Eleições USA: tática e estratégia | US elections: tactics and strategy

No debate  entre os candidatos, um dos momentos interessantes foi quando  Obama disse que o aparente sucesso do “surge” do General Patraeus no Iraque poderia ser uma vitória tática, mas o que era importante era a estratégia, e McCain respondeu dizendo que Obama não sabia a diferença entre estratégia e tática.  Para McCain, estratégia era isto: colocar mais tropas no terreno, manter posições, ou, como ele diz: “A strategy of going into an area, clearing and holding, and the people of the country then become allied with you. They inform on the bad guys. And peace comes to the country, and prosperity”.

Para Obama, a questão estratégica é muito mais ampla: estabelecer um novo relacionamento entre os Estados Unidos e o resto do mundo, sem entrar em aventuras militares, e evitar que situações como a do Iraque se repitam. Nesta mudança de postura, a questão de como sair do atoleiro do Iraq não deixa de ser importante, mas é secundária. É McCain, claramente, quem não parece ter idéia da necesssidade de uma nova estratégia para os Estados Unidos, além da doutrina Bush. Esta mesma diferença apareceu nas outras partes do debate, Obama insistindo na necessidade de uma política de cunho social-democrata, que dê prioridade a questões como saúde, educação e proteção social, e McCain insistindo na agenda conservadora do estado mínimo e não interventor.

Em certo sentido, a discussão lembra o debate brasileiro sobre a violência urbana. Que fazer, ocupar as favelas e combater os bandidos ou cuidar da questão social que aflige as cidades brasileiras? A resposta óbvia é que é um falso dilema. É necessário ter força e capacidade de intervenção para reduzir a violência, mas não  é possível mudar este quadro de forma mais permanente sem enfrentar as questões mais difíceis, e estratégicas, de repensar e reorganizar as cidades e dar-lhes um novo sentido.

É muito mais difícil, em uma campanha, propor estratégias de longo prazo, e por isto fiquei com a impressão que  McCain havia ganho o debate. As pesquisas, no entanto, parecem dizer que quem ganhou foi Obama (veja os links indicados por Bruno Reis em seu comentário). A crise econômica talvez explique isto. Nestas questões, é Obama que defende políticas mais práticas e imediatas em defesa de uma população na eminência de perder suas casas, suas poupanças e sua aposentadoria, enquanto que McCain ainda defende a redução dos impostos das grandes corporações.

A crise americana e a campanha presidencial |The American crisis and the presidential campaign

De viagem nos Estados Unidos, estava contando com a oportunidade de assistir daqui o primeiro debate dos candatos à presidência, logo mais à noite. Mas já é sexta feira de madrugada em Washington, e ainda não se sabe se o debate vai acontecer.  A campanha de McCain, esvaziada pela identificação com o governo falido de Bush e a falta de propostas, tem apelado para gestos espetaculares, começando pela invenção de Sarah Palin, para jogar a disputa para o campo da “guerra cultural”  entre os fundamentalistas religiosos e os liberais, e agora pelo anúncio de que o candidato suspendia a campanha, e o debate, para assumir lugar de liderança da aprovação das medidas para salvar a economia do país.  A Obama, devem ter calculado seus estrategistas, não caberia senão um papel passivo e irrelevante.

Um dia depois, o grande gesto se esvaziava – os congressistas republicanos não apoiaram o plano do governo, McCain não fez mais do que assistir a uma reunião aonde nada se resolveu,  sem exercer nenhum papel, e Obama aproveitou para dizer que, por causa da crise, era mais necessário do que nunca que a população tivesse a oportunidade de conhecer as propostas e escolher o próximo presidente do país, que vai herdar e ter que administrar toda esta confusão.  E ainda lembrou que um futuro presidente tem que ser capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo… Como são os democratas que têm a maioria no Congresso, são eles, com Obama, que vão afinal definir o rumo das negociações.

McCain vai ou não a Mississipi, para o debate?  De lá, dizem que os preparativos continuam, e Obama já confirmou a presença. Os estrategistas de McCain devem estar coçando a cabeça para sobre o que fazer, e como evitar que a cadeira de seu candidato fique vazia, sem reconhecer o fracasso da manobra.

As pesquisas eleitorais continuam dando vitória para Obama no Colégio Eleitoral, mas apertada – 273 a 265 votos, pela última estimativa que vi.  A crise econômica está claramente enfraquecendo a campanha de McCain, mas ninguém sabe o que pode ainda acontecer nesta campanha surpreendente.

