Seminario Internacional sobre Educação Superior nos BRICS

Vejam abaixo o convite para o Seminário Internacional sobre Educação Superior nos BRICS, a ser realizado na Universidade de Campinas de 8 a 9 de novembro de 2012. Os detalhes do seminário estão disponíveis aqui, e as inscrições podem ser feitas também por telefone e email,  55 19 3521-4171 e-mail:ceav-brics@reitoria.unicamp.br.

 

Paulino Motter: IDEB Campeão

Escreve Paulino Motter (*):

IDEB campeão: as 10 lições de Foz do Iguaçu

Conhecida nacional e internacionalmente pelos seus atrativos turísticos, especialmente as cataratas e Itaipu, Foz do Iguaçu ganhou na última semana notoriedade pelo bom desempenho das suas escolas municipais no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A sua rede de escolas municipais emplacou os cinco primeiros lugares entre as melhores do Paraná nos anos iniciais do ensino fundamental. Entre as 20 escolas paranaenses com maior IDEB, dez são de Foz.

O município também ganhou destaque na mídia nacional ao classificar três entre as dez melhores escolas públicas do Brasil. Se isso não bastasse, emplacou o primeiro lugar com a Escola Municipal Santa Rita de Cássia, que alcançou 8,6 no IDEB, mesma nota obtida pela Escola Carmelita Dramis Malaguti, do município de Itaú de Minas (MG).

Mas o que mais impressiona não é o fato de Foz concentrar o maior número de escolas entre as melhores do Paraná e do Brasil. Seu feito mais notável e digno de reconhecimento foi ter conseguido um IDEB médio de 7,0 para todas as 51 escolas da sua rede – bem acima das médias do Paraná e do Brasil para o primeiro ciclo do ensino fundamental, de 5,6 e 5,0, respectivamente.

O menor IDEB da rede municipal de Foz do Iguaçu foi de 6,2, nota superior à meta fixada pelo Ministério da Educação (MEC) para ser atingida em 2021. Partindo de um patamar relativamente baixo, em 2005, quando o IDEB médio da sua rede foi de 4,2, o município deu o primeiro salto em 2009, alcançando a nota média de 6,2. O IDEB 2011 veio confirmar a tendência, mostrando que todas as escolas da rede melhoraram significativamente.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação, a taxa de evasão foi zero em 2011, resultado que evoca o delicado filme chinês “Nenhum a menos” (1999), dirigido por Zhang Yimou, sobre a jornada extraordinária uma professora de uma precaríssima escola rural que parte à procura de um aluno que havia abandonado a escola para buscar trabalho num grande centro urbano. Sem tanto heroísmo, mas com atendimento individualizado e multidisciplinar, as escolas municipais de Foz conseguiram a proeza de não perder nenhum aluno.

Muitos devem estar se perguntando qual é a fórmula utilizada pelo município para alcançar, num prazo relativamente curto, um aumento tão expressivo e uniforme no IDEB. É possível que nos próximos meses a cidade receba dirigentes municipais de educação de todo o país interessados em conhecer in loco experiência tão exitosa. O prefeito municipal, Paulo Mac Donald Ghisi, que encerra o segundo mandato no dia 31 de dezembro próximo, poderá tornar-se um requisitado palestrante em eventos sobre reformas educacionais.

Antes que gestores municipais de todo o país se disponham a pagar caras consultorias para fazer um estudo de caso sobre o projeto educacional que transformou Foz do Iguaçu em celeiro de escolas de excelência, segundo o IDEB, creio que vale a pena apresentar, ainda que de forma preliminar, os principais ingredientes da receita aplicada com sucesso pela rede municipal. Quem vier a Foz em busca de um modelo inovador de reforma educacional corre o sério risco de ficar desapontado, pois todas as políticas adotadas pelo município já fazem parte de receitas consagradas e testadas com sucesso em outros lugares.

A maior novidade talvez esteja na aposta em medidas convencionais, de eficácia já comprovada, ao invés de inventar projetos mirabolantes e caros. Foz do Iguaçu está demonstrando que é possível universalizar o atendimento e garantir ensino de qualidade investindo apenas 25% das receitas municipais na Educação. Basta uma gestão municipal séria e competente que aplique bem os recursos escassos da educação.

Resumimos aqui 10 lições que podem ser aprendidas com a política educacional que colocou as escolas municipais de Foz do Iguaçu em primeiro lugar no Paraná e entre as melhores escolas públicas do País.

Lição nº 1: Prefeito comprometido com educação de qualidade

A obstinação do prefeito de Foz do Iguaçu, Paulo Mac Donald Ghisi, em promover a melhoria da rede municipal de ensino foi determinante para criar as condições que catapultaram o IDEB. Influenciado pelas idéias de Leonel Brizola, ele transformou a educação na prioridade dos seus dois mandatos consecutivos como prefeito. Trombou até com MEC para criar um modelo próprio de creche. Conseguiu provar que com os mesmos recursos liberados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para construir uma unidade padrão para atender 120 crianças, era possível construir um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) com capacidade para atender mais 300 de crianças. Com a lógica cartesiana de engenheiro, privilegiou soluções práticas e baratas, calculando na ponta do lápis todos os custos da educação. Por exemplo, a merenda escolar servida para as cerca de 30 mil crianças atendidas nas escolas e CMEIs tem um custo unitário de cerca de R$ 0,60, sem incluir mão-de-obra, um quarto do custo de merenda fornecida por terceirizados em outros municípios da região. Quando chegam nas escolas do município pela manhã, nos bairros mais pobres da cidade, as crianças são recebidas com um desjejum básico: pão, goiabada e leite de soja. É assim que começa uma jornada típica de aprendizagem nas escolas da rede municipal que foi o grande destaque do IDEB 2011.

Lição nº 2: Investimentos na melhoria da infraestrutura escolar

A melhoria da infraestrutura da rede municipal de Foz do Iguaçu foi notável nos últimos oito anos. Além de reformar os prédios depreciados herdados das administrações anteriores, o atual prefeito, construtor por profissão, empreendeu um ambicioso plano de ampliação da rede municipal, criando um novo padrão de escola pública, com instalações funcionais e espaços para atividades no contraturno escolar. Nos últimos oito anos, 21 escolas passaram por reformas e ampliações que, em muitas delas, incluiu a construção de quadra poliesportiva. Mas a “menina dos olhos” do alcaide são as cinco novas escolas construídas pela sua administração. Todas as novas escolas são equipadas com piscinas, ginásio de esportes coberto, refeitório e espaços para atividades culturais no contraturno escolar. Igualmente significativos foram os investimentos realizados na ampliação e melhoria da rede de CMEIs: cinco deles passaram por pequenas reformas e 15 foram reformados e ampliados para aumentar a sua capacidade de atendimento. A ampliação da rede de CMEIs contabiliza a construção de quatro novas unidades já em funcionamento, outras três em fase final de construção e outras quatro com recursos já garantidos para início da construção ainda neste ano. Estão planejados outros cinco CMEIs que dependem ainda da liberação de recursos do FNDE.

Lição nº 3: Profissionalização da gestão educacional

A Secretaria Municipal de Educação de Foz do Iguaçu ganhou uma gestão profissional na atual administração, com autonomia para implementar a reforma da rede municipal de ensino. A Secretária Municipal de Educação, Joane Vilela, no cargo desde o início de 2008, é professora da rede municipal e ex-diretora da escola. Com esta experiência, sabia exatamente quais eram as queixas mais comuns das escolas em relação ao órgão central do sistema e tratou logo mudar a sua forma de atuação. Uma das suas primeiras iniciativas foi formar uma equipe multidisciplinar comprometida com o projeto de melhoria da qualidade da educação para prestar apoio às escolas. O segundo passo foi criar uma nova cultura de gestão escolar, baseada no estabelecimento de metas de desempenho para cada escola da rede municipal. O IDEB, criado a partir de 2005, serviu como indicador para mensurar os progressos obtidos. Mas a própria secretária se apressa em esclarecer que as metas vão muito além das melhorias captadas por esse índice: “Os professores estão motivados e dispostos não só a melhorar o índice do IDEB, mas também a qualidade do ensino.”(1) O que ninguém discute é que a Secretaria Municipal de Educação conseguiu mobilizar todas as escolas e seus agentes (diretores, professores, estudantes e pais) para mudar o panorama da educação no município. Os resultados estão aí para o país ver.

