Mineiros autênticos

(Publicado em O Estado de São Paulo, 10 de dezembro, 2021)

Diferentes de mim, Bolívar Lamounier e Edmar Bacha, que acabam de publicar suas histórias[1], são mineiros de verdade.  Bolívar nasceu em Dores do Indaiá, e lembra com afeto as casas coloniais, as pescarias no rio e o isolamento que fazia da cidade parte do sertão mineiro. Edmar lembra da pequena Lambari do Sul de Minas, do sobrado em que morava, do sanduíche que comia no Bar do Juca e do apito do trem que chegava à cidade ao anoitecer.  

Foi em Dores, nos anos 20, que Francisco Campos fundou uma Escola Normal, uma das primeiras do país, onde a mãe se formou como professora rural e na qual matriculou o filho para estudar nas “classes anexas” em que a melhor pedagogia da época era adotada. O pai era um pequeno fazendeiro e comerciante, da família Lamounier de Itapecerica que incluía médicos, políticos e músicos.

Lambari, em comparação, era uma cidade mais moderna, parte do “circuito das águas” que recebia os turistas das cidades grandes em seus hotéis e cassinos. Do lado da mãe, que era diretora da escola local, Edmar vem de uma família de origem portuguesa, os Lisboa, na qual o culto da literatura era personificado na tia Henriqueta. Os Bacha são de origem libanesa, que começaram a chegar ao Brasil no final do século 19 em busca de novas oportunidades. Ambas as famílias se mudaram para Belo Horizonte e, no início dos anos 60, Bolívar e Edmar se encontraram na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, um no curso de sociologia e política, outro em economia.

Nenhum fazia parte da “tradicional família mineira” que controlava a política, as terras e os recursos do Estado. Nem da grande massa, incluindo antigos escravizados que, terminado o ciclo do ouro do século 18, ficou isolada nas pequenas aldeias e roças do interior, em uma economia que mal garantia a sobrevivência. Mas faziam parte de um grupo significativo de pessoas que, pelo empreendedorismo e sobretudo pela educação, buscavam participar do progresso que emanava do Rio de Janeiro e São Paulo e aos poucos, pelo rádio pelas estradas, ia chegando ao interior, atraindo os mais inquietos, ou mais necessitados, para as capitais. Eram, pode-se dizer com algum exagero, sucessores dos aventureiros que vieram para Minas em busca do ouro, participaram da Inconfidência, escreviam poesia e liam às escondidas os livros proibidos da imensa biblioteca do cônego de Mariana.

Estudar sociologia, política e economia era também sair da rota tradicional dos cursos de direito, medicina e engenharia, preferidos pelos filhos das famílias tradicionais. A Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, com seu programa de bolsas de estudo, criou entre os estudantes um ambiente efervescente em que novas ideias e estilos de vida eram experimentados, a militância política atraia a quase todos, e de onde tantos saíram para voos mais altos. Bolívar e Edmar, nos anos 60, foram entre os primeiros cientistas sociais brasileiros a partir para os modernos cursos de doutorado nos Estados Unidos – Universidade da Califórnia e Yale – rompendo com a tradição francesa que predominava na geração mais velha. 

De volta ao Brasil, nos anos 70, ajudaram a organizar novos cursos de pós-graduação que iriam formar as futuras gerações – o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, por Bolívar, e o departamento de economia da Universidade de Brasília, por Edmar. Mais tarde Bolívar ajudou a organizar o CEBRAP, dirigido por Fernando Henrique Cardoso, e depois fundou o IDESP, outro instituto independente de pesquisas sociais em São Paulo. Edmar, depois de Brasília, foi um dos fundadores do curso de pós-graduação em economia da PUC do Rio de Janeiro.

Mas foi na produção intelectual e na vida pública que ambos deram continuidade à inquietação mineira que traziam das origens. Bolívar, ainda estudante, participou dos movimentos estudantis, chegou a ser preso pela ditatura militar, e escreveu sua tese de doutorado criticando a tradição autoritária dos intelectuais brasileiros, à direita e à esquerda. Fez parte da Comissão Afonso Arinos, que na década de 80 procurou produzir, para o Brasil, uma Constituição moderna e fundada em princípios de justiça social e liberdade econômica, e em seus inúmeros livros e artigos, foi sempre um defensor da democracia parlamentarista. Edmar, que no início se aproximou dos economistas desenvolvimentistas como Celso Furtado, passou depois a dar prioridade aos temas da liberdade e abertura da economia e do Estado eficiente, como os melhores caminhos para sair do círculo vicioso do atraso, da desigualdade e da pobreza. Foi presidente do IBGE, de onde, nos anos 80, participou do frustrado Pano Cruzado, e finalmente, nos anos 90, foi um dos principais organizadores e mentores intelectuais do Plano Real. 

