Claudio de Moura Castro: sobre o uso de computadores na educação

Confirma mais o menos o que já sabíamos para a Europa e US e, de resto, está mencionado na nota.

Na verdade, como tratado na pesquisa, o uso do computador é uma caixa negra. Ninguém sabe quanto é usado e nem como. Sabe-se apenas que parece conflitar com outros focos de atenção que geram resultados acadêmicos melhores. Daí a ineficácia ou resultados negativos.

O grande puzzle é o contraste desses resultados com as pesquisas experimentais em condições muito controladas e usando o computador com soft promissores. Pelo que me lembro, os resultados são quase sempre muito positivos. Ou seja, nos dias de hoje as máquinas funcionam e há softs muito inteligentes. Quando olhamos os resultados do seu uso correto, são uma maravilha. Justificam o nosso encanto e fascinação com as promessas do computador na educação. Note que me incluo no grupo dos deslumbrados.

Contudo, parecem universais as dificuldades de passar do contexto experimental e bem feito para a replicação em sistemas de ensino. Saímos das classes conduzidas por professores dedicados e talentosos e passamos para a vala comum da escola. Não há escalabilidade. O que deu certo no micro-cosmo controlado falha no universo cinza das redes escolares.

No fundo, o problema não parece ser a ineficácia dos usos mais interessantes, mas a conjugação de forças que impede escalabilidade de tais usos. Note um contra-exemplo interessante. As forças armadas do Primeiro Mundo não apenas usam abundantemente os computadores para ensinar, mas também conduzem pesquisas metodologicamente sofisticadas, medindo a sua eficácia. Não tenho acompanhado o resultado de tais pesquisas. Mas é razoável supor que são positivos, pois as forças armadas persistem e intensificam o seu uso.

Ou seja, a escola não sabe usar os computadores e não dá qualquer mostra de que vai aprender. Há fatores poderosos militando para que nada dê certo. Por que dá certo no exército? A resposta parece, desagradavelmente, estar ligada à diferenças de autoridade. No exército, o coronel manda, o sargento obedece e o cabo põe em prática. Nas escolas, seja o que deus quiser. Moral da história? Não ouso formular.

Voltando ao seu prefácio sobre os computadores de 100 dólares. Acho que mudam um pouquinho o cenário. O computador da escola é refém de um sistema que aprisiona o computador e usa como quer, em geral, mal. O de 100 dólares entrega o computador para o aluno que vai usar também como quiser. Só que isso muda totalmente a equação, pois o uso do aluno será diferente. Não há nem certeza e nem qualquer sugestão convincente de que esse uso seja melhor. Mas pelo menos, é diferente. Se me lembro corretamente, o PISA mostrou bons resultados para uso de computador (em casa).

Maresa Sprietsma: para que servem os computadores nas escolas?

Um dos projetos do novo Plano de Educação do governo federal é disseminar o uso de computadores e acesso à Internet nas escolas públicas do país, a um custo ainda desconhecido. Uma das idéias é adquirir o “computador de 100 dólares” produzido pela Medialab, do MIT, ou um equivalente, e dar um a cada estudante nas escolas públicas.

Há uma grande distância, no entanto, entre as esperanças que muitas pessoas colocam nos computadores, como forma de superar as deficiências do ensino, e o que mostram as pesquisas. Maresa Sprietsma, do Centre for European Economic Research em Mannheim, analisou o impacto do uso de computadores nos resultados do SAEB, e encontrou que eles têm um efeito negativo sobre o desempenho em matemática, e nenhum em relação do desempenho em português. Ela nota, no entanto, que as tecnologias e educação podem ser úteis para apoiar o trabalho dos professores,e para que os alunos se familiarizem cm este tipo de equipamento. Trata-se de uma pesquisa em andamento, com resultados ainda provisórios, mas vejam o que ela escreve:

