A nova linha de pobreza

Vários jornalistas têm me telefonado perguntando sobre a nova linha de extrema pobreza anunciada pelo Ministério do Desenvolvimento Social. É bom que o Brasil tenha uma linha oficial de probreza?  Este valor é muito baixo? Será que os dados de pobreza anteriores estavam equivocados, e que na verdade a pobreza extrema no Brasil é maior do que se dizia?

A primeira observação é que, felizmente,  esta não é uma “linha oficial de pobreza”, como chegou a ser noticiado, mas simplesmente um critério utilizado pelo Ministério para um programa de erradicação da pobreza extrema que ainda deve ser anunciado pelo governo. Eu sempre argumentei que o Brasil não deveria ter uma “linha oficial” única de pobreza, porque qualquer que seja a linha ela será sempre dependente de metodologias que podem variar muito, e não tem sentido escolher uma delas e atrelar todas as políticas sociais futuras a uma regra que vai ser muito dificil de alterar depois.

A segunda observação é que os dados de antes não estavam errados – diferentes metodologias e bases de dado dão normalmente resultados distintos. As melhores medidas de pobreza tomam em conta as variações de custo de vida e de renda monetária que existe entre as diversas regiões do país, o que parece não ter ocorrido com esta linha anunciada pelo MDS. A renda monetária declarada nas áreas rurais tende a ser  menor do que nas áreas urbanas, em parte pelo fato de que a produção para o auto-consumo é maior no campo. Além disto, existem muitos tipos diferentes de pobreza, e a pobreza típica das periferias das grandes cidades, que é aonde se concentram os problemas sociais mais graves do país, pode estar associada a níveis de renda monetária maiores do que os do campo.

O programa  Bolsa Família tem sido muito mais voltado para a população rural do que para a urbana. Isto não está mal na medida em que a pobreza rural precisa de fato ser atendida, mas não está bem deixar de lado a pobreza urbana porque os níveis de renda monetária declarada desta população são maiores.

Em essência, existem duas maneiras de medir a pobreza, a absoluta e a relativa. No Brasil sempre se buscou medir a pobreza absoluta, entendida como a das pessoas cuja renda não permite comprar o mínimo de calorias necessárias para a sobrevivência. O programa Fome Zero do início do governo Lula partia da idéia de que no Brasil ainda haviam milhões de pessoas nestas condições, passando fome, e foi com grande surpresa que se constatou, depois, que o Brasil não tem na realidade problemas de fome generalizados, mas sim outros associados à falta de acesso a serviços básicos, e inclusive à obesidade.

As medidas de pobreza relativa, por outro lado, buscam identificar as pessoas cujas condiçoes de vida são consideradas piores do que a sociedade considera como minimamente satisfatório. Este mínimo varia de sociedade para sociedade, e pode variar também por região e características da população. Ainda que situações de pobreza extrema continuem existindo, a  metodologia  da renda absoluta é mais apropriada para países de renda muito abaixo da brasileira, como dos a África ao Sul do Saara, do que para países de renda média.

Me parece que já é tempo de mudar a abordagem centrada nas medidas absolutas e começar a lidar também com os problemas de pobreza relativa que afetam sobretudo as populações das periferias das grandes cidades, e que não são menos sérios e prioritários do que os do campo.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

5 thoughts on “A nova linha de pobreza”

  1. Sergei, obrigado pelas precisões e esclarecimentos. Eu deveria ter dito “uma linha oficial única”, para ser mais preciso. Se esta linha dos 70 reais é tão precária quanto voce diz, não vejo como ela possa” servir para homogeneizar documentos oficiais e reduzir a confusão”. Fora isto, acho que estamos todos de acordo.

  2. Comentários sobre a linha de pobreza:

    A linha é uma linha oficial. Se R$ 70 são “um critério utilizado pelo Ministério para um programa de erradicação da pobreza extrema que ainda deve ser anunciado pelo governo” então são uma linha oficial de pobreza extrema.