É um conforto ver que ambos continuam remando contra a corrente, escrevendo e falando na busca dos melhores caminhos para o Brasil moderno, que ainda acham viável, se livre das tentações populistas e reacionárias que mobilizam a tantos. Autênticos mineiros.


[1] Edmar Bacha, No país dos contrastes, Selo Real, 2021; Bolívar Lamounier, De onde, para onde, Global, 2018; Antes que me esqueça, Desconcertos, 2021.

É quase fim do ano: onde estão os nossos jovens?

(Publicado em O Estado de São Paulo, 12/11/2021)

Este deveria ser o ano em que as escolas concluiriam os preparativos para dar início, em 2022, ao novo ensino médio. É também o segundo ano da pandemia, em que elas ficaram fechadas ou oferecendo ensino à distância de qualidade e eficácia desconhecidas. Muitos jovens abandonaram os cursos, e muitos mais ficaram mas aprenderam pouco ou nada. Os candidatos ao ENEM, que em 2016 eram mais de 8 milhões, caíram para a metade em 2021. Este número já vinha caindo, com a percepção crescente de que o roteiro tradicional do ensino médio único aos cursos universitários tradicionais, que já era inacessível para a maioria da população, se tornou mais difícil ainda.

O lei do novo ensino médio foi uma tentativa de tornar o ensino médio  mais significativo, abrindo a possibilidade de diferentes itinerários formativos, e criando uma ampla oferta de ensino técnico-profissional para os que buscassem uma qualificação mais prática e mais acessível. Agora, além de ter que introduzir o novo currículo, as escolas terão que lidar com milhões de estudantes que ficaram fora da escola ou aprenderam ainda menos do que antes. O que farão? Como estão se preparando para recuperar os anos perdidos? Como será, na prática, este novo ensino médio tão anunciado?

O Ministério da Educação deveria estar liderando esta transição, mas, de onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo.  As secretarias estaduais têm tomado a iniciativa, preparando os currículos para os diferentes itinerários e organizando a oferta de ensino técnico-profissional. Algumas já publicaram suas conclusões, que, embora diferentes entre si, parecem ter algumas coisas em comum. Todas supõem que o regime de 3 mil horas, ou 5 horas diárias, estará implantado, e várias anunciam que darão prioridade às escolas de tempo integral, de 8 horas. Todas anunciam novos conteúdos e atividades como projeto de vida, empreendedorismo, sustentabilidade, vida futura, cultura digital. Nada contra, deste que não seja à custa da iniciação apropriada nas disciplinas acadêmicas centrais para os diferentes  itinerários. Para estes itinerários, poucas conseguem se desvencilhar da estranha classificação das áreas de conhecimento inventada pelo MEC e avançar em opções focadas nos temas de tecnologia e engenharia, profissões sociais, ciências da vida e humanidades, como no resto do mundo. E, para o ensino técnico, alguns estados planejam dar prioridade a algumas áreas  – eletrotécnica, agronegócio, administração, etc. – e abrir espaço tanto para cursos técnicos mais longos quanto curtos, na antiga modalidade de formação inicial continuada (FIC); mas poucas dizem como vão fazer isso.

Na pressa, é compreensível que os currículos sejam tratados com prioridade, mas chama atenção a ausência de informações sobre como as redes pretendem lidar com a enorme diversificação de seus estudantes, como esperam preparar seus professores lidar com o novo formato, e como  vão tentar compensar o impacto da epidemia na formação dos estudantes que vão receber. Fala-se muito em educação profissional integrada e estudo em tempo integral, mas  não se considera que 20% dos alunos de ensino médio regular nas redes públicas estudam à noite, que um terço tenha 18 anos ou mais (dados do Censo Escolar), e que 30% trabalham (dados da Pnad Continua). Sem falar nos cerca de 1,2 milhões que estão hoje matriculados nos cursos médios de educação de jovens e adultos (EJA), reconhecidamente precários. Estes estudantes mais velhos, que estudam à noite, trabalham e estão nos cursos de EJA, deveriam ser os principais beneficiários de cursos técnicos mais práticos, em tempo parcial e com uso apropriado de tecnologias de ensino híbridas, em carreiras com boas perspectivas de emprego mais imediato, e não me parece que estejam sendo devidamente considerados.

Organizar itinerários de formação é menos uma questão de currículo do que da existência de professores que tenham uma concepção clara da formação que se deseja proporcionar e possam liderar este trabalho. Nossos professores, no melhor dos casos, podem ensinar bem as respectivas matérias, mas seria preciso um trabalho intenso e coordenado de identificação e capacitação de coordenadores de área com esta visão mais ampla. Para o ensino técnico, é preciso professores com um perfil muito diferente dos que se formam pelas licenciaturas tradicionais, que possam combinar experiência de trabalho com capacidade de ensino, assim como de convênios de cooperação entre as redes escolares e instituições especializadas, com destaque para as dos sistemas nacionais de aprendizagem.

