Flávio Grynszpan: em defesa de nossas universidades

Escreve  Fávio Grynszpan:

Aproveito o espaço do meu amigo Simon, na sua análise do ranking internacional de Universidades e o comentário do Creso Franco, que vincula o tema com a inovação no País, para sair em defesa das nossas Universidades. Trago alguns dados para apresentar a minha visão sobre o papel das Universidades na inovação brasileira e na sua internacionalização.

Tenho estudado este tema, não pelo lado das Universidades, mas para entender a capacidade de competição de nossas empresas no mercado internacional. Do ponto de vista empresarial, a competitividade é uma variável relativa, o que quer dizer que não basta inovar, temos que inovar mais que os nossos concorrentes. Se eles inovarem mais ou mais ràpidamente do que nós, estamos ficando para trás.

Defini, nesta primeira fase, que os nossos principais concorrentes no mercado mundial serão os outros países que compõem o BRIC: Russia, China e India. Mais tarde, vou analisar um BRIC expandido. Uso, para simplificar, as patentes concedidas pelo Escritório de Patentes dos Estados Unidos ( USPTO), porque o mercado americano é ainda o foco maior de qualquer empresa. Sei que a patente não é a única forma de se medir a inovação, mas é uma variável que reflete um posicionamento empresarial de proteção à sua inovação. Ainda mais, como estou olhando o quadro comparativo, ela é importante para analisar as tendências.

 

Pelos dados acima, estamos melhores que a Rússia, mas piores que a Indica, entretanto estamos mantendo o quadro constante nos últimos anos. Mas a China, é um outro departamento. Eles não só são muito mais inovadores que nós, mas a sua velocidade de crescimento é bem superior à nossa. Muito deste crescimento se deve à Política de “Indigenous Innovation” lançada em 2006.

Das 111 patentes brasileiras concedidas em 2010, só 77 são patentes de invenção. As demais 34 são patentes de design. Para meus comentários, vou me concentrar nas patentes de inovação.

 

A contribuição das ICTs é muito significativa. Representou 27% das patentes de invenção em 2009 ( quando tivemos 55 patentes de invenção) e quase 16% das patentes de invenção em 2010.

O problema é que as empresas brasileiras pouco inovam!!!

Como a inovação é um assunto empresarial (e não acadêmico), a participação grande das ICTs nas patentes reflete esta limitação de inovação das empresas brasileiras e uma certa pressão do Governo para promover a inovação a partir dos resultados das pesquisas das ICTs (Universidades mais Institutos de Pesquisa). O quadro mostra que a Petrobrás é, de longe, a empresa brasileira mais inovadora e que, com exceção de Embraer e a Cristália, as empresas nacionais quase nada contribuem. Dentre as multinacionais, que controlam grande parte dos setores considerados de alta tecnologia (indústrias eletrônica e telecomunicações, automobilística, farmacêutica, química), só aparece o grupo Whirlpool ( que inclui a Embraco, comprada há alguns anos). As demais, ou não inovam no País, ou registram suas patentes nas suas matrizes.

Uma crítica nesta análise tem sido que as concessões de patentes não refletem o estágio atual, pois há um certo lapso de tempo entre a entrada do pedido e a concessão da patente. Então, fui analisar as patentes solicitadas em 2010.

Houve 131 pedidos de patentes do Brasil no USPTO em 2010 ( em 2009 foram 121 pedidos).De novo os destaques são:

Petrobrás – 28 pedidos ICTs – 25 pedidos ( 19%)

Whirlpool – 13 pedidos

Em seguida: Tecban ( Tecnologia Bancária) – 4 pedidos Embraer e Bunge – 3 pedidos

As demais com dois ou menos pedidos, inclusive a Cristália (com 2 pedidos). A participação importante das ICTs se mantém.

Voltando ao nosso tema, vejo que as Universidades estão muito ativas no processo de internacionalizar a nossa inovação. A concessão de patentes pelo USPTO mostra uma avaliação positiva da qualidade dos resultados das nossas pesquisas. Acho que as nossas ICTs estão fazendo bem o seu papel, mas como elas dependem das empresas, este esforço não está aparecendo.

As dificuldades que enfrentamos na transferência de tecnologia para o setor produtivo nacional, gera um movimento de criação de start-ups de alta tecnologia. Este movimento é salutar, mas precisa ser avaliado ( custo/benefício). Até hoje não temos nenhuma empresa brasileira de alta tecnologia que está listada na Nasdaq ( Israel tem mais de 60 empresas). Mas isto é uma outra discussão.

Termino dizendo que concordo a necessidade de aumentar a exposição de nossas Universidades ao mercado internacional, seja atraindo alunos estrangeiros, seja criando campus avançados no exterior ( na China, por exemplo, como estão fazendo muitas Universidades americanas e européias). Isto vai ajudar a melhorar o nosso entendimento dos outros países. Mas não concordo em atribuir à Universidade todas as nossas mazelas.