A nova numerologia do INEP|The new numerology from INEP

Não contente com o “Conceito Preliminar de Cursos”, o INEP, incorrigível, agora lança na imprensa o “Indice Geral de Cursos da Instituição”, combinando os dados do conceito preliminar com as notas de avaliação da pós-graduação da CAPES.  Agora “sabemos” que as melhores universidades do Brasil são, nesta ordem, a Universidade Federal de São Paulo, a Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre, a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade Federal de Minas Gerais; as piores são a Universidade de Santo Amaro, a Universidade do Grande ABC, a Universidade Iguaçu e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (a Universidade de São Paulo e a Universidade de Campinas, prudentemente, preferiram ficar fora da brincadeira).

Para que que serve mesmo saber que, segundo o INEP, a Universidade Federal do Rio de Janeiro está na posição 35? Isto ajuda os estudantes a decidir se vale ou não à pena se candidatar para fazer o curso de economia, medicina, educação física ou um doutorado em biofísica nesta instituição, ou uma pós-graduação na COPPE? Isto ajuda o MEC a decidir se vai aumentar ou diminuir os recursos de custeio da Universidade, ou fazer com que ela gerencie melhor os recursos que já recebe? O que se espera? Que ela chegue à posição 20 em “x” anos?…

Para quem que, como eu, sempre defendeu a necessidade de avaliar os cursos e as instituições de ensino superior no Brasil, fica uma situação difícil, já que esta numerologia reforça os argumentos dos que sempre acharam melhor não avaliar coisa nenhuma. O fato é que o INEP não tem condições de fazer uma avaliação adequada das 2.270 instituições e 22 mil cursos superiores que existem por este Brasil afora, e estes exercícios estatísticos, por mais bem feitos que sejam (e não são bem feitos assim, veja minha análise do “conceito preliminar”) estarão sempre sujeitos a demasiados erros e imprecisões, e por isto mesmo não poderiam ser divulgados pela imprensa como o são, ainda que sob o título de “preliminar”.

Que alternativas existem? Eu não tenho respostas prontas, mas acho que poderíamos começar por algumas coisas:

  • Ao invés de se preocupar tanto em controlar o ensino privado, o Ministério da Educação poderia começar por concentrar esforços em avaliar e controlar melhor suas  próprias 105 instituições  federais (é o dado de 2006), que são financiadas com recursos públicos, para ter certeza que seus cursos são bons, em áreas prioritárias para o país, e que os recursos estão sendo utilizados de forma racional e eficiente.
  • Para o setor privado, o Ministério deveria se limitar a assegurar que as instituições têm condições mínimas para funcionar. Ao invés de distribuir estrelas, haveria simplesmente uma certificação institucional (como um ISO educacional)  e também uma certificação dos cursos em instituições não universitárias (se não me equivoco, as universidades não precisam de autorização do MEC para criar cursos).
  • Recursos poderiam ser destinados para reforçar os sistemas de certificação profissional de médicos, advogados, professores, engenheiros e outras áreas profissionais de impacto na saúde, formação e patrimônio das pessoas.  Instituições públicas ou privadas que não formassem alunos capazes de passar por estas certificações seriam forçadas a fechar, ou se aperfeiçoar.
  • Deveria haver um esforço de desenvolver e explicitar as competências e habilidades profissionais esperadas nas diversas áreas profissionais, e usar este conhecimento para a criação de sistemas de avaliação das instituições por profissão, ou carreira, abrindo espaço para o reconhecimento das diferenças que existem entre os cursos em relação às competências que buscam desenvolver.
  • As instituições privadas, que hoje se sentem prejudicadas pelas avaliações que o INEP produz, deveriam levar a sério o projeto de criar sistemas próprios e independentes de certificação e avaliação de cursos e instituições, que pudessem eventualmente se contrapor aos números oficiais que o governo  vem divulgando. A idéia não seria criar um “inepinho” privado, mas ir estabelecendo sistemas de avaliação setoriais, por adesão das instituições interessadas em mostrar para  sociedade a qualidade que tenham. Os custos deveriam ser cobertos pelas instituições participantes.
  • A legislação existente, que criou o CONAES e o SINAIS, precisaria ser revista, para que o país possa desenvolver sistemas de avaliação do ensino superior que tenham qualidade técnica e legitimidade, respeitando a grande diversidade e as dimensões continentais do país, coisas que não ocorrem hoje.