É bom que cada estado esteja buscando seu caminho, mas, sem a âncora  de um sistema adequado de avaliação e certificação de competências, que substitua o atual ENEM, cada um continuará atirando para um lado, sem saber bem os alvos a que devem mirar. A lei do novo ensino médio desorganizou um sistema que estava ruim, mas ainda não se sabe se isto resultará em um outro melhor.

Ainda sobre a eleição de Reitores e autonomia universitária

Dando continuidade aos debates sobre a escolha de reitores para as universidades federais, o jornal O Estado de São Paulo de 20 de outubro publicou um texto assinado pela professora Ana Lúcia Gazzola e mais 26 ex-reitores de universidades federais dizendo que elas não podem ficar subordinadas às contingências estritas de mudanças de governos e que “o argumento de que a lista tríplice permite uma correta discricionariedade do presidente da República não resiste à prova da realidade, conforme é possível verificar nas nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro”.  Não poderiam estar mais certos nestes dois pontos.

Me chama a atenção no entanto que, ao citar o texto constitucional que diz, no artigo 207, que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, não digam nada sobre o que acontece com estas três autonomias, cerceadas  que estão pelas diretrizes curriculares do Ministério da Educação e pelas limitações à administração de recursos patrimoniais, financeiros e de política de recursos humanos criadas pelo regime de repartição pública e pelas regras de isonomia a que estão submetidas.  

A outra coisa que sinto falta no texto dos ex-reitores é alguma consideração sobre qual seria o melhor mecanismo para assegurar que as universidades, no exercício de suas autonomias, que deveriam ser muito maiores do que as que têm hoje no Brasil, cumpram as missões para as quais existem e são financiadas com recursos públicos. Porque, como argumentei em um artigo que escrevi recentemente sobre o tema, universidades públicas não são repúblicas soberanas que podem fazer o que queiram, mas instituições que precisam de autonomia para melhor cumprir seus objetivos, mas não para descumprí-los.  No meu artigo, eu sugeri que o sistema de comissões de busca com representantes de dentro e fora das instituições, que é o adotado na maioria dos países com sistemas universitários autônomos e vigorosos, parece o mais adequado, embora ele também esteja sujeito a vicissitudes.

Os ex-reitores, ao se limitar ao tema político do processo de nomeação de seus cargos, perderam uma oportunidade preciosa de nos falar de suas experiências quanto aos outros limites à autonomia com que tiveram que conviver, e de trazer sugestões sobre como tornar mais efetivo o asseguramento da qualidade e da relevância das universidades por parte da sociedade.

A escolha de reitores para as universidades federais

(Publicado em O Estado de São Paulo, 8 de outubro de 2021)

Com escolha de reitores por Bolsonaro, cresce tensão política nas universidades federais, diz a matéria de O Estado de S. Paulo de 19 de setembro, assinada por Renata Cafardo. A regra é as universidades encaminharem à Presidência uma lista de três nomes, eleitos internamente, e a tradição era o governo sempre nomear o primeiro da lista. Em 1998, porém, o então ministro Paulo Renato Souza decidiu não nomear o primeiro da lista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que havia feito uma campanha baseada em ataques ao governo de Fernando Henrique Cardoso, o que levou a uma prolongada e desgastante greve da instituição. Dos 50 reitores nomeados pelo atual governo, 18 eram os segundos ou terceiros, o que provocou, em muitos casos, conflitos e protestos de professores, alunos e funcionários das instituições.

Essa é uma das situações em que o que havia antes não era bom e a tentativa de corrigir o problema ficou pior. Antes não era bom porque as universidades públicas não são repúblicas autônomas que podem fazer o que querem, mas instituições financiadas pela sociedade para cumprir determinados objetivos de pesquisa, formação superior e outras atividades de interesse público. Seus dirigentes precisam, por um lado, ter o respeito e o apoio de suas corporações internas – professores, funcionários, estudantes – e, por outro, cumprir mandatos mais amplos, que, ao menos em princípio, devem ser supervisionados pelo Poder Executivo. O sistema de lista tríplice buscou conciliar esses dois objetivos – o Executivo nomeia os reitores, mas dentro de uma lista de pessoas escolhidas pelas instituições.

Todavia o processo de indicação da lista tríplice muitas vezes se politiza e o primeiro acaba sendo quem foi mais capaz de negociar apoios ou atender a demandas que podem ter pouco que ver com o interesse público. Por esse sistema, as universidades não têm como trazer de fora lideranças inovadoras, capazes de romper rotinas e acomodações. Temos muitos exemplos de bons reitores nomeados por esse sistema, mas muitos contraexemplos também.

