Claudio M. Considera: os cães ladram e a caravana passa

No texto abaixo, Cláudio Considera mostra o papel positivo da atuação do Banco Central na economia brasileira nos últimos anos:

O Brasil, como mencionou Paulo Hermany em artigo no jornal Valor Econômico (04/072007), é dos poucos países ricos em que o ultrapassado debate desenvolvimentistas x monetaristas ainda viceja. Aqueles que se dizem desenvolvimentistas (que se dizem os economistas do bem) parecem acreditar fielmente que o desejo dos monetaristas neo-liberais (ditos os economistas do mal) é atravancar o desenvolvimento econômico e o bem estar da sociedade, ao atacarem de forma contundente qualquer ameaça do retorno da inflação e preferirem o mercado ao Estado. Em particular, ao longo do governo Lula, vários economistas e boa parte de seus eleitores se dizem traídos por nada ter mudado na política econômica: nenhuma das maluquices que o nosso presidente e seu partido prometiam antes de eleitos foi praticada.   De forma mais aguda, no período recente, quando o Banco Central, frente à ameaça do aumento da taxa de inflação, retomou o aumento progressivo da taxa SELIC, vários economistas tem vociferado contra essa política.

Um dos argumentos é que se trata de um choque externo (inflação de custos) que não pode ser debelada por política monetária. Para o Banco Central, esse dito choque externo só seria propagado se a autoridade monetária tentasse acomodar essa situação através de uma política monetária frouxa. Para um Banco Central, toda inflação é inflação de demanda ou será acomodada através desta, o que deve ser evitado para prevenir contra uma espiral preços-salários. Outro argumento é que a política de juros provoca uma oferta abundante de dólares que causa uma sobrevalorização artificial do Real, prejudicando as exportações e favorecendo as importações, tornando nossa economia menos competitiva. Nosso saldo comercial tem sido superavitário ao longo de toda essa política monetária praticada e recentemente com a crise mundial parece que irá se reverter, ou, pelo menos, se reduzir, a despeito da recente desvalorização cambial. Os economistas críticos parecem ignorar lições de livro texto de macroeconomia que demonstram que além do câmbio também a renda mundial afeta nossas exportações; assim como, que além do câmbio a renda doméstica também afeta nossas importações. Em que intensidade essas forças atuam determinarão o resultado da balança comercial e da própria taxa de câmbio.

O resultado concreto da interveniência do Banco Central ao longo do governo Lula é dos mais promissores: a inflação está contida dentro das apertadas metas estabelecidas pela autoridade monetária; as reservas internacionais somam folgados 200 bilhões de dólares, graças aos recorrentes superávits comerciais; o PIB tem crescido a taxas expressivas e neste ano vinha crescendo quase em ritmo chinês; a taxa de desemprego caiu para 7%, algo não visto há muito tempo; o rendimento médio real tem crescido; e o investimento tem crescido, alcançando cerca de 20% do PIB. A única nota destoante nos fundamentos macroeconômicos é a política fiscal, com o aumento das despesas do governo, notadamente aquelas de pessoal que serão permanentes; mas, mesmo assim, não impediu que a meta de superávit primário deste ano fosse alcançada o que obviamente, só foi possível graças ao forte aumento da carga tributária no período.

Já houve quem alegasse que tais resultados iriam ocorrer de qualquer maneira e que a política monetária apenas impediu que o Brasil se aproveitasse plenamente da bonança da economia mundial com mais crescimento e emprego. Já houve quem alegasse que esses resultados são pura sorte e que derivam dos ventos favoráveis da economia mundial, embora o cenário externo favorável tenha de fato contribuído para o bom desempenho da economia no período. Entretanto, várias perguntas podem ser feitas a esse respeito. Esses resultados teriam sido possíveis caso ainda tivéssemos a bagunça fiscal da década de 80, a irresponsabilidade monetária deflagrada em 1980 e seguida durante aquela década, a intervenção econômica do Estado na economia, com controle de preços (instaurado em 1967 e só extinto em 1994) e de câmbio, e cerca de 800 empresas estatais atrasadas e ineficientes, que se tornaram verdadeiros gargalos para nossa economia? Em suma, os resultados obtidos com a perseverança da busca dos fundamentos macroeconômicos ¬¬– estabilidade monetária, responsabilidade fiscal e o livre funcionamento dos mercados, com regulação apropriada onde necessário — seriam alcançados caso fosse seguida no mundo de hoje a receita dos ditos desenvolvimentistas que foi aplicada durante a década de 80?

Antes que nos déssemos conta de que a busca dos fundamentos macroeconômicos pregados pelos ditos monetarista neo-liberais era fundamental, nos debatemos na década de 80 e início dos 90 com tentativas de retorno a um passado de intervenção estatal quando o capital internacional era abundante e as taxa de juros baixas. Passamos por um verdadeiro purgatório econômico que foi o processo de estabilização monetária, mas que trouxe muitos benefícios sociais (redução da pobreza, entre eles) e institucionais (melhoria dos cálculos empresariais e salariais). Enfrentamos 5 crises internacionais e sobrevivemos com o produto crescendo, o desemprego sendo reduzido e a inflação controlada; no período recente pudemos nos aproveitar da continuidade dessa política e alcançar taxas de crescimento do PIB mais elevadas embora moderadas.

