É preciso ir à luta!

Com este título, A revista Veja do dia 7 de maio de 2008 publica uma entrevista comigo nas “Páginas Amarelas”, a propósito de uma pesquisa que realizamos sobre os vínculos entre a pesquisa acadêmica e suas aplicações práticas na América Latina. Para quem tiver interesse, a publicação pode ser acessada aqui. O texto da entrevista é o seguinte:

O sociólogo Simon Schwartzman, 68 anos, ex-presidente do IBGE, é dono de uma vasta produção acadêmica, na qual o tema da educação ocupa lugar de destaque. Seu mais recente trabalho é uma análise comparativa de dezesseis centros de pesquisa universitários do Brasil, da Argentina, do México e do Chile, com foco na aplicação efetiva da produção científica ali desenvolvida. Nele são esquadrinhadas experiências em geral positivas: centros de excelência integrados ao mercado e afinados com as necessidades de cada país. Uma realidade bem distante da que se constata na maior parte das universidades brasileiras. Nesta entrevista, concedida em sua sala no Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Schwartzman defende a maior integração entre universidade e empresas e a valorização dos centros de excelência. Ele também faz um alerta. O Brasil está ficando cada dia mais distante dos países desenvolvidos no que se refere a investimento em pesquisa. “Estamos perdendo o bonde.”

Veja – As pesquisas feitas nas universidades brasileiras contribuem para o desenvolvimento do país?
Schwartzman – Não como deveriam. Em geral, elas ficam restritas ao âmbito acadêmico e não se transformam em produtos ou serviços úteis à sociedade. Não há transferência de conhecimento, nem mesmo quando se trata de uma pesquisa aplicada.

Veja – Por que isso acontece?
Schwartzman – Há vários fatores envolvidos. Um deles é que a universidade pública, onde se realiza boa parte da pesquisa acadêmica no país, não é estimulada a atender às demandas da sociedade e do setor empresarial, porque é integralmente financiada pelo dinheiro do governo. A experiência mostra que uma instituição só se volta para fora quando precisa buscar recursos. Uma universidade integralmente financiada pelo dinheiro público tem uma tendência à acomodação. Não precisa buscar parceiros e aliados externos. Ao mesmo tempo, a indústria brasileira, tradicionalmente, não tem demanda por tecnologia. Você não pode dizer que a responsabilidade é apenas das universidades se do outro lado não há procura.

Veja – O melhor caminho é necessariamente a associação entre universidade e empresa?
Schwartzman – Na maioria das vezes, sim. Mesmo pesquisas importantes para a sociedade não são devidamente aproveitadas fora da academia quando não existe parceria com empresas. O pesquisador pode criar uma cura para determinada doença, mas transformar isso em um produto farmacêutico requer um investimento enorme e muitos anos de trabalho na etapa de desenvolvimento. Só o custo para registrar uma patente pode chegar a centenas de milhares de dólares. Não basta inscrevê-la num único escritório, a patente tem de ser registrada na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa, que são os principais mercados. Isso muitas vezes só é possível com a ajuda de um parceiro privado.

Veja – Qual a responsabilidade dos órgãos oficiais de financiamento à pesquisa nessa situação?
Schwartzman – O sistema de avaliação dos centros de pesquisa e pós-graduação utilizado pela Capes tem mais de trinta anos. E foi muito importante para o Brasil. Graças a ele, o país tem hoje uma pós-graduação que é de longe a melhor da América Latina. Mas já está ultrapassado. Ele dá muita ênfase aos trabalhos acadêmicos e desestimula qualquer iniciativa prática. Os critérios de qualidade levam em conta o número de artigos publicados, o número de doutores formados e a participação em congressos internacionais. A aplicação da pesquisa não é valorizada. Com isso, os pesquisadores só querem publicar artigos em revistas internacionais e, assim, contar pontos para seu departamento. Depois de o artigo ter sido publicado, eles não se interessam em procurar uma empresa para desenvolver o produto. Consideram mais vantajoso à carreira iniciar outra pesquisa, para publicar um novo artigo.

Veja – O que o Brasil perde com isso?
Schwartzman – Há dois tipos de perda. O setor privado perde uma excelente oportunidade de evoluir tecnologicamente. E o governo também perde, pois não usa o saber acadêmico para auxiliá-lo na formulação de políticas públicas. Há uma série de demandas por pesquisa em diversas áreas. Em saúde, por exemplo, para controlar a dengue. Na formulação de políticas de segurança, na administração de complexos urbanos. São linhas de estudo que o governo deveria estimular – e usar. O Brasil precisa do melhor conhecimento para lidar com suas questões econômicas e sociais, e não pode abrir mão dos centros de excelência das universidades. Veja só a área da educação, em que o país vive uma tragédia. Temos um sistema educacional que não ensina. As crianças entram na escola e saem semi-analfabetas com 13 ou 14 anos de idade. Faltam estudos para entender o que está acontecendo, quais as saídas, o que funciona e o que não funciona. A área do meio ambiente é pior ainda. Eu nunca vi um estudo sério e competente sobre a transposição do Rio São Francisco.

