Andrés Bernasconi: os rankings internacionais são injustos com as universidades latino-americanas?

 

Andrés Bernasconi, professor da Escola de Educação da Universidade Católica do Chile, publicou no blog “Inside Higher Education – The World View” um comentário sobre os lamentáveis resultados das universidades latino-americanas nos rankings internacionais, cujo texto original está disponível aqui. Coloco abaixo minha tradução:

Os rankings internacionais são injustos com as universidades latinoamericanas?

Andrés Bernasconi

A temporada dos rankings é um tempo de más notícias para as universidades latino-americanas. Na sua versão mais recente (3 de outubro), o Times Higher Education World University Ranking não colocou nenhuma universidade da América Latina no grupo dos 100 melhores, e apenas quatro entre todo o elenco de 400.

O que está errado com a gente? Como Andrés Oppenheimer, o jornalista argentino e editor de América Latina do Miami Herald observou, o Brasil é a sexta e o México a 14a economia do mundo, o que deveria significar alguma coisa em termos da possibilidade de apoiar instituições de ensino superior de boa qualidade. Claro, algumas das universidades da União Europeia e da Ivy League americana são muito antigas, e isto ajuda na reputação, uma das variáveis de maior peso neste ranking, mas algumas das mais antigas instituições da América Latina também datam dos séculos XVI e XVII. Além disso, as universidades que tem mais avançado nos rankings, na maior parte localizadas na Coréia, Cingapura, Taiwan e China, são bastante novas, e a juventude não parece ser um problema para elas.

Em estilo bem latino-americano, muitos líderes universitários nesta parte do mundo preferem matar o mensageiro, lançam a suspeita de que existe uma conspiração global contra a região, e buscam refúgio em um universo paralelo. Assim, um grupo se reuniu no México em maio, com apoio da UNESCO, e denunciou os rankings globais como medidas inválidas de qualidade, criticou a tendenciosidade “anglo-saxã” das avaliações e proclamou que, dado que as universidades nesta parte do mundo são diferentes, é necessário criar novos rankings que reflitam a missão “social” das universidades na América Latina, um conceito obscuro para descrever o que as universidades fazem que não é pesquisa, nem ensino, nem transferência de resultados de pesquisa, e nenhuma das outras funções associadas às universidades como uma instituição em outras partes do mundo.

Um grupo de interesse liderado por universidades nacionais como a Universidade Nacional Autônoma do México, a Universidade de Buenos Aires, a Universidade Nacional de Colômbia, e a Universidade de Chile (precisamente aquelas que deveriam estar muito melhor nos rankings se seu desempenho científico estivesse à altura da bela imagem que têm de si mesmas) vai muito provavelmente continuar a dar as costas ao que os rankings internacionais mostram de forma consistente: que a educação superior da América Latina permanece na periferia da busca moderna pelo conhecimento, mais um espectador que um ator.

Se, no entanto, os líderes universitários decidissem considerar a possibilidade de que os rankings têm algo de verdadeiro, aqui estão algumas hipótese do que pode estar errado com as universidades da América Latina.

Primeiro e mais importante: o corpo docente. Não seu número, nem sua vocação e dedicação à universidade, nem a qualidade do seu ensino. O problema é sua falta de qualificação para o que no resto do mundo se entende por pesquisa científica legítima, sua capacidade limitada para usar o inglês para acessar às principais correntes de conhecimento mundiais e os salários insustentavelmente baixos. Na maioria das melhores universidades da América Latina (com exceção de cerca 20 das melhores do Brasil) o número de pessoal docente com doutorado continua a ser uma minoria e a fluência em outros idiomas além do espanhol e português ainda é excepcional. Há muitas razões perfeitamente compreensíveis para isso, mas a verdade é que não é possível haver pesquisa internacionalmente competitiva feita por professores que não foram treinados para pesquisar (incluindo neste grupo muitos que obtiveram seu doutorado já no meio ou ao final de suas carreiras, em programas medíocres), ou de acadêmicos cuja base de conhecimento se limita ao que é publicado em espanhol ou português; e também não se pode esperar bons resultados quando os salários são tão baixos que os professores, ainda que nominalmente em tempo integral, precisam trabalhar em dois ou três lugares para ter uma vida decente, como ocorre em quase todos os lugares exceto em algumas poucas universidades na região.

