Das diversas questões que levantei a respeito da situação do IUPERJ, a que provocou maiores reações foi a sugestão de que o Instituto deveria cobrar mensalidades de seus alunos. Eu não conheço os atuais alunos do Instituto, me dizem, não são mais de elite como antigamente (como se os de antigamente o fossem), e a maioria deles não poderia pagar os 500 reais por mês que eu havia sugerido como hipótese.
De fato não tenho informações sobre as condições econômicas dos alunos do Instituto, que serão, provavelmente, piores do que a dos que fazem cursos de pós-graduação em economia e administração em algumas instituições privadas mais prestigiadas, mas provavelmente não muito diferentes da dos alunos de pós-graduação das universidades públicas.
De uma maneira geral, os dados da PNAD 2008 mostram que quase metade dos estudantes dos cursos de pós-graduação no Brasil, tanto no setor público quanto privado, fazem parte de uma pequena minoria que tem uma renda familiar de dois mil reais ou mais por pessoa, ou 8 mil ou mais para uma familia típica de 4 pessoas, muito acima da renda dos estudantes dos cursos de graduação, e infinitamente maior do que a dos estudantes de nível médio e básico. Mais ainda, entre os já formados, a percentagem que está neste nível mais alto de renda passa de 44,4 para 63.5%. Será que estas pessoas não podem pagar seus estudos, ou assumir um compromisso e contrair um crédito para pagar quando estiverem estabelecidas em suas profissões?
Todos os que defendem a cobrança de mensalidades no ensino superior e de pós-graduação sempre dizem também que esta cobrança deve estar associada a um sistema de bolsas ou de crédito educativo que permita que as pessoas que não possam pagar agora não deixem de estudar, se tiverem condições intelectuais e motivação para isto. O fato de que isto geralmente não seja considerado por quem se opõe tão veementemente à cobrança me faz pensar que o verdadeiro problema não é de recursos, mas de princípios: estas pessoas acham que têm direito de receber estes benefícios de graça, e que as instituições não deveriam se pautar por questões de dinheiro, porque isto as tornaria parecidas com empresas. Eu penso, ao contrário, que as pessoas devem ter, por princípio, obrigação de pagar pelos benefícios que recebem, e que instituições de ensino, sobretudo as que recebem ou pretendem receber subsídios públicos, precisam saber dizer com clareza quanto custam por aluno, e poder demonstrar que estes custos se justificam pelos resultados obtidos.
Os defensores do ensino gratuito na pós frequentemente levantam questionamentos da difícil vida brasileira, e de não teriam condições de arcar com seus estudos. Na realidade, vejo que os pós-graduandos consideram sua posição como um “emprego temporário” onde trabalham e devem receber por isso, enquanto na realidade deveriam reconhecer que estão buscando uma formação mais qualificada a qual irá alavancar suas chances no mercado de trabalho ou acadêmico. Dessa forma, como feito nas melhores Universidades do mundo, esse ensino deveria ser pago pelas razões claramente explicadas.
Caros Simon e todos os que escreveram antes,
Muito pertinente esta discussão. Mas gostaria de adicionar mais alguns fatos. Os números utilizados por Carlos Mauricia Mirandola são bastante irreais, tanto para mais como para menos, por vários motivos. Em primeiro lugar porque nem todo aluno que cursa graduação na USP cursa também mestrado e doutorado. Não conheço a porcentagem dos que permanecem cerca de 10 anos na USP, mas deve ser uma minoria. De certa maneira, isso só piora o quadro. Porém, o buraco é mais embaixo. Uma porcentagem significativa dos estudantes de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) RECEBEM bolsas de estudo de iniciação científica (cerca de R$ 400,00/mês), mestrado (cerca de R$ 1.300,00/mês) e doutorado (cerca de R$ 2.000,00/mês). Ou seja, além de não pagarem um centavo pelo seu direito de estudar na melhor universidade de ensino público e gratuito, ainda recebem para isso.
É ou não uma aberração de princípios?
