de avaliação de cursos noturnos para alunos que não tiveram uma educação secundária de qualidade, são mais velhos e precisam trabalhar durante o dia não podem ser os mesmos dos cursos dados durante o dia para alunos jovens, selecionados por vestibulares competitivos e com professores de tempo integral. O setor privado, que atende preferencialmente ao público noturno, precisa mostrar com clareza o que pode de fato oferecer, e não permanecer simplesmente como uma versão empobrecida do que o ensino público deveria ser.

A pesquisa universitária precisa deixar de ser, predominantemente, um complemento dos cursos de pós-graduação. O Brasil tem excelentes centros de pesquisa e de tecnologia, vários deles trabalhando em parcerias com o setor produtivo. O drama do país é que essas instituições podem ser contadas nos dedos. Todos os incentivos da pós-graduação são acadêmicos. A recompensa vai para os programas que formam mais gente e que publicam mais artigos, coisas que são importantes, mas só quando não se transformam em um fim em si mesmo.

Finalmente, a educação superior brasileira é provinciana e precisa se abrir mais para o mundo. Existem hoje várias instituições que publicam os rankings das melhores universidades do mundo. A melhor universidade brasileira, a USP, que é também a melhor da America Latina, geralmente fica lá pelo centésimo lugar. Podemos e devemos criticar a forma com que essas listas são feitas, mas a colocação no ranking reflete o fato de que nossas universidades não são conhecidas lá fora. Mostra também que não participamos como deveríamos do fluxo internacional de conhecimentos e talento, que se dá pelo intercâmbio e circulação de estudantes e professores. Muitos professores com doutorado nas melhores universidades brasileiras estudaram fora, mas as agências de governo vêm diminuindo o apoio que davam aos doutorados no exterior, achando que não precisamos mais deles.  Nossas universidades não têm como competir por talentos no exterior devido à falta de flexibilidade dos salários e das dificuldades em contratar estrangeiros. E não temos, no Brasil, universidades que despertem o interesse de estudantes de outros países. É possível resumir tudo isso dizendo que o ensino superior brasileiro vem crescendo, mas se desenvolveu em grande parte de forma fechada, voltado para si mesmo. Por isso, não tem a qualidade, a pujança, a eficiência e a relevância que deveria ter.  É preciso abrir as portas e arejar o ambiente.

Coesão social e educação

Como deve ser a educação moral e cívica nas escolas? No passado, havia a idéia de que a escola devia ensinar os valores da pátria, da família, das glorias do passado, dos heróis, etc.  Hoje, os grandes temas nacionais já quase não aparecem nos curriculos, sendo substituidos por temas de identidade, crítica social, a filosofia e a sociologia, cujos conteúdos variam muito conforme as preferencias e a competencia dos professores. Será que existe ainda um lugar para uma educacão de valores que contribua, como se pensava no passado, para fortalecer a coesão social?  Ou este é um assunto conservador e ultrapassado, no mundo globalizado de hoje?

Este é o tema de um texto entitulado “Educación y cohesión social en América Latina”  que preparei para um seminário sobre “Educación para el Desarrollo en América Latina””, organizado pela  “Agenda del Desarrollo Iberoamericana”, Barcelona, cuja versão preliminar pode ser baixada aqui. Comentários são benvindos!

Padrão de vida dos professores universitários no Brasil|Academic Salaries in Brazil

Participei na semana passada de uma reunião organizada em Moscou pela Higher School of Economics, uma das mais prestigiadas universidades russas, de um estudo comparado sobre as condições de trabalho dos professores universtiários em 30 países, apresentando um texto sobre o Brasil que está disponível aqui, e comentários são muito benvindos. Em minha apresentação comentei, entre outras coisas, a situação privilegiada das universidades paulistas, que recebem uma percentagem fixa do orçamento do Estado, e cujos professores são funcionários públicos com estabilidade para a vida. Um dos participantes, dos Estados Unidos, aonde ter uma posição com “tenure” é cada vez mais dificil, comentou que o melhor emprego possível no mundo de hoje para um professor universitário deve ser na USP ou em outra universidade paulista…

I attended last week a conference organized by the Higher School of Economics, one of the most prestigious Russian universities, on a comparative project on academic salaries in 30 countries. The first draft of my presentation on Brazil is available from here, and comments are welcome. In my presentation, I mentioned the situation of the universities in the state of São Paulo, which are entitled to a fixed percentage of the State’s tax revenues, and whose professors are civil servants with stable jobs for life.  One participant from the United States noted that, given the growing difficulty of getting tenure in the US and most other developed countries today,  one of the best jobs an academic could have today in the world is to work in one of São Paulo’s public universities…

Ações afirmativas na educação superior brasileira|Affirmative action in higher education in Brazi

O site Inside Higher Education – The World View publica hoje uma nota minha sobre o tema das ações afirmativas no ensino superior brasileiro, que pode ser visto aqui

The site Inside Higher Education – The World View published today a note I wrote on affirmative action in higher education in Brazil, which can be accessed here

Aonde trabalham os pós graduados?

