Jorge Jatobá: Emprego sem crescimento?

O economista Jorge Jatobá explica o que está acontecendo com emprego no Brasil:

Emprego sem crescimento? 

empregoJorge Jatobá

A maioria dos economistas e das agências nacionais e internacionais que acompanham o desempenho da economia brasileira afirmam a coexistência incomum entre baixo crescimento e pouco desemprego. Um fenômeno curioso já que um fraco nível de atividade da economia é determinante de um baixo dinamismo no mercado de trabalho. Esse artigo ousa interpretar e esclarecer esse aparente paradoxo.

Em primeiro lugar, constata-se nas estatísticas do CAGED/MTE uma clara desaceleração na geração de empregos na economia brasileira. A evolução da geração de empregos formais acumulada em 12 meses caiu 42,3% entre janeiro de 2013 (1.267,6 mil) e agosto de 2014 (730,2 mil). Em outubro passado o saldo foi negativo em 30,3 mil empregos, o pior resultado desde 2009. Portanto, há dados inequívocos de uma forte desaceleração e, mais recentemente, de perdas liquidas na geração de empregos na economia nacional.

A perda de empregos é significativa na indústria brasileira que passa por um período crítico de perda de competitividade. Na indústria de transformação, segundo o IBGE, o nível de emprego caiu 5,4% quando se compara agosto de 2014 com agosto de 2013. Nos 12 meses terminados em agosto, o nível de emprego caiu 1,8% e no acumulado de 2014 (Jan-Ago) reduziu-se em 3,1%. Essa queda no nível de emprego da indústria não foi maior porque em muitos setores manufatureiros, especialmente no automotivo, as empresas cortaram horas-extras, usaram o banco de horas, deram férias coletivas e instituíram o lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho com remuneração parcial). As empresas industriais não demitiram massivamente ainda porque o custo de demissão e de recontratação são elevados, especialmente se a decisão de demitir não for calcada em uma forte percepção de que o mercado não se recuperará no curto prazo. A decisão final depende do rumo que o governo reeleito dará à política econômica. Se a percepção dos agentes econômicos for a de que não haverá mudanças significativas na condução da política macroeconômica é possível que demissões massivas sejam concretizadas.

Cabe perguntar se a baixa geração de empregos no conjunto da economia e a perda de postos de trabalho na indústria estão afetando as taxas de desemprego. A taxa de desocupação segundo a PNAD contínua (IBGE) elevou-se de 6,2% para 7,1% entre o terceiro trimestre de 2013 e o primeiro trimestre de 2014. Essas taxas se aplicam para o conjunto do país e não apenas para as seis áreas metropolitanas pesquisadas pela PME/IBGE onde a taxa de desemprego, em setembro de 2014, foi de apenas 4,9%, número frequentemente citado pelo Governo Dilma para atestar que o mercado de trabalho não está sendo afetado pelo baixo crescimento.

As taxas de desemprego estão também historicamente menores por três razões que a afetam pelo lado da oferta. A primeira é porque homens e mulheres há, pelo menos duas décadas, resolveram ter menos filhos. Isso reduziu o crescimento populacional e impôs um menor ritmo de expansão da força de trabalho. Ou seja, os empregos que estão sendo gerados vão encontrar menos pessoas disponíveis para ocupá-los. Em segundo lugar, os jovens estão adiando a entrada no mercado de trabalho para estudarem mais, fato a ser comemorado. Em terceiro, há o fenômeno dos que não trabalham nem estudam, cujas causas ainda estão sendo estudadas mas que tem a ver com a atitude das famílias com relação a permanência mais prolongada dos filhos em casa. Essas duas últimas, retiram da força de trabalho um contingente significativo de jovens enquanto a primeira indica, pela primeira vez na história recente do mercado de trabalho brasileiro, uma escassez geral de mão de obra, não apenas aquela relativa ao trabalho mais qualificado.