Porém, o mais grave: um possível debate sobre a POSSIBILIDADE de se pagar o ensino superior público é, ainda que não oficialmente, PROIBIDO dentro das universidades estaduais paulistas (USP, UNESP e UNICAMP). Se tal tema for sequer cogitado em qualquer âmbito institucional, aquele que levanta a HIPÓTESE de discutir tal assunto será peremptoriamente crucificado, tanto por colegas como pela enorme maioria dos alunos. Ninguém vai querer assumir tal ônus.
cordialmente,
Roberto G. S. Berlinck
Professor Associado
Instituto de Química de São Carlos
Universidade de São Paulo
Caro Simón:
Concuerdo plenamente con tu propuesta. Pedir que aquellos que puedan, paguen, no va encontra de la educación pública y gratuita.
Jorge Werthein
Simon, permita-me duas objeções e um questionamento:
Se é verdade que quase metade dos pós-graduandos brasileiros (44,4%) pertence a uma minoria de muitos recursos, é uma verdade igual e oposta que isso não ocorre com mais da metade (55,6%); ou seja, a maioria dos estudantes de pós-graduação não é de uma elite economicamente privilegiada. Considerando isso e considerando que, mesmo depois de formados, quase 40% desses estudantes tem uma renda familiar per capita menor que dois mil reais, devolvo sua pergunta: será que os pós-graduandos brasileiros – e os do IUPERJ especificamente – poderiam comprometer, no mínimo, 1/4 de seus ganhos mensais com formação profissional, fora os custos de livros, viagens, congressos, etc.?
Digamos, para argumentar, que isso seja possível não só para a parcela minoritária que você considerou, mas também para a maioria dos pós-graduandos. Segundo seus argumentos, além da possibilidade de pagar, eles teriam, por uma questão de princípios, também o dever “de pagar pelos benefícios que recebem”. Ora, os tais “benefícios” consistem em investimentos em ciência. Investe-se em ciência porque, supõe-se, ela gera retornos capazes de compensar o investimento. O modo concreto pelo qual se dá (ou não) essa compensação é a produção científica. Esta, por sua vez, é feita pelos pesquisadores dos programas de pós-graduação (professores e pós-graduandos). Portanto, os estudantes já pagam mediante produção científica pelos “benefícios” recebidos e isso não tem nada a ver com mensalidades.
No entanto, concordo que a questão de fundo é uma questão de princípios. Se é tão evidente que uma eventual contribuição estudantil não pode substituir investimentos em pesquisa, por que insistir tanto nesse ponto? Alguém poderia dizer que, se o pagamento de mensalidades não substitui investimentos, ao menos os complementa e que pouca contribuição é mais do que nenhuma contribuição. Nesse caso, eu pediria para que contasse nessa conta também os custos: para uma parcela dos estudantes, digamos até que seja minoritária, pagar uma mensalidade, seja com o financiamento que for, é simplesmente impeditivo. Pergunto: a pequena contribuição relativa que uma taxa estudantil teria nos orçamentos das instituições de pós-graduação pagaria a pena de eliminar, para uma parcela importante da sociedade, qualquer chance de cursar uma pós-graduação?
Carlos Pio,
Se é um “fato elementar” que a demanda por pós-graduação é sempre elitista, suspeito que os dados da PNAD estejam errados. Mas ficando apenas com as elementaridades, faria sentido que os egressos dos programas de pós-graduação contribuíssem para compensar, parcialmente ou totalmente, os investimentos feitos neles? Sem dúvida! São muitos os modos de avaliação da produção científica e todos podem e devem ser usados para avaliar sua qualidade. Pois, e isso é ainda mais elementar, investimento em ciência se paga com produção científica de qualidade.
Angela,
Talvez seja você a generalizar sua experiência com o mundo jurídico. Mas, voltando ao assunto, um desafio: Há países com desigualdade de renda semelhante à nossa, “com carga tributária pesadíssima” e no qual os estudantes paguem para permanecer nos melhores programas de pós-graduação?
Carlos Mirandola,
Cálculos interessantes. Vamos continuar… A USP tem um orçamento anual de quase três bilhões de reais, com aproximadamente cinqüenta e seis mil alunos, o que dá mais ou menos cinqüenta mil reais anuais por aluno. Supondo que cada aluno pagasse, em média, quinhentos reais por mês, teríamos aproximadamente trezentos e trinta e seis milhões de reais anuais, isto é, cerca de 11,2% do orçamento da USP. Significa que para que a USP continue tendo o orçamento que tem e, assim, mantenha seus níveis de qualidade, quase 90% do que você chamou de bolsa do seleto grupo de alunos da USP terá que continuar sendo paga pelo Estado. Resumo: cobrança de taxas não é capaz de substituir investimento em ciência. Para tratar da real questão, sugiro o seguinte cálculo que não sei como fazer: quanto a produção dos pós-graduandos da USP rende anualmente para a sociedade? Tenho o palpite de que a “bolsa” se paga com sobra…
Dois comentarios sobre isto.