Veja – Como mudar esse quadro?
Schwartzman – Por um lado, o governo precisa ser melhor usuário de pesquisas. Embora ele tenha institutos próprios, como o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), há sempre um risco quando o pesquisador recebe seu salário diretamente do ministério. E se o ministro não gostar da pesquisa? Outro papel do governo é estimular as empresas privadas a investir em inovação. Ele tem de compartilhar o risco desse investimento. No que diz respeito à universidade, há duas maneiras de pensar uma mudança: de cima para baixo e de baixo para cima. No primeiro sentido seria criando normas para regular o funcionamento das instituições. Isso já foi tentado no Brasil com a criação da Lei de Inovação, que facilita a ligação da universidade com a indústria. Mas nunca funcionou muito bem. Acho que o melhor caminho é de baixo para cima. Ou seja, dando mais autonomia às universidades e estimulando para que elas não fiquem restritas ao meio acadêmico.

Veja – De que forma é possível fazer isso?
Schwartzman – As universidades públicas seguem a lógica do serviço público. Não têm flexibilidade para pagar melhor determinado pesquisador nem para tratar de forma diferenciada um departamento que tem potencial para produzir mais. Elas precisam poder ser mais flexíveis na sua administração. Esse é um ponto. De outro lado, as instituições têm de ser motivadas a buscar parceria com as empresas. Precisam ganhar alguma coisa com isso, mas também têm de perder se não o fizerem. Vou dar uma sugestão. Se cada departamento da universidade recebesse apenas 50% do seu orçamento e tivesse de levantar os outros 50%, já seria um grande estímulo. Poderia ser estipulado que o pesquisador receberá seu salário em dobro se o departamento conseguir mais dinheiro, mas receberá a metade se não conseguir nada. Isso os tiraria da inércia. Quando eu estudava na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, fecharam o departamento de biologia porque estava obsoleto. E é uma universidade pública. O departamento era antigo, tinha pesquisadores experientes e famosos, mas considerados ultrapassados. Depois de fechá-lo, a universidade foi ao mercado buscar uma nova geração de pesquisadores para substituir a antiga. E por que fizeram isso? Porque sabiam que se tivessem um departamento forte e atualizado conseguiriam dinheiro com mais facilidade junto ao governo e às empresas privadas.

Veja – Que critérios uma universidade brasileira segue para definir suas linhas de pesquisa?
Schwartzman – As decisões são individuais. A lógica é a que está na cabeça de cada pesquisador. Isso pode ser bom para a carreira dele, mas não é interessante para o país porque não há uma linha coerente. O pesquisador morre de medo de alguém dizer a ele o que deve pesquisar. E às vezes tem boas razões para isso. Concordo que o governo não pode definir o que deve ser pesquisado no país. Mas acho que cada instituição tem de eleger prioridades estratégicas, voltadas para as demandas da sociedade. Não tem sentido, por exemplo, o Brasil fortalecer sua pesquisa em física de partículas. Tivemos aqui pesquisadores importantes na década de 40, como Mario Schenberg e Cesar Lattes, que fizeram pesquisa de fronteira e publicaram artigos preciosos. Mas acabou aí. Depois disso ninguém fez mais nada. A física de partículas é hoje uma área bilionária. Depende de investimentos que nenhum país faz sozinho. O Brasil vai participar desse jogo para quê? E vai botar quanto dinheiro nisso?

Veja – O governo distribui corretamente seus investimentos em pesquisa?
Schwartzman – Esse é outro problema. O governo pulveriza muito os recursos. E os projetos contemplados não conseguem crescer. O CNPq (responsável pelo financiamento de pesquisas universitárias) criou o Instituto do Milênio, cuja idéia inicial era fortalecer alguns centros. Mas isso foi sendo pulverizado. Em vez de concentrar o dinheiro em centros de excelência, a estratégia foi diluir. É um critério democrático, mas com isso você não cria densidade. Dessa forma é impossível dar um salto de qualidade. A atividade científica é cara e concentrada. Não é para qualquer grupo. Hoje, a legislação brasileira exige que todas as universidades façam pesquisa. Isso só estimula uma mimetização. O professor participa de um congresso qualquer ou publica um artigo numa revista que ninguém lê. É algo que tem aparência de pesquisa, mas não produz conhecimento. Fazer pesquisa significa participar de um grupo seleto e muito exigente de pessoas que estão produzindo conhecimento de fronteira. É uma atividade que pouca gente faz. Por isso o investimento deveria ser concentrado, como acontece em países desenvolvidos.