O problema com a outra solução, de simplesmente nomear um indicado com menos apoio, ou até mesmo alguém de fora da lista ou da instituição, como tem sido proposto, é que o reitor de uma universidade não pode ser um simples gerente, mas uma pessoa que precisa liderar uma instituição complexa formada por profissionais de alto nível e estudantes com suas aspirações e demandas, e não tem como fazer isso sem o apoio e a participação de pelo menos uma parte importante de seus liderados.

A solução correta, adotada praticamente em todo o mundo, é que os reitores sejam selecionados por comissões de busca formadas por pessoas da instituição e de fora (do Ministério da Educação, de agências de pesquisa, do governo local, representantes da sociedade civil, etc.). É um trabalho delicado, que inclui editais públicos para que possíveis candidatos se apresentem e um processo complexo de avaliação e consultas até identificar pessoas capazes de combinar tanto a competência executiva quanto o respeito e a cooperação dos setores mais significativos da instituição e da comunidade acadêmica e científica do País.

Por trás da dificuldade com a escolha dos reitores está a questão mais profunda do que se deve entender por autonomia universitária. Ela deve incluir, desde logo, a liberdade de pesquisar e ensinar, mas também a liberdade de administrar recursos e, sobretudo, de implementar políticas inteligentes de administração de talentos, que são o principal patrimônio de uma instituição de ensino e pesquisa. Isso requer, por exemplo, poder contratar professores especialmente qualificados dentro e fora do País para liderar áreas estratégicas e negociar seus salários, e afastar ou alterar os contratos dos que não tenham bom desempenho ou atuem em áreas menos prioritárias, assim como manejar com flexibilidade seus orçamentos, coisas que o regime de isonomia e repartição pública a que estão submetidas impede. E deve incluir a liberdade de cobrar anuidades de quem pode pagar e financiar quem não pode. Não se trata de arbítrio, deve haver regras, mas flexíveis e internas a cada instituição, fazendo sempre prevalecer o interesse público.

O outro lado dessa autonomia é um sistema de financiamento público associado a desempenho em pesquisa, qualidade de ensino, equidade, empregabilidade dos formados, impacto regional e outros objetivos considerados importantes, devidamente monitorados por um processo de avaliação distinto do já obsoleto sistema estabelecido em 2004, o Sinaes.

Sem uma reforma profunda, que devolva às universidades sua autonomia e as torne responsáveis por seus resultados, a questão de se os primeiros das listas tríplices devem ou não ser nomeados reitores perde importância. Como tantas outras coisas no Brasil, o dilema não deve ser entre voltar aos erros do passado ou manter os erros do presente, mas trazer o País para a realidade e as necessidades do século 21.

Heloisa Pait: Meus professores da Fefeleche

(Estudante da FEA-USP de 1986-89)

Francisco Weffort, Paula Montero, Chico de Oliveira, Beth Lobo, Ruy Fausto e Regis Andrade.

Esses são os professores da Fefeleche que fizeram parte de minha formação. A Beth Lobo nos deu para ler L’Établi, um relato da experiência do autor como operário numa fábrica da Citroën, uma coisa totalmente diferente do que víamos na FEA, e que me encantou. Ela insistia para eu mudar para a sociais, e de algum modo, mudei. Beth Lobo faleceu muito cedo, e confesso que escrevendo agora sinto falta dela. Queria poder falar com ela, já madura, professora, doutora, das fábricas por onde passei.

Ruy Fausto faleceu recentemente, e busquei seus cursos como quem busca no shopping a melhor loja e nela a melhor roupa. Queria um marxismo puro e correto, a lente perfeita para ver o mundo, e nisso não me decepcionei: estava ali um marxismo rigoroso, que analisava até os travessões do texto, as movimentações dos capítulos, a dança dos conceitos. De vez em quando me voltam à cabeça os modos de produção e as formas de cooperação, e vai saber se não são as aulas herméticas do professor buscando seus sentidos no mundo real.

Do Regis, também falecido cedo, lembro que nos deu coisas que não imaginávamos obter: nos deu a liberdade para a pesquisa e o foco também. Tinha perguntas claras e queria que nós fôssemos lá fuçar e descobríssemos. Está entre meus melhores professores de todos os tempos, não só da graduação, mas da vida. Ousou demais, e isso lhe permitia deixar que ousássemos. Dirigia como um doido, mas nas nossas reuniões de pesquisa ouvia atento, sem pressa, com perguntas pausadas, como se nos assistisse. Sentíamo-nos gente, e quando dou uma boa aula penso nele.