Primeiro, ninguem disse que anuidades de alunos seriam suficientes para pagar os custos de universidades e de pesquisa. O que tem sido dito é que os estudantes que podem pagar devem fazê-lo, por um princípio de justiça e também porque os recursos que podem aportar, apesar de não serem suficientes, são significativos.
O segundo ponto, talvez mais importante, tomando exemplo da USP: está bem que ela custe três bilhões de reais aos contribuintes? Ou esta é uma pergunta que não se pode fazer? Se ela tivesse que assumir a responsabilidade pelo que custa, ao invés de viver de uma percentagem fixa dos impostos estaduais, ela teria que cortar gorduras, estabelecer prioridades, e com isto, muito provavelmente se tornar melhor do que é. O mesmo vale para os estudantes, que teriam que decidir se vale ou não a pena investir dinheiro e dedicação a seus estudos.
De novo, então, uma questão de princípios.
Prezado Diogo,
Peço vênia para discordar completamente de você. Existem várias imprecisões na sua análise. Só para ficar com a mais perigosa: você confunde (não sei se propositadamente) público com gratuito. Universidade pública não é gratuita. O que acontece é que a mensalidade não sai do bolso do estudante.
Fazendo uma conta rápida e usando uma universidade que é séria e produtiva – além de mais transparente porque divulga dados. O orçamento anual da melhor universidade pública do Brasil (a USP) é R$2.898.991.303,17 – quase três bilhões de reais. A USP tem 55.868 alunos. Isso quer dizer que cada aluno da USP ganha uma bolsa de estudos de R$51.890,014, bolsa essa paga pela população de São Paulo. Por ano. Em 5 anos, o aluno custa para o paulistano R$259.450,07. Contando que ele conclua mestrado e doutorado em mais 5 anos (raridade), esse aluno terá recebido uma bolsa de mais de meio milhão de reais.
Tem mais: considerando que a relação aluno/tempo do professor para pós-graduação é provavelmente mais baixa (professores se dedicam mais aos alunos da pós-graduação, até porque eles são menos numerosos), um aluno de pós provavelmente custa mais do que isso. Sem falar que recebem bolsas de pesquisa. Se eu disser que, ajustando por PPP (paridade de poder de compra) isso é quase o valor da tuition de Columbia e Harvard, você me acredita?
Mais: isso é transferência de renda direta, no strings attached. Em outras palavras, o graduando de universidade pública acaba os estudos com uma vantagem de mais de meio milhão de reais sobre qualquer outro cidadão que teve que tirar do próprio bolso para estudar.
Um dos méritos das propostas do Simon é justamente colocar um peso um pouco maior sobre as costas do beneficiário desse “presente”.
Note que não faço nenhuma observação quanto à qualidade, ou sobre “privatização”. Público/privado é uma questão de controle – se é o estado e a sociedade que controlam, ou se é um grupo privado, uma empresa, que tem as rédeas. O que eu estou dizendo é que, mesmo pública, a universidade tem que tirar o dinheiro de algum lugar.
Acho que essa conta está um pouco desequilibrada, e ao menos parte dela deveria ser paga diretamente pelo beneficiário direto, sim. Existem diversos modos para que isso aconteça. Mensalidade implica que o aluno trabalhe enquanto estude ou trabalhe antes de estudar. Ou que os pais dele trabalhem por ele (transferência inter-geracional privada). Muitas famílias não podem abrir mão do dinheiro presente. Entendo esse argumento. Mas diversas outras podem. Para as que não podem, tem financiamento. Financiamento significa que o aluno abre mão de um pouco da renda futura para financiar o presente. É transferência inter-temporal privada.
Mensalidade e financiamento, portanto, são formas de fazer com que a bolsa diminua, mas a universidade continue ganhando o quanto ela necessita. Não implica privatização – a universidade pública (controlada pela socidade, independente) pode muito bem cobrar mensalidades. Aliás, no sistema atual a universidade já cobra. Só que não do estudante, e, sim, de toda a população.
