O Napoleãozinho de Campinas

O Mandarim – História da Infância da Unicamp, do jornalista Eustáquio Gomes, publicado em 2006 pela própria Universidade, é sobretudo a história dos mandos e desmandos de seu fundador, Zeferino Vaz, que havia sido antes interventor na Universidade de Brasília e, antes ainda, fundador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. O livro é bem escrito, baseado em depoimentos e documentos internos da Universidade, e um excelente exemplo do que pode e não pode fazer um ditador. Entre 1966 e 1978, Zeferino Vaz fez o que quis na UNICAMP, navegando nas águas turvas da ditadura militar, exibindo quando necessário suas credenciais de anti-comunista militante, defendendo e até tirando da cadeia ¨seus comunistas¨, e manobrando todo o tempo para tirar do caminho as pessoas que questionavam seu poder.

Zeferino tinha uma qualidade, que era haver entendido desde cedo que ¨instituições científicas, universitárias ou isoladas, constroem-se com cérebros e não com edifícios¨. Curiosamente, o livro não diz nada sobre o que Zeferino Vaz fez em sua própria área, de medicina e zoologia. Nas outras áreas, que não conhecia diretamente, buscou nomes de grande prestígio e reputação, trazendo para Campinas e dando total apoio a alguns cientistas brilhantes que haviam feito seu nome no exterior, especialmente Sérgio Porto, Rogério Cerqueira Leite, que criaram a nova área de física do estado sólido, e a grande estrela que era César Lattes, que permaneceu isolado. Na área das ciências sociais e humanas, começou, não se sabe por quê, entregando-a um obscuro professor de filosofia fenomenológica, que foi um desastre; em economia, optou por fazer da universidade a continuadora da tradição da CEPAL, então na moda na América Latina; e descobriu depois que, com o fim da ditadura que já se pressentia, era dos sociólogos marxistas que precisava, desde que não fizessem política nem se confrontassem com ele. Em 1975, promoveu um grande seminário internacional estrelado pelo historiador marxista Eric Hobsbaum que deu à universidade da ditadura uma áurea de centro avançado de pensamento de esquerda, preparada para os anos que viriam.

Comparada com a criação da USP trinta anos antes, que foi buscar nos centros universitários europeus os melhores talentos, chama a atenção o provincianismo do projeto da Unicamp, aonde o único estrangeiro de renome, que estava lá por acaso, era o geneticista Gustav Brieger, que cedo se indispôs com Zeferino e acabou se afastando. Zeferino entendia que sem cérebros não se constrói uma universidade, mas nunca entendeu ou aceitou que estes cérebros formam comunidades de pessoas ativas e pensantes, sem cuja participação as instituições não têm como crescer e fortalecer. O livro é rico de documentos que mostram as brigas por poder na Universidade, mas nada que mostre a existência de deliberações e consultas sobre programas, prioridades, e política de recursos humanos.

O livro também vale pelas fofocas que revelam o estilo e o caráter de muitos personagens que ainda estão entre nós – mas isto fica para o juízo pessoal de cada um.

Juventude, educação e emprego no Brasil

O último número dos Cadernos Adenauer, publicação da Fundação Konrad Adenauer, tem o título de Geração Futuro, e inclui vários artigos sobre a juventude brasileira, inclusive um de Maurício Blanco Cossio e meu, sobre juventude, educação e emprego, que está disponível aqui.

O ponto de partida foi a constatação de que, nos últimos anos, tem havido muitas iniciativas e programas para aumentar a empregabilidade e o nível de remuneração dos jovens que já estão ocupados, mas estas iniciativas, em geral, não têm tido bons resultados. O desemprego entre os jovens é significativamente alto quando comparado com o resto da população economicamente ativa, e está aumentando, sobretudo entre aqueles com baixa escolaridade.

A principal dificuldade tem sido superar o círculo vicioso entre um nível educacional baixo – provocado principalmente pelo abandono escolar e as altas taxas de repetência – e as condições socioeconômicas precárias enfrentadas por esta faixa populacional. É muito freqüente a afirmação de que as altas taxas de evasão entre jovens de baixa renda são causadas pela necessidade dos jovens de se inserir prematuramente no mercado de trabalho. A solução derivada deste raciocínio é aparentemente óbvia: programas condicionais de renda mínima, que incentivem as famílias a fazer com que os seus filhos permaneçam na escola.
Os resultados destes programas, no entanto, tem sido decepcionantes. No Brasil, como em outros países, estes programas podem resultar em um pequeno aumento da freqüência escolar entre setores sociais de renda mais baixa, mas não mostram resultados detectáveis na melhoria do desempenho escolar, nem na redução das taxas de abandono e repetência.