As partículas da física e as partículas sociais|Particle physics and social particles

Escreve Felipe F. Schwartzman:

Se a menor unidade de análise para os físicos são partículas elementares, para os cientistas sociais, são as pessoas e o uso que elas fazem de seu tempo. Uma pesquisa que já vem sendo feita há alguns anos nos EUA, a American Time Use Survey, propõe estudar exatamente isso através do uso de diários nos quais as pessoas colocam o que fazem em cada hora do dia. Depois de muitos estudos e achados interessantes, essa pesquisa teve seu orçamento cortado pelo congresso americano para 2009 pois o preço era considerado alto demais: 6 milhões de dólares.

Enquanto isso, o novo acelerador de partículas custou 8 bilhões. Ou seja, mais de 1300 anos da ATUS.  Não é à toa que física tem condições de se proclamar uma “ciência exata”

João Batista Araújo e Oliveira: Educação, da Crise à Euforia| João Batista Aruaujo e Oliveira: Education, from crisis to euphoria

A Folha de São Paulo publica hoje, 1 de setembro de 2008, o artigo abaixo de João Batista Araujo e Oliveira:

ESTRANHO país, o nosso. Em 2006, pela primeira vez na história, um ministro da área reconheceu publicamente que a qualidade da educação brasileira era deplorável, ao apresentar os resultados da Prova Brasil. Nos últimos dias, no entanto, deu-se o inverso. E a propaganda oficial contribuiu para isso. Confundem as sombras com a realidade. Estamos na caverna de Platão.

Em edições recentes das revistas semanais, o governo apresentou uma curva de fazer inveja a Huff e Geis, autores do já quarentão “How to Lie with Statistics” (como mentir usando estatística). Vejamos os dados, depois, as implicações.

O Ideb, indicador oficial do desempenho da educação brasileira, mistura taxas de aprovação com notas dos alunos, aferidas pela Prova Brasil.

Embora seja relevante melhorar as taxas de aprovação, o indicador de qualidade deveria se refletir, isso sim, nas notas. Somente esse índice serve para comparar nossos resultados com os do Pisa.
Qualquer pessoa medianamente versada na matéria sabe distinguir flutuações estatísticas de tendências.

No caso da Prova Brasil, com um desvio padrão que pode variar de 40 a 50 pontos, flutuações inferiores a seis pontos para mais ou para menos, como vem ocorrendo ao longo dos últimos 15 anos, representam pouco mais do que meros ruídos. Seriam relevantes se fossem consistentes.

Ao longo da série histórica de sete aplicações da prova, sempre tivemos flutuações nas provas de português e matemática das três séries avaliadas.

Em 1997, houve quatro flutuações negativas; em 1999, foram seis; cinco, em 2001; uma, em 2003; e quatro, em 2005. Em 2007, todas as flutuações foram positivas. Do total de 20 mudanças negativas, 13 foram inferiores a seis pontos.

A única alteração relevante, em 2007, deu-se nos resultados de matemática na quarta série (11 pontos), o que, certamente, não pode ser justificado por uma política específica para a área. Explicações plausíveis seriam a maior homogeneidade na idade dos alunos (pela eliminação dos de maior idade, no geral com pior desempenho) e o fato de os resultados de matemática serem bastante inferiores ao de língua portuguesa, o que facilita a conquista de melhor patamar.

Já no indicador geral do Ideb, houve mudança de quatro décimos nos resultados da quarta série, um décimo nos resultados da oitava série e nenhuma mudança nos resultados do ensino médio. Exceto no ano de 1999, em que houve queda mais acentuada, os dados não sugerem nenhuma tendência -apenas flutuações em torno de patamares medíocres.

O gráfico usado na propaganda oficial comete duas violações graves. Primeiro, apresenta como descendente praticamente tudo o que vem antes de 2003. Os dados não suportam essa representação. Segundo, aponta como ascendente tudo o que vem a partir de 2005 -e apresenta como se fosse uma tendência.

A maior manipulação, no entanto, se dá na inclinação das curvas e no tamanho dos degraus da caminhada rumo ao mundo desenvolvido.

Esse apelo da propaganda oficial pode prestar um enorme desserviço ao corajoso trabalho de convencimento que o ministro da Educação vem fazendo sobre a gravidade do problema educacional.

Entende-se que prefeitos e autoridades estaduais tenham comemorado pífias melhorias do Ideb, de resto apoiadas essencialmente em alterações nas regras de promoção. Do total de 84 Idebs -são 26 Estados com três Idebs cada-, apenas 14 apresentaram mais de 5% de melhora. Desses, 12 estão em Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde é muito mais fácil melhorar pelo simples fato de que os dados de base são muito baixos.