Lição nº 4: Autonomia da escola

Um mantra repetido pelos advogados de reformas educacionais é autonomia escolar.
Os sistemas públicos de ensino, sejam estaduais ou municipais, são, em geral, altamente centralizados e burocratizados, o que parece contribuir para o fracasso de muitas tentativas bem intencionadas de reformas de cima para baixo. Em Foz do Iguaçu, as escolas municipais devem seguir as diretrizes da Secretaria Municipal da Educação, mas gozam de autonomia para propor e implementar estratégias e métodos próprios de ensino. Trata-se, obviamente, de uma autonomia limitada, mas suficiente para incentivar duas coisas muito positivas: a liderança proativa das diretoras das escolas e o envolvimento efetivo dos professores no planejamento escolar. A Secretaria Municipal de Educação, por sua vez, atua como facilitadora e provedora de apoio pedagógico às escolas, disponibilizando para isso uma equipe multidisciplinar, com participação de profissionais da área de saúde (psicólogos, assistentes sociais e fonoaudiólogos), para cada uma das cinco regiões da cidade. Este trabalho integrado entre as áreas de educação, saúde e assistência social, viabilizando por meio do Projeto “Construindo a Cidadania”, implantando desde 2009, com verbas federais, tem sido fundamental para manter na escola e garantir a aprendizagem de crianças em situação de vulnerabilidade social. Outra iniciativa importante é o Prêmio Paulo Freire, que já está na sua sexta edição. Idealizado pela Secretaria Municipal de Educação, este prêmio incentiva, reconhece e valoriza o envolvimento dos professores em projetos inovadores orientados para o objetivo de criar novas situações de aprendizagem para os estudantes no desenvolvimento do currículo escolar.

Lição nº 5: Formação e valorização dos professores

Este é o lugar-comum mais repetido por educadores de todos os naipes ideológicos: sem professores bem preparados e motivados não haverá escola de qualidade. O difícil é passar do discurso para uma política efetiva de qualificação e valorização dos professores. Foz do Iguaçu parece ter encontrado o caminho, sem projetos mirabolantes. “Não há como falar de desenvolvimento do aluno sem citar os esforços dos professores, que tiveram iniciativa e boa vontade”, atesta a diretora da Escola Municipal Santa Rita de Cássia, Shirlei Ormenese de Carvalho, ao explicar o primeiro lugar nacional no IDEB. A Secretária Municipal de Educação concorda: “O grande destaque sem dúvida foi a motivação dos professores, a tomada de decisão, fizeram trabalho diferenciado no trabalho coletivo. Tivemos apostilas, realizamos simulados, reforço e equipe multidisciplinar, avaliação por desempenho, nada teria acontecido se não fosse o empenho dos professores”. O reconhecimento dos pais vem na mesma direção, criando um poderoso incentivo ao trabalho docente. Finalmente, não pode ser negligenciada a importância da valorização salarial. Neste quesito, os avanços foram modestos, reconhece a secretária. A principal inovação foi a instituição por lei municipal do 14º salário como prêmio pelo resultado no IDEB. A premiação é dada por escola, o que constitui um poderoso incentivo ao esforço coletivo. Mais um acerto, pois muitas políticas de pagamento por mérito derrapam justamente por pretender premiar o desempenho individual, não levando em conta que uma boa escola é resultado de trabalho em equipe.

Lição nº 6: Engajamento dos pais na vida escolar

Promover a participação dos pais na vida escolar é outra recomendação repetida à exaustão pelas cartilhas sobre reformas educacionais que deram certo em outros países. Como fazer é outros quinhentos. O bom desempenho das escolas municipais de Foz do Iguaçu parece confirmar que o apoio dos pais faz toda a diferença. Com a palavra mais uma vez a diretora da escola campeã nacional do IDEB: “A [nossa] escola é pequena e contamos com muitos alunos de outros bairros, e vemos que os pais motivam, trazendo os alunos em outros horários para as aulas de reforço. É um tratamento recíproco [entre a escola e os pais].” A percepção dos pais também mudou, conforme atesta o depoimento da mãe de uma aluna que passou pela Escola Santa Rita de Cássia: “A gente percebe que os professores são bastante empenhados e isso reflete nos alunos. Minha filha estudou desde cedo na escola e sempre foi muito bem atendida. A escola merece esse prêmio.” Os próprios alunos reconhecem o empenho da escola em atender as suas necessidades e as expectativas dos pais, formando um círculo virtuoso: “Os professores e a diretora trabalhavam muito bem com a gente e queriam nossa melhoria”, recorda uma ex-aluna da Escola Santa Rita de Cássia, que fez a Prova Brasil de 2011.

Lição nº 7: Educação é essencialmente um trabalho coletivo

Uma andorinha só não faz verão, ensina o provérbio popular, que também se aplica com perfeição à educação. Como no futebol, para usar outra metáfora, na educação também não se ganha o jogo sozinho. Uma tentação comum que acomete os políticos demagogos é prometer solução fácil para problema complexo. Definitivamente, melhorar a escola pública não é um problema dos mais fáceis de resolver. Por isso, é melhor desconfiar de promessas milagrosas. Foz do Iguaçu fez o dever de casa, com persistência e obstinação, e agora está começando a colher os resultados. A política educacional adotada no município parte da premissa que uma boa escola se faz mediante esforço e trabalho de equipe. A premiação pelo desempenho no IDEB, na forma de um 14º salário, é para a escola, beneficiando todos os que nela trabalham, da diretora à merendeira. Os professores são estimulados a desenvolver soluções coletivas e criativas. Uma das estratégias mais bem-sucedidas adotada pela Escola Santa Ria de Cássia foi colocar duas professoras para dividir a tarefa de ensinar os alunos do 5º ano, aproveitando melhor as competências de cada uma em disciplinas e áreas específicas do currículo. “Duas professoras vieram com a idéia de dividir as aulas da 4ª série (5º ano), porque tinham mais afinidades com matérias diferentes. Aceitamos o desafio e as turmas responderam muito bem”, relata a diretora, atribuindo a esta iniciativa adotada há três anos os bons resultados que estão sendo colhidos agora.

Lição nº 8: Aulas de reforço no contraturno escolar

Visto com desconfiança por muitos educadores como uma medida paliativa para corrigir deficiência do ensino, o reforço escolar pode ser uma medida eficaz para prevenir atraso na aprendizagem e evitar a reprovação. Uma das características distintivas da Escola Santa Rita de Cássia é a oferta regular de aulas de reforço no contraturno escolar. “Os alunos com dificuldade [de aprendizagem] vinham à escola durante toda a semana receber aulas [de reforço] no contraturno, e os que estavam bem, vinham apenas uma vez, para que ficassem ainda melhor”, repete a diretora, assustada com o súbito estrelado. “Viramos celebridade e ainda bem que é por uma notícia boa”, orgulha-se. Com a oferta regular de aulas de reforço, a taxa de reprovação caiu dramaticamente. “Temos 200 alunos e apena um deles reprovou no ano passado, acho que isso também refletiu na média, que era para ter sido maior ainda”. De fato, o IDEB é um índice composto que leva em conta a taxa de aprovação e a nota obtida pelos alunos na Prova Brasil. Ao derrubar as taxas de reprovação com medidas simples, como aulas de reforço, as escolas municipais de Foz do Iguaçu somaram pontos preciosos no IDEB. E m 2011, a taxa de aprovação no 5º ano foi de 100% em 44 das 51 escolas da rede, sem promoção automática.