Veja – Sua pesquisa analisou universidades que conseguem associar ciência de excelência à relevância social ou econômica. Elas têm algum ponto em comum?
Schwartzman – O principal fator é o humano. Em todos os casos que estudamos, havia um pesquisador com mentalidade empresarial, que liderou o processo de integração com o mercado. Mesmo nas universidades públicas, o líder de um departamento, além de ser bom na sua área, deve ter um perfil empreendedor. Precisa estar o tempo todo antenado com o que acontece fora da universidade para saber quais temas de pesquisa estão surgindo, quais as linhas mais promissoras e onde estão as oportunidades. Ele tem de saber convencer os outros da importância do seu trabalho. Isso cria uma dinâmica. Foi o que aconteceu no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que virou padrão internacional na área de engenharia. Por que o Exército ou a Marinha não conseguiram fazer nada parecido? Não foi por questão política. Foi porque colocaram gente de talento lá dentro. É preciso dar mais liberdade para que líderes de departamento com capacidade empreendedora possam agir.

Veja – Como isso acontece nos países desenvolvidos?
Schwartzman – Na Inglaterra, todas as universidades são públicas, mas são administradas como se fossem do setor privado. Elas têm agilidade para buscar recursos, identificar prioridades, contratar ou demitir gente e, principalmente, pagar de forma diferente profissionais diferentes. Um grande médico ou um grande químico não podem ganhar o mesmo que um professor de história, como acontece nos universidades públicas brasileiras. Nada contra os historiadores, mas esses profissionais são pagos de forma diferente no mercado. Se a universidade não fizer o mesmo, os mais qualificados irão atrás de oportunidades melhores na iniciativa privada. Nos Estados Unidos, as universidades trabalham com todo tipo de convênio e de parceria. Evidentemente produzem muito mais.

Veja – O mau uso de verbas públicas por fundações ligadas a universidades originou um escândalo que resultou no afastamento do reitor da Universidade de Brasília. No Brasil, essa liberdade não pode dar margem a abusos?
Schwartzman – Não há respostas óbvias para isso. Tudo precisa ser regulado. O caso das fundações é bastante interessante. Elas foram criadas para contornar a rigidez na administração das universidades públicas. Claro que há possibilidade de abusos, como aconteceu em Brasília. Mas fechá-las seria um desastre. Acho muito importante manter as fundações, sobretudo enquanto as universidades públicas estiverem submetidas à camisa-de-força do serviço público. Precisamos ver caso a caso se as irregularidades são de fato ações desonestas ou o exercício efetivo da flexibilidade para o qual elas foram criadas. Fundações estão submetidas à legislação própria de responsabilidade e transparência no uso de recursos, e, se há irregularidades, a solução não é fechá-las, mas aplicar as regras que existem.

Veja – A economia brasileira está vivendo um período notável. A pesquisa acadêmica não tem se beneficiado disso?
Schwartzman – Não o bastante. O Brasil está perdendo o bonde. O volume de investimento em pesquisa tem crescido a uma velocidade bem maior nos países desenvolvidos do que aqui. A distância está aumentando muito. O país não tem capacidade para atrair um investimento de qualidade porque não tem massa crítica. O atual governo fala muito sobre a questão da inclusão. Seu tema principal é o acesso à universidade. Acho isso um equívoco. Você não tem tanta gente para colocar na universidade porque o ensino médio está muito ruim. Essa política dá acesso a gente que não vai conseguir muita coisa. Não acho que o problema da desigualdade social passe pela inclusão na universidade. Seria melhor oferecer uma educação básica de qualidade. A função da universidade é produzir competência, gente bem formada e pesquisa de qualidade. A universidade tem de ter liberdade e estímulo para eleger prioridades. Hoje ela não tem nem uma coisa nem outra. O que devemos discutir é se essa universidade tem bons engenheiros, bons cientistas e se tem capacidade para oferecer serviços. O resto é secundário.