Portanto, o paradoxo está explicado pela inércia entre o desempenho da economia e do mercado de trabalho, pela transição demográfica e pelas expectativas com relação a definição da política econômica. Se a crise não adentrou-se no mercado de trabalho, ela está batendo à porta com força e colocando o pé na soleira

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Jorge Jatobá é Doutor em Economia e Sócio-Diretor da Consultoria Econômica e Planejamento-CEPLAN. Versão ligeiramente diferente deste artigo foi publicada na Edição Nº 104 da Revista Algomais.

No Escuro

tunelPublicado na Folha de São Paulo, 27 de outubro de 2014.

Escrevo na véspera do segundo turno, sem saber o resultado. As eleições deveriam ser uma oportunidade para que a sociedade se revigore, com uma liderança enriquecida pelo confronto de ideias e fortalecida pelo apoio da sociedade. Infelizmente, o que se viu neste final de campanha foi um país fraturado, em um momento em que a economia estagnou e as políticas sociais tradicionais parecem ter se esgotado, com a desigualdade persistindo, o desastre da educação que não melhora e o agravamento da violência urbana.

Expressei por diversas vezes minha convicção de que a oposição tem um melhor diagnóstico, melhores quadros e mais condições de construir consensos e avançar; seu grande problema no governo seria a perspectiva de uma oposição empedernida que levasse o país à paralização.

Os exemplos do primeiro governo Lula, ao endossar o Plano Real, substituir o fome zero pela bolsa família e manter os sistemas de avaliação da educação, assim como o do início do governo Dilma, ao parecer enfrentar a corrupção em seu ministério e assumir uma posição mais clara, internacionalmente, em defesa dos direitos humanos, e, mais recentemente, ao buscar a participação do setor privado nos investimentos, mostraram que o PT tem condições de atuar de forma pragmática e buscar sair das amarras ideológicas e das práticas políticas que predominaram até aqui, com a vantagem que teria o apoio da oposição se efetivamente procurar avançar.

Então, há razões para algum otimismo. Apesar da polarização da campanha, buscando dividir o país entre “nós” e “eles”, existem alguns consensos que sobre os quais se pode construir: as conquistas sociais precisam ser mantidas e aprofundadas, a corrupção na administração pública precisa ser contida, a economia precisa recuperar seu dinamismo, a educação precisa melhorar, a violência precisa ser enfrentada, as questões ambientais, climáticas e energéticas precisam tratadas seriamente, e o sistema representativo precisa ser repensado.

Não será possível continuar lidando com estas questões como quando o dinheiro fluia para o governo pelo aumento de impostos, pelos ventos favoráveis do comércio internacional ou pelo endividamento crescente, e as políticas públicas eram sinônimo de distribuir benefícios e garantir privilégios. Persiste ainda a ideia de os recursos públicos são infinitos, de que 2+2=5, quando corre o risco de ser 3 ou menos. Sair desta ilusão é difícil, porque requer contrariar interesses e expectativas de tantos que querem sempre mais, sem abrir mão de nada nem admitir que a mágica não existe, e que Deus não é brasileiro.

Existe sempre a tentação de tentar sair desta situação pela intolerância, dogmatismo e acirramento dos confitos, substituindo o pragmatismo do possível pelo absolutismo das convições, colocando o país em um plano inclinado de conflito, desorganização e decadência, que olhando em volta vemos que pode não ter fim. Existe espaço para se pensar novamente em um pacto social, em benefício do país?

 

 

 

As Instituições e o Mal Estar da Sociedade

Brazil-protestA revista Interesse Nacional, em seu número de outubro – dezembro de 2014 , publicou  artigo meu  sobre a questão da participação política, organizações sociais e sistemas representativos.  