Lição nº 9: Uma boa educação começa pela base

A pequena revolução educacional realizada pela atual administração de Foz do Iguaçu tem sido comandada por um prefeito que às vezes insiste em ser turrão e teimoso, sobretudo quando se trata de defender sua convicção férrea de que as desvantagens iniciais de crianças pobres não são um obstáculo intransponível para a aprendizagem e o sucesso escolar. Os resultados alcançados pelas 51 escolas municipais no IDEB 2011 parecem confirmar sua tese. Para prová-la, ele investiu pesadamente na expansão da rede de CMEIs, que hoje atende cerca de 11 mil crianças de 0 a 6 anos. Com excelente infraestrutura física e bom atendimento, as creches do município deixaram de ser “depósito de criança”, para assumir sua função educativa. “Nossas crianças estão sendo alfabetizadas a partir dos dois anos”, exagera o prefeito, um entusiasta do método fônico de alfabetização. Aliás, a ênfase na alfabetização é uma das suas obsessões, a tal ponto que o fundo das piscinas das escolas é decorado com as letras do alfabeto para que as crianças possam ir se familiarizando com elas ludicamente. O que não dá para negar é que este trabalho de base está mudando a trajetória de milhares de crianças de famílias de baixa renda, mitigando desde a primeira infância os impactos que as gritantes desigualdades sociais têm na trajetória escolar. Imodesto com os resultados do IDEB, o prefeito promete desconstruir as “teses acadêmicas” que insistem em mostrar a forte correlação existente entre rendimento escolar e condições socioeconômicas. Na realidade, sua reforma já está demonstrando que uma escola pública de qualidade é o melhor antídoto para o fracasso escolar e a exclusão social.

Lição n 10: O aluno deve ser o centro do processo de ensino-aprendizagem

Parece óbvio ululante que toda escola que se preze deve colocar o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem. Afinal, a missão da escola é educar. O que varia é o que se compreende por uma boa educação. Um risco comum associado a sistemas centralizados de avaliação, como a Prova Brasil, aplicada a cada dois anos para alunos do 5º e do 9º ano do ensino fundamental, é incentivar as escolas a “ensinar para o teste”. As escolas municipais de Foz do Iguaçu sucumbiram a esta tentação e, por incentivo da Secretaria Municipal de Educação, passaram a utilizar apostilas e aplicar simulados da Prova Brasil. A preparação para este teste que – combinado com a taxa de aprovação – serve para calcular o IDEB, pode acarretar o empobrecimento do currículo e resultar numa educação mecanicista que não preparar os estudantes adequadamente para as etapas subsequentes da sua trajetória escolar. A melhor maneira de evitar que isso ocorra é seguindo à risca a posição defendida pela Secretária Municipal de Educação, Joane Vilela, para quem os esforços devem ser direcionados “não só a melhorar os índices do IDEB, mas também a qualidade do ensino”. O próprio MEC reconhece as limitações da metodologia do IDEB para aferir a qualidade do ensino. Portanto, o aumento do IDEB deve vir como reflexo de uma política educacional que coloca o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem e não como finalidade última de uma política que privilegia a preparação para o teste, numa imitação grotesca de cursinhos pré-vestibulares.

O próximo desafio

Os mesmos resultados do IDEB 2011 que trouxeram excelentes notícias para os pais cujos filhos freqüentam as 51 escolas municipais de Foz do Iguaçu, também trazem motivos de grande preocupação. Afinal, o segundo ciclo do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), está a cargo de escolas estaduais que tiveram desempenho sofrível no IDEB. O contraste entre as notas obtidas pelas escolas municipais e estaduais não poderia ser mais alarmante. Enquanto o IDEB das escolas municipais de Foz variou entre 6,2 e 8,6, nas 27 escolas estaduais de ensino fundamental as notas se distribuíram entre 2,4 e 5,8, com a maioria delas situando-se abaixo de 4,0. Uma calamidade!

Um aluno que neste ano está matriculado no 5º ano do ensino fundamental numa escola municipal de Foz do Iguaçu, em 2013 irá obrigatoriamente para uma escola estadual, onde encontrará um nível de ensino significativamente inferior ao que vem recebendo. É o que mostra o IDEB, de forma consistente e contundente. Todo esforço realizado pelas escolas municipais para formar uma base sólida na primeira etapa do ensino fundamental poderá ser perdido, caso seja mantido o brutal desnível entre as duas redes revelado pelo IDEB. O que acontecerá com os alunos que sairão de boas escolas municipais para prosseguir seus estudos em escolas estaduais ruins? Já dá para prever os resultados: aumento das taxas de reprovação e evasão e, como corolário, fracasso escolar. É o que já acontece. No ensino médio, a situação só piora.

O abismo revelado pelo IDEB entre a qualidade de ensino oferecido pelas escolas das redes municipal e estadual de Foz do Iguaçu chama a atenção para um problema que terá que ser enfrentado. A municipalização completa do ensino fundamental é a melhor solução. Uma emenda constitucional poderá facilitar o caminho para esta transição, já que hoje a oferta do ensino fundamental público é responsabilidade compartilhada de Estados e Municípios.

O IDEB pode servir como “medida” da capacidade e competência dos municípios para assumir integralmente o ensino fundamental. Municípios cujas escolas alcancem níveis de desempenho satisfatório no IDEB, como é o caso notório de Foz do Iguaçu, estariam aptos a assumir a gestão das escolas estaduais de ensino fundamental. Obviamente, a transferência de responsabilidade deve vir acompanhada da transferência correspondente de recursos. Com o Fundo de Desenvolvimento de Manutenção da Educação Básica (FUNDEB), os repasses de recursos estão assegurados. Mais complexa será a negociação para cessão em comodato de prédios escolares e transferência de pessoas. Nada que não possa ser resolvido com bom senso e regras claras, que preservem os direitos dos trabalhadores em educação.

O que não dá é para fingir que a situação atual atende aos interesses dos alunos e da sociedade. O Estado deveria se ocupar exclusivamente do Ensino Médio, que vai muito mal, segundo o IDEB, facilitando a transferência das escolas de ensino fundamental para os municípios que, como Foz do Iguaçu, já provaram que sabem gerir melhor as escolas públicas. Este é o desafio que a próxima administração municipal terá que enfrentar. Se o controle das escolas públicas virar objeto de disputa política, os alunos serão as principais vítimas.

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(*) Paulino Motter, especialista em políticas públicas e gestão governamental, atualmente cedido à ITAIPU Binacional, onde exerce o cargo de consultor do Diretor-Geral Brasileiro. É mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Educação pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). Foi chefe de gabinete do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), instituição vinculada ao Ministério de Educação, responsável pelo IDEB.

Todas as declarações reproduzidas neste artigo foram extraídas de reportagens publicadas pelos jornais Gazeta do Iguaçu e Gazeta do Povo na edição de 15/08/12, exceto as declarações do prefeito de Foz do Iguaçu, Paulo Mac Donald Ghisi, dadas em conversa pessoal com o autor.

José Francisco Soares: ENEM no IDEB? Oportunidade ou Manipulação?.

 

ENEM no IDEB? Oportunidade ou Manipulação?.

José Francisco Soares
GAME-FAE- UFMG

O ministro da educação Aloísio Mercadante anunciou recentemente que o IDEB para o ensino médio será calculado usando-se os resultados do ENEM, ao invés dos resultados da Prova Brasil aplicada aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio, tal como é hoje.