A Paula Montero, desses todos, é a que está viva. Fiz um curso com ela dado pelos três departamentos das sociais, sobre o pensamento social brasileiro. O curso foi excelente, e das aulas dela me lembro dos seus olhos, grandes e saltados, que já exigiam de nós uma acomodação. Acho que entendi naquele curso a própria idéia de pensamento, de um conjunto de autores e textos que pode ser interrogado, analisado de modo ponderado. Dos cursos da tradição uspiana de exegese textual, esse é o que ficou, pois descortinava os elos entre a exegese e a vida mundana.

Acho que o curso que fiz com o Chico de Oliveira era sobre estrutura de classe e estratificação social. E penso que o curso do Weffort era sobre a América Latina, mas esse não encontro no meu currículo, talvez tenha feito como ouvinte. Os cursos estão embaralhados em minha memória. Lembro que Chico de Oliveira tinha mais certezas, Weffort mais dúvidas. Um deles subiu até a porta, numa sala em auditório, para pedir a um aluno que estava olhando pelo visor para entrar na aula, ou sair da porta, pois aquela posição ali de vigia lhe lembrava os tempos da ditadura.

Ambos eram uma ponte entre aquele “tempo da ditadura” e os novos tempos, tempos da democracia, que eles procuravam entender, como o Regis, ainda atarantados com esse novo regime, votos, partidos, eleições. Todos, na verdade, eram essa ponte, alguns ignorando uma transição que tinha acabado de acontecer, buscando as forças profundas da sociedade, outros reconhecendo que algo havia mudado e era preciso compreender, como o Regis e o Weffort.

Esses professores, é preciso dizer, acolhiam a nós, “economistas”, numa universidade onde alunos de outros cursos não eram necessariamente bem recebidos, nem na FEA nem na FFLCH. Éramos das primeiras turmas de uma tal resolução 3045, do reitor Goldemberg, que permitia que fizéssemos matérias em outras unidades. Mas nem todos os professores e funcionários gostavam da idéia, criando toda a sorte de obstáculos. Então só o fato de terem nos aceitado nas aulas e ainda nos tomado como interlocutores já diz muito sobre cada um.

Do Weffort, lembro ainda, com carinho, que me indicou para fazer minha primeira pesquisa com o Regis, ou seja, meu primeiro emprego. Ele também leu minha monografia, uma leitura de Dependência e Desenvolvimento, de Fernando Henrique Cardoso, a partir da leitura de Karl Marx do Ruy Fausto, ou seja, um exercício de crítica e interpretação. Ele aceitou conversar comigo numa tarde ensolarada, no Cedec. Sobre a monografia, olhou para mim de igual para igual, como leitor mesmo, e me fez uma pergunta que ainda ouço, quando escrevo coisas assim meio abstratas: “Tá. E daí?”

Não soube responder, mas não importa. Boas perguntas são assim, ficam penduradas na cabeça da gente, à espera do encontro com alguma possível resposta. Cada um desses professores, de um jeito, faz parte do que eu escrevo hoje, seja me levando para viagens mágicas, seja me trazendo para o mundo social. Cada um deles me interroga, seja me chamando a tomar posições, me exigindo rigor conceitual, me instando a compreender melhor o momento e meu lugar nele. E me interrogando, como Weffort, que consequências terão, afinal de contas, o nosso trabalho, sobre as vidas das pessoas.

A marcha sobre Brasília

(publicado em O Estado de São Paulo, 10 de setembro de 2021, com modificações)

Se a expectativa dos Maquiavéis que planejam a estratégia de Bolsonaro se inspirando em Mussolini era replicar,  no 7 de setembro, a “marcha sobre Roma” de 1922, não deu certo. Em 1922, Il Duce ganhou forças para subjugar o parlamento, o judiciário e as forças armadas, e ficou no poder até ser assassinado em 1945, depois de ter levado seu país à ruina. Aqui, as manifestações foram pacíficas, nenhum palácio foi invadido, e o que restou foi a promessa do Presidente de deixar de cumprir as decisões do Ministro Alexandre de Morais.  Escrevendo na manhã do dia 8, me parecia difícil saber o que viria depois, se finalmente o impeachment, uma tentativa de golpe de estado, ou algum tipo de administração arrastada da crise, como vem acontecendo até aqui. Todos os analistas políticos estavam se fazendo esta pergunta, sou menos capaz do que eles de prever, mas minha impressão era que as coisas iam continuar como estão, para ver (ou não) como é que ficam. Com a carta de arrependimento publicada logo depois pelas mãos de Michel Temer, minha previsão se confirmou, pelo menos por enquanto.