O segundo obstáculo é a governança das instituições e as políticas implementadas pelos sistemas nacionais de educação superior. A autonomia universitária, objeto de apego quase religioso na América Latina, durante décadas serviu à nobre função de manter governos corruptos, incompetentes e autocráticos fora das universidades. Infelizmente, em alguns países, isto continua sendo necessário. Mas na maior parte da região existem democracias estáveis com lideranças razoáveis que estão consolidando espaços de diálogo onde as universidades podem desenvolver políticas em parceria com os governantes, em vez de bater a porta da autonomia em sua cara. Por que isso é importante? Porque a maioria das universidades latino-americanas, especialmente no setor público, não tem a vontade política de se reformar, e precisam trabalhar com seus governos (como ocorre cada vez mais com as universidades na Europa, Austrália e Ásia) para encontrar mecanismos para renovar os quadros acadêmicos, investir mais dinheiro em pesquisa para aqueles que podem usá-lo de forma produtiva, reformar as estruturas de carreira e tabelas salariais, criar capacidade de tomada de decisão e planejamento de longo prazo, reduzir o inchaço da administração e transferir recursos dentro das universidades e entre instituições no sistema universitário, para onde possam ser mais úteis e necessários, para citar somente algumas das correções tão necessárias que precisam ser feitas.

 

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

3 thoughts on “Andrés Bernasconi: os rankings internacionais são injustos com as universidades latino-americanas?”

  1. Deve haver um viés nortista para tal avaliação.Recentemente, duas consultorias especializadas em recrutamento de pessoal colocaram a FGV e a USP entre as 150 mais requisitadas universidades.Será que milhares de empresas mundo afora estão com seus critérios equivocados ?

  2. O autor reputa ao corpo docente um dos principais problemas das universidades. Mas a qualificação de professores não é obra e graça do divino espírito santo nem apenas da vontade do professor. Sem políticas federais deliberadas de qualificação docente não se pode avançar: exemplo: cobra-se pesquisa mas não existe um sistema de qualificação institucional para a sua implementação, notadamente nos centros periféricos. Cobra-se o uso do inglês mas transfere-se ao professor os custos e a iniciativa de buscar se aprimorar, sendo que o inglês acadêmico não está disponível para fácil aquisição.Os salários, adicionalmente são rizíveis: professor universitário é uma das piores carreiras do funcionalismo federal, sendo que todas as demais tem apenas a graduação.A estrutura para fazer pesquisa, por outro lado, concentra se nas universidades dos grandes centros e sem estrutura(equipamentos, estagiários, espaço) não há pesquisa decente. A sociedade, por outro lado, quer educação de qualidade mas na prática não tem compromisso com qualidade: pais, alunos, mídia, etc não se comovem com a situação da Educação no país. Fácil cobrar do professor!

    1. Agora é o curso de inglês que deve ser dado ou fornecido (gratuitamente, eu imagino) ao professor? Uma Bolsa-Inglês, talvez? Eu estudei inglês em um curso simples, perto da minha casa, quando estava na quinta série e terminei no primeiro ano do segundo grau. Entre gastar dinheiro comprando um carro, uma televisão maior ou viajando, meus pais resolveram investir no curso e hoje, no doutorado, lido muito bem com a língua. E o inglês “acadêmico”, aprende-se lendo regularmente textos acadêmicos em inglês. E o restante do comentário: está na hora de dar um fim a esta eterna vitimização do professor (sobretudo daqueles de universidades federais).

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