Para analisar quão apropriada é esta sugestão é preciso explicitar algumas características do IDEB. Este indicador é o produto de uma medida de aprendizado dos alunos, colocada em uma escala de 0 a 10, pela média da taxa de aprovação na etapa do ensino considerada, que é um número entre 0 e 1.

A taxa de aprovação consiste no número de aprovados dividido pelo número total de matriculados. Ou seja, para que essa taxa seja alta é preciso que tanto a reprovação quanto o abandono sejam pouco freqüentes. No entanto, o abandono é particularmente freqüente no ensino médio. Ou seja, independente da forma de medir o desempenho, o IDEB do ensino médio será baixo considerando as atuais taxas de aprovação no ensino médio.

Para transformar a nota da prova Brasil em um número de 0 a 10 o INEP usa uma transformação linear, construída a partir do maior e menor valor observado para a nota dos alunos em 1997, ano em que a escala foi estabelecida. Como a variação das notas de matemática é maior, a nota padronizada de matemática de uma escola é quase sempre maior que a respectiva nota padronizada em leitura. Assim, pelo IDEB, os estudantes brasileiros aparecem como melhores em matemática do que em leitura, resultado que é um mero efeito da maneira em que as notas são padronizadas, e que é contrário a outras evidências como as do PISA, a avaliação internacional da OECD. Além disso, a medida de desempenho dos alunos usada IDEB considera apenas os alunos presentes na escola no dia da Prova Brasil. Uma consulta aos microdados da Prova Brasil referentes a 2009, recém divulgados, mostra que 15, 25 e 50% dos alunos que deveriam fazer o teste, respectivamente, no quinto e nono ano do ensino fundamental e no terceiro ano do ensino médio, não o fizeram. No ensino médio é fácil entender a grande taxa de ausência: a prova Brasil é aplicada depois que os alunos fizeram o ENEM e não é obrigatória. Assim não tem nenhum interesse para os alunos. Com isso, não se sabe exatamente quais são os alunos que a responderam.

A proposta de introdução da métrica do ENEM para o cálculo do IDEB do ensino médio coloca questões técnicas cuja solução pode se constituir em uma ótima oportunidade de tornar mais conhecidos os mecanismos internos da bússola da educação brasileira. Entre tantas perguntas destacam-se: Como serão padronizadas as notas das quatro provas do ENEM? A nota de redação será incluída, mesmo com os questionamentos da sua comparabilidade em relação às outras provas? Como será tratado o problema da ausência de alunos? Como serão calculadas as metas das escolas de ensino médio? Para responder essa última pergunta será preciso pensar como, no caso do Ensino Médio, o PISA pode ser usado como comparação, como foi feito no primeiro IDEB. Isso implica em discutir quais são os níveis do ENEM que podem ser considerados adequados. Ou seja, introduzir uma interpretação pedagógica dos escores do ENEM.

Uma eventual troca de indicadores exige um estudo técnico, que apresente respostas para questões como as indicadas acima e que seja posteriormente validado por amplo debate. Se bem feita, a troca permitiria que fossem estabelecidas metas individuais para cada escola, tal como já existe com o IDEB para o ensino fundamental. No entanto é preciso salientar que essa mudança, por si só, não toca nos reais problemas do ensino médio: sua natureza enciclopédica, seu oferecimento, majoritariamente, no turno noturno, sua organização única e acadêmica. Neste sentido a discussão do indicador é secundária, ainda que necessária e útil.

Renato Pedrosa: ENEM no lugar da Prova Brasil?

Escreve Renato H. L. Pedrosa, Coordenador do Grupo de estudos em Educação Superior, Centro de Estudos Avançados, Unicamp (foi Coordenador Executivo do Vestibular da mesma universidade).

ENEM no lugar da Prova Brasil?

A proposta do Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciada recentemente (21/08/2012), de usar o ENEM no lugar da Prova Brasil para compor o IDEB (Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica) do ensino médio não deveria prosperar. Será que alterar os indicadores utilizados traria alguma melhoria ao sistema? Nesse caso, não só não traria, como a qualidade do indicador se tornará altamente questionável. Os problemas com essa proposta são de ordem acadêmica (conteúdos), metodológica (desenho das provas) e demográfica (populações envolvidas).

A Prova Brasil herdou do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) o melhor sistema de avaliação que o Brasil já desenvolveu, com escala de proficiências bem estabelecida, um sistema amostral apropriado e eficiente, resultando em uma série histórica que permite comparações. É um sistema de avaliação exemplar, um dos melhores em existência no mundo, aplicado há mais de 15 anos, testado, validado, que deveria ser exemplo para outros sistemas desenvolvidos pelo MEC (mas infelizmente não o é).

Sobre o Enem, por outro lado, três anos após a mudança de 2009, ainda não se sabe o que significam as notas, se 500 pontos indicam que a pessoa sabe alguma coisa ou não, pois a matriz de proficiências não está associada à escala utilizada. O exame não é aplicado de forma a cobrir todas as áreas da matriz nem a atingir todos os níveis de habilidade, como ocorre com a Prova Brasil. Em suma, não foi desenhado para ser instrumento de avaliação de sistema, nem de escolas, mas do nível geral de conhecimentos de indivíduos, em forma competitiva (adequada para seleção ao ensino superior, apenas isso).

Além disso, a população que faz o Enem é auto-selecionada, o candidato se inscreve por opção própria. Não é uma amostra representativa de todos os segmentos da população educacional que está no último ano do EM, nem é censitário. Segundo reportagens disponíveis, o ministro Mercadante teria dito que o ENEM é “quase censitário”. Nem chega perto: em 2010, segundo dados do MEC, 221 mil alunos da rede particular e 790 mil da rede pública fizeram a prova. Como havia quase 2,2 milhões de matriculados na 3a série do EM naquele ano, apenas 46% dos alunos deles participaram do Enem. Além disso, cerca de 88% dos estudantes estavam matriculados na rede pública, sendo que, na população que fez o Enem, a proporção cai para 78%. Portanto, trata-se não só de uma população que não chega nem perto de ser censitária, mas é um grupo que não representa a população como um todo. Mais, com a proposta de haver mais de um ENEM por ano, como seria possível utilizar todos os resultados como avaliação do sistema?

Com todas essas restrições, o MEC, desde a mudança 2009, vem ampliando as instâncias de utilização dos resultados do exame, sem parar para analisar se esses usos se justificam. Divulgam-se as notas médias das escolas, mesmo que ninguém tenha a menor ideia do que essas notas significam. Ou seja, é apenas um “ranking” do desempenho médio dos estudantes daquela escola que optaram por fazer o Enem. Utilizam-se os resultados das provas para dar diplomas a estudantes que nem mesmo terminaram o ensino fundamental. As notas de corte também nunca foram justificadas e recentemente o MEC anunciou alteração nos valores. Por quê? Não eram apropriados? Nada se diz sobre o tema, especialistas desconfiam que as notas de corte são pouco mais do que as notas que um estudante obteria escolhendo aleatoriamente as respostas. Desde 2011, a nota do ENEM serve para avaliar o desempenho dos estudantes nos cursos universitários, junto com o ENADE (Exame Nacional de Desempenho Escolar). Por que isso faria sentido? Como serão avaliados os cursos onde os estudantes não participaram do Enem? Talvez a razão seja de ordem econômica, mas as consequências da mudança aparentemente não foram bem estudadas e avaliadas e, mais de um ano após a adoção da medida, o MEC ainda não divulgou como a nota será utilizada.

Uma pergunta fica no ar: por que o MEC propôs essa nova alteração? O ministro ouviu os técnicos do INEP, em particular a secretaria de avaliação da EB? Ouviu outros especialistas em avaliação, que usualmente prestam consultoria ao INEP? Foi mencionado que o ENEM indicaria melhora do sistema. Como poderia indicar isso, se não tem nenhuma validade para avaliar o sistema. Aliás, é de se esperar que o desempenho no ENEM melhore, cursinhos de preparação proliferam de norte a sul. Nada a ver com melhora do EM.