O artigo conclui dizendo que “não há dúvida de que o sistema representativo brasileiro precisa ser profundamente alterado, em aspectos como o sistema eleitoral, o sistema partidário e o financiamento de campanhas. Não há dúvidas também de que as democracias modernas devem incluir formas adequadas de participação da sociedade, por mecanismos múltiplos que vão das consultas aos referendos, passando por diversas formas de vinculação entre a administração pública em seus diversos níveis e a sociedade civil em seus diferentes formatos, mantendo os espaços abertos para manifestações e mobilizações em torno de temas que não estejam sendo atendidos devidamente pelas políticas vigentes. Dito isto, é importante ter em mente que não é possível satisfazer ao mesmo tempo todas as demandas e todos os grupos da sociedade – salários altos, financiamentos baratos para carros e casas, educação de qualidade e gratuita, atendimento médico de alta qualidade e gratuito para todos, transportes públicos gratuitos, proteção ao meio ambiente, excelentes aposentadorias e pensões – tudo conforme o padrão Fifa. Além das limitações de recursos, muitas destas demandas são contraditórias e necessitam ser arbitradas. Cabe às lideranças políticas e aos governos mostrar que estão empenhados em fazer o melhor dentro dos limites possíveis e, para isto, necessitam da legitimidade que só um sistema representativo bem constituído e fundado em um ordenamento legal respeitado podem proporcionar.”

O texto completo está disponível aqui.

Porque Voto em Aécio

Por não conseguir fazer melhor, faço belindiaminha a declaração de voto de Edmar Bacha, publicada na Folha de São Paulo de 22 de outubro de 2014. Edmar, economista, é membro da Academia Brasileira de Ciências e sócio-fundador do Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças. É autor de “Belíndia 2.0” e de “O Futuro da Indústria no Brasil” (Civilização Brasileira). Foi o coordenador da equipe técnica do Plano Real.

Meu voto em Aécio se justifica de duas maneiras. A primeira é que, se Dilma tiver mais quatro anos, acabará de quebrar o país e nos encaminhará para uma séria crise política e social. Não é difícil ver o porquê. Nos quatro anos de seu governo, o crescimento da economia foi o menor de todos os períodos presidenciais completos de nossa história republicana desde Floriano Peixoto.

A culpa desse desempenho medíocre não vem de fora, pois nossos vizinhos sul-americanos (exceto pela Argentina e Venezuela que seguem políticas parecidas com as de Dilma) vão muito bem, obrigado. Neste ano, o crescimento do PIB brasileiro deverá ser zero, algo inédito na história do país em períodos sem crise cambial.

A culpa também não é da equipe econômica, pois ela apenas executa com docilidade a política determinada em cada detalhe pela presidente. Foi Dilma quem retirou a autonomia do Banco Central; criou um orçamento paralelo de alquimias contábeis entre o Tesouro e os bancos públicos; destruiu a capacidade de investimento da Petrobras e da Eletrobras; aparelhou partidariamente as agências reguladoras; fez os leilões de concessão de infraestrutura se tornarem um fiasco quando não uma fonte adicional de corrupção.

O resultado disso é a queda do PIB, a alta da inflação, a derrubada do investimento, a desindustrialização, o deficit externo e o aumento da dívida pública.

Dilma promete um governo novo, com ideias novas. Mas como faria isso, se está convencida de estar no caminho certo? Se fosse reeleita, continuaria colocando em prática suas arraigadas convicções equivocadas sobre economia e administração pública. O resultado seria manter o país ladeira abaixo, com frustração popular, recessão, desemprego e inflação.

Felizmente, isso não vai acontecer, porque tem Aécio Neves no meio do caminho.

Após 12 anos de “nós contra eles”, que lembram o “ame-o ou deixe-o” da ditadura, Aécio é a esperança de reconciliação nacional. Sua história política é similar à de seu avô, Tancredo Neves, que sempre buscou a união dos extremos, o apaziguamento das diferenças, o convencimento pelo argumento, e não pela força.

Todo o ódio que o marqueteiro de Dilma fez destilar nessa campanha eleitoral sórdida será apagado, e Aécio, como fez em Minas Gerais, governará com competência, sem rancores ou partidarismos.