 

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

10 thoughts on “Flávio Grynszpan: em defesa de nossas universidades”

  1. Caríssimo Flávio,

    agradeço pela atenção dispensada por ti a todos nós que comentamos teu texto e ao Simon por nos proporcionar espaço para um bom e instrutivo debate. E não te preocupes: em caso de tentativa de massacre, serei o primeiro a sair em tua defesa. Li tua resposta e, tão logo me seja possível, venho aqui apresentar minhas considerações.

    Um forte abraço,

    V.

  2. Resposta ao Ivan Mora Castro

    Caro Ivan, obrigado pela sua participação,

    Como disse nos meus comentários, a participação das ICTs é significativa no total das patentes brasileiras no USPTO. Aqui vão as informações:

    Patentes concedidas em 2010: Total de 12
    UFMG, UFRJ ( inclui COPPE) e Fapesp – 2
    USP, Unicamp ( c/Bunge), (USP+Unicamp+Fapesp) , UNIFESP, UFSCar,Fiocruz – 1

    Patentes concedidas em 2009: Total de 12
    Fapesp – 4
    UFRJ( c/COPPE) – 3
    Fiocruz -2
    Embrapa, UFSC(c/Whirlpool),Fund. Regional Integrado -1

    Pedidos de Patentes em 2010:Total pedido pelas ICTs = 23
    Unicamp ( c/Bunge) – 3
    UFMG, Unicamp, Fiocruz – 2
    (Embrapa + UnB), UFSC, INT, Univ. S. Carlos, Fapesp, Fund. Zerbini, (Unicamp + Fapesp), Tecpar, UFRGS ( c/ Biolab), Assoc. Ensino R. Preto, UFBa ( c/ Petrobrás), PUC/RJ ( c/ Petrobrás), Univ. Vale Itajaí ( c/ Eurofarma), USP (c/Fundação Hemocentro de R. Preto) – 1

    Se precisar de mais dados é só pedir,

    um grande abraço,

    Flavio

  3. Sobre seu comentário de que “a existência de centros universitários de alto nível é um fator importante para fazer com que as empresas inovem mais”, eu lembraria esta reflexão de Brian Cox, físico britânico, em entrevista com Stephen Hawking ao The Guardian de 11.9.10:

    “For me, the most common misconception is that particle physics, which is the quest to understand the forces of nature and the building blocks of matter, is a luxury and has no purpose other than to satisfy our curiosity. I understand why people think this about many areas of modern science, but it is a deeply flawed view of how progress happens. The great ‘useful’ scientific discoveries – electricity, penicillin, the structure of atoms, the transistor – have rarely been a response to what governments or societies considered ‘useful’ questions, whatever that meant at the time. History shows us that simply being curious about the universe and allowing ourselves to explore is by far the best way to make discoveries that eventually change everybody’s lives.”

  4. Esta é a minha resposta ao Vinicius Portella:

    Caro Vinicius, obrigado pelos seus comentários. Vou dar a minha opinião, que é , no mínimo, controversa:

    A Universidade deve formar pessoal de alta qualidade, produzir conhecimento inovador e fazer pesquisas ao nível do estado da arte. Não creio que a formação do empreendedor deva ser uma tarefa da Universidade. Esta pode ajudar na criação de empresas, com incubadoras, parques tecnológicos, NITs para proteger a sua propriedade intelectual, transferir os resultados de pesquisa para o setor produtivo.Até dar um apoio aos start-ups que gera.

    Mas formar empreendedores é uma outra história.Há gente que diga que empreendedor não se forma. Veja o caso do Steve Jobs ( e de vários outros) que não chegaram a completar a Universidade.

    A universidade tem uma visão acadêmica e não empresarial. Por isso muitos start-ups falham porque são acadêmicos que não conseguem entender o mercado.

    Eu acho que um professor, sem experiência empresarial, sem ter nunca tirado uma nota fiscal, não vai ser produtivo em ensinar empreendedorismo. Neste caso não vale o ditado: “ quem sabe faz, quem não sabe, ensina”

    Sei que vou ser massacrado por esta opinião, mas é o que acho,

    Agradeço sua participação,

    Um grande abraço,

    Flavio

  5. Caros Simon, Renato e Bacha,

    Já respondi ao Ivan e agora respondo aos seus comentários. Peço desculpas por fazê-lo em uma única resposta, mas os assuntos estão encadeados. Vou responder ao Vinicius Portella em seguida.

    Agradeço muito às suas colocações, as quais me dão a chance de esclarecer alguns pontos:

    É claro que defendo uma Universidade de excelência, que gere um ensino de alto nível, que produza conhecimento inovador e que faça pesquisas ao nível do estado da arte. Creio que uma maioria dos professores/pesquisadores das nossas Universidades de maior expressão pensam também desta maneira. Nos meus comentários eu me referi ao papel da Universidade no processo de inovação empresarial, no qual, eu acredito, a responsabilidade maior da Universidade é formar quadros de qualidade e dar suporte ao processo de criação de start-ups de alta tecnologia. Tentei mostrar que a grande dificuldade em transferir resultado de pesquisas para as empresas é mais pelas limitações do setor produtivo do que pela ação das Universidades. Também na formação de pessoal qualificado, as empresas até agora não se interessam em absorver os nossos Doutores e Mestres.
    Entretanto, quando a empresa faz P&D e mais ainda, quando a empresa tem um Centro de Pesquisas , os resultados são positivos.Veja como a Petrobrás/Cenpes consegue aproveitar a competência nas Universidades. Eles formaram 50 redes de P&D com resultados da maior expressão. Pena que não existam outras Petrobrases. Talvez a Vale Energia se encaminhe nesta direção.
    Eu vim da Motorola, que é uma multi que faz pesquisas por aqui. Toda vez que precisaram, tiveram resposta de qualidade.