Seja como for, o que fica de mais marcante deste 7 de setembro é a grande presença de pessoas nas ruas atendendo à retórica inflamada e vazia de Bolsonaro, mesmo depois de dois anos de desgoverno, de manejo incompetente da epidemia, dos escândalos das rachadinhas e da compra das vacinas, do abandono das pautas de combate à corrupção e de reorganização da economia, da depredação do meio ambiente, da inflação saindo do controle, e de ter entregado o governo a seus antigos inimigos do Centrão, do qual agora se diz membro desde criancinha.  Não se pode, simplesmente, dizer que  os foram para as ruas são todos ignorantes, ou reacionários, ou vítimas de manipulações das redes sociais. Bem o mal, eles refletem o grande fracasso de nossas instituições políticas, incluindo o Judiciário e o Congresso, em responder de forma adequada à grande crise moral, econômica, social e política que eclodiu em 2015 e que vem se agravando desde então. O Judiciário e o Congresso são hoje, e com razão, os grandes defensores da democracia e do império da lei contra um Presidente sem escrúpulos, mas tudo seria mais fácil se eles não tivessem abdicado de suas principais responsabilidades.

No caso do judiciário, o principal problema foi ter participado do grande conluio para enterrar a Lava Jato, que uniu empresários e a classe política da esquerda, centro e direita. Podemos discutir até que ponto os promotores e juízes da Lava Jato infringiram ou não determinadas normas de comportamento ou estavam politicamente motivados, mas os crimes de corrupção foram reais, afetaram de forma profunda o funcionamento do governo, escancararam o comportamento predatório de parte importante da classe política brasileira, e não poderiam ter sido simplesmente postos de lado em nome dos formalismos de um “garantismo” suspeito e extremado. Ao invés de atuar como uma corte constitucional, como são os supremos tribunais de todas as democracias, o STF se transformou em uma grande casa de varejo, gastando quase toda sua energia em responder de forma muitas vezes casuística às demandas de quem tem recursos para pagar os advogados mais caros. Nada disto justifica o ataque dos bolsonaristas ao STF, buscando destruir aquilo que ele tem mais importante, que é, apesar dos pesares, a defesa da ordem legal, da democracia e do Estado de Direito.

Do Congresso, seria enorme a lista de coisas que deveria ou poderia fazer e não fez, e das coisas que fez erradas. Mas o que mais mais chama atenção é a forma despudorada em que ele se transformou em um grande balcão de negócios, em que votos são comprados e vendidos de forma escancarada a troco de cargos, verbas e apoio de corporações e grupos de interesse de todo tipo. Em todo o mundo, parlamentares são eleitos como representantes de determinados interesses, e é natural que defendam estes interesses em sua atuação no Congresso. Mas, em democracias que funcionam, os interesses individuais se acomodam dentro de um rumo e uma orientação geral dados pelas lideranças partidárias, de acordo com as prioridades dos respectivos programas e doutrinas partidárias. No parlamento brasileiro, algumas destas lideranças ainda persistem, mas são permanentemente atropeladas e ignoradas pela fome insaciável de seus liderados.

Ruim com eles, pior sem eles. Assim como o governo Bolsonaro hostiliza o judiciário pelo que tem de bom, também hostiliza ou tenta comprar o Parlamento pela capacidade que ainda tem de colocar limite a seus arroubos autoritários, e pelo poder constitucional de abrir e conduzir um processo de impeachment contra o Presidente. O Judiciário e o Legislativo, assim como setores importantes  e competentes do executivo, na área da saúde, economia, educação, cultura e meio ambiente, que este governo vem depredando sistematicamente, precisam se defender e ser defendidos contra os ataques de nosso candidato a Mussolini. Estaríamos em situação muito melhor se eles estivessem estado à altura dos papeis que precisam desempenhar.

O sábio e os sabidos

(publicado em O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 2021)

“Vem me fazer uma visita”, me disse José Arthur Giannotti, da última vez que nos vimos, em um seminário no Instituto Fernando Henrique Cardoso. Disse que ia, lembrando de outras ocasiões em que me recebeu em sua casa no Morumbi, falando sobre os temas de filosofia, política e das pessoas que o fascinavam. Acabei não indo, e agora ele nos deixou. O encontro anterior havia sido em um voo desde Brasília em que nos encontramos e no qual ele falou longamente sobre o que estava escrevendo sobre Wittgenstein. No final perguntou se eu estava entendendo, eu disse que sim, e ele sorriu, contente, “viu como é simples? Até você entende!”. 

Na verdade não havia entendido direito, hoje acho que compreendo melhor. Se Giannotti era tão difícil de entender, tanto por escrito quanto falando, como explicar o grande sentimento de perda de tanta gente, agora que ele se foi? Não deve ser só por sua produção como filósofo, cujo valor cabe aos colegas de profissão avaliar.  Para os demais, foi sem dúvida importante sua presença e liderança na vida intelectual brasileira que começa na antiga Faculdade de Filosofia da USP na Rua Maria Antônia, continua no famoso grupo de leitura de “O Capital” nos anos 50 e 60, e se prologa nos anos em que presidiu  e participou do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, a instituição criada pelos professores de filosofia e ciências sociais que, como ele, haviam sido expulsos da USP pelo regime militar. Mais importante, no entanto, eram a  permanente abertura e disposição para o debate e o diálogo, contestando certezas estabelecidas, trazendo ideias inesperadas, e fazendo pensar.