Por sua experiência no governo de Minas, Aécio sabe que políticas de inclusão social são um imperativo. Apesar da propaganda do governo sobre “a nova classe média”, o Brasil continua a ser uma Belíndia –uma mistura da pobreza da Índia com a riqueza da Bélgica. Dados do Banco Mundial mostram que o Brasil mantém uma das mais desiguais distribuições de renda no mundo.

As informações que a Receita Federal finalmente começa a liberar revelam que a concentração de renda no país é bem maior do que a indicada pelas pesquisas domiciliares (Pnad) e ela não se está reduzindo, ao contrário do que dizem os arautos do governo Dilma.

Aécio sabe também que, para superar a pobreza, ao lado de uma política de transferência de renda é fundamental ter uma estratégia de crescimento –equitativa e sustentável– que leve o país, ao longo de uma geração, ao nível de renda do mundo desenvolvido.

Para isso precisamos restabelecer a estabilidade econômica e o equilíbrio das contas públicas e externas. Precisamos atrair o setor privado para investimentos maciços em infraestrutura, dar a nossas indústrias condições de competir no mercado internacional e, principalmente, melhorar nossos sistemas de educação, segurança e saúde.

Em seu programa de governo, Aécio tem propostas exequíveis para enfrentar esses desafios. Contará com uma equipe de auxiliares à altura da nobre tarefa de refazer a união entre os brasileiros e recolocar o país na rota do desenvolvimento.

EDMAR BACHA, 72, economista, é membro da Academia Brasileira de Ciências e sócio-fundador do Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças. É autor de “Belíndia 2.0” e de “O Futuro da Indústria no Brasil” (Civilização Brasileira)

Ideologia e Realidade

Publicado na Folha de São Paulo, 20 de outubro de 2014

 

ideologyApesar do afundamento da economia e dos escândalos de corrupção, muitos que ainda apoiam o governo preferem deixar os fatos de lado e fazer uma escolha ideológica -votar na candidata do PT seria votar pelo povo, pela “esquerda”, contra o candidato que representaria as elites e a “direita”.

O que importa seria a luta de classes, o social contra o mercado, e tudo o demais, parte da guerra de propaganda da oposição, “malfeitos” ocasionais a serem corrigidos, ou problemas criados pelo contexto internacional.

A história das políticas sociais do PT ajuda a entender a dificuldade desse raciocínio.

Lula chegou ao poder em 2002 anunciando o Fome Zero, que pretendia mobilizar a sociedade e colocar toda a produção agrícola do país nas mãos do Estado para garantir a “segurança alimentar” da população. Mal nascido, o programa foi enterrado depois que o IBGE mostrou que, mais do que a fome, o problema do país era a pobreza e a obesidade. Em seu lugar veio o Bolsa Família, inspirado nos programas de “transferência condicionada de dinheiro” que já existiam no México (Oportunidades), Colômbia (Famílias en Acción), Chile (Subsidio Unitario Familiar) e outros.

O grande incentivador desses programas era o Banco Mundial, que propunha que as políticas sociais deveriam ser focalizadas nos mais pobres e que por isto foi acusado de tentar destruir as políticas “universais” que, no Brasil, ainda colocam a maior parte dos recursos nas mãos dos mais ricos.

De direita ou esquerda, o Bolsa Família, embora não tenha tido o impacto esperado na educação ou na saúde nem tenha melhorado a distribuição dos gastos sociais, trouxe algum alívio a milhões de pessoas em situação de pobreza extrema e, por isto, todos hoje concordam que deve ser mantido enquanto necessário.

A segunda dificuldade é que, se por um lado é verdade que existem em toda parte conflitos de interesse entre pobres e ricos, trabalhadores e capitalistas, regiões ricas e regiões pobres, os países que conseguem avançar não são aqueles em que um lado se impõe, dividindo ou se apropriando do pouco que têm, mas os que conseguem construir consensos e gerar oportunidades e riqueza que continuarão a ser objeto de disputas de interesse, só que em patamar mais alto.