Computers as pedagogical tools in Brazil: A pseudo-panel analysis

Abstract (March 2007) – Work in progress, please do not quote

Computers and software have been gradually introduced as teaching tools in many countries. Thanks to important public and private investment, the number of schools that have access to computers and internet in the classroom has increased exponentially since the beginning of the nineties. In the US, where this evolution was fastest, the number of students per computer has decreased from 120 to 20 between 1981 and 2000. The percentage of schools that have an internet connection has increased from 5% in 1996 to over 95% in the UK and to over 80% on average in European countries in 2001 (Twining, 2002). In Brazil as well, availability and use of computers and internet in schools represents an important investment and has increased rapidly in recent years. The percentage of teachers that use the computer and internet for pedagogical purposes has increased from 12 to 38 and from 3 to 18 percent respectively between 1999 and 2003. The percentage of schools with a computer laboratory increased from 17 to 35% in the same period (source : SAEB).

The most obvious purpose of introducing computers into the classroom is clearly the promotion of computer literacy, a much-demanded skill on the labour market. However, ‘computer assisted instruction’ (CAI), or the use of computers as a learning tool for acquiring other cognitive skills such as reading or mathematics, has come more and more under attention as well.

According to psychologists, there are several factors that could contribute to better learning when using the computer as a pedagogical tool. Most frequently quoted are the possibility for each student to learn at its own pace, to focus on its own difficulties rather than to follow a fixed content for the whole class, the possibility of immediate assessment, and resulting increased student motivation (Skinner 1958, Barrow and Rouse 2005). Clearly, there are also potential drawbacks to the use of computers in class. Possible reasons are inadequate software, lack of teacher training and student disruption of learning by side activities on the computer. Indeed, as shown below, there is little evidence that computers improve measured reading or maths skills. Of the four recent papers that try to estimate a causal effect of the use of computers in general, which corresponds better to our approach, three yield insignificant or negative effects of increased computer use on test scores. Goolsbee and Guryan (2004), using exogenous variation in funding for internet access in schools in the US, find no evidence of any effect of the availability of additional internet access on student performance. Angrist and Lavy (2002), using random additional funding for ICT in Israel, find no significant effect on 8th grade test scores, and a significant negative impact on 4th grade maths scores. Leuven et al.(2004), based on a regression discontinuity design, also find a negative effect of investing in educational software on pupil reading and maths test scores in disadvantaged primary schools in the Netherlands. These papers conclude that computer-based instruction methods seem less effective than traditional ones.

The question we would like to answer empirically is whether the availability and use of computers and the internet (ICT ) for schools is effective in improving test scores in maths and reading. We use Deaton’s pseudo-panel estimator on SAEB repeated cross-section data to estimate the effect of the availability and use of ICT in schools in Brazil on pupils’ performance. More precisely, we estimate the effect of the availability of a computer laboratory in school and the use of computers and internet as pedagogical resources by the teacher on 8th grade pupils’ test scores. We find that the availability of a computer laboratory affects test scores negatively in both disciplines and particularly in Maths. A possible interpretation is the existence of a trade-off between investing in a computer lab versus other more effective pedagogical means for schools and, for pupils, between sitting in the lab rather than doing other activities.

The impact of the use of computers by the teacher as a pedagogical resource depends on the discipline. While Portuguese test scores are not affected by the use of computers as a pedagogical resource, Mathematics test scores are significantly lower in cohorts where more teachers use computers. These results are in line with some recent studies in Europe and the US that find non significant or negative effects of the availability of ICT in schools, especially on mathematics test scores.

But we also find that the use of the internet as a pedagogical resource by the teacher has a significant positive impact on pupils’ test scores in both disciplines in Brazil. Therefore, we may conclude that although merely investing in ICT equipment such as computer laboratories does not seem to improve test scores, there seems to be scope for teachers using the internet as a pedagogical resource. Moreover, we should not forget that ICT in schools also promotes computer literacy, a much demanded skill on the labour market. The ineffectiveness of ICT in schools as a means to learn maths and reading is therefore not a sufficient reason to ban ICT from schools.