34% por cento dos pós graduados trabalham no setor público, 37% são empregados com carteira assinada, e os demais tabalham por conta própria. Olhando  a distribuição por grupos de idade,  vemos, primeiro, que as pessoas tendem a completar a pós-graduação na faixa dos 35 a 45 anos, e que, quanto mais jovens, menos trabalham no setor público. No grupo entre 25 e 34 anos, 23% têm emprego público; no grupo mais velho, de 55 a 64 anos,  são 43.1%.  Isto sugere que está havendo um mercado crescente no setor privado para pessoas com formação de alto nível, embora não necessariamente com a titulação formal “strito senso”.

Se olhamos as rendas, na tabela abaixo, vemos que de fato o rendimento no setor privado para este grupo é maior do que o do setor público principalmente para o que trabalham como empregadores.

Isto sugere que a pós-graduação profissional tem um papel cada vez mais importante, e deveria deixar de ser vista, como ocorre frequentemente, como uma formacão de baixa qualidade e pouco interesse, comparada com os mestrados e doutorados formais.

Que fazem os pós graduados?

Esta tabela resume as informações sobre o número de pessoas e a renda de todos os trabalhos das pessoas com pós-graduação  em 2002 e 2009, tal como estimado pelas respectivas  PNADs; só incluimos as estimativas acima de 5 mil pessoas em 2002. O maior grupo, que continua crescendo, é o dos  profissionais do ensino. seguidos de profissionais das ciências biológicas, exatas, sociais e jurídicas. Corrigimos os salários médios de 2002 pelo índice de preços do IBGE (IPCA), e vemos que a renda dos profissionais de ensino com pós-graduação, que era relativamente baixa em 2002, praticamente se mantém inalterada.

As rendas dos profissionais das áreas técnicas e científicas eram na média bem mais altas, se reduziram de lá para cá, mas ainda continuam vantajosas em relação à dos professores. Os maiores aumentos de renda, no entanto, ocorreram entre as pessoas com posicões de direção, administrativas e nas áreas do direito.

Em resumo, então: a principal função da pós-graduação é preparar profissionais para as próprias instituições de ensino;  o mercado de trabalho privado remunera melhor estas pessoas;  e os grandes prêmios em termos salariais vão para pessoas em posições executivas e administrativas, o que explica a expansão e a procura crescente pelos MBAs.

Quanto vale uma pós-graduação?

A PNAD de 2009 encontrou 580 mil pessoas que tinham completado cursos de pós-graduação, em comparação com 320 mil em 2002, um aumento de 81%, maior do que o de pessoas com curso de graduação, de 65%. O dado da PNAD não permite distinguir os diferentes tipos de pós-graduação – lato senso, especialização, mestrado, doutorado, etc.  Mas o que explica esta grande busca pela pós-graduação é o ganho de renda que ela significa. Em 2002, ter uma pós-graduação significava ter uma renda do trabalho 80% maior do que os que só tinham graduação. Em 2009, esta diferença havia aumentado para 100%, o dobro.  Isto, de alguma maneira, compensa o fato de a renda relativa das pessoas de educação superior em  2009 seja menor do que a de 2002.

Com o crescimento da pós-graduação, a composição social dos pós-graduados também se alterou. Em termos de cor, 87% dos pós-graduados em 2002 eram brancos; em 2009, eram 79%. Os pardos e pretos, que eram 12%, passaram a 20%.  O próximo passo será olhar em que áreas estas pessoas trabalham.

Quanto ganham nossos bachareis?

Em uma nota anterior, mostrei alguns dados sobre o crescimento quantitativo de pessoas com educação superior entre 2002 e 2009. Esta nota apresenta alguns dados sobre a renda destas pessoas.