Em uma eleição presidencial majoritária, o melhor candidato será aquele que, sem ignorar os conflitos de interesse e favorecer determinadas políticas, conseguir convencer a população de que é capaz de construir e desenvolver este consenso.

O mesmo raciocínio se aplica ao contexto internacional.

É certo que oscilações da economia mundial podem afetar muito fortemente países como o Brasil, mas o que move a economia internacional não são, predominantemente, os conflitos entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, e sim os espaços e as possibilidades de cooperação, comércio e intercâmbio de conhecimentos, que beneficiam os que participam e deixam de lado os que se excluem por escolhas ideológicas que ignoram a realidade.

Ensino Médio e Profissional: quais são os fatos?

No debate dos candidatos da TV Bandeirantes, em 14 de outubro, a candidata Dilma Rousseff acusou governo do PSDB de ter proibido o ensino técnico, falou dos milhões que estão hoje matriculados no ensino técnico graças ao PRONATEC, e  da necessidade de reduzir o número de matérias obrigatórias do ensino médio. É bom que este assunto finalmente chegue à campanha presidencial, mas é importante também entender o que está de fato ocorrendo.

Primeiro, é necessário lembrar que a expressão “ensino técnico”ou profissional pode significar coisas muito distintas, desde cursos técnicos de curta duração, como os oferecidos pelo SENAI e outras instituições, até os cursos integrados ao nível médio e superior. Os cursos profissionalizantes que fazem parte do ensino médio são chamados legalmente de “técnicos”, e os de nível superior, de curta duração, são chamados de “tecnológicos”, ainda que sejam na área das profissões sociais ou de saúde. Quando a candidata  fala dos milhões matriculados pelo PRONATEC sem distinguir uma coisa da outra,  fica impossível saber do que está falando. O site do PRONATEC na Internet lista os diferentes tipos de financiamento que o governo está oferecendo, mas não dá os dados de quantos estão matriculados e se formando nas diferentes modalidades.

Dito isto, não é verdade que o governo Fernando Henrique Cardoso tenha “proibido” o ensino técnico, como disse duas vezes a candidata. Ao contrário, em 1997 o governo FHC implantou o Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP – com recursos de um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 250 milhões de dólares e mais 250 milhões de contrapartida para fortalecer e expandir o ensino profissional de nível médio e superior. Ao mesmo tempo, o governo passou a exigir que os Centros Federais de Formação Tecnológica (CEFETS) dedicassem 50% de suas vagas para o ensino técnico e profissional. Antes disso, generosamente financiados pelos governos federais, estes centros proporcionavam ensino técnico integrado ao médio de tempo integral para alunos selecionados que em sua maioria se preparavam para o ensino superior, desvirtuando portanto sua função principal, que era a formação de profissionais de nível médio para o mercado de trabalho. O governo Lula revogou esta medida, não deu continuidade ao PROEP e transformou os antigos CEFETS em Institutos Federais de nível universitário.

O grande problema do ensino técnico e profissional de nível médio no Brasil é que ele não é um caminho alternativo de formação para os milhões de estudantes que não se interessam ou não estão preparados para o ensino médio acadêmico, como ocorre no mundo inteiro, mas sim um curso a mais que os estudantes de nível médio precisam fazer, além de todos os cursos tradicionais, para obter um título profissional deste nível. A legislação diz que estes cursos podem ser feitos de forma integrada ou subsequente ao ensino médio regular. O Censo Escolar de 2013 mostra que haviam no Brasil 9.1 milhões de estudantes de nível médio regular, 400 mil em cursos integrados e 1.1 milhões em cursos médios profissioais, ou seja, que já haviam terminado o ensino médio e agora estavam de volta buscando uma qualificação profissional, tendo na prática desperdiçado três ou mais anos em um ensino médio obsoleto e inútil. O censo também mostra que a grande maioria dos estudantes nestes cursos profissionais estavam no setor privado, com uma presença muito reduzida da rede federal. No nível superior, em 2012 (último ano com dados disponíveis) dos 7 milhões de alunos, somente 944 mil estavam em cursos tecnológicos, e destes, somente 64 mil em instituições federais – os antigos CEFETS.