Maresa Sprietsma
Centre for European Economic Research
Department of Labour Markets, Human Resources and Social Policy
L7, 1
68161 Mannheim (Germany)
sprietsma@zew.de

Cronologia da Ciência Brasileira, 1500-1945

Esta cronologia foi preparada por meu colega Tjerk Guus Franken, como parte do projeto que desenvolvemos na FINEP nos anos 70 sobre a Formação da Comunidade Científica no Brasil. Ela foi publicada na primeira edição, de 1979, mas acabou não saindo na versão revisada em inglês, que é de 1991, nem na nova versão brasileira de 2001, que é baseada na versão inglesa.

Agora, para quem estiver interessada ou interessado, a cronologia está disponível na Internet. O texto completo do livro já estava disponível antes  aqui

Meu reino por uma tomada!

Em Oslo por uma temporada, saí procurando adaptadores poder ligar meus diversos aparelhos de três pinos ou com padrão americano nas tomadas daqui. Ninguém tinha, fui mandado de loja em loja, até que alguém me indicou uma grande loja especializada em todo tipo de artigos elétricos. Depois de procurar em todas as prateleiras, resolvi pedir a ajuda do técnico especializado que me disse, em excelente inglês, que nenhuma loja da Noruega venderia isto – e havia um certo tom de reprovação na voz, como se eu tivesse querendo comprar algum tipo de droga proibida. Me lembrei que, dez anos atrás, tive o mesmo problema em Oxford, na Inglaterra, aonde acabei sendo socorrido pelo técnico do sistema de computação da universidade, que me passou um adaptador como quem vende uisque contrabandeado.

Imagino que seja um velho mecanismo de reserva de mercado, para forçar as pessoas a comprar produtos nacionais ou importados localmente, ao invés de trazê-los dos Estados Unidos, aonde custam a metade, ou da Ásia. Algo como as “regiões” de proteção dos DVDs, e mais fáceis ainda de burlar (mas vou ter que esperar a primeira viagem para comprar adaptadores em algum aeroporto, aonde são vendidos aos montões, ou então em algum camelô em algum outro país, já que aqui não existem). E isto quando , na area de produtos eletrônicos, a única indústria local que ainda parece sobreviver na Escandinávia, pelo design extraordinário, é a dinamarquesa Bang & Olufsen, mesmo assim enfrentando a forte concorrência em estilo da Sony e, cada vez mais, da Apple. É uma mostra da força da indústria local, capaz de manter indefinidamente esta proibição ridícula de venda de adaptadores, mas também da sua obsolecência, no mundo globalizado do qual os países escandinavos participam tão bem em tantos aspectos.

No mundo da lua

Fiquei constrangido ao ver a Sérgio Resende, nosso respeitado Ministro de Ciência e Tecnologia, ir à TV falar da glória de nosso astronauta no espaço, em comemoração aos cem anos da viagem de Santos Dumont no 14 bis. De herói em herói, não pude deixar de lembrar a tragédia de Alcântara de agosto de 2003, quando 21 técnicos e cientistas morreram em uma explosão do foguete espacial brasileiro, e que deveria ter levado – mas não levou – a uma reflexão profunda sobre se esta é realmente nossa prioridade na área de ciência e tecnologia.

O programa espacial brasileiro vem dos tempos dos governos militares e da guerra fria, quando nossos nacionalistas pensavam que o Brasil sofria de um “cerco tecnológico” das grandes potências, que não queriam que o país tivesse acesso aos conhecimentos de que necessitava para se transformar também em potência mundial. Era irmão do programa nuclear, ambos consumiam grande quantidade de recursos, e a suposição era que eles alavancariam o desenvolvimento científico e tecnológico do pais. É claro que, com tantos investimentos, algo sempre se ganha em formação de pessoas, incorporação de tecnologias sofisticadas, etc. Mas a experiência dos paises que realmente conseguiram dar o salto para o mundo moderno mostra que o caminho certo, para dar exemplos conhecidos, são os da Coréia do Sul e da Irlanda, com investimentos pesados e de longo prazo na educação de qualidade e no desenvolvimento de uma economia altamente competitiva e voltada para os grandes mercados internacionais, terreno fértil a partir do qual a ciência e a inovação florescem; e não o da Coréia do Norte ou do Iraque, com seus programas nucleares. A Índia, que por muitos anos foi nossa inveja, com seus satélites e bombas atômicas, só começou realmente a se transformar em uma sociedade moderna quando conseguiu a mobilizar em massa seus recursos humanos na área de computação e de serviços de qualidade.