Os dados nos permitem questionar a idéia de que o baixo nível educacional dos jovens é apenas produto das suas condições socioeconômicas, que explicaria a entrada prematura ao mercado de trabalho de milhões de jovens brasileiros, provocando por sua vez desemprego e baixas remunerações. Ao contrário, o que argumentamos é que o problema principal se encontra no interior do sistema educacional e, que este problema incide, principalmente, nos jovens pobres e, em conseqüência, nas suas oportunidades de encontrar melhores empregos. É devido à educação deficiente que as crianças pobres enfrentam maiores dificuldades e altas taxas de repetência desde os primeiros anos da escola, o que incide, posteriormente, no alto grau de evasão escolar, fazendo com que ingressem ao mercado de trabalho sem condições adequadas. Se isto é verdade, então o trabalho fundamental para romper o círculo vicioso da má educação e trabalho precário e mal remunerado precisa ser feito junto ao sistema escolar, e não no mercado de trabalho, e nem por subsídios à demanda por educação, embora políticas específicas nestas áreas possam também ter seu lugar.

Bolsa família para jovens de 15 a 17 anos: vai funcionar?

Em 2004 fiz uma análise dos dados da PNAD/IBGE dos beneficiados com programas de bolsa escola, e mostrei que havia um erro grave de focalização: a bolsa era para famílias com crianças até 15 anos, mas a deserção escolar só ocorria, de forma mais significativa, a partir dos 15 anos de idade. Outros estudos mostraram a mesma coisa, e agora, finalmente, o governo resolveu ampliar a bolsa para famílias com jovens de 15 a 17 anos. Será que vai resolver?

A tabela abaixo, extraída da PNAD 2005, mostra que, dos 3.1 milhões de jovens de 15 a 17 anos em famílias de renda familiar per capita inferior a 120 reais por mês, que é o critério do programa, 75% estuda, e não precisa da bolsa. Dos que não estudam, 42% trabalham e ganham em média 75 reais por mês, que é aproximadamente o que sua familia receberia se já não estivesse recebendo a bolsa por causa de filhos menores (60 reais para a familia e mais 15 por estudante, até 3 por familia). Existem 105 mil que estão buscando trabalho, e outros 359 mil que não trabalham nem estudam.


Ocorre que 25% destes jovens fazem parte de familias de 4 ou mais filhos, e por isto já recebem pelo teto do programa, e mais 50% estão em famílias de 2 e 3 filhos, e poderiam receber no máximo um adicional de 15 reais. Sobram um quarto, ou 200 mil jovens que não estudam e cujas familias poderiam receber o auxilio de 75 reais. Outras 595 mil familias poderiam também receber, cujos filhos já estão na escola de qualquer maneira.

Trazer de volta à escola 200 mil jovens seria importante, mas a grande dúvida é se eles realmente estão fora da escola por falta de dinheiro. Os dados mostram que só metade deste grupo de 800 mil jovens de familias pobres trabalha ou busca trabalho; por outro lado, existem 732 mil jovens de renda semelhante que trabalham e nem por isto deixam de estudar. Existem fortes razões para acreditar que os que abandonam a escola o fazem por que não conseguem aprender e acompanhar os cursos, dada a forte e conhecida relação entre nível socioeconomico, educação das famílias, e desempenho escolar dos filhos.

O reconhecimento, embora tardio, que o grupo alvo da política de reter os jovens na escola deve ser o da faixa de 15 a 17 anos é importante; mas o remédio, claramente, não é a bolsa familia, e sim o caminho mais difícil e trabalhoso de melhorar a qualidade das escolas públicas e torná-las atrativas e proveitosas para os jovens que as freqüentam.

A invasão da Reitoria da USP

O Boston College Center for International Education tem uma publicação denominada International Higher Education que, no número 48, do verão de 2007, publicou um pequeno texto meu sobre a invasão da reitoria da USP, escrito ao final de maio deste ano. Para quem tiver interesse, a versão original do texto está disponível aqui.