O SAEB e seu sucedâneo (Prova Brasil) são o que de melhor o MEC já desenvolveu em termos de avaliação educacional no Brasil, com uma experiência acumulada de mais de 15 anos. Por que outra mudança? Por que não, primeiramente, estabelecer qual é a escala do ENEM, utilizando como referência escalas e matrizes do SAEB/Prova Brasil?

Os especialistas em avaliações do país precisam se manifestar sobre o assunto, apontando as falhas dessa proposta, e a total falta de oportunidade da mesma. O que o ENEM precisa é se estabilizar, se desenvolver como exame a ser utilizado no acesso ao ensino superior, que já é tarefa bastante desafiadora, como sabemos. A Prova Brasil deve ser mantida e aperfeiçoada, em particular no que tange à divulgação dos dados em relatórios completos (o último relatório completo do SAEB é de 2006, sobre o exame de 2003).

O ensino médio, após atingir picos de participação e de concluintes em 2003-2005, mostra uma queda preocupante nas matrículas e nos concluintes. O nível de eficiência do sistema está em torno de apenas 50% (concluintes sobre matriculados na primeira série do EM). Estudantes estão ingressando no ensino superior sem um mínimo de proficiência, não apenas nas áreas relacionadas aos seus cursos, mas mesmo na própria língua materna. É preciso que o MEC e as secretarias de educação dos estados parem para refletir sobre o que vem ocorrendo, trabalhar de forma coordenada e sistemática para melhorar o EM. Mudar, para pior, a avaliação do mesmo não vai ajuda nessa tarefa.

 

Em Memória de Amaury de Souza

Transcrevo abaixo a nota em memória de meu colega Amaury de Souza, escrita por Octávio Amorim Neto e publicada no site da Associação Brasileira de Ciência Política:

Amaury de Souza

por

Octavio Amorim Neto (EBAPE/FGV-Rio)

 Na madrugada de 17 de agosto de 2012, faleceu, no Rio de Janeiro, Amaury de Souza. Um dos líderes do “esquadrão de ouro” que fundou o IUPERJ e criou a moderna ciência política brasileira – em pleno regime militar –, Amaury deixou inúmeras contribuições à disciplina e à profissão. Fiel à marca da sua geração, nunca abandonou a militância política, vendo nesta o irmão siamês do labor acadêmico. Foi pioneiro em tudo que fez, seja no doutoramento em instituições de elite dos EUA (Amaury foi Ph.D. pelo MIT), na adoção de métodos quantitativos, na análise de pesquisas de opinião, no estudo do planejamento urbano, no uso da computação, como no estabelecimento da atividade de consultor político profissional.

O pioneirismo de Amaury é um produto nobre do pioneirismo da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, em que, apesar da precariedade dos meios, buscou-se consolidar o ensino das ciências sociais em nível universitário, algo incipiente no país à época. Entre seus colegas dos tempos de graduação que viriam a colaborar decisivamente no estabelecimento da ciência política acadêmica no Brasil estavam Antônio Octávio Cintra (Ph.D. pelo MIT), Bolívar Lamounier (Ph.D. pela UCLA), Fábio Wanderley Reis (Ph.D. por Harvard), José Murilo de Carvalho (Ph.D. por Stanford) e Simon Schwartzman (Ph.D. por Berkeley).

Amaury não foi apenas politólogo. Além de bacharel em sociologia política, obteve também o diploma de administração, ambos os títulos pela UFMG. Daí ter-se tornado também especialista em consultoria empresarial, atividade a que viria dedicar-se intensamente após desligar-se do IUPERJ em 1987.

Amaury era, pois, um homem polivalente e, como acadêmico, multitemático. Suas dezenas de artigos e livros versam sobre os mais variados assuntos: política local, sindicalismo, eleições, sistemas eleitorais, sistemas partidários, Congresso, elites, presidencialismo, cultura política, burocracias, consolidação democrática, desenvolvimento político, economia política, política urbana, demografia, reforma política, política externa, política comercial, e a nova classe média.

Esse rol impressionante de temas é, na verdade, a melhor expressão do que foi a grande vocação de Amaury: a atividade acadêmica. Apesar de ter deixado de ser professor em tempo integral relativamente cedo e passado a dedicar-se à consultoria política e empresarial, Amaury nunca deixou de ser um grande scholar, impecável no seu profissionalismo e na adesão ao estilo de trabalho universitário que aprendera no MIT. Prova disso eram sua insaciável sede por ler tudo de relevante sobre todo assunto que entrava em seu radar, seu interesse por obras clássicas e pelo que escreviam os mais verdes autores, pela atenção aguda a detalhes, pela análise isenta dos dados empíricos apesar das intensas paixões políticas que o animavam, e o fato de estar sempre atualizado com os debates acadêmicos. Não obstante sua pesada agenda de compromissos empresariais e políticos, Amaury sempre impressionava por dominar todas as vertentes que marcavam as áreas de pesquisa que porventura estudasse, como se ainda fosse um recém-doutor cheio de ardor pelo assunto da sua tese. Foi assim até o último dia de vida.

Evidência eloquente de que Amaury foi sempre um acadêmico é o fato de seus últimos dois livros terem sido publicados há pouquíssimo tempo: A Agenda Internacional do Brasil: A Política Externa de FHC a Lula (Campus, 2009) e A Classe Média Brasileira: Ambições, Valores e Novos Projetos de Sociedade(Campus, 2010), este escrito juntamente com Bolívar Lamounier. De maneira coerente com o que Amaury fez ao longo de sua carreira, essas duas obras já são referências obrigatórias para os principais debates sobre o novo Brasil que nasceu no começo do século XXI.

O que permitiu uma carreira tão polivalente, multitemática e produtiva? O fato de Amaury combinar uma grande inteligência com um trabalho obsessivo e incansável. Essa foi sua segunda grande marca. Todos aqueles que foram seus alunos ou assistentes aprenderam não apenas a substância do que ele ensinava ou pesquisava, mas também o amor ao trabalho, que transmitia com muito orgulho e carisma. Amaury podia ser também um mestre duro e abrasivo, mas sua generosidade sempre foi muito maior do que suas idiossincrasias. Há hoje uma legião de cientistas sociais que muito deve ao coração de Amaury, entre eles o autor destas linhas.

Amaury se dedicou de corpo e alma a várias causas. A sua defesa intelectual da democracia representativa, do parlamentarismo, do voto distrital, da economia de mercado e da redução de impostos ficará também como mais uma das suas contribuições à ciência política nacional e à vida política do país.

Infatigável em sua vocação acadêmica, Amaury deu o ponto final ao seu último artigo dois dias antes de partir. Aliás, só se permitiu partir depois de fazê-lo.

Valeu, Mestre!

Ensino Médio: escolher e aprofundar, e não diluir

Comentando os resultados desastrosos do ensino médio brasileiro, confirmados pelos dados recém divulgados do IDEB, o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, falou do absurdo que é exigir que os todos os alunos tenham que estudar 13 matérias diferentes neste nível, e o jornal Folha de São Paulo anunciou que “o Ministério da Educação prepara um novo currículo do ensino médio em que as atuais 13 disciplinas sejam distribuídas em apenas quatro áreas (ciências humanas, ciências da natureza, linguagem e matemática). A mudança prevê que alunos de escolas públicas e privadas passem a ter, em vez de aulas específicas de biologia, física e química, atividades que integrem estes conteúdos (em ciências da natureza). A proposta deve ser fechada ainda neste ano e encaminhada para discussão no Conselho Nacional de Educação, conforme a Folha informou ontem. Se aprovada, vai se tornar diretriz para todo o país”. O modelo a seguir seria o do ENEM, que se divide em quatro áreas, “ciências humanas”, “linguagens e códigos”, matemática e “ciências da natureza”, cada qual com as respectivas tecnologias.