Tanto a NASA quanto o programa espacial russo são velhos dinossauros, grandes burocracias que se deram as mãos para sobreviver em uma época em que a exploração do espaço já quase não captura a imaginação; não mais constituem a fronteira da pesquisa, e têm cada vez maior dificuldade em conseguir os financiamentos que necessitam para seus projetos gigantescos. A carona de nosso astronauta no foguete russo, que dizem ter custado uns 10 milhões de dólares para o governo brasileiro, pode ser uma excelente matéria publicitária, mais barato, possivelmente, do que comprar todo este espaço na TV Globo e nos jornais; mas dificilmente terá impacto mais significativo para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia do pais.

Mas há quem argumente que o importante não é isto, e sim fixar, na população, a imagem da importância da ciência, pela veneração dos cientistas e de seus grandes feitos, e desta forma aumentar o apoio social à ciência e à tecnologia – daí o Ministro no horário nobre da TV. Não há duvida que o culto aos heróis, em uma ponta, e o populismo na outra, podem ser muito eficazes a curto prazo, mas não sei se é o melhor caminho para construir uma sociedade baseada na competência, autonomia intelectual e liberdade de seus cidadãos.

Doutorados no mundo, o Modo II e a dama adormecida.

Durante três dias, trinta professores, pesquisadores e autoridades educacionais e de pesquisa de quinze países se reuniram no Centro de Conferências de Sleeping Lady, perto de Seattle (veja se consegue identificá-la na foto), para discutir sobre as transformações e inovações que vêm ocorrendo com os programas de doutorado nas diversas partes do mundo, a convite da Universidade de Washington. Do Brasil, participaram Renato Janine Ribeiro, Diretor de Avaliação da CAPES, Russolina Zingali, professora do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, e eu. Os trabalhos apresentados sobre os diferentes países podem ser vistos no site da Universidade de Washington

Um dos temas mais discutidos foi o impacto da introdução do chamado “Modo II” de produção de conhecimento nos programas de doutorado. “Modo II” foi o termo utilizado pelos autores do livro The New Production of Knowledge – the dynamics of science and research in contemporary societies (Sage, 1994) (dos quais faço parte, junto com outras cinco pessoas) para caracterizar as novas formas de estruturação das atividades de pesquisa científica e tecnológica, aonde se rompem as barreiras entre as disciplinas acadêmicas tradicionais, pesquisa básica e aplicada, o mundo da academia e o mundo empresarial e dos interesses públicos, o conhecimento de domínio público e o conhecimento apropriado; tudo isto em contraste com o antigo “modo I”, em que a pesquisa se organiza em disciplinas estanques, se desenvolve pela curiosidade intelectual dos pesquisadores, e o mundo acadêmico se protege das tentativas de governos e do setor privado de se imiscuir em sua vida.

Este “novo modo” de produzir conhecimentos não é tão novo assim, e nem eliminou o modo mais tradicional, sobretudo na etapa de formação dos cientistas e pesquisadores. Mas ele serve para caracterizar uma forte tendência que vem ocorrendo em todo o mundo, em que a pesquisa científica e tecnológica se torna, ao mesmo tempo, mais importante, mais cara e mais fortemente ligada a interesses e motivações de ordem prática, e onde o espaço para a pesquisa acadêmica mais tradicional vem se reduzindo. A passagem de um a outro modo de produção do conhecimento pode ser traumática e cria uma série de problemas, mas, ao mesmo tempo, torna a pesquisa mais dinâmica e relevante, e com mais condições de conseguir os recursos e o apoio de que necessita para continuar se fortalecendo.