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A solução para o problema do ensino médio, de péssima qualidade e nenhum interesse para a grande maioria dos estudantes, não é reduzir o número de matérias, como propõe a candiata, tornando a formação ainda mais rasa e superficial, e sim permitir que os alunos façam escolhas e possam se aprofundar em suas áreas de interesse, tanto de formação mais geral quanto de formação mais técnica e profissional – que é, novamente, o que acontece em praticamente todo o mundo menos no Brasil. Para agravar o problema, o governo federal fez do ENEM um gigantesco funil, um exame vestibular que transformou, na prática, todas as escolas secundárias do país em cursinhos preparatórios para este exame único, que , em 2014, chegou a quase 9 milhões de matriculados disputando menos de 200 mil vagas em universidades públicas. Apresentado como um grande passo para a democratização do acesso à educação, o ENEM se transformou no principal instrumento de sua elitização. Para os que não conseguem as vagas do SISU, existe agora o prêmio de consolação do SISUTEC, que é a possibilidade de usar a classificação no ENEM para voltar ao ensino médio para cursos profissionais que o governo, generosamente, está financiando, sobretudo em instituições de ensino superior privado com pouca ou nenhuma tradição e experiência com este tipo de educação e de qualidade desconhecida. Foram quase 300 mil vagas oferecidas em 2014. Que perspectivas de trabalho estas pessoas terão no futuro, ninguém sabe.

Com tantos recursos investidos no PRONATEC, criado em 2011, ele certamente terá alguns resultados positivos, que precisam ser bem avaliados e aperfeiçoados. Mas seria de se esperar que um programa desta envergadura partisse de um entendimento mais adequado das questões do ensino médio e dos problemas e dificuldades de desenvolver o ensino profissional de qualidade, e contasse, deste o início, com indicadores claros que permitissem avaliar seu verdadeiro impacto.

A contribuição de Marina

p_1Publicado na Folha de São Paulo, 13 de outubro de 2014.

A campanha de Marina trouxe à luz questões centrais, que o candidato da oposição tem a tarefa de incorporar e levar adiante.

A primeira é a grave questão ambiental e climática, inseparável do problema da energia, que está longe de ser, simplesmente, um amor romântico pelo verde das florestas.

Estamos vivendo uma seca sem precedentes, com os paulistas ameaçados de ficar sem água, o petróleo substituindo as hidroelétricas e a poluição do ar das cidades se agravando, enquanto o governo desorganiza a economia do setor de energia, passando a conta para a população, incentiva a produção de automóveis que não cabem mais nas ruas, subsidia a gasolina, leva à falência a indústria do álcool e perde o controle do desmatamento.

A questão ambiental já consta do programa de governo de Aécio Neves, mas não teve ainda destaque na campanha. É de se esperar que, com a contribuição de Marina e sua equipe, ela adquira a prioridade que precisa ter.

A segunda é a crise do sistema político-partidário, que Marina prometeu superar ao dizer que faria um governo com “os bons” de todos os partidos, e ao insistir na necessidade de fortalecer a participação da sociedade na vida política do país.

Muitos consideraram a primeira proposta ingênua. Como governar sem fazer concessões aos bandidos de sempre? Sobre isto, é importante lembrar que grande parte da degradação da política brasileira dos últimos anos foi resultado da opção do PT de declarar o PSDB como seu principal inimigo e buscar aliados entre as oligarquias mais retrógadas do país, compradas por debaixo do pano. Com isto o governo perdeu não somente a possibilidade de ter o apoio do PSDB para políticas econômicas e sociais apropriadas, que não seria negado, como alienou muitos que apoiaram o PT em seu início, acreditando que ele seria, de fato, o partido da ética e dos valores sociais. Existe muito espaço e possibilidades de uma real aliança dos “bons”, que cabe agora a Aécio Neves articular.