Etanol a preço de banana

Coskata, uma companhia norte-americana financiada pela General Motors e outras fontes, anunciou que desenvolveu uma tecnologia para a produção de etanol a partir de qualquer material orgânico ao preço de menos de um dólar por galão, que é parecido com custo do etanol produzido no Brasil, e bem abaixo do produzido nos Estados Unidos a partir do milho. A notícia é importante para o Brasil porque, se confirmada, ela poderia ter um forte impacto no projeto de transformar o país em um fornecedor internacional deste combustível. O artigo da revista Wired descrevendo o processo pode ser lido aqui,

“O crítico da ciência”

A Revista Pesquisa FAPESP, n. 140, Outubro, pp 12-17, publica uma longa entrevista minha com Carlos Fioravanti, aonde antecipo algumas dos resultados da pesquisa que coordenei sobre 16 grupos de pesquisa universitários na Argentina, Brasil, Chile e México que conseguem associar o trabalho acadêmico à produção de conhecimentos relevantes à economia e à sociedade, e faço um pequeno histórico de meus trabalhos anteriores sobre o tema. O título, “o crítico da ciência”, é dele, e o texto completo pode se baixado clicando aqui. Os resultados da pesquisa devem ser publicados em forma de livro nos próximos meses.

O Napoleãozinho de Campinas

O Mandarim – História da Infância da Unicamp, do jornalista Eustáquio Gomes, publicado em 2006 pela própria Universidade, é sobretudo a história dos mandos e desmandos de seu fundador, Zeferino Vaz, que havia sido antes interventor na Universidade de Brasília e, antes ainda, fundador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. O livro é bem escrito, baseado em depoimentos e documentos internos da Universidade, e um excelente exemplo do que pode e não pode fazer um ditador. Entre 1966 e 1978, Zeferino Vaz fez o que quis na UNICAMP, navegando nas águas turvas da ditadura militar, exibindo quando necessário suas credenciais de anti-comunista militante, defendendo e até tirando da cadeia ¨seus comunistas¨, e manobrando todo o tempo para tirar do caminho as pessoas que questionavam seu poder.

Zeferino tinha uma qualidade, que era haver entendido desde cedo que ¨instituições científicas, universitárias ou isoladas, constroem-se com cérebros e não com edifícios¨. Curiosamente, o livro não diz nada sobre o que Zeferino Vaz fez em sua própria área, de medicina e zoologia. Nas outras áreas, que não conhecia diretamente, buscou nomes de grande prestígio e reputação, trazendo para Campinas e dando total apoio a alguns cientistas brilhantes que haviam feito seu nome no exterior, especialmente Sérgio Porto, Rogério Cerqueira Leite, que criaram a nova área de física do estado sólido, e a grande estrela que era César Lattes, que permaneceu isolado. Na área das ciências sociais e humanas, começou, não se sabe por quê, entregando-a um obscuro professor de filosofia fenomenológica, que foi um desastre; em economia, optou por fazer da universidade a continuadora da tradição da CEPAL, então na moda na América Latina; e descobriu depois que, com o fim da ditadura que já se pressentia, era dos sociólogos marxistas que precisava, desde que não fizessem política nem se confrontassem com ele. Em 1975, promoveu um grande seminário internacional estrelado pelo historiador marxista Eric Hobsbaum que deu à universidade da ditadura uma áurea de centro avançado de pensamento de esquerda, preparada para os anos que viriam.

Comparada com a criação da USP trinta anos antes, que foi buscar nos centros universitários europeus os melhores talentos, chama a atenção o provincianismo do projeto da Unicamp, aonde o único estrangeiro de renome, que estava lá por acaso, era o geneticista Gustav Brieger, que cedo se indispôs com Zeferino e acabou se afastando. Zeferino entendia que sem cérebros não se constrói uma universidade, mas nunca entendeu ou aceitou que estes cérebros formam comunidades de pessoas ativas e pensantes, sem cuja participação as instituições não têm como crescer e fortalecer. O livro é rico de documentos que mostram as brigas por poder na Universidade, mas nada que mostre a existência de deliberações e consultas sobre programas, prioridades, e política de recursos humanos.

O livro também vale pelas fofocas que revelam o estilo e o caráter de muitos personagens que ainda estão entre nós – mas isto fica para o juízo pessoal de cada um.

Adeus aos laptops?

Enquanto, no Brasil, o governo se mobiliza para comprar milhões de computadores para colocar nas mãos dos estudantes, nos Estados Unidos, conforme reportagem do The New York Times, as escolas estão abandonando estes programas, tendo concluido que custos de manutenção, da administração de redes, e dos problemas de disciplina associados à pornografia e ao uso abusivo dos computadores eram maiores do que seus benefícios. De fato, as escolas estão descobrindo que, longe de melhorar o desempenho, os laptops não têm nenhum efeito e até perturbam e atrapalham o desempenho acadêmico dos alunos. Segundo o NYT, a idéia dos políticos de que a tecnologia poderia trazer uma solução rápida e barata para os problemas da educação não funcionou.