O texto preparado por Renato Janine sobre o doutorado no Brasil mostra bem o sucesso havido no país, quando nos aproximamos dos 10 mil doutores graduados por ano, de qualidade garantida de forma bastante razoável pelo sistema de avaliação da CAPES, e que se reflete também no aumento sistemático das publicações científicas dos pesquisadores brasileiros na literatura internacional – não tenho os números em mãos, mas passamos de algo como 0.5% da produção mundial de papers em revistas científicas internacionais a cerca de 1.5%. Os principais problemas dos doutorados brasileiros, na visão de Janine, são como avaliar a qualidade dos cursos interdisciplinares, como se defender da invasão de programas de pós-graduação estrangeiros de má qualidade, e, a médio prazo, como financiar a expansão futura dos doutorados brasileiros às taxas atuais.

Minha impressão é que, se por um lado o crescimento da pós-graduação brasileira é uma história de sucesso entre os paises do terceiro mundo (ninguém na América Latina, nem mesmo o México, chega perto), por outro lado ainda estamos quase que totalmente imersos no “modo I”, e nossa pós-graduação já dá sinais preocupantes de envelhecimento precoce. Estruturada de forma rígida em disciplinas estanques, monitorada de cima para baixo pela CAPES, avaliada sobretudo pela produção tradicional de papers científicos e títulos outorgados, nossa pós-graduação não sabe como lidar e vive como ameaças a interdisciplinaridade, a internacionalização do conhecimento, as novas formas de parceria e a inter-relação entre o mundo acadêmico e o mundo dos negócios, das aplicações e das demandas da sociedade, coisas que na Europa e na Ásia são vistas como novas oportunidades para melhorar a qualidade, a relevância e as fontes de financiamento para a formação de alto nível e o crescimento da pesquisa científica e tecnológica.

Talvez não seja por acaso que, dez anos depois de publicado, o livro que introduziu o termo e abriu do debate sobre o “Modo II”, que dominou a reunião de Sleeping Lady, nunca tenha sido traduzido ao português e continue sendo praticamente desconhecido no Brasil (existe tradução castelhana, publicada em Barcelona em 1997). Levar a sério as implicações do “modo II’ significa olhar em volta para ver o que outros países estão fazendo; não se alegrar tanto com o crescimento da participação do Brasil na produção científica mundial, de “quase nada” para “praticamente nada”; não se entusiasmar tanto com nossos milhares de doutores produzidos todos os anos, a um custo crescente e fazendo não se sabe exatamente o quê, e em benefício de quem; e começar a pensar sobre a necessidade de uma revisão profunda do sistema de avaliação da CAPES, criado 30 anos atrás e até hoje menina dos olhos de nossos melhores pesquisadores, mas que pode estar se transformando em uma barreira à inovação, à relevância e à entrada de novos recursos públicos e privados para o financiamento de nossa pesquisa – uma grande dama semi-adormecida. Não é uma tarefa fácil, sobretudo pelos riscos à qualidade conseguida com tanto custo até aqui, mas que precisa começar a ser pensada.

O que disseram os outros: cientistas, estrangeiros, o modelo econômico e o ensino superior brasileiro

No debate de O Globo de 10 de março, chamou muito atenção a advertência feita pelo reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, ao Ministério da Educação, de que o governo não deveria deixar que os cientistas assumissem o controle das comissões de avaliação dos planos de desenvolvimento das universidades, como está sendo proposto pela Academia de Ciências e pela SBPC. Cientistas, disse ele, são bons para fazer ciência, mas não para definir as políticas de ensino superior (os termos podem não ter sido estes, mas este foi o sentido).