O tema da participação da cidadania é mais difícil, mas estava presente nos protestos de junho de 2013, que Marina procurou encarnar. A ideia de que a democracia requer não somente partidos, mas formas ativas de participação, é antiga e está presente na Constituição de 1988. Ela se perverte, no entanto, quando organizações da sociedade civil se transformam em ONGs profissionais financiadas com dinheiro público, ou quando o direito de organização sindical é substituído por sindicatos financiados com o imposto sindical. O primeiro Lula, ainda dos anos da ditadura, surgiu como oposição ao peleguismo sindical, mas se transformou, depois, em seu principal defensor. É um tema que precisa ser reaberto.

Já é hora, também, de questionar os mandatos de quatro anos, as reeleições, o financiamento das campanhas e os partidos de aluguel, como parte de uma reforma mais ampla do sistema eleitoral, para que os governantes tenham tempo de governar e a sociedade se sinta representada por eles.

A Armadilha da Mediocridade

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Artigo publicado na Folha de São Paulo, 6 de outubro de 2014

Os economistas falam da “armadilha da renda média”, de países que, como o Brasil, conseguiram chegar aos US$ 10 mil ou US$ 12 mil por habitante por ano, mas não conseguem chegar perto dos US$ 30 mil a US$ 50 mil, como os países desenvolvidos. Um outro nome seria a armadilha da mediocridade.

O Brasil chegou aonde está graças às exportações de minérios e produtos agrícolas e ao crescimento da indústria e dos serviços que acompanharam a expansão das cidades. Fez parte desta história a ampliação da Previdência Social, dos serviços de saúde e da escolaridade. Para os governos, bastava cobrar impostos e distribuir para quem solicitasse conforme a força de cada um, dos políticos amigos às indústrias protegidas, passando pelos funcionários públicos e sindicatos, e chegando aos pobres com o Bolsa Família.

Esse tipo de crescimento já não tem como continuar. Acabou a migração do campo para as cidades, mas a violência urbana parece fora de controle e o transporte público é péssimo. A desigualdade vinha caindo, mas já não cai mais. A miséria se reduziu, mas a pobreza continua. Já quase não se morre de diarreia, mas o SUS mal consegue atender os enfermos de câncer e do coração. Já não há crianças fora da escola, mas elas mal aprendem. O acesso ao ensino superior cresceu com mais dinheiro para as universidades públicas, cotas, bolsas e crédito educativo, mas a qualidade da maioria dos cursos é ruim e as vantagens de ter um diploma são cada vez menores.

Os economistas sabem muito do que precisa ser feito para sair dessa armadilha: equilibrar as contas públicas, fortalecer a capacidade regulatória do Estado, abrir as empresas à competição internacional, criar regras claras para o uso de incentivos públicos e garantir ao setor privado a segurança jurídica necessária para seus investimentos. Mas isso não basta, porque o “custo Brasil” não vem somente do protecionismo, dos entraves burocráticos e da má qualidade da infraestrutura física, mas, sobretudo, da ausência de uma população bem-educada e capacitada, da condição de vida precária das cidades e da incerteza gerada por um sistema político desmoralizado.

Não será mais possível continuar crescendo e se desenvolvendo como se fez até aqui. Para sair da armadilha da mediocridade, é preciso redirecionar a política econômica e social, mas também olhar em volta, para os países que conseguiram superar essa barreira, e ver o que têm a nos ensinar sobre educação, saúde, proteção à velhice, gestão dos espaços urbanos, política ambiental, política energética, modernização do Estado e reforma do sistema político.