    Mas não acho que tudo vai às mil maravilhas. Existe um certo conservadorismo e arrogância de alguns setores da Universidade. Alguns pesquisadores se acham muito melhores que são. Por isso, creio, devem estar surpresos com a sua baixa classificação internacional.

    Talvez influenciado pela minha atividade empresarial, proponho, para tirar a universidade da sua “posição de conforto”, expô-la à competição internacional. Este foi o motivo que sugeri que a Universidade Brasileira se inserisse no mercado mundial em concorrência com outras Universidades. Por exemplo, competindo pelos melhores alunos, seja atraindo-os para cá, seja criando um campus avançado.

    Ou seja, Bacha, que a idéia de campus avançado não é para exportar talentos, mas para concorrer pelos talentos. Vejo que a sua proposta de competição entre pesquisadores/professores nacionais e internacionais é uma outra forma de competição, muito saudável. Concordo, também, com a sua colocação

    Meus amigos, muito obrigado por este diálogo,que o caro Simon nos posibilita

    Um grande abraço,

    Flavio

  6. Prezado Flávio,
    Por favor complete a informação sobre os pedidos de patentes oriundos de ICTs. Quais foram as instituições que solicitaram essas patentes?
    Grande abraço,
    Ivan

  7. Infelizmente, não posso me deter muito no assunto agora, tampouco pude ler o texto e os comentários com maior atenção. Todavia, não penso que as universidades brasileiras caminhem com vigor para um patamar de maior inovação e, se o façam, é a passos de tartaruga. O amigo acima dizia que a inovação se dá nas empresas e eu não tenho nada a retrucar quanto a isto. Todavia, as universidades são provedoras dos quadros que serão responsáveis pela inovação nas empresas e é aí que a porca torce o rabo, pois as universidades brasileiras estão formando gente empreendedora e inovadora em pequeníssima escala e muito abaixo das nossas necessidades. Quanto a este ponto, eu não espero muito das universidades públicas e não sei em que estágio andam as univerdades privadas. Basta olharmos, por exemplo, os interesses mobilizados contra a implantação do pólo tecnológico da UFRGS que veremos uma série de obscurantismos contrários à inovação e com poder de barrarem-na.

    Abraços!

  8. Não entendo a asserção: “Termino dizendo que concordo a necessidade de aumentar a exposição de nossas Universidades ao mercado internacional, seja atraindo alunos estrangeiros, seja criando campus avançados no exterior”. O que não entendo é que, pra mim, o problema não está na falta de exportação de talentos (campus no exterior) ou na falta de insumos importados (alunos). O problema é a falta de professores/pesquisadores altamente qualificados. Para resolver isso, o que é preciso, me parece, é abrir para a concorrência internacional os concursos para professor nas universidades federais, inclusive permitindo que, em determinadas áreas científicas, as provas possam ser feitas em língua estrangeira (com o compromisso de o candidato aprender português num prazo razoável, caso aprovado).

  9. Caros Flávio e Simon: creio que o tema é importante e muitas pessoas olham para as universidades brasileiras e apontam o dedo na questão da baixa inovação por não conhecerem a realidade dos países onde inovação ocorre em larga escala: nesses países, quase toda a inovação se realiza em empresas, o que é natural, pois é ali que se desenvolvem novos produtos. Observem que na classificação do THE, inovação responde por apenas 2,5pp do escore das universidades (está no post do Siomon), o que dá uma melhor dimensão de como inovação deve ser olhada nas universidades. Uma universidade excelente voltada para inovação, como o MIT, ou Stanford, não está melhor, no ranking, em termos gerais, do que universidades com vocação mais tradicional, como Harvard ou Oxford, pois esse não é o que realmente caracteriza uma universidade como excelente. No Brasil, podemos pensar na Unicamp e na USP, como exemplos de dois paradigmas distintos (aparentes nos escores de Inovação na tabela do Simon).

    Universidades podem ter vocações distintas, mais ou menos voltadas para inovação, mas o que as faz melhores é a qualidade do ensino e da pesquisa (que precisa qualificar o ensino), e não o tipo de pesquisa que ali se realiza, se fundamental, aplicada, ou inovadora.

    Abs, Renato (Coordenador Vestibular, Unicamp)

  10. A contribuição de Flávio é importante, eu só lembraria que a existência de centros universitários de alto nível é um fator importante para fazer com que as empresas inovem mais.

    Concordo com a conclusão geral de que não se deve “atribuir á Universidade todas nossas mazelas”. Mas podero que não existe “A Universidade”, e sim muitas instituições de vários tipos, e já seria ótimo se todas assumissem a responsabilidade pelas mazelas que lhes são próprias.

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