Entre 2002 e 2009, diminuiu um pouco as diferenças de renda em função da educação, mas obter uma educação superior ainda significa ganhar 193% mais do que a média, comparado com 273% em 2002.  A vantagem de quem tem nível superior em relação a quem tem o nível médio completo era de 3 vezes em 2002, contra 2.8 vezes em 2009 (renda de todos os trabalhos, maiores de 18 anos de idade)

A renda dos diversos grupos ocupacionais com educação superior é muito variada, mas as diferenças  dentro de cada grupo de oupações em relação a quem não tem o diploma são sempre muito significativas. Para os profissionais de ensino, o rendimento médio com nível superior é de R$ 2.022,00, uma diferença de 59%.  Para os escriturários, R$ 1.780,00, uma vantagem de 86%. Para gerentes, R$3.632,00, uma diferença de 77%. Para os profissionais de ciências exatas e engenharia, R$ 4.375,00,um ganho de 117%; para os técnicos de nível médio em ciencias administrativas, R$ 3.349,00, um ganho de 127%; para os trabalhadores em serviços, R$ 1.420,00, um ganho de 152%. Estas são, justamente, as categorias em que aumentou mais o número de pessoas com educação superior no mercado de trabalho no período.

Estes mesmos ganhos podem ser observados quando dividimos a população ocupada pela categoria de “cor”  das pesquisas do IBGE. Brancos e orientais  com educação superior têm renda maior do que pretos e pardos, mas os ganhos destes últimos são maiores: entre os pretos, há um aumento de 265%, e, entre os pardos, de 298%; há mais desigualdade relacionada à cor na população sem educação superior do que entre a população mais educada.

O que fazem nossos bacharéis?

Entre 2002 e 2009, o número de pessoas no Brasil com educação superior  estimado pela PNAD passou de 6.9 para 12.2 milhões, um aumento de 74,8%, o que corresponde a quase 750 mil novos formados a cada ano . O aumento maior foi entre as mulheres e, nas categorias de cor do censo, entre pardos e pretos.

Que fazem estas pessoas?  O maior aumento foi entre profissionais do ensino com formação de nível superior. Eram 1,076 milhões em 2002, passaram a 2,096 milhões em 2009, um aumento de 94,7%. Do total, 80% destes profissionais trabalhavam na educação básica. O que explica este aumento é o grande número de professores da educação básica que se titularam neste período. Em 2002, haviam 2,7 milhões de profissionais do ensino, 46% deles de nível superior; em 2009, haviam 3.7 milhões, 61% de nível superior.

A segunda categoria que cresceu foi a de “escriturários” – são 998 mil com educação superior  em 2009, comparado com 395 mil em 2002, um aumento de 152%. Esta categoria, na classificação do IBGE, inclui atividades administrativas de vários tipos. Haviam 6 milhões de escriturários em 2009, a grande maioria sem educação superior. É possível pensar que a grande maioria das pessoas de nível superior ocupadas nesta categoria estavam trabalhando em funções de nível médio.


O que se pode observar  em geral, é que, fora da educação, as ocupações que mais crescem são as tipo administrativo e de serviços. Nas áreas de nivel superior propriamente ditas, a que mais cresce é a dos profissionais das ciencias sociais e humanas.

Em síntese: a educação superior brasileira cresceu muito no período, deu acesso a pessoas de grupos sociais menos favorecidos, e beneficiou especialmente as mulheres. Uma parte muito importante deste crescimento se explica pela titulação obtida por professoras da educação básica, outra pelo grande número de pessoas que, apesar do título superior, continuaram trabalhando em funções de nível médio, e também pelo crescimento dos profissionais das ciencias sociais e humanas. Na outra ponta, o crescimento de profissionais nas áreas das ciências biológicas e técnicas, que já eram um contingente pequeno, foi muito menos expressivo.


Lula: entre Roosevelt e Perón

Vários comentaristas tem feito comparações entre Lula e Roosevelt,  mas existem também os que fazem paralelos com Perón. Roosevelt, Perón e Lula têm em comum ter aumentado os gastos do setor público, aumentado o papel do Estado na economia e introduzido  políticas de distribuição de renda,  conquistando grande apoio popular. Para manter seu poder  e levar à frente suas políticas, fizeram parcerias com setores aparentemente incompatíveis:  no caso de Roosevelt, com as oligarquias racistas do antigo Partido Democrata do Sul dos Estados Unidos; no caso de Perón, com os militares, sindicatos e oligarquias regionais; e no caso de Lula, com os coronéis do Nordeste, os velhos pelegos  e os políticos fisiológicos do PMDB e próprios.

Os  legados de Roosevelt e Perón, no entanto, são muito distintos, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Roosevelt governa os Estados Unidos entre 1933 e 1945, e depois da guerra o pais entra em um período de grande expansão econômica, enquanto que a Argentina, governada por Perón entre 1943 e 1955, que até os anos trinta tinha um nível de renda que se aproximava da Alemanha e da França, entra gradativamente em um processo de decadência econômica e desorganização social que parece não ter fim. Na política, os Estados Unidos mantêm intacto, ao longo dos anos, o sistema partidário e as instituições políticas, enquanto que a Argentina vê sua ordem legal  e institucional rompida por crises sucessivas.