Nestas eleições, a grande pergunta é quais candidatos continuam olhando para trás, fazendo e prometendo mais do mesmo, satisfeitos com o que temos, e quais têm as condições de abrir espaço para um país capaz de avançar nestes novos caminhos. Para todos será uma longa aprendizagem, sujeita a erros e acertos. Mas não há dúvida de que está na hora de renovar.

Eleições, democracia e instituições

Publicado em  Folha de São Paulo 29 de setembro de 2014

institA certeza de que os resultados das urnas serão respeitados é prova de que a democracia brasileira está funcionando bem em um aspecto central, o sistema eleitoral. Mas os exemplos de vizinhos como Venezuela e Argentina mostram que democracia é muito mais do que eleições –ela requer também instituições sólidas, que permitam que o governo funcione de forma competente e eficiente; uma ordem legal que proteja e garanta a liberdade e os direitos individuais; e um sistema político-partidário que seja percebido pelos cidadãos como capaz de articular e representar seus interesses e preocupações. As democracias modernas também necessitam abrir espaço para a participação dos cidadãos em diversas áreas de seu interesse, acompanhando e complementando a ação dos governantes. Vista assim, a democracia brasileira está ainda longe do que deveria ser, e o risco de resvalar pela ladeira do “bolivarismo” de tipo venezuelano é bastante real.

Os episódios recentes que atingiram o IBGE, assim como o debate recente sobre a autonomia do Banco Central, permitem entender com clareza a importância das instituições em um regime democrático, que afeta também as agências regulatórias, o Supremo Tribunal Federal, as universidades públicas, o Ipea, a Receita Federal e a Polícia Federal, assim como empresas estatais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES. O governo federal, em nome da sociedade, tem responsabilidade e obrigação de indicar os principais dirigentes dessas instituições, orientar suas ações e cobrar resultados, o que é muito diferente de ter a liberdade de nomear, simplesmente, seus preferidos políticos e interferir, sem mais aquela, no dia a dia de suas atividades. É para isso que devem existir regras definidas sobre as características que os indicados precisam ter (competência técnica, idoneidade, ausência de conflitos de interesse), mandatos definidos, aprovação das indicações pelo Senado, e conselhos superiores encarregados de supervisionar e também de proteger as instituições de interferências externas indevidas.

O governo FHC avançou bastante ao dotar as agências reguladoras de autonomia e garantir, na prática, a independência de instituições como o IBGE, o Ipea e o Banco Central, sem chegar a lhes dar, no entanto, a estrutura legal de instituições autônomas de que necessitam. Os governos do PT usaram as agências reguladoras e as estatais para distribuir cargos para aliados e protegidos, e só agora o país percebe o alto preço que está pagando, entre outros, pelo uso político da Petrobras e da Eletrobras. O Ipea e o IBGE, sem mandatos e formatos institucionais claros, se perdem em confusões técnicas que criam suspeitas sobre interferências políticas. E o posicionamento da candidata Dilma contra a autonomia do Banco Central mostra que ela não reconhece a importância de instituições públicas sólidas para uma democracia que realmente funcione. Não é um bom sinal

A correção dos dados da PNAD pelo IBGE

giniTenho recebido varias mensagens perguntando o que acho do fato de o IBGE ter modificado os dados da PNAD 2013 que mostravam que a desigualdade de renda no Brasil não estava mais diminuindo desde 2011,e agora parece que mostram que não é bem assim, e isto a poucos dias antes das eleições. Penso que a suspeita de ingerencia política é inevitável, como ocorreu tambem no episódio de suspensão da PNAD contínua meses atrás. Não tenho elementos para saber se houve de fato ingerência ou não. O que posso dizer é que o IBGE geralmente é muito cioso de sua autonomia e cuidadoso com os dados que publica, e não tenho lembrança de uma ocorrência como esta no pasado. Episódios como estes abalam a credibilidade da instituição, que, tal como o Banco Central, precisa ter sua autonomia institucional garantida, nao só para não sofrer ingerências, como também para não permitir que surjam suspeitas deste tipo.

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