A obrigação de ensinar sociologia e filosofia na escola

O jornal O Estado de São Paulo me pediu que escrevesse uma nota sobre o tema da obrigação de ensinar sociologia e filosofia na escola, em uma sessão denominada “a questão é”, no Caderno Aliás, na edição de 29/08/07. Eu opiniei contra, e tem lá um comentário a favor. O meu comentário foi o seguinte:

A idéia de que os jovens, na escola, aprendam sociologia e filosofia, pode ser importante, assim como é importante que eles aprendam economia, direito, antropologia, estatística, demografia, psicologia, ecologia, genética e epidemiologia, além do que já é, por tradição, obrigatório – física, quimica, biologia, história, geografia, inglês, matemática, português, artes, literatura,
educação física.

Com tantas matérias, os programas são superficiais, os professores muitas vezes não entendem o que ensinam, os alunos estudam para passar e esquecem no dia seguinte o que decoraram para as provas ou vestibulares. Nos países em que a educação média é de qualidade, todos os estudantes aprendem bem a ler a a usar a matemática, e se aprofundam em algumas áreas ou temas, conforme seus interesses e o que as escolas conseguem oferecer. Ao invés de incluir mais e mais matérias obrigatórias, o que se faz é tornar os cursos mais flexíveis, para que os estudantes possam realmente se educar e aprender.

Introduzir mais cursos obrigatórios é tornar os currículos mais rígidos e mais burocráticos, sem nenhuma garantia de que os alunos vão ganhar algo com isto. Por que sociologia e filosofia, e não economia, direito ou antropologia? Além do mais, como estas áreas são controversas, e a maioria dos cursos superiores brasileiros nestas áreas não são bons, o mais provável é que ensino acabe sendo dado por professores sem a mínima condição de transmitir aos alunos os conteúdos realmente ricos e interessantes que a filosofia e sociologia podem ter.

A obrigatoriedade destas disciplinas foi uma vitória dos sindicatos de sociólogos e de professores de fiosofia, que ganharam assim empregos garantidos para os que têm estes diplomas. Bom para eles, mas um retrocesso a mais no péssimo ensino médio que temos no país.

Politicas sociais e reformas educacionais

Quais são os novos desafios para as políticas sociais na América Latina? No próximo dia 8 de agosto estarei falando sobre isto no “Forum Latinoamericano de Políticas Sociais”, que a Escola de Governo da Fundação João Pinheiro está promovendo. Fala-se muito de uma “nova geração de políticas sociais”, que substituiriam as mais antigas, e que seriam representadas sobretudo pelos novos programas de transferência de renda como o Bolsa Familia e seus similares em outros países. O que pretendo dizer é que, na verdade, precisamos fazer bem as coisas mais antigas que nunca fizemos: desenvolver um Estado profissional e competente, regular a relações entre o setor público, o setor empresarial e as organizações da sociedade civil, e tratar as políticas sociais, sobretudo na educação. como investimento na capacitação do país, e não, simplesmente, como distribuição de benefícios. O problema, claro, é como chegar lá, e infelizmente, não tenho uma fórmula mágica para isto. O texto preliminar de minha apresentação está disponível aqui.

No dia 13 estarei em Brasilia, participando do primeiro de uma série de três seminários internacionais organizados pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Deputados sobre “A Educação no Século XXI: modelos de sucesso”. A grande pergunta é porque não conseguimos sair do atoleiro da educação de má qualidade, enquanto outros países, a partir de condições semelhantes às nossas, tiveram muito mais sucesso. A primeira sessão tratará das reformas da Irlanda e Coréia, que são grandes casos de sucesso, e a mim me tocou falar sobre o Chile, que tem uma história muito interessante de políticas educacionais audaciosas, mas sem conseguir ainda os resultados dos demais. A idéia básica, aqui, novamente, é que é preciso fazer bem aquilo que outros países já fazem: definir com clareza os conteúdos que os estudantes devem aprender, formar bem os professores, para que saibam o que e como ensinar, e avaliar permanentemente o trabalho das escolas, incentivando os bons resultados e ajustando o percurso quando necessário. A versão preliminar de meu texto está disponível aqui.