Mas, o que pensava Giannotti, que ideias defendia? O que me parece que ele recupera de Wittgenstein, nos escritos mais recentes, é a noção de que os conhecimentos não se dão de forma abstrata, pelo exercício formal da lógica e da dedução, mas a partir de jogos da interação  e convivência social, que  geram  mundos compartilhados de “jogos de linguagem”,  em cujo interior adquirem  significado.  A vida social supõe um esforço constante para construir novos significados, sendo o desafio a expansão de jogos de linguagem abertos ao diálogo e convivência  plural. O mundo da ciência, da tecnologia, da vida em sociedade, das relações de poder e dos conflitos, tudo isto tem origem nestas linguagens compartilhadas, o que leva a uma agenda política que é a da recuperação desta humanidade comum que nos une, inclusive a nossos adversários.

É tudo muito abstrato, mas se torna mais claro quando se lê seu livro sobre a “Universidade em Ritmo de Barbárie”,  escrito em 1986, refletindo sobre os trabalhos da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior criada nos primeiros anos da Nova República.  O desafio de então, como o de hoje, era como defender e valorizar uma universidade e  uma comunidade científica que haviam sido violentamente atacadas pelo governo militar, e fazer com que elas, na democracia que se abria, não sucumbissem à lógica dos interesses corporativos que colocavam em risco sua própria razão de ser, e abrissem espaços para o diálogo e o desenvolvimento do conhecimento e da cultura. “A universidade moderna”,  diz ele, “configura uma enorme máquina, altamente sofisticada e complexa, que engole e produz saberes, sábios e sabidos”.  O sábio é quem ensina, pesquisa, questiona, serve de modelo e forma seus alunos.  É quem dialoga, retomando e ampliando os jogos de linguagem da comunicação. O sabido é quem se aproveita da lógica institucional para amealhar vantagens, posições de prestígio e de poder.

Não são entes totalmente distintos, o sábio precisa também ser sabido para sobreviver na máquina universitária.  Mas é fundamental preservar a missão central da vida universitária, e para isto, nos diz Giannotti, é  preciso isolar o sabido, uma tarefa quase impossível, porque a lógica dos interesses de curto prazo fez com que a universidade brasileira se tornasse uma “fábrica de sabidos” . As avaliações externas, os processos internos de seleção de dirigentes baseados na qualidade acadêmica, o fortalecimento da natureza pública das instituições educacionais, sejam elas estatais ou privadas, são alguns dos mecanismos necessários para evitar que a voracidade dos sabidos não termine por sufocar as instituições de ensino e pesquisa de que se alimentam.

O mundo da comunicação e do diálogo que buscava Giannotti não era o mundo falsamente harmônico que esconde a desigualdade, a pobreza e a exploração. Giannotti se formou no ambiente intelectual francês de crítica e revisionismo do marxismo, onde se buscava resgatar as preocupações centrais de Marx com a exploração capitalista e a miséria, sem cair na aberração do totalitarismo do “socialismo real”.  Sem tentar escapar do mundo moderno da tecnologia, da burocracia, das grandes corporações e das redes de comunicação, mas criticando a desigualdade, a alienação e o mundo frenético e empobrecido dos sabidos que produz, Giannotti se manteve sempre como o sábio do pensamento independente, crítico, e do diálogo.

Pedra Lascada

Entrevistado pelo reporter da Folha de São Paulo sobre a incrível declaração do Ministro Paulo Guedes de que o IBGE estava ainda na “idade da pedra lascada”, porque não gostou dos dados de desemprego da Pnad Contínua, eu disse que, se isso fosse verdade, seria culpa dele, porque o IBGE faz parte de seu ministério. No jornal ficou faltando o “se”, dando a impressão que eu concordava com ele. Não concordo. A PNAD contínua é uma pesquisa moderna e inovadora, o IBGE avançou muito nos últimos anos apesar da falta de apoio do governo, e foi capaz de manter suas pesquisas mesmo com a Covid. A diferença entre a PNAD e o CAGED é óbvia para quem conhece um mínimo do assunto: a PNAD é uma pesquisa amostral de alta qualidade, com centenas de milhares de entrevistados, que mede não só o desemprego, mas também o sub-emprego e o desalento, e o CAGED é um registro administrativo que só inclui as pessoas com carteira assinada, cerca de metade dos que trabalham no país. Qualquer economista formado pela Universidade de Chicago sabe disso.