O texto do The New York Times está disponível no link abaixo:

Seeing No Progress, Some Schools Drop Laptops

Luiz Carlos Faria da Silva: ainda sobre computadores

Luiz Carlos Faria da Silva, da Universidade Estadual de Maringá, envia a seguinte nota:

Em 9/04/2007 recebi uma informação de que o Claudio Moura Castro enviou ao Simon’s Blog um link com reportagem do Washington Post sobre estudo americano pondo em dúvida a eficácia do gasto com softwares em função dos dados de uma pesquisa americana que mostra não haver diferença significativa entre os desempenhos escolares de estudantes que deles se utilizam e estudantes que deles não se utilizam. Gostaria de observar que eu já lhe enviara esse link em mensagem do dia 5 de abril de 2007, dia em que o Washington Post publicou a notícia. Informei também que minha fonte foi a FEE – Foundation for Economic Education.

Não dá tempo para acompanhar tudo. Eu estou o tempo todo ligado na questão da pedagogias eficazes, particularmente nas pedagogias eficazes para alfabetizar. Mas pelo que leio rapidamente sobre o assunto eu nunca tive dúvida de que essa onda de uso de computadores e softwares para a educação escolar não se sustenta se olhada com rigor.

Computador com acesso à internet só é bom na mão de gente que tem alto nível de formação. E na Escola, é bom na Secretaria. Assim mesmo quando há intranet com a Secretaria da Educação.

Nem mesmo posso afirmar que seria bom na mão de Diretores. Depende do Diretor ou Diretora. Quando vamos a uma escola pública de periferia hoje em dia não se consegue diferenciar Diretora de Servente. (Falo em Diretora simplesmente porque é a maioria). Nem pelo linguajar nem pela indumentária.

Eu trabalhei com projetos em algumas escolas da rede pública há pouco tempo. Havia laboratórios de informática. Mas tudo estava sucateado antes do uso. Numa delas os computadores eram usados pelo filho adolescente da Diretora para jogos de VIDEOGAME.

Eu já vi escola com projetos fantásticos funcionado. Mas foi na televisão. Na televisão, tudo é bonito e funciona. Os alunos são entrevistados e dizem o que nós, os coordenadores dos projetos, queremos ouvir. Autodeclaração não é evidência de nada.

O Brasil não aplica políticas baseadas em evidência. Nunca aplicou. Principalmente em Educação. Mas não é necessário fazer grandes pesquisas para saber o tipo de uso que adolescentes e jovens fazem de computadores com acesso à internet quando disso dipõem. Gastam todo o tempo em jogos, bate-papos, MSN e pornografia. Isso está acontecendo hoje nas barbas de todo mundo. Dê um passeio nas periferias do Rio para ver o que acontece nas Lan Houses. Ou então, deixe computadores com livre acesso à internet, sem controle de conteúdo, nas salas das faculdades espalhadas pelo Brasil. Depois veja as páginas visitadas…

Você acha que farão diferente com computadores nas escolas? Ou com LAPTOPS? É uma empulhação esse negócio de um LAPTOP para cada criança. O que farão com eles?

Há inúmeras Prefeitura no Brasil que gastam dinheiro fornecendo Tênis, Mochila, Uniforme às crianças. Alguém no Brasil sabe dizer o impacto do gasto com esses itens no desempenho escolar? As crianças que receberão esses computadores lêem rudimentarmente. E não sabem contar. Mas o que sabem basta para jogar, bater papo, autofotografar-se e fazer a edição dessas fotos para divulgar no ORKUT e no MSN. É lamentável.

Um abraço,

Mais lenha na fogueira dos computadores!

Claudio Moura Castro envia o link de matéria recente do Washington Post, colocando em dúvida o impacto dos computadores na educação:

Software’s Benefits On Tests In Doubt – Study Says Tools Don’t Raise Scores

By Amit R. Paley
Washington Post Staff Writer
Thursday, April 5, 2007; Page A01

Educational software, a $2 billion-a-year industry that has become the darling of school systems across the country, has no significant impact on student performance, according to a study by the U.S. Department of Education.

The long-awaited report amounts to a rebuke of educational technology, a business whose growth has been spurred by schools desperate for ways to meet the testing mandates of President Bush’s No Child Left Behind law.

Clique aqui para acessar o texto completo

Guiomar Namo de Mello: Impacto e uso da tecnologia na educação escolar

Escreve Guiomar Namo de Mello:

Volto a bater sempre na mesma tecla: se o professor aprender a usar o computador para ele próprio aprender (qualquer coisa, não necessariamente relacionada com a tarefa de ensino); repito, se o professor perceber o potencial do computador meio caminho está andado para o uso em sala de aula. Desconfio muit dos softwares que só funcionam em situações muito controladas.