A preocupação do Ministro é correta e muito oportuna, ainda mais se pensamos que hoje os jovens que queiram ter uma formação técnica de nível médio precisam fazer todas estas disciplinas obrigatórias mais as de sua especialização técnica. No entanto, a solução proposta pode levar a uma situação pior do que a atual. A razão é que não existe, como as vezes se pensa, alguma coisa que se chame “ciências sociais” ou “ciências naturais” em geral, e sim ciências e áreas de formação específicas, cada qual com seus métodos, tradição de trabalho, autores centrais e cultura própria, da mesma maneira que não existe um “método científico” em geral, mas abordagens experimentais, analíticas e interpretativas próprias das diversas áreas de conhecimento. Esta é uma discussão filosófica complicada que não caberia aprofundar aqui, mas o que significa, na prática, é que a única maneira de realmente entrar no mundo da cultura e do conhecimento é escolher uma ou poucas áreas de estudo e se aprofundar nelas, e não tentar entender o conjunto em sua generalidade. O mesmo vale para quem opte por uma via mais prática e profissional, a partir da qual os conhecimentos de natureza mais geral podem ser ampliados e aprofundados.

Para o ensino médio, isto significa que os estudantes precisam poder optar por poucas disciplinas e se aprofundar nelas, e não tentar aprender generalidades ou um pouquinho de cada coisa. Se o interesse for física, economia, inglês ou eletrônica, então ele deve poder se dedicar a isto e deixar de lado todo o resto, e não se preocupar com “ciências na natureza”, “ciências sociais” ou “linguagem” de maneira geral, coisas que poderão vir depois a partir destas escolhas. Uma vez escolhidos os temas, é necessário aprofundar os estudos com autonomia, buscando recursos didáticos disponíveis, experimentando, escrevendo e tendo seu progresso estimulado e acompanhado por professores competentes.

A outra observação é que o currículo do ensino médio brasileiro, embora muito detalhista e extenso, não inclui áreas de grande importância no mundo contemporâneo como a estatística, a economia, direito, ciência política e computação, ao mesmo tempo em que exige disciplinas como filosofia e sociologia que, embora possam ser muito interessantes e produtivas, correm o risco sério de serem dadas de forma extremamente rasa e preconceituosa quando tornadas obrigatórias.

Mas será que, além disto, não existem algumas coisas mais gerais que todos deveriam saber? O consenso é que todos deveriam desenvolver bem o domínio da língua e da matemática, e que isto deve ser trabalhado até o fim da educação fundamental, para que os estudantes já cheguem ao ensino médio com esta formação pronta. Mesmo aqui, no entanto, temos muito que avançar no entendimento sobre o que, realmente, todos os estudantes precisariam aprender. Em um artigo recente no The New York Times, o conhecido cientista social Andrew Hacker critica a exigência, nos Estados Unidos, de que todos os estudantes aprendam álgebra, e mostra como esta exigência faz pouco sentido, porque é pouco demandada no mercado de trabalho e é responsável por grande parte dos problemas de fracasso escolar que ocorrem nos Estados Unidos.

Diz ele: “Of course, people should learn basic numerical skills: decimals, ratios and estimating, sharpened by a good grounding in arithmetic. But a definitive analysis by the Georgetown Center on Education and the Workforce forecasts that in the decade ahead a mere 5 percent of entry-level workers will need to be proficient in algebra or above. And if there is a shortage of STEM graduates, an equally crucial issue is how many available positions there are for men and women with these skills. A January 2012 analysis from the Georgetown center found 7.5 percent unemployment for engineering graduates and 8.2 percent among computer scientists.”

E conclui dizendo que  “Instead of investing so much of our academic energy in a subject that blocks further attainment for much of our population, I propose that we start thinking about alternatives. Thus mathematics teachers at every level could create exciting courses in what I call “citizen statistics.” This would not be a backdoor version of algebra, as in the Advanced Placement syllabus. Nor would it focus on equations used by scholars when they write for one another. Instead, it would familiarize students with the kinds of numbers that describe and delineate our personal and public lives. It could, for example, teach students how the Consumer Price Index is computed, what is included and how each item in the index is weighted — and include discussion about which items should be included and what weights they should be given. This need not involve dumbing down. Researching the reliability of numbers can be as demanding as geometry. More and more colleges are requiring courses in “quantitative reasoning.” In fact, we should be starting that in kindergarten.”

Esperemos que, ao levar à frente a indispensável reforma do ensino médio, o Ministério da Educação não recaia nos equívocos do ENEM, trocando os conhecimentos retalhados de hoje por generalidades sem conteúdo, e opte por dar aos estudantes possibilidades reais de escolha, aprofundamento e melhor formação.

Quanto vale um título?

A comparação que apresentei ontem  dos rendimentos de todos os trabalhos entre professores universitários e outras pessoas com educação superior foi criticada porque ela não tomou em conta as diferenças de titulação entre os dois grupos. De fato, a renda do trabalho de pessoas com títulos de mestrado e doutorado é bem maior do que a dos que têm somente graduação, e isto ocorre tanto no setor público quanto no privado. Quando controlamos a renda pelo nível de formação, encontramos que os níveis de renda são muito próximos entre os setores público e privado, tanto para a população geral quanto para os professores, com uma pequena vantagem para os que trabalham no setor  privado. Estes dados se referem a pessoas empregadas, e não incluem os que trabalham como empregadores ou por conta própria.

Os dados mostram também que, dos cerca de 80 mil doutores identificados pelo Censo Demográfico, 60 mil trabalham no setor público e, destes, 33 mil trabalham como professores de nível superior.   Foi possível observar que muitos médicos aparecem no censo como doutores, mas provavelmente não têm títulos formais de doutorado, o que significa que a proporção de doutores empregados pelas universidades públicas deve ser ainda maior.

A pequena vantagem salarial do setor privado é compensada pelos benefícios associados ao emprego público e, mais especialmente, ao trabalho como professor (estabilidade, férias prolongadas, aposentadorias de serviço público, etc), permitindo que se conclua que a renda dos professores do ensino superior público é bem competitiva em relação à renda do setor privado.

Professores universitários ganham bem?

Quase ninguém está contente com próprio salário, e o conceito de “ganhar bem”  ou mal depende muito de com quem nos comparamos e quanto achamos que vale nosso trabalho. O Censo Populacional de 2010 dá informações sobre diversos tipos de renda declarada das pessoas,  sendo uma delas a renda de todos os trabalhos que representa razoavelmente o nível  vida alcançado pelas pessoas, embora se saiba que existe uma tendência para as pessoas declararem renda mais baixa do que as que de fato têm. O que observamos, de qualquer maneira, é que a renda média de todos os trabalhos dos professores universitários do setor público (incluindo aí tanto as universidades federais como as estaduais) era de cerca de 5.700 reais, comparado com a média de 3.800 reais para o conjunto de funcionários públicos de nível superior, e um pouco acima da média dos mesmos profissionais no setor privado. Também no setor privado, a renda média dos professores universitários é significativamente maior do que a renda média do total de pessoas de nível superior. Nesta comparação, os professores universitários ganham bem.

Comparações internacionais são mais difíceis de fazer, pelas grandes diferenças entre regimes de trabalho, taxas de câmbio, tipos de contrato, benefícios adicionais, categorias profissionais, etc.  Uma das poucas comparações que existem é a de “Paying the Professoriate – A Global Comparison of Compensation and Contracts”, editado por Philip Altbach, Liz Reisberg, Maria Yudkevich, Gregory Androushchak e Iván Pacheco, Routledge, 2012), do qual consta a tabela abaixo.  A origem dos dados sobre o Brasil é o capítulo que preparei para o Brasil que está disponível aqui, e a comparação internacional, baseada nas tabelas de vencimento dos professores das universidades federais (que não incluem gratificações de diferentes tipos) foi feita em termos de poder de compra do dólar (PPP), e não pela taxa de câmbio corrente. É não mais do que uma aproximação, que mostra que os salários de professores universitários do setor público no Brasil estão abaixo dos países mais desenvolvidos, e acima dos países em desenvolvimento  e do antigo bloco comunista.