ENEM: avaliação ou seleção?

(Publicado em O Estado de São Paulo, 9 de julho de 2021)

Em 2022 entra em vigor o novo ensino médio, com a possibilidade de os estudantes optarem por diversas áreas de formação e também por cursos técnico-profissionais, o que significa que o Exame Nacional do Ensino Médio deverá também mudar. Em sua origem, o ENEM tinha por objetivo ser uma avaliação, referência de qualidade para as escolas de ensino médio. Mas em 2009 ele se transformou em um exame nacional de seleção para as universidades federais, o que fez com que todas as escolas se organizassem para preparar seus alunos para a prova. Atualmente, as redes escolares públicas e privadas estão se organizando para dar início ao novo ensino médio, e uma das dificuldades é não saber que tipo de avaliação os estudantes terão pela frente.

O Ministério e o Conselho Nacional de Educação estão trabalhando sobre o tema e é provável que cheguem a alguma conclusão nos próximos meses, o que influenciará o destino de milhões de jovens nos próximos anos. É a oportunidade para avaliar a experiência até aqui à luz das experiências de outros países e entender melhor para que serve este exame e quais seriam as alternativas.

O que deve ser o ENEM? Uma avaliação dos alunos que terminam o ensino médio, ou um grande exame vestibular para as universidades? Qual a diferença e qual a importância disso? Muitos países, sobretudo na Europa, têm sistemas nacionais de avaliação dos alunos ao término do ensino médio, como os Baccalauréats franceses, o Abitur alemão, os A-Levels ingleses e os exames nacionais do ensino secundário em Portugal. Mas poucos têm um grande exame vestibular nacional como a China, a Turquia, o Chile e o Brasil. 

São coisas muito diferentes. As avaliações nacionais marcam o término do ensino médio, especificando que tipo de formação os alunos tiveram e que resultados alcançaram, enquanto que os exames são provas de ingresso ao ensino superior para pessoas já formadas. Nas primeiras, há um leque de opções que os alunos fazem conforme seus interesses e as áreas de concentração, mais acadêmicas ou mais profissionais. Nos segundos é uma prova só. A outra diferença é que, nas primeiras, os resultados das provas influenciam o acesso dos estudantes ao ensino superior, mas as universidades mantêm sua autonomia para selecionar seus alunos entre os que se qualificam, combinando com outros critérios. A terceira diferença é que, além das provas que habilitam para o ensino universitário, há outras que habilitam para atividades profissionais e cursos técnicos pós-secundários. Nos Estados Unidos não existe nem uma coisa nem outra. Algumas instituições privadas oferecem testes padronizados para pessoas que querem se candidatar ao ensino superior, como o Scholastic Assessment Test, American College Test e o Graduate Record Examination, que as universidades e escolas superiores podem usar ou não, com maior ou menor peso. 

Quando o ENEM se transformou em um vestibular nacional, a ideia foi que ele ajudaria a democratizar o ensino superior, fazendo com que os estudantes, com uma só prova em sua cidade de residência, pudessem se candidatar a qualquer universidade federal do país. Mas a prova única acabou criando uma grande discriminação a favor dos filhos de famílias mais educadas e que estudaram em escolas privadas, que conseguem as notas mais altas e entram nas universidades e carreiras mais prestigiadas. São menos de 300 mil vagas para 6 milhões de candidatos a cada ano, com problemas operacionais que se repetem. Nem o sistema de cotas consegue tornar o sistema mais igualitário, porque todos necessitam médias altas para conseguir uma vaga.

Com a diversificação do ensino médio, a prova única do ENEM não pode continuar existindo. Mas o Brasil não tem ainda condições de criar um sistema de provas nacionais qualitativas como as dos países europeus, que decidem quem se forma, e com que nota ou conceito. Faz mais sentido um sistema como o norte-americano, em que as escolas continuam dando os diplomas, mas os estudantes podem se apresentar, voluntariamente, para avaliações que produzem certificados de competência que podem ser utilizados pelas universidades para selecionar seus alunos e também para o exercício de profissões técnicas. Uma destas avaliações deve ser de tipo mais geral, para todos, de competência no uso da linguagem, raciocínio matemático e conceitos básicos de ciências sociais e naturais, semelhante ao exame de PISA, ou o GRE geral americano. Outras serão mais específicas, alinhadas com as grandes áreas profissionais de nível superior, como ciência e tecnologia, ciências da saúde, ciências sociais e letras e humanidades. E outras mais específicas ainda, de certificação de competência técnica em áreas como serviços de saúde, processos industriais, informação e comunicação e gestão de negócios. Estes exames não precisam ocorrer no mesmo dia, nem precisam ser feitos todos pelo MEC.  

É este o caminho que deveria ser seguido, saindo da camisa de força do atual ENEM.

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