    Segundo, é uma boa idéia ter uma linha de pobreza oficial. Não so vai homogeneizar os documentos oficiais e reduzir imensamente a confusão sobre o tema, como também deixa um critério claro segundo o qual as ações do governo podem ser julgadas como fracasso ou sucesso. Nada impede que outras linhas continuem sendo calculadas para medir com maior precisão conceitual a pobreza. Eu mesmo pretendo fazer isso este ano. Também concordo que esta linha é completamente arbitrária, como o seria qualquer outra. Mas é melhor ter que não ter uma linha oficial.

    Terceiro, o número divulgado foi calculado com base no universo do Censo, que é dominado pelo questionário simplificado. A renda no questionário simplificado é muito mal medida e foram os zeros na renda domiciliar per capita que inflaram a pobreza monetária dos nove milhões da Pnad de 2009 (e provavelmente do Censo quando saírem os microdados da amostra) para 16 milhões. A maioria desses zeros é renda ignorada disfarçada de renda zero. Sei que não existe “a verdadeira pobreza”, mas a renda do questionário simplificado é tão mal-medida que não da para levar a sério. Na verdade, vamos ter que esperar até 2012 para saber a pobreza segundo o Censo. Meu chute é que certamente não será superior a dez e provavelmente inferior a nove milhões de pessoas.

    Quanto à seriedade da pobreza nas cidades, não poderia concordar mais com você.

    Abraços

    Sergei

  3. Dear Simon,
    Congratulations on your fine discussion of “A New Poverty Line”. It could be applied to the indices used to summarize poverty. These indices include the now outdated and disputed Gini Index, which is ambiguous and used mainly to facilitate comparison to earlier studies [Quoting from Wikipedia “As is the case for any single measure of a distribution, economies with similar incomes and Gini coefficients can still have very different income distributions. This results from differing shapes of the Lorenz curve. For example, consider a society where half of individuals had no income and the other half shared all the income equally (i.e. whose Lorenz curve is linear from (0,0) to (0.5,0) and then linear to (1,1)). As is easily calculated, this society has Gini coefficient 0.5 — the same as that of a society in which 75% of people equally shared 25% of income while the remaining 25% equally shared 75% (i.e. whose Lorenz curve is linear from (0,0) to (0.75,0.25) and then linear to (1,1)”] Gini coefficient – Wikipedia, the free encyclopedia ; the comparison of the share of income and wealth received by the top 10% and the bottom 10% of the population; the Theil Index Theil index – Wikipedia, the free encyclopedia; and the newly proposed modifications of the Human Development Index HDR_2010_EN_Chapter5.pdf, and the definition of economic classes according to all sources of income [Neri, Marcelo C. (2010), “The New Middle Class: The Bright Side of the Poor”. Rio de Janeiro: FGV-CPS, Setembro 13 (accessed at http://www.fgv.br/cps/nmc/ on November 15, 2010)].
    Best wishes,
    Laura Randall

  4. Esse artigo andou sendo comentado nos blogs de economia esses dias. Os autores (Banerjee e Duflo) sao economistas do MIT que estao liderando um movimento para realizacao de grandes testes de politica publica e de combate a pobreza em paises em desenvolvimento. O artigo resume alguns dos findings. Esta muito bem escrito e apresenta nuances interessantes. Vale a pena para quem esta interessado no assunto.

    http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/04/25/more_than_1_billion_people_are_hungry_in_the_world?page=full

  5. Muito mais importante que qualquer metodologia ou critério empregados para determinar a Linha de Pobreza, precisamos – ao sairmos da teoria para a prática – exterminarmos definitivamente a pobreza no nosso país!. Pois, sabemos, ela humilha, maltrata e destroi a dignidade humana. Um país sério jamais irá se calar diante de tanta miséria! Jamais haverá democracia, de fato, enquanto perdurar tanta fome e descaso pelos menos favorecidos.

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