Entendo porque o uso da internet melhora as coisas. Na Internet o professor está usando a ferramenta para si mesmo antes de usá-la com os alunos. Quanto mais a rede fica enriquecida de conteúdos mais desconfio dos softwares a não ser que se os possa baixar da própria rede para fins que o internauta sabe quais são.

Anexo um papersinho meu sobre o tema.

IMPACTO E USO DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Guiomar Namo de Mello

Janeiro de 2001

 Um breve retrospecto do desenvolvimento da tecnologia da informação, permite distinguir pelo menos dois momentos importantes. Esses dois momentos se sobrepõem e ainda estão plenamente vigentes. Um deles é o que se inicia com o advento do computador e tem seu ponto mais alto no aparecimento do PC – personal computer – cujo aperfeiçoamento ainda está longe de ser concluído. O segundo começa com as primeiras redes de comunicação que utilizam computadores conectados a um servidor central e desenvolve-se até o ponto atual da www – world wide web – rede mundial de computadores.

 Na primeira fase há um aumento espantoso na rapidez e exatidão com que a informação passa a ser processada, armazenada e editada. Mas o paradigma da produção do conhecimento permanece intocado e principalmente a possibilidade de negociação do significado do conhecimento ainda tem de fazer-se pelas formas tradicionais de interação das quais o telefone e o fax são as mais desenvolvidas.

 O segundo momento trouxe uma mudança epistemológica significativa. É a partir da rede mundial de computadores que se dá uma transformação, ainda em seu início, na maneira como o conhecimento é produzido, organizado, compartilhado e disseminado.

 Essa transformação decorre dos recursos que se tornaram disponíveis quando o desenvolvimento da tecnologia da informação viabilizou a rede mundial de computadores. Entre eles destacam-se:

(a) ir além do seu próprio arquivo ou banco de dados e conectar-se com outras formas ou lugares de armazenamento de dados e informações;

(b) mandar e receber informações e interagir por via eletrônica;

(c) cruzar, relacionar, comparar, verificar, desmembrar, separar, reunir, referenciar, indexar, analisar e testar a procedência da análise, extrapolar e simular a extrapolação, e outras operações intelectuais que se tornam mais rápidas e principalmente possíveis de serem validadas em tempo real;

(d) apresentar para um grande número de interlocutores relevantes o resultado desse trabalho e receber comentários, avaliações, sugestões em tempo real.

 Esses dois momentos corresponderam a desafios diferentes dentro da escola. Primeiro foi o de introduzir o computador como uma ferramenta tecnologicamente mais avançada para fazer mais e melhor do mesmo: calcular, fazer tabelas, escrever, descrever, apresentar, representar. Para esse tipo de uso não era necessário repensar o currículo.

 Nesse mesmo período os primeiros softwares educativos já permitiam vislumbrar o potencial que a nova ferramenta tinha para orientar atividades que envolvem a construção de conhecimentos novos a partir de hipóteses ou de dados existentes. No entanto os softwares têm vida limitada, esgotam-se a partir de um tempo de uso, precisam de substituição e renovação e, principalmente, admitem nenhuma interação ou um pouco dela de modo simulado.

 O potencial acenado nos softwares educativos multiplica-se quase ao infinito com o advento da rede mundial de computadores:

(a) o percurso do estudante para construir conhecimento pode incluir todo tipo de conteúdo existente na rede desde que alguém oriente e demarque esse percurso;

(b) a construção do conhecimento já não precisa limitar-se a seqüências lineares, ela pode ter uma configuração em rede;

(c) a possibilidade de compartilhar significados com os colegas é potencializada e a interação com o professor presencial ou virtualmente é potencializada.

 O uso inteligente de um instrumento dessa natureza requer mudanças no núcleo duro do processo de ensino aprendizagem – o currículo – que por sua vez vão acarretar mudanças na organização escola e da sala de aula.

 Tradicionalmente organizado em disciplinas rígidas e seriado de modo hierárquico, o currículo que até hoje trabalhamos não é compatível a aprendizagem em rede que a rede mundial de computadores viabiliza. É preciso repensá-lo não apenas no plano da proposta ou projeto curricular como no plano do ensino e da aprendizagem, também chamado de currículo em ação:

(a) as disciplinas serão forçadas a se expandir, fronteirizando-se com outras disciplinas do currículo ou com outros campos do conhecimento que até hoje não foram cogitados como objeto de ensino; o

(b) os alunos deverão envolver-se mais em projetos de estudo, projetos de trabalho, projetos de execução ou de produção, cujos temas, objetos de trabalho, ou resultados requeiram o concurso de diferentes disciplinas;

(c) os professores terão que orientar a busca e construção do conhecimento, a análise do disponível, o cotejamento dos pontos de vista e todos os atos sociais e cognitivos que contribuem para construir significados, valores e disposições de conduta.