Me parece que, em parte, ele tem razão; os cientistas têm muita dificuldade em entender e aceitar que, nos modernos sistemas de educação superior de massas, a pesquisa ocupa um nicho importante, mas existem outras coisas, como a formação profissional, a formação geral, e a formação tecnológica, no qual eles têm pouco a contribuir diretamente; e que existem muitas instituições – na verdade a grande maioria – dedicadas exclusivamente ao ensino em suas diversas formas. A imposição de critérios científicos como única métrica para a avaliar instituições e programas de ensino leva a distorções graves, como por exemplo a dificuldade que o Brasil tem tido de criação de mestrados profissionais, e as altas taxas de reprovação de muitos cursos das universidades públicas e privadas.

O que não fica claro é quem o reitor acha que deveria exercer o poder sobre as universidades e os sistemas de avaliação, no lugar dos cientistas. Dada a história conhecida da UFRJ, parece claro que ele tenderia a preferir a “comunidade universitária”, representada pelos sindicatos de docentes, funcionários e associações de estudantes, uma perspectiva coerente com a demanda pela gerência colegiada das instituições e eleição direta dos reitores, que o projeto do Ministério da Educação acolhe. Existe hoje uma ampla literatura sobre a “profissão acadêmica” e seu papel na regulação e controle dos sistemas educacionais – que, justamente com o Estado e o Mercado, compõem o famoso “Triângulo de Clark”. Mas esta “profissão acadêmica” é algo muito complexo, e inclui desde os cientistas e pesquisadores até professores ocasionais e pessoas sem maior formação. A experiência internacional mostra que os sistemas de ensino superior mais bem sucedidos são aqueles que procuram combinar as virtudes dos três vetores deste triângulo – a vitalidade do setor privado, a regulação do governo, e os valores, conhecimento e envolvimento institucional da comunidade acadêmica, da qual os cientistas são parte integrante e fundamental, embora não única. Qualquer tentativa de concentrar o poder em um destes vértices, às expensas dos outros, gera problemas.

Das muitas coisas ditas por Gustavo Petta, presidente da UNE, destaco duas. Primeiro, sua ardorosa defesa da cláusula do projeto do governo que impede o controle de estrangeiros em instituições de ensino lucrativas. Ele vê nestas empresas uma ameaça à nossa cultura, e uma porta aberta para a liberalização do comércio de serviços educacionais que está sendo proposta por alguns países à Organização Internacional do Comércio, e que poderia destruir nossas instituições educacionais. Eu penso que o segundo perigo é remoto, porque o ponto principal destas propostas, pelo que eu entendo, seria dar às instituições estrangeiras as mesmas regras de funcionamento que são dadas às instituições nacionais. Quanto ao primeiro perigo, tudo depende de que cultura queremos – uma cultura fechada e provinciana, tipo “porque me ufano de meu Brasil”, ou uma cultura aberta às idéias, influências e conhecimentos que vêm de todas as partes. De qualquer maneira, não há de ser esta cláusula que vai impedir que pessoas brasileiras continuem indo estudar no exterior, que cursos por Internet se desenvolvam sem respeitar barreiras geográficas e regulações ministeriais, e que nossas melhores instituições de ensino e pesquisa procurem emular as melhores do mundo. Se tivermos um ensino superior público e privado de boa qualidade, empresas educacionais estrangeiras só podem ser benvindas, e não ameaçarão ninguém. Se não tivermos, aí mesmo é que elas se tornam indispensáveis.

A segunda coisa dita pelo Presidente da UNE, com a qual eu concordo, é que a atual proposta de reforma do ensino superior do MEC é incompatível com a política econômica do governo Lula, baseada até aqui no equilíbrio orçamentário, no respeito aos gastos públicos e na abertura do país aos capitais e ao fluxo internacional de conhecimentos e tecnologias.

Da apresentação de Paulo Alcântara Gomes, reitor da Universidade Castelo Branco, me parece importante recuperar a idéia de que o que deveria preocupar não é se uma instituição é pública ou privada, e sim se ela tem ou não tem qualidade. Ninguém discordou, mas não houve tempo para explorar o que isto significaria na prática, em termos de organização do financiamento da educação superior brasileira em todos os seus aspectos.

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