Published April 3rd 2012 by

 

Abrir as portas da universidade para o povo

A aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei da Câmara 180/2008, que reserva 50% das vagas das universidades públicas e escolas técnicas federais para alunos que tenham cursado todo o ensino médio na rede pública, parece ser exatamente o que demandavam em 1961 os estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, entre os quais Vinícius Caldeira Brant, Theotônio dos Santos Jr., Ivan Otero Ribeiro, Herbert José de Souza (o Betinho) , Guido Antônio de Almeida, Antônio Octávio Cintra e eu, em artigos publicados em Mosaico, a revista de nosso DCE.  Dizíamos então que era necessário “abrir as portas da Universidade para o povo e, em toda parte, lutar por aquilo que é do povo. Democratizar o acesso ao ensino, mas reformular completamente sua estrutura, devotá-la à pesquisa criadora, instrumento de formação de uma cultura popular. Cultura popular que consistirá, para as classes exploradas, na consciência de sua destinação histórica. Até hoje a cultura tem consistido na contemplação do mundo. Posta a serviço do homem, erigida em consciência popular, ela constituirá um ponto de partida para a luta de transformação social”.

Levou cinquenta anos, mas parece que finalmente conseguimos! O tema da revista eram as diferentes alienações e como superá-las, e ela está disponível aqui. O texto sobre a Universidade, além da ilustração inicial de Amaury de Souza, está ao final da revista,  na página 115.

Não se equivoca quem vê na idéia que tínhamos de Universidade a Tese 11 sobre Fueuerbach de Marx, que dizia que os filósofos (e, por extensão, os cientistas e intelectuais)  até hoje interpretaram o mundo, mas o que se trata é de transformá-lo. Estava embutida também a idéia de que a separação entre cultura popular e cultura científica e técnica era uma forma entre outras de dominação, e que desapareceria quando, finalmente, as portas das universidades, pela ação revolucionária de nós estudantes, fossem finalmente abertas para o povo.

Alguns de nossos companheiros de Mosaico já não estão entre nós, e eu não  poderia falar por ninguém, mas desde então entendi que não era bem assim. Entendi, por exemplo, que a diferença entre conhecimento especializado e conhecimento popular não é um simples artifício, mas o resultado de um processo complexo e difícil de formação, capacitação e especialização profissional que nem todos conseguem cumprir, e que não se pode resolver por um ato revolucionário como o que um dia Mao Tsé Tung tentou com sua famosa e trágica revolução cultural. Entendi também que a tentativa de Marx de romper a separação entre conhecimento e ação levaria, como levou na antiga União Soviética e seus defensores, à politização extrema do conhecimento e suas instituições, típica dos regimes políticos e das seitas totalitárias, com a degradação do trabalho intelectual. Entendi que sociedades modernas necessitam de universidades aonde deve predominar os valores do mérito e da qualidade do trabalho intelectual tanto de professores quanto dos alunos, e que o princípio de justiça da educação superior deve estar baseado na igualdade de oportunidades para o desenvolvimento da capacidade intelectual de cada um. Entendi que  as universidades não deveriam ser um instrumento de militância revolucionária, e sim um componente central da sociedades democráticas e abertas.

Isto não significa, no entanto, que o caráter elitista das universidades de então não fosse verdadeiro, como continua sendo até hoje. Basta olhar os dados de renda familiar dos estudantes de nível superior para constatar que eles provêm, em sua grande maioria, de setores de renda média e alta.  Em parte, isto tem a ver com os custos do setor privado, que hoje é responsável por 75% das matrículas do ensino superior brasileiro. Mas também com os processos seletivos tradicionais das universidades públicas, que tendem a selecionar, para os cursos mais procurados, os jovens que se beneficiaram de uma educação média de mais qualidade, graças aos recursos financeiros de suas famílias. Segundo os dados do Ministério da Educação, os investimentos diretos por estudante no ensino superior público e gratuito eram, em 2010, de 18 mil reais por estudante, em comparação com 3.580 gastos por estudante da educação básica. Este gasto tão elevado com a educação superior seria justificável se todo o ensino superior brasileiro fosse de alta qualidade, e se todos ou pelo menos a maior parte dos benefícios da formação de alto nível das universidades revertesse para a sociedade, e não para os alunos individualmente. Sabemos, no entanto, que a qualidade do ensino superior público brasileiro é muito variável, e que os diplomas servem muitas vezes para que as famílias consigam manter seus padrões de renda e acesso ao emprego, reproduzindo assim o círculo vicioso da desigualdade. Esta não é, seguramente, toda a história, mas é inegavelmente uma parte importante dela.

Diante desta situação, me parece perfeitamente razoável que o país decida, através de seus representantes no Congresso, que as universidades públicas passem a atender prioritariamente aos filhos das famílias de renda mais baixa, que estudam na rede pública de educação básica cuja qualidade é bastante precária, restringindo o espaço para os filhos de classe média e alta, que podem pagar por seus próprios estudos. O uso de critérios raciais na seleção dos alunos me parece absurdo, como já argumentei em outras partes, mas o critério de dar preferência aos oriundos de escola pública me parece bastante razoável, embora sujeito também a problemas. Aceita esta premissa, a questão que se coloca é como as universidades vão lidar com esta nova realidade de ter metade dos alunos admitidos por processos competitivos e metade admitidos sem maiores considerações de desempenho.

A maneira mais fácil de resolver o problema é postular que ele não existe. Nossas idéias de 1961 sobre a união da teoria com a prática, da pesquisa e da militância, e do desaparecimento da separação entre  o conhecimento das elites e do povo, assim como da separação entre o trabalho manual e intelectual,  não morreram de todo, e  podem ser reconhecidas no conceito de “politecnia” que circula entre certos meios no Brasil e que tem sido utilizado para justificar a transformação dos antigos centros federais de formação profissionais, os CEFETs, em Institutos Nacionais de Tecnologia, equiparados para todos os efeitos às universidades federais.

O suposto é que todas diferenças de formação desapareceriam se os alunos fossem expostos a uma educação de qualidade. Infelizmente, não há evidência de que isto seja assim, da mesma maneira de que não há evidência de que cursos de nivelamento ou reciclagem consigam superar, com facilidade, déficits de formação no uso da linguagem, de conceitos básicos de ciências e de uso de aritmética e matemática acumulados ao longo dos anos. Ao contrário, a evidência é que este tipo de nivelamento, embora não impossível, é extremamente caro e de resultados incertos. A opção mais adequada é oferecer uma variedade de formações profissionais para pessoas com níveis distintos de formação prévia, proporcionando tanto competências cognitivas como não cognitivas (relacionadas por exemplo à capacidade de trabalho em grupo, liderança, responsabilidade e motivação), permitindo ao mesmo tempo que as pessoas avancem em suas carreiras e formação conforme as características de cada um.

Sem isto, cursos mais competitivos em áreas como medicina ou engenharia ou nas faculdades de direito mais disputadas, que hoje oferecem por exemplo 100 vagas para os estudantes mais qualificados, passarão a ter somente 50, tornando muito mais difícil o acesso por esta via, e estimulando os alunos mais qualificados a buscar outras instituições, provavelmente no setor privado. Com 50% de alunos selecionados por mérito   de forma mais competitiva do que antes, e outros 50% por cotas, caberá às universidades decidir se ensinarão predominantemente para uns ou para outros (expulsando na prática a outra metade) se dividirão as turmas em duas, ou se seguirão apostando em que tudo será resolvido pelo conceito mágico de “politecnia”.