Ronald Levinsohn: o melhor emprego do mundo

Creio que os leitores de seu blog gostarão de conhecer as vantagens do
melhor emprego do mundo: Procurador da República:

1- 12.000 dólares de salário afora as vantagens;
2- Não tem despesa de escritório e se forem para Brasília a casa é de
graça;
3- Não têm chefe, nem subordinados;
4- Não são empregadores, portanto não sabem o que é pagar encargo social;
5- são inamovíveis e vitalícios;
6- Não ganham por produtividade e trabalhando ou não o salário é o mesmo,
sendo irredutível;
7- Não tem legitimação popular, mas dizem agir em nome do povo e sociedade;
8- Não têm horário, nem cartão de ponto;
9- Vivem viajando de graça, somente de avião, quase sempre 1a. classe;
10- Não pegam fila em aeroporto;
11- Mandam na Polícia Federal;
12- Não têm mandato;
13- Somente eles podem acionar juízes;
14- Nada pagam em congressos, seminários, cursos e etc;
15- Andam de carro oficial;
16- Para demiti-los o processo é mais difícil do que eleição de papa;
17- Não respondem por seus atos que causem danos a terceiros.
18- Podem usar seus cargos em proveito de suas ideologias perseguindo e
difamando os adversários.
19- Todo o mundo têm medo deles, juizes, jornalistas, políticos, advogados
e empresários…

Samuel Pessoa: reforma política e corrupção

Escreve Samuel Pessoa, economista da Fundação Getúlio Vargas:

Gostaria de compartilhar consigo meu posicionamento sobre o tema.

Em um primeiro momento sinto-me como as pessoas do grupo dos panglossianos. Acho, de fato, que nosso sistema político funciona melhor do que imaginamos e tenho muito receito que ao tentar melhorar o sistema acabemos reformando em direções ruins.

Um dos maiores problemas que vejo é que várias pessoas desejam ou defendem uma reforma política com a finalidade de reduzir a corrupção. Parece-me que se há um problema é melhor atacar a fonte principal do problema. A fonte primária da corrupção não é nosso sistema político mas sim nosso sistema jurídico. Há duas características que reduzem a praticamente zero a possibilidade de um corrupto ser punido. Primeiro, há uma quantidade imensa de recursos e, adicionalmente, o escopo do recurso é total (isto é, qualquer ato processual pode ser objeto de recurso). Segundo, a enorme complexidade processual faz com que seja quase impossível existir um processo sem que haja algum erro processual de sorte que as pendências acabam inválidas antes que elas sejam julgadas no mérito. Finalmente, é possível que haja um terceiro fator, que é a inexistência, pelo menos na prática, do princípio da razoabilidade da evidência (ou da prova). Isto é, quando se acumula um conjunto suficientemente grande de evidência numa direção inverte-se o ônus da prova. Esse deveria ser o princípio ao menos no processo civil (nos EUA esse princípio é aplicado mesmo em processo penal). No entanto, a impressão que tenho é que essa inversão de ônus da prova que ocorre em outros sistemas jurídicos em função do princípio da razoabilidade da prova (beyond any reasonable doubt) é encarada pelos juristas brasileiros como um atentado ao princípio de presunção da inocência. Se não mexermos nesses aspectos do funcionamento do nosso código de processos acredito ser muito difícil reduzir a corrupção com a reforma política.

Dessa forma, se acredito que redução da corrupção depende essencialmente da reforma do judiciário, para quê reforma política? Evidentemente para reduzir a fragmentação do legislativo de sorte a produzir maiorias mais estáveis. Em segundo lugar reduzir o custo da política. Gostaria de atingir ambos os objetivos mexendo o mínimo no sistema atual de sorte a manter suas virtudes. Quando se trata de mudança institucional sou muito conservador. Penso que em geral quando avaliamos custos e benefícios de uma nova instituição somos tentados a superestimar os benefícios da alternativa (e subestimar os custos) e a subestimar os benefícios do status quo (e a superestimar os custos). Dessa forma penso que o processo de evolução institucional deve ser incremental.

Tenho muito medo com voto distrital unimodal – uma maioria frágil poderia alterar radicalmente as instituições. Não me parece apropriado para uma sociedade tão heterogenia quanto a brasileira. Distrital misto parece-me um franktein que não tem funcionado muito bem onde foi adotado. Atemoriza-me a lista fechada. Penso que uma mudança simples seria reduzir o distrito eleitoral. Poder-se-ia considerar que o máximo permitido para um distrito eleitoral seria de oito deputados. Os estados menores que tem somente oito deputados continuariam da forma como estão. Os estados maiores seriam divididos em distritos – na proporção da população – de no máximo oito deputados. Por exemplo, São Paulo teria uns dez distritos de sete deputados cada. Dentro de cada distrito manteríamos o modelo atual: voto proporcional com lista aberta. Cada indivíduo somente poderia candidatar-se em um distrito eleitoral. Essa medida reduziria o custo da campanha e funcionaria como uma cláusula de barreira reduzindo a fragmentação partidária. Segundo Lijphart no seu “Modelos de democracia” (página 179) distritos de 8 deputados corresponde a uma cláusula de barreira de aproximadamente 10% (relativamente elevada).