A experiência internacional é cheia de ensinamentos a respeito dos ingredientes de como se deve fazer uma reforma da educação e as condições básicas de sucesso. A formação de um consenso sobre os problemas é um primeiro passo essencial. Antes de consolidar essa convicção, já começamos a nos iludir.

Quando Huff e Geis publicaram seu livro, há mais de 40 anos, o objetivo era alertar o leitor para os perigos das manipulações estatísticas. Em 2006, o Brasil deu um passo avante para iniciar uma reforma da educação. Agora, deu dois passos para trás. Mascarar a gravidade da situação dificilmente contribuirá para avançar na formação de consenso na área. Sugerir que já estamos a caminho do sucesso é puro ilusionismo.

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA , 61, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação.

Geraldo Martins: a banana, o agrônomo e a fazenda

Escreve Geraldo Martins:

Li texto que preparou para a ABMES no qual procura desvendar os mistérios e os equívocos de nosso sistema se avaliação do ensino superior (está disponível aqui). Mais especialmente dessa invenção do então desconhecido  “conceito  preliminar  de    curso”.  Penso que você foi muito além disso. Desmascarou e quase demoliu por completo essa farsa burocrática.

Tratando-se de um “conceito preliminar”, significa que não tem credibilidade nem para o próprio MEC.

Muito rigorosa e fundamentada a sua  análise dos aspectos técnicos que evidenciam as falhas e distorções na definição dos critérios e na construção dos índices utilizados, bem como nos processos de aplicação e aferição dos resultados.

Acredito que um dos aspectos da inconsistência desse modelo avaliativo prescrito pelo SINAES e operado pelo INEP esteja na mistura confusa entre três objetos da avaliação: o estudante, o curso e a instituição.  São realidades interligadas ou interdependentes, mas diferentes em comportamento e desempenho. Cada uma tem a sua história, o seu background, a sua individualidade. Não dá para colocar a banana, o agrônomo e a fazenda no mesmo saco! Principalmente se a semente não presta, ou a terra da fazenda é inóspita!  E veja que todas as fazendas são diferentes! Há, portanto, que se conceder atenção e análises distintas para o desempenho do estudante, para a organização e estrutura do curso e para a avaliação institucional propriamente dita. O resultado final, sim, poderia propiciar indicações mais confiáveis.

Acho que o texto foi  certeiro nas conclusões e no apontamento  de novos caminhos (alguns já velhos de tanto serem recomendados). Criar  uma  agência  autônoma de  avaliação do  ensino  superior; descentralizar  as  avaliações; permitir  a criação de agências  independentes  de  avaliação  de  direito  privado;  adotar um sistema ou vários sistemas  de certificações.

Achei a proposta de desenvolvimento de padrões de competência para as diferentes áreas de  conhecimento fundamental, pois não  tem o menor sentido aplicar a mesma régua para todos cursos e instituições.

Portanto, é importante criar sistemas múltiplos e flexíveis de avaliação . Como isso é difícil, conviria mesmo credenciar múltiplas  agências  avaliadoras e deixar a  certificação profissional para as agências e sistemas de certificação das diferentes profissões. Mas isso pressupõe autonomia do sistema universitário em relação ao do sistema das profissões regulamentadas. Ou seja, uma desvinculação entre os sistemas de formação e de credenciamento profissional.

Marcelo Neri: sobre o acesso ao nível superior

Recebi de Marcelo Neri a seguinte comunicação, sobre o tema do acesso de pessoas de baixa renda ao ensino superior:

Esta resposta também pode ser encontrada na pesquisa da FGV “Eficiencia e Equidade na Educação”, nela você vai encontrar o Indice Pró_pobre feito em co-autoria com o economista indiano Nanak Kakwani e Hyun Son . O indice basicamente informa para cada real gasto publico ou privadamente quantos centavos são apropriados pelos pobres. A vantagem desta abordagem é que a resposta se adapta a forma funcional da medida de pobreza utilizada (P0, P1, P2 ou outra qualquer*).

No caso do ensino superior estes índices atingem 0,1 para público e 0,06 para o privado. Ou seja, a possibilidade de um pobre chegar à universidade pública era bem menor do que quase todos os demais níveis. O índice do ensino médio privado de 0,09 é próximo ao da universidade pública, o que é consistente com a idéia de que os alunos de escola privada são os que chegam à universidade pública. O grau de focalização do pré-vestibular de 0,15 mostra que poucos pobres tentam fazer a passagem do segundo para o terceiro grau através deles.