Como explicar estas diferenças? No caso dos Estados Unidos, a intervenção do Estado na economia, o aumento de impostos e dos gastos públicos se deram pela premência da crise dos anos 30 e pela economia de guerra que lhe sucedeu. Em parte, foram ações irreversíveis. Terminada a guerra, os Estados Unidos não voltam aos baixos níveis de taxação dos anos anteriores,  nem rompem os vínculos econômicos entre o governo e os setores da indústria que participaram do esforço de guerra, e que continuaram se beneficiando de contratos com o governo durante a guerra fria – o  chamado complexo industrial militar, criticado pelo presidente e general Eisenhower em 1961 .  O sindicalismo, antes fortemente reprimido, encontra um espaço legítimo de atuação, e o embrião do estado de bem estar social que havia sido esboçado nos anos 30 continua se expandindo, culminando com o projeto da Great Society de Lyndon Johnson.

Roosevelt tinha grande popularidade, tanto pelo New Deal quanto pela liderança que exerceu durante a guerra, mas seu poder era limitado pela autonomia do judiciário e do Congresso, o sistema bipartidário não foi ameaçado, os impostos se mantiveram contidos e a dívida pública, que havia atingido níveis altíssimos com a guerra, cai sistematicamente até os tempos de Bush e Reagan. Apesar das políticas de expansão de gastos em seu governo, Roosevelt tinha também um lado claramente conservador do ponto de vista fiscal, que tentou colocar em prática ao final dos anos 30 . O que deu impulso à economia americana, e permitiu a formação da grande classe media naquele pais, foi sem dúvida a economia de mercado, fortalecendo o argumento daqueles que consideravam, e ainda consideram, o período de Roosevelt como uma exceção.

No caso da Argentina, o que predominou no após guerra foi uma política de fechamento da economia, que fez com que o pais deixasse de aproveitar do fato de ser um dos grandes produtores agrícolas do mundo para fazer crescer a economia como um todo, como aconteceu, por exemplo, na Austrália.  Eis como um autor resume o que ocorreu:

“O governo de Perón, que tinha sido eleito com o voto popular, levou à frente uma grande redistribuição da renda nacional que beneficiou, pelo menos no curto prazo, setores da sociedade com menor renda. Ele criou os fundamentos de um poderoso estado de bem estar social, controlado pelo governo e os sindicatos, e ampliou ainda mais o poder do estado através de nacionalizações e um alto grau de intervenção do governo no comércio internacional e local, no sistema bancário e de seguros. O governo era apoiado sobretudo pelos militares, por uma burocracia estatal crescente, por alguns empresários locais, que se beneficiavam das políticas protecionistas e do apoio do governo, e dos sindicatos, que eram patrocinados pelo governo e se transformaram nos principais beneficiários de suas políticas.  Perón gozava de grande apoio popular, ainda que os direitos individuais e as liberdades políticas de seus oponentes nem sempre fossem respeitados, a imprensa fosse controlada, e as atividades políticas da oposição fosse reprimida”  (traduzido de Felipe A. M. De La Balze,. Remaking the Argentine Economy. New York: Council of Foreign Relations Press. 1995)

Esta estratégia produziu bons resultados econômicos no início,  sobretudo para os setores mais protegidos, mas acabou redundando em uma economia com pouco potencial de crescimento. As indústrias se desenvolveram a taxas razoáveis até os anos 60, e depois estagnaram. Os baixos investimentos em tecnologia e as políticas fiscais e de câmbio fizeram com que o setor agrícola não se desenvolvesse como deveria. Com a saída de Perón em 1955, o sistema político argentino não consegue de estabilizar, e a Argentina perde cada vez mais o lugar que poderia ter tido. Entre 1950 e 1970, enquanto que a economia do mundo se expandia, e com ela o Brasil (uma das economias que mais cresceu, acima de 6% ao ano), a Argentina não foi além de  2,1% ao ano.

Duas outras características negativas, também assinaladas por Balze, marcam o peronismo. A primeira é que o país, sistematicamente, tomava decisões erradas na política internacional. O golpe de estado que levou Perón ao poder tinha por objetivo manter a proximidade do país com as ditaduras do Eixo na segunda guerra. A paranóia contra o imperialismo inglês e americano fez com que a Argentina se recusasse por muitos anos a participar dos acordos do GATT, deixando de se beneficiar do fluxo de comércio e investimentos do período. Como diz Balze, “a Argentina se voltou para o intervencionismo e protecionismo na área econômica e para o nacionalismo, o populismo e o militarismo na área política – estratégias equivocadas em resposta ao novo ambiente da economia internacional.”