O que me parece interessante nessa proposta é que ela muda em muito pouco nossa prática eleitoral e não tenta repactuar a representação legislativa entre os estados o que me parece ainda muito difícil além de não ser a fonte dos maiores problemas de nossa democracia (apesar de ser uma fonte de injustiça representativa, evidentemente). Com relação a fidelidade partidária acho que deveria ser uma opção do partido. Não gosto de uma proibição ao troca-troca de partidos. Prefiro que se reduza o estímulo a que as pessoas alterem de partido. Finalmente, acredito que poderíamos evoluir numa melhor normatização do financiamento, tornando crime o caixa dois – recentemente rebatizado de “recursos não contabilizados” – e impedindo que empresas prestadoras de serviço ao estado contribuam.

Jhonatan Pereira de Souza: A Reforma Política e o Parto da Montanha

Jhonatan Pereira de Souza, da Escola de Formação de Governantes do Maranhão, enviou um texto bastante didático sobre as diferentes propostas de reforma política que estão sendo discutidas no momento – voto distrital, voto em listas, financiamento público de campanhas, fidelidade partidária – que estou disponibilizando aqui.

O que ele diz, essencialmente, é que as reformas são importantes e necessárias, mas que dificilmente este congresso que está aí vai levá-las à frente. O que levanta uma questão mais ampla, já discutida aqui tempos atrás, no auge da crise do mensalão: faz sentido insistir no tema da reforma política e dos limites à corrupção, na situação em que vivemos?

Se ouvimos em volta, encontramos três tipos de resposta a esta questão. Uma é a dos panglossianos, a turma de Candide: o sistema político brasileiro funciona muito bem, é aberto e democrático, nossos políticos são a cara do nosso povo, sempre existiu corrupção, claro, mas insistir nisto não passa de udenismo requentado. A outra é dos realistas conformados: nosso sistema democrático é uma porcaria, mas, com a pobreza e a má qualidade da educação da maioria dos brasileiros, não é possível ter nada muito diferente. A solução é tapar o nariz e acreditar que daqui a cinquenta ou cem anos tudo estará melhor, o Brasil é o país do futuro. A terceira, da qual participo, é que é necessário melhorar as instituições políticas que temos agora, e, embora difícil, isto não é impossível, na medida em que a opinião pública se mobilize para isto.

Além da dificuldade política de fazer com que este congresso faça qualquer coisa que não seja em causa própria, existe o fato de que muitas soluções que se apresentam correm o risco de ser logo corrompidas e deturpadas. A eleição em lista afasta ainda mais os eleitores dos eleitos, e fortalece as máquinas partidárias; o financiamento público das campanhas seria um enorme desperdício de dinheiro, e nenhuma garantia contra a corrupção; o voto distrital esbarra na barreira de como desenhar os distritos, etc.

Mas é possível começar pelas coisas menos controversas, e ir avançando: exigir a fidelidade partidária, acabando com a troca-troca de partidos; reestabelecer as cláusulas de barreira; introduzir o voto distrital aos poucos, começando pelas câmaras de vereadores; e ir mudando as regras de proporcionalidade, para que o voto de um maranhense ou acreano não continue valendo tanto mais do que o voto de um paulista, como ocorre hoje.

Pagando para passar

Como as taxas de repetência no Brasil parecem estar piorando, começaram a surgir propostas de pagar aos estudantes para que eles melhorem seu desempenho. Assim, a bolsa escola, ao invés de ser paga mensalmente, teria uma parte que ficaria como prêmio no final do ano, para quem passasse.

Os americanos já tentaram isto, e não deu certo. Vejam abaixo a matéria recente do New York Times, distribuida na lista do chileno/americano Gregory Elacqua, que explica por quê.