 Neste ponto introduz-se a freqüente pergunta: o professor está preparado para esse novo paradigma curricular? A resposta é: provavelmente não. Mas o importante são as razões do despreparo do professor não a sua constatação. Dependendo da explicação que se tenha para a defasagem entre professor e demandas educacionais da sociedade do conhecimento, a solução para superá-la será diferente.

 O pressuposto deste trabalho é o de que o despreparo da escola e sobretudo do professor se dá em razão da falta de domínio dos objetos sociais do conhecimento que constituem o conteúdo do ensino e das formas de transposição didática desse conteúdo.

 Ao destacar a debilidade da formação conteudística e didática do professor esta abordagem distingue-se daquelas que explicam a defasagem do ensino diante das novas tecnologias, pela ausência de conhecimento, familiaridade e domínio das próprias tecnologias. Para essas abordagens, a solução seria treinar o professor no uso das tecnologias.

 Ao contrário, nossa abordagem aponta que a solução é ampliar e aprofundar os conhecimentos do professor tanto dos objetos de ensino como dos métodos. Trata-se assim de usar as novas tecnologias para formar o professor em contraste com outras iniciativas que se propõem formar o professor para o uso das novas tecnologias.

 Explicando melhor esse pressuposto de trabalho que é básico: o despreparo do professor para enfrentar os desafios de ensinar e aprender num mundo congestionado de informações, onde o acesso ao conhecimento vai se tornando mais fácil, rápido e prazeroso, não decorre de sua pouca familiaridade com o computador. Decorre de sua fragilidade profissional, sua formação de base que foi aligeirada e de má qualidade, sua cultura geral que é restrita, sua falta de oportunidade para desenvolver a sensibilidade para problemas e tendências da vida contemporânea.

 Dito pelo lado positivo, um professor que teve oportunidade de construir conhecimentos sólidos sobre sua área de especialidade e como ensiná-la, que possui uma cultura geral ampla e diversificada e uma auto-estima profissional pautada no sucesso, terá facilidade de atender às demandas educacionais de seus alunos ainda que estes estejam conectados permanentemente e que ele, professor, nunca tenha ligado um computador. E, mais ainda, esse professor aprenderá mais rápida e construtivamente a lidar com novas tecnologias.

 Trata-se portanto de utilizar ao máximo as novas tecnologias da informação para melhorar a formação dos professores, criando oportunidades para que eles aprendam a aprender utilizando conhecimentos de sua área de especialidade: vivam a experiência de construir conhecimento e organizá-lo de modo inovador, expandindo as fronteira disciplinares; estabeleçam relações de aprendizagem colaborada; adquiram hábitos de acessar, processar, arquivar e organizar dados. E mobilizem esses saberes em situações práticas de ensino e aprendizagem nas suas respectivas áreas de conhecimento. Ao colocar as tecnologias da informação a serviço da melhoria da qualidade da formação do professor, essa abordagem metodológica está também preparando o professor para usar as novas tecnologias com seus alunos, em contextos nos quais essas tecnologias estejam disponíveis.

Creso Franco: Para além dos computadores: sobre como avaliar a eficácia de programas educacionais

O comentário de Claudio toca em um aspecto bastante importante: a diferenca entre resultados de estudos experimentais e de estudos observacionais (surveys). É bem conhecido que estudos observacionais podem representar uma base frágil para inferências causais. Nos EUA, em torno do ano 2000, a crítica aos surveys chegou ao máximo e o governo americano criou o Institute of Education Sciences, órgão de fomento que só financiava estudos experimentais. A atencão redobrada aos estudos experimentais acabou por ajudar a revelar que, muito frequentemente, estudos experimentais e surveys chegam a resultados discrepantes. A primeira reacão foi a de reafirmacão da ênfase exclusiva nos estudos experimentais, que seria o método adequado para a obtencão dos resultados corretos. Os anos (e muito investimento de pesquisadores) trouxeram de volta o bom senso: surveys podem representar problemas para inferências causais, mas os estudos experimentais também não estão livres de sérios problemas. O principal deles é o apontado por Claudio, relacionado com a diferenca entre experimento em pequenas dimensões e implantacão de política pública em larga escala. Há outras limitacões importantes nos experimentos, que fogem ao veio principal desta mensagem.