O encaminhamento correto desta questão seria criar instituições e carreiras diferentes para estudantes diferentes, tratando de atender com competência a cada setor, e criando mecanismos para permitir que os estudantes que queiram e possam circulem de um setor de formação tecnológica de curta duração, por exemplo, para outro mais acadêmico. A diferenciação é inevitável quando o ensino superior se massifica, e ela ocorre seja através de políticas deliberadas, seja por processos descontrolados em que cada um procura se salvar como puder, com prejuízo para todos.. Seria bom se fosse possível, no Brasil, combinar um número relativamente pequeno de instituições  de alta qualidade e seletividade com um número muito maior de instituições voltadas para a educação de massas, com diferentes níveis de exigência e projetos pedagógicos,  com políticas adequadas para tratar de forma diferentes as as questões de acesso e as questões de qualidade e excelência,  tanto no setor público quanto no privado. Não é este, no entanto, o caminho que parece que temos pela frente.

 

 

 

O mérito não pode ficar em segundo plano

Entrevista publicada em “O Estado de São Paulo”,  6  de  agosto de 2012

Em meio à greve das universidades federais que já completou 80 dias de paralisação – começou em 17 de maio -, o sociólogo, professor e pesquisador Simon Schwartzman questiona o modelo de ensino superior brasileiro, o papel dos sindicatos e a “suposta” autonomia defendida por essas instituições. “Os orçamentos públicos de universidades de todo o mundo estão associados ao desempenho. E isso precisa ser medido externamente”, argumenta, na entrevista a seguir.

Um dos pontos criticados pelos sindicatos é o atrelamento da promoção à titulação. Como o senhor vê isso?

Acredito que a proposta do Ministério da Educação (MEC) valoriza o desempenho. E isso é bom. Se um órgão de ensino não valoriza e prioriza o desempenho – valor central de uma instituição acadêmica e profissional – não pode ser uma universidade. Sem isso, o que sobram são funcionários públicos brigando pelo seu salário. O mérito não pode ficar em segundo plano.

E a titulação é o que mede isso, não é?

A titulação não deve ser o único critério, mas é um indicador importante de desempenho, mostrando o esforço do professor em se aperfeiçoar e o reconhecimento de seus pares.

Os grevistas questionam as avaliações externas por acreditarem que isso pode ferir a autonomia. Qual é a avaliação do senhor sobre isso?

Em todo o mundo as avaliações são externas. Não são realizadas necessariamente pelos governos, mas muitas vezes por instituições independentes, credenciadas para isso. Avaliações internas são necessárias em qualquer instituição, mas quando ficam apenas nisso, o grande risco é de se resumir a uma ação entre amigos. Isso não é autonomia. Autonomia não pode ser o direito de fazer o que se quer sem prestar contas, mas sim liberdade para buscar os melhores caminhos para exercer as funções públicas pelas quais as universidades são financiadas.

O que uma avaliação externa não invalidaria…

Claro que não. Os orçamentos públicos de universidades de todo o mundo estão associados ao desempenho. E isso precisa ser medido externamente. A sociedade não pode dar um cheque em branco. Aliás, uma universidade verdadeiramente autônoma não funcionaria como querem os grevistas, com essa isonomia que prega salários idênticos aos docentes.

Como seria?

A tendência em todo o mundo é que as universidades, mesmo públicas, uma vez bem avaliadas, recebam um orçamento integrado e o administrem com autonomia, buscando sempre os melhores talentos, até mesmo negociando os salários de cada um individualmente. Os professores com melhor desempenho recebem ofertas, podem ganhar mais e mudam muitas vezes de instituições, buscando as que oferecem melhores salários e condições de trabalho.

Isso não acontece por aqui…

Aqui fica tudo em família. A pessoa se forma e se torna professor da mesma instituição. E de lá nunca sai. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma universidade não contrata uma pessoa formada por ela. Na Alemanha, o professor, para ser promovido, precisa ser convidado a ir para outra instituição. Elas seguem um princípio de mobilidade, de que é preciso circular, criam um mercado de talentos, e acabam se valorizando nesse trânsito. É por essa autonomia que os professores universitários brasileiros deveriam brigar. Mas, pelo contrário, os sindicatos fogem disso. Querem todos iguais. Se esquecem de que as universidades não são fábricas.

Mas elas se comportam como se fossem?

Para os sindicalistas que querem tudo igual para todo mundo, sim. Mas há muita gente fora disso. Mesmo durante a greve, basta entrar nas melhores universidades e departamentos que você encontra laboratórios em funcionamento, professores que continuam seus projetos, que seguem participando de congressos científicos, que têm pesquisas financiadas e não podem paralisá-las. Eles não participam dessas assembleias grevistas. Aliás, acham essas assembleias muito chatas, com aquele blablablá e sem solução.

Isso desgasta a instituição?

Isso deteriora a universidade. Os alunos se desinteressam, os cursos são mal dados, cria-se uma atmosfera de total desestímulo que enfraquece a instituição pública. À medida em que fica desacreditada, professores e alunos que podem migram para universidades privadas. Isso foi o que aconteceu no ensino médio há algumas décadas, quando a educação pública, que era referência, se deteriorou e quem podia pagar foi para as escolas particulares. Se continuar assim, esse será o futuro de nosso ensino superior público.

Como o senhor vê a discussão sobre a cobrança de mensalidade no ensino público?

Hoje, o ensino público é mantido integralmente pelo governo. Acredito que seja necessário criar condições e estimular as instituições a buscar recursos próprios, até mesmo cobrando anuidades dos alunos que podem pagar. Quase todo o mundo faz isso – China, Inglaterra, Estados Unidos, Chile, Rússia, Japão, Austrália, Canadá -, aliado a programas específicos de ajuda ou empréstimos aos que não podem bancar. Se isso acontecesse, as universidades federais teriam mais recursos para gerir com autonomia e só ficariam na instituição os estudantes que realmente quisessem investir em seus estudos.

Como o senhor avalia a nossa produção científica?

A pesquisa no Brasil está concentrada em poucas universidades e em alguns departamentos. Dentre as universidades federais, umas cinco ou seis têm pesquisas mais densas, mas, na grande maioria, ela é muito rarefeita. Mas nem toda instituição e nem todos os professores devem se dedicar à pesquisa. É preciso haver uma combinação de instituições de pesquisa e outras voltadas ao ensino. Nos cursos profissionais como Engenharia, Medicina, Direito e Administração, é importante que muitos professores tenham contratos de tempo parcial, trabalhem em suas respectivas profissões e transmitam essa experiência do mercado de trabalho para seus alunos.

Nos últimos anos, houve no Brasil um investimento público na expansão de universidades que seguem a mesma estrutura de dedicação à pesquisa. Não teria sido melhor apostar em outros modelos, como centros de formação técnica etc?

Sim, mas foi feito o contrário. Nos últimos anos, o governo transformou os antigos centros de formação técnica, os Cefets, em institutos universitários, com a mesma estrutura de cargos e salários das universidades federais. Com isso, em vez de avançar na diferenciação do sistema, abrindo espaço para a formação técnica intermediária de que o País tanto precisa, o movimento foi no sentido contrário.

Por fim, o senhor acredita que o professor universitário é mal remunerado no País?

Não. Participei de um estudo internacional comparado e os resultados mostraram que o Brasil não se sai mal. O padrão de vida do professor de uma universidade federal não é ruim e cresce à medida em que ele se qualifica, participa de grupos de pesquisa, de projetos, recebe bolsas. Mas, para isso, ele precisa ser bom. Estamos de volta à discussão do desempenho. E, como se vê, os sindicatos não querem falar disso.

 

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