Ainda os estudantes de baixa renda no ensino superior

Tenho recebido muitos telefonemas de jornalistas perguntando sobre a pesquisa que que eu teria feito a respeito do assunto, a partir da matéria publicada na Folha de São Paulo na segunda feira passada. Eu já publiquei uma nota sobre isto, mas não foi suficiente. Voltemos pois.

Primeiro, eu não fiz nenhuma pesquisa, simplesmente utilizei os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilios do IBGE, coisa que aliás pesquisadores do IPEA, da Fundação Getúlio Vargas e de outras partes fazem constantemente, e os jornalistas divulgam como se fossem novas informações. Os dados da PNAD são de domínio público, e podem ser processados facilmente por quem disponha de um programa estatístico em seu computador.

No caso, o que eu fiz foi tabular os dados da renda familiar para os diversos anos (que é a variável v4722, para quem lida com a PNAD), para as pessoas que estavam em curso superior naquele ano.  Os resultados estão no quadro ao lado. O que se pode ver é que o número de estudantes de nível superior tem aumentado ano a ano; que o total de estudantes com renda familiar até 3 salários mínimos aumentou em 183% de 2004 a 2006; e que isto signficou passar de 10,1% para 15% do total (um aumento de cinco pontos percentuais).

O que também mostrei na mensagem anterior foi que, do ponto de vista da distribuição da renda dos estudantes, quase não houve mudança. A explicação  é que, como o valor do salário mínimo subiu muito nestes anos, ele não é adequado para classificar as pessoas como de “baixa renda” da mesma forma de um ano a outro.

Em resumo, o ensino superior brasileiro se expandiu muito entre 2004 e 2006 (os dados da PNAD de 2007 ainda não estão disponíveis para saber se a tendência continua); com esta expansão, a proporção de estudantes de menor renda tem aumentado um pouco; mas o perfil de grande concentração dos estudantes nos níveis de renda mais alto tem se mantido; e a renda em salários mínimos não é um bom critério para fazer comparações,  leva  interpretações enganosas.

O “conceito preliminar de curso” e as boas práticas de avaliação da educação superior

A convite da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior – ABMES, preparei uma análise do “conceito preliminar de curso” e, mais amplamente, do sistema de avaliação do ensino superior brasileiro, à luz das boas práticas intenacionais de avaliação, para um seminário que deve ocorrer em Brasilia no início de setembro. O texto permite também entender melhor a “cozinha” deste conceito recentemente divulgado.  O texto, em versão também preliminar, e aberto a críticas, correções e sugestões de melhoria, está disponível aqui.

O aumento de pessoas de baixa renda no ensino superior

A Folha de São Paulo publica hoje matéria dizendo que o número de estudantes de baixa renda ensino superior brasileiro teria subido em 49% entre 2004 e 2006, baseado em uma tabulação de dados da PNAD que fiz a pedido da repórter. Na verdade, foi um aumento de cinco pontos percentuais – eram 10.1% em 2004, e passaram a 15.1% em 2006 (já tivemos uma discussão neste blog a respeito dos erros que podem ocorrer quando calculamos percentagens de percentagens). Em números absolutos, no entanto, os dados parecem mais significativos –  houve um aumento de 185% – de 224 mil para 745 mil, do número de estudantes de famílias de até 3 salários mínimos.

Acontece que o valor do salário mínimo vem aumentando muito nos últimos anos, e uma familia que ganhava até 3 salários mínimos em 2006  – R$ 1050,00 – estava no sétimo décimo da distribuição de renda daquele ano, e seria considerada em algumas pesquisas publicadas recentemente como de classe média.

Uma maneira melhor de ver a questão é pela percentagem de pessoas no ensino superior em termos de sua posição na distribuição de renda famliar do país. Dividindo a população em 10 grupos de igual tamanho, de menos a mais renda, podemos verificar se o acesso ao ensino superior das pessoas mais pobres efetivamente aumentou, e quanto. O quadro ao lado mostra os resultados, em percentagens acunuladas.

O que se pode ver é que o total de estudantes de nível superior oriundos da metade mais pobre da população brasileira passou de 9 para 11% entre 2004 e 2006. No outro extremo, o total oriundo das familias  10% mais ricas baixou de 40 para 38%.  Algum progresso, sem dúvida, mas nada espetacular. E nem poderia ser muito diferente, dada a má qualidade e estagnação em que se encontra a educação média no país.

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial