O Globo de 1 de fevereiro de 2008 publicou o seguinte texto de Bernardo Sorj:
A tradição diz que a sabedoria é o caminho do meio. Nem empurrar realidades desagradáveis embaixo do tapete por medo do conflito, nem insuflar os fatos além de suas reais dimensões. Tempo atrás a porta de minha sala na UFRJ foi pixada com uma suástica. Fui convidado por lideranças da comunidade judaica a denunciar publicamente a “existência de anti-semitismo na universidade”. Recebi a solidariedade de todos meus colegas e alunos, e minha intuição – informada por outras pixações que tinha sofrido – era de que ela foi feita por um aluno ressentido com minhas críticas. Com certeza não estava frente a um fenômeno de “anti-semitismo na universidade” e a solidariedade de meus colegas me pareceu suficiente. Achava que valorizar o evento seria dar publicidade indevida a um ato isolado e alimentar uma imagem distorcida da realidade.
O respeito pela sensibilidade alheia, e mais ainda no espaço publico, seja em relação a objetos sagrados ou de grupos que sofreram discriminação, humilhação e perseguição é fundamental para construir uma sociedade onde ninguém sinta negada sua dignidade humana. Este objetivo porem é um ideal em direção ao qual procuramos encaminhar, mas que é construído a partir de uma bagagem cultural, onde hábitos lingüísticos, formas de humor e preconceitos inconscientes estão presentes. Não se trata de justificar nenhum deles, mas também de reconhecer que um comentário mal elaborado em torno a raça, religião, sexo ou etnia não transforma alguém em racista, anti-semita, homofóbico ou sexista. O conceito racismo esconde uma diversidade de situações. Um comentário racista não significa que o individuo esteja disposto a entrar o Klu Klux Klan ou o partido nazista, ou que esteja imbuído de ódio racial. As maiorias das pessoas que fazem estes comentários se desculpam quando se conscientizam que feriram a sensibilidade de alguém.
Aclaremos, não estamos justificando expressões indevidas. Elas devem ser combatidas, mas com a ponderação devida em cada caso. Porque infelizmente o racismo, sexismo, etc., pode produzir uma indústria de vitimização, de lideres e instituições que se projetam pela denuncia, levando-os a apresentar uma versão distorcida ou inflacionada dos fatos.
Existem áreas onde a luta contra o preconceito apresenta dimensões complexas e difíceis de resolver. O humor sem duvida é uma delas. Muitas charges muitas vezes ferem a sensibilidade de indivíduos e grupos. O humor deve ser censurado, a pesar de que ele explicitamente se reconhece como tal, isto é gozação, distorção e caricatura do real? A minha reação é que não, que o humor é parte constitutiva de uma sociedade democrática, pois ela representa a forma mais eficaz de criticar, questionar, duvidar e ironizar, nos obrigando a aceitar visões diferentes daquilo que nós “adoramos”.
Agora volta a surgir, como já aconteceu em carnavais passados, a questão do lugar da liberdade de expressão das escolas de samba, e, em particular, seus carros alegóricos. Como sabemos, o carnaval é uma parodia da realidade e as escolas de samba tratam dos mais diversos temas, desde a violência na cidade, que contou com a participação de vitimas diretas e familiares, à escravidão no Brasil. Todo tema pode ser “carnavalizado”. A questão, portanto, não é o tema, pois ninguém tem monopólio sobre ele, mas a forma em que ele é tratado e a mensagem que procura-se veicular. Uma discussão ponderada sobre o carro alegórico dedicado ao holocausto deveria focalizar somente esta questão. Idealmente, um diálogo aberto, público, entre todas as partes interessadas é o caminho a trilhar nestas situações, onde não existem razões para duvidar da boa fé de todos os envolvidos. É possível que no final do dia tenhamos posições diferentes, mas sem preconceitos e com clareza sobre os pontos em que divergimos, dentro de uma lição de convivência democrática.
Diante da pixação sofrida (e não somente uma, houve outras antes), o professor poderia ter registrado ocorrência policial, sem grandes alardes, alegando ameaça (art. 147 do Código Penal), justamente devido às experiências de fanatismo do nazismo e do neonazismo. Entendo o ponto de vista do professor como uma visão amorosa e compreensiva sobre os jovens agressivos de hoje, o que muito o enaltece como professor.
Faz todo sentido o artigo do Bernado
otimo texto de bernardo parabens
Com certeza, Mario.
Esta questão referente ao anti semitismo revelado pelo aluno se situava no ambito pessoal, evidentemente trazendo o peso de conflitos sociais em torno do assunto, mas se restringia ali. Já a temática do holocausto no carnaval deveria possívelmente ter sido auditada previamente sobre seus conteúdos,suas intenções – o que era, uma alegoria condenatória ao holocausto, mostrando o absurdo com o grande enredo de fraternidade? Seria pejorativa e traria danos morais às vítimas, ou ao contrário, realçaria sua condição de espectadoras e resistentes até o limite de suas possibilidades existenciais? Mostraria o absudro da perseguição e discriminação racial, como seria? A decisão judicial visualizou uma questão em abstrato, genérica, uniforme, sem remeter à procuradoria para ouvir as partes.
Há outra questão que aproveito para indagar: Chavez, antijudaico manifesto e aliado do regime paranóide iraniano anda financiando uma escola de samba no carnaval.Seria esta?
Gostei bastante do texto do Bernardo Sorj. Muito equilibrado e ponderado, qualidades ausentes desse debate.