A diferença crucial entre Roosevelt e Perón, do ponto de vista econômico, parece ter sido que as políticas intervencionistas de Roosevelt foram feitas e tiveram como resultado estimular a economia americana, enquanto que as políticas peronistas serviram para isolar a Argentina da economia internacional e fazer com que o pais entrasse em um longo processo de decadência econômica e desorganização institucional do qual até hoje não saiu .

Um outro ponto assinalado por Balze é que o tipo de política desenvolvido por Perón e os peronistas, de uso predatório do setor público em benefício de seus aliados, fez com que a Argentina nunca tivesse desenvolvido instituições públicas com a competência e a qualidade que seriam necessárias para levar à frente as políticas intervencionistas que faziam e ainda fazem parte do discurso peronista. Do ponto de vista político, Perón criou o peronismo,  que sufocou a oposição na Argentina tanto à direita quanto à esquerda, enquanto que Roosevelt não criou um Rooseveltismo, embora tenha contribuído para alterar as características do Partido Democrata, que ficou mais identificado com as políticas sociais, os sindicatos e o movimento de direitos civis do que o Partido Republicano.

A crise econômica recente fez com que muitos, no Brasil, comemorassem o fim da economia de mercado e a vitória das políticas de  intervencionismo estatal representadas, aparentemente, por Roosevelt e Perón.     Na verdade, o desenvolvimento do Japão e da Coréia nas últimas décadas já haviam servido para demonstrar que existe espaço e pode ser importante, para os países,  desenvolver política industriais e de investimentos, da mesma maneira que o welfare state da Europa Ocidental já havia demonstrado que não existe oposição necessária entre proteção social e desenvolvimento da economia.  Mas todos os países que conseguiram se desenvolver, incluindo a China nos últimos anos, o fizeram pela combinação de políticas industriais com a abertura da economia e participação intensa nos fluxos internacionais de comércio, finanças e tecnologia, e não pelo isolamento e fechamento, nem pelo sufocamento do mercado por impostos excessivos e déficits públicos crescentes. Estes países foram capazes, também, de investir fortemente na educação de qualidade, e fortalecer e capacitar suas instituições públicas.

O governo de Lula é mais Roosevelt ou mais Perón?  Olhando a experiência dos últimos anos, é possível pensar que ele oscila entre os dois pólos. Beneficiado por um ciclo extremamente positivo do comércio internacional, o governo tem mantido a economia aberta e respeitado, embora com arranhões,  a ordem constitucional. A autonomia do Banco Central tem sido mantida, fortalecendo desta forma um lado de austeridade e equilíbrio macroeconômico que contrabalança o descontrole crescente dos gastos públicos. Ao mesmo tempo vem se acentuando, sobretudo nos últimos anos, sua face peronista, comprometendo cada vez mais os orçamentos com gastos fixos, aparelhando a administração pública e  ampliando o capitalismo de estado, em parceria com grupos empresariais privilegiados. Embora ainda preservadas, as instituições se vêm constantemente ameaçadas pelo fantasma dos “movimentos sociais” e do “controle social”, inclusive dos meios de comunicação.  Existe um discurso populista que tenta contrapor os  “pobres” às “elites”, reminiscente dos discursos de Perón sobre os “descamisados”.

No discurso político, predomina a idéia de que tudo é possível, não há limites, e que quaisquer restrições que se possa fazer às políticas do governo são meramente ideológicas. Este voluntarismo faz com que reformas institucionais importantes, como a reforma fiscal e do sistema previdenciário, não aquiram prioridade. Alguns setores no governo chegam a argumentar que o desenvolvimento da economia nos últimos se deve ao crescimento da intervenção estatal, ao aumento dos gastos públicos e às políticas de redistribuição de renda, assim como à política internacional terceiromundista e anti-norteamericana; eu tendo a crer, ao contrário, que é  a relativa abertura da economia e o equilíbrio macroeconômico, obtidos sobretudo a partir das políticas de Fernando Henrique Cardoso, mais os ventos favoráveis que vêm da China, que têm permitido estas ações. Se estes bons ventos continuarem a soprar nos próximos anos, esta ambigüidade pode continuar por muito tempo. Se as coisas se tornarem difíceis, será o momento, então, de o pais optar com mais clareza entre  Roosevelt e Perón.

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