A divulgação dos resultados do PIB do terceiro trimestre mostra que o Banco Central estava com a razão: a taxa de crescimento do PIB estava caminhando acima do produto natural (ou estrutural, ou mais simplificadamente, potencial) e isso estava acarretando um aumento da inflação. A demanda doméstica no terceiro trimestre cresceu impressionantes 9,4%, e só pode ser acomodada por um forte aumento das importações – numa tendência insustentável a médio prazo. Esta percepção obrigou o Banco Central a retomar sua política monetária contracionista, cujos resultados já se mostram na redução das taxas de crescimento dos preços. A confiança dos empresários de que os fundamentos macroeconômicos continuariam a ser perseguidos aumentou os investimentos e o emprego e a estabilidade monetária permitiu ganhos substanciais na renda real dos trabalhadores.

Com a crise econômica a taxa de crescimento do produto deve ser menor, o desemprego deve aumentar um pouco, o Real vis a vis o dólar continuará em torno do padrão atual (em torno de R$2,50/US$), ou mesmo reverter caindo algo em torno de 10%; a taxa de inflação continuará dentro da meta; deveremos ter uma redução das importações, o que permitirá manter superávit na balança comercial e algum equilíbrio em contas correntes. Ou seja, não estamos blindados, mas certamente melhor preparados para enfrentar essa crise do que já estivemos no passado, graças ao conjunto de políticas econômicas que escolhemos seguir desde 1994.

Não nos descolamos (decoupling) da crise mundial e também não teremos um crescimento autárquico associado aos países emergentes. Parece, entretanto, que conseguimos nos descolar das políticas “perfeito-idiotas” que nos levaram à falência na década de 80. Infelizmente, o mesmo não ocorreu com os nossos vizinhos Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, com a elevada possibilidade de Paraguai e Uruguai virem a eles se juntar.

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Cláudio Monteiro Considera é professor de economia da Universidade Federal Fluminense

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

3 thoughts on “Claudio M. Considera: os cães ladram e a caravana passa”

  1. Meus caros,
    Quando escrevi este artigo 12.12.2008 o IBGE havia acabado de divulgar o PIB do terceiro trimestre e os números de inflação mostravam que esta havia recuado substancialmente a ponto de ficarmos no limite da meta. Evidentemente que um dos resultados da política monetária combinada com a crise seria de redução no nível de atividade, resultado que apareceu em seguida nos números da indústria de uma forma muito mais severa do que a imaginada. Dessa forma, creio que o Bacen irá reduzir em janeiro a taxa SELIC embora não creio que o faça em valor superior a 0,75. Há vários riscos já por vocês apontados como a questão cambial. Infelizmente parece haver uma única equipe com competência para lidar com a política econômica manejando uma das manetes enquanto a outra puxa contra. Acredito que o Bacen irá reduzindo progressivamente (até quanto?) a taxa SELIC na esperança que não aumente a evasão de capitais nem que aplicadores domésticos prefiram outro destino.
    Claudio Considera

  2. Meus caros,
    Só um pequeno comentário (e aproveitando o comentário do Felipe).
    O ponto básico da discussão é a capacidade e o poder da política monetária em ambiente de forte expansão fiscal. E isto deve ser analisado em dois ambientes distintos. Por um lado, no ambiente pré-crise, a atuação do Bacen foi muito eficiente. Podemos (e devemos) criticar o mix escolhido pelo governante de plantão (expansão fiscal e restrição monetária), que é péssimo. Mas a expansão fiscal não é variável de controle do BACEN, e sim variável de estado. Poderíamos estar muito melhor com um mix mais virtuoso (restrição fiscal e expansão monetária) mas estaríamos muito pior com maior populismo por parte do Bacen (espansão fiscal e monetária).
    Entretanto, vivemos uma crise absurdamente séria. Não é só o Bacen que deve estar aterrorizado. Todos nós devemos estar assim (e, infelizmente, parece que quem controla as contas públicas federais não está). A forte expansão fiscal ocorrida até aqui limita fortemente a capacidade efetiva do governo de utilizá-la para aquecer a economia. Ao mesmo tempo, as poucas balas que restam neste sentido parecem estar sendo utilizadas de forma grotescamente erradas (forte aumento de despesas correntes permanentes). Parece claro que os investimentos públicos acabarão por se retrair (apesar de seu baixíssimo nível) em plena crise. Neste caso, o que esperar do Bacen? Ou, o que o Bacen pode fazer?
    Um grande abraço.

  3. Tendo a concordar que na atual conjuntura tem pouco que uma política expansionista no Brasil possa fazer (alem de adiar o problema). Mas o argumento de que o crescimento do PIB no terceiro trimestre prova que o Banco Central estava certo ao manter as taxas de juros altas é um pouco difícil de entender. A política econômica tem que olhar pra frente, não pra trás e, na atual conjuntura, é meio difícil pensar em demanda super-aquecida para frente.

    Na prática, acho que o problema é bem mais simples. O Banco Central está aterrorizado de o cambio desvalorizar mais e isso ter impacto inflacionário. Mais do que isso, tem medo de perder o controle caso a inflação saia da meta, por perda de credibilidade. Por isto segura os juros, no melhor estilo FMI/padrão ouro. Só que isso também é uma política arriscada numa conjuntura em que os preços de commodities estão despencando, o credito internacional está contraindo e o governo está pisando no acelerador fiscal. De forma menos extrema, não é muito diferente do que se tentou fazer em 98. Se voltar a ter pressão do cambio (o que é provável, apesar das previsões de Considera) ele vai fazer o que? Aumentar mais os juros?

    No final das contas, o que está em questão é a capacidade do Banco Central de evitar uma espiral inflacionaria caso abandone a âncora do regime de metas (mesmo que temporariamente) e como esse custo potencial se compara com o custo de contração do credito promovida pela política do BC.

    Me parece uma questão sobre a qual pessoas inteligentes podem discordar e debater.

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