NYTimes
July 2, 2007
Op-Ed Contributor
Money for Nothing
By BARRY SCHWARTZ

Philadelphia

NEW YORK CITY has decided to offer cash rewards to some students based on their attendance records and exam performance. Diligent, high-achieving seventh graders will be able to earn up to $500 in a year. The plan is the brainchild of Roland G. Fryer, an economist who has been appointed as “chief equality officer” of the city’s Department of Education.

The assumption that underlies the project is simple: people respond to incentives. If you want people to do something, you have to make it worth their while. This assumption drives virtually all of economic theory.

Sure, there are already many rewards in learning: gaining understanding (of yourself and others), having mysterious or unfamiliar aspects of the world opened up to you, demonstrating mastery, satisfying curiosity, inhabiting imaginary worlds created by others, and so on. Learning is also the route to more prosaic rewards, like getting into good colleges and getting good jobs. But these rewards are not doing the job. If they were, children would be doing better in school.

The logic of the plan reveals a second assumption that economists make: the more motives the better. Give people two reasons to do something, the thinking goes, and they will be more likely to do it, and they’ll do it better, than if they have only one. Providing some cash won’t disturb the other rewards of learning, rewards that are intrinsic to the process itself. They will only provide a little boost. Mr. Fryer’s reward scheme is intended to add incentives to the ones that already exist.

Unfortunately, these assumptions that economists make about human motivation, though intuitive and straightforward, are false. In particular, the idea that adding motives always helps is false. There are circumstances in which adding an incentive competes with other motives and diminishes their impact. Psychologists have known this for more than 30 years.

In one experiment, nursery school children were given the opportunity to draw with special markers. After playing, some of the children were given “good player” awards and others were not. Some time later, the markers were reintroduced to the classroom. The researchers kept track of which children used the markers, and they collected the pictures that had been drawn. The youngsters given awards were less likely to draw at all, and drew worse pictures, than those who were not given the awards.

Why did this happen? Children draw because drawing is fun and because it leads to a result: a picture. The rewards of drawing are intrinsic to the activity itself. The “good player” award gives children another reason to draw: to earn a reward. And it matters — children want recognition. But the recognition undermines the fun, so that later, in the absence of a chance to earn an award, the children aren’t interested in drawing.

Similar results have been obtained with adults. When you pay them for doing things they like, they come to like these activities less and will no longer participate in them without a financial incentive. The intrinsic satisfaction of the activities gets “crowded out” by the extrinsic payoff.

An especially striking example of this was reported in a study of Swiss citizens about a decade ago. Switzerland was holding a referendum about where to put nuclear waste dumps. Researchers went door-to-door in two Swiss cantons and asked people if they would accept a dump in their communities. Though people thought such dumps might be dangerous and might decrease property values, 50 percent of those who were asked said they would accept one. People felt responsibility as Swiss citizens. The dumps had to go somewhere, after all.

But when people were asked if they would accept a nuclear waste dump if they were paid a substantial sum each year (equal to about six weeks’ pay for the average worker), a remarkable thing happened. Now, with two reasons to say yes, only about 25 percent of respondents agreed. The offer of cash undermined the motive to be a good citizen.

It is as if, when asked the question, people asked themselves whether they should respond based on considerations of self-interest or considerations of public responsibility. Half of the people in the uncompensated condition of the study thought they should focus on their responsibilities. But the offer of money, in effect, told people that they should consider only their self-interest. And as it turned out, through the lens of self-interest, even six weeks’ pay wasn’t enough.

Obviously, the intrinsic rewards of learning aren’t working in New York’s schools, at least not for a lot of children. It may be that the current state of achievement is low enough that desperate measures are called for, and it’s worth trying anything. And we don’t know whether in this case, motives will complement or compete.

But it is plausible that when students get paid to go to class and show up for tests, they will be even less interested in the work than they would be if no incentives were present. If that happens, the incentive system will make the learning problem worse in the long run, even if it improves achievement in the short run — unless we’re prepared to follow these children through life, giving them a pat on the head, or an M&M or a check every time they learn something new.

Perhaps worse, the plan will distract us from investigating a more pertinent set of questions: why don’t children get intrinsic satisfaction from learning in school, and how can this failing of education be fixed? Virtually all kindergartners are eager to learn. But by fourth grade, many students need to be bribed. What makes our schools so dystopian that they produce this powerful transformation, almost overnight?

Barry Schwartz, a professor of psychology at Swarthmore College, is the author of “The Paradox of Choice: Why More Is Less.”

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