No ano passado, o Institute of Education Sciences aprovou um grande financiamento para que pesquisadores estudassem o tema da reforma da high school de Chicago, a despeito de os pesquisadores argumentarem explicitamente acerca da inadequacão de randomised trial study face a seus objetivos. Isso seria impensável cinco anos atrás. Consultei hoje a página do IES e observei que o cardápio está muito mais plural.

Eduardo Chaves: Computadores e Educação

Eduardo Chaves escreve:

Caro Simon,

Li com atenção as duas matérias sobre computadores e educação distribuídas na sua lista. Resolvi compartilhar com você a minha opinião, baseada em mais de vinte e cinco anos de envolvimento na área. É uma opinião, baseada em observações, leituras, discussões — não é resultado de pesquisa formal.

Parece-me evidente que a principal razão pela qual alunos, em geral, não se saem bem na escola não está no fato de que as escolas não fazem uso (bom ou mau) da tecnologia no ensino. Se isso é verdade, introduzir tecnologia na escola, ceteris paribus, claramente não vai resolver o problema da insuficiência ou da má qualidade da aprendizagem dos alunos.

Parece-me evidente que a principal razão pela qual alunos, em geral, não se saem bem na escola está no fato de que eles não vêem sentido em aprender aquilo que a escola procura lhes ensinar e não possuem a menor apreciação pela forma em que ela tenta fazer isso. Ou seja, a escola falha, do ponto de vista dos alunos, no conteúdo e na metodologia, no currículo e no método.

Recentemente a Microsoft / Headquarters me pediu um parágrafo que justificasse os investimentos da empresa no uso da tecnologia na educação. Mandei-lhes o seguinte:

“For centuries school education has been content-centered: its focus has been on the delivery of content. Consequently, the important things have been the content (the curriculum), the deliverer of this content (the teacher), the method of delivery (teaching), and the assessment of content assimilation (evaluation). And yet, the world has undergone a profound revolution in the last sixty years. Information is now at our fingertips. Content today ought to be ‘pulled’, not ‘pushed’. In the wake of this revolution, it makes no longer sense for school education to focus on content delivery. Thus we have finally come to the point where school education can and ought to be learner-centric: its focus must be on helping each individual student learn as much as he can about things he needs to learn in order to define his life project and to transform this project into reality, so succeeding in the business of living. To learn is to become capable of doing things we were not able to do before – especially things that are important to us, because they have to do with what we expect out of life. There are many ways of learning: observation and reflection; research; access to observations, reflections and research of others; direct interaction with other people (including parents, teachers and peers). Technology can make all of these ways of learning incredibly more effective – especially when everyone has access to it anytime and anywhere. Today’s technology makes anytime, anywhere learning possible – thus helping people realize their full potential”.

Resumindo, o problema da escola não está na ausência de tecnologia: está no modelo de educação que ela adota. Ninguém engana os alunos por muito tempo. Se um conteúdo qualquer é percebido como irrelevante e a forma de transmiti-lo é vista como inadequada, usar tecnologia para transmiti-lo, ceteris paribus, não vai tornar o conteúdo menos irrelevante nem o ensino menos inadequado. O problema está no conteúdo e no ensino, não na tecnologia.

Altere-se o modelo — e a tecnologia “comes to life”.

Tenho visto inúmeros pesquisadores que, partindo do pressuposto (válido) de que jovens se interessam por tecnologia e têm facilidade para usá-la, se surpreendem diante do fato de que não há, da parte deles, maior interesse em fazer cursos a distância mediados pela tecnologia do que havia em fazer cursos convencionais. Usar a tecnologia para fazer algo que é percebido como irrelevante e chato não torna esse fazer relevante e agradável.

Note a matéria de sua primeira mensagem sobre o assunto (“Computers as pedagogical tools in Brazil: A pseudo-panel analysis”): “Computers and software have been gradually introduced as teaching tools in many countries”. Introduzidos como o quê? Como “ferramentas de ensino”… Como ferramentas de ensino, computadores (acrescentar “and software” é um primarismo) não vão ter mais sucesso do que o ensino do qual supostamente são ferramentas. Computadores são ferramentas de aprendizagem. Seu potencial está no fato de que nos permitem aprender de inúmeras maneiras, em qualquer lugar, em qualquer momento. Mas mesmo o computador, como ferramenta deaprendizagem, só será eficaz se houver algo que queiramos aprender, algo cujo aprendizado percebemos como importante para aquilo que queremos ser. Fora disso, acredito ser perda de tempo ficar discutindo a questão.

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