Em sociedade democrática, governos representam a maioria da população. Quando o governo diz que não pode mais financiar o estudante, mas quer que a universidade continue pública, é provável que isso reflita o fato de que a sociedade cansou de dar de presente uma bolsa de R$50.000,00 todo ano para o seleto grupo de alunos da USP. Não que desistiu de controlar a universidade. É só isso. Nada pessoal.
Pode até ser que ela tope dar um presente menor se você conversar com ela. Mas você tem que coçar o seu bolso um pouco. Hoje ou amanhã.
Cordialmente,
Carlos Mauricio Mirandola
*vide http://sistemas3.usp.br/anuario/info_orcamento.htm
Diogo,
Com licença, um pouco mais de respeito com o “pouco pensante mundo jurídico”. Se você não gostou de sua experiência na Uerj, isso é uma opinião sua, não vale generalizar.
Caroline,
Em muitos países do mundo nos quais paga-se por cursos de pós graduação também há cargas tributárias pesadíssimas, de 3 a 4 meses por ano para o contribuinte pessoa física.
Simon,
Como você sabe, trabalho desde que me entendo por gente para poder bancar sozinha uma pós graduação decente. Não me arrependo e faria tudo de novo.
Professor,
As suas idéias sempre me fazem refletir. Contudo, não consigo chegar à uma outra conclusão daquela pensada por mim anteriormente.
Meu pai, que sempre trabalhou muito, trabalha 4 meses todo ano para o governo, e mesmo assim, excetuando o Ensino Médio, cursado por mim numa Escola Normal,sempre arcou com mihas despesas educacionais. O que considero pagar dobrado, já que o valor pago nesses 4 meses deveria cobrir os meus gastos e de todos os brasileiros em relação à saúde e à educação. A proposta é essa.
Assim, professor, as idéias abordadas pelo senhor podem até fazer sentido: num outro contexto, numa outra realidade que não a brasileira.
” É bem possível que a gratuidade no ensino da pós-graduação em instituições como o Iuperj – e portanto sua abertura a um universo maior de alunos – seja um fator diferencial em relação aos trabalhos sofríveis elaborados no âmbito elitista da formação fast-food de áreas como a administração ou a economia.
Não foi este o passado, nem é o presente e por certo jamais será o futuro do Iuperj.”
Assim também espero.
Cordialmente
Caroline Falco
Este debate é fundamental para a escolha de boas políticas sociais!
Como se pode depreender dos argumentos dos alunos do IUPERJ que escreveram para o Simon, nossos sociólogos e cientistas políticos desconsideram os seguintes fatos elementares: (i) o orçamento social é restrito; (ii) qualquer gasto governamental, além do custo nominal, tem um custo de oportunidade (o que deixa de ser feito com o dinheiro usado para um determinado fim) e um efeito multiplicador (dinâmico) porque quem recebeu o dinheiro o utiliza para determinado fim e que não o recebeu deixa de gastá-lo de determinada maneira; (iii) a demanda por pós-graduação é sempre elitista, ainda mais num país em que apenas 45% da população termina o segundo grau; (iv) cada ano de escolaridade representa claro acréscimo sobre a renda do que o realiza, de modo que faz sentido que o receptor contribua com parte de sua renda presente ou futura para arcar com uma parte ou mesmo com a totalidade do investimento feito nele com recursos do orçamento.
Simon,
Respeito sua trajetória, sua contribuição científica e especialmente seu ponto de vista. Contudo, discordo da sua opinião e não considero que a privatização do ensino, em nenhuma de suas esferas, constitua uma “saída” ou um “exemplo” a ser seguido.
Por toda minha vida, do jardim de infância ao doutorado, gozei do ensino gratuito, sem o qual jamais poderia ter avançado. Passei por escolas municipais em Irajá, bairro onde residi por toda minha vida, fiz curso técnico em um colégio estadual situado em Jardim América, me graduei em direito na Uerj e, fugindo do pouco pensante mundo jurídico, fui acolhido pelo Iuperj, onde concluí o mestrado e logo defenderei minha tese.
Não tive e ainda hoje não teria condições de pagar pelo meu estudo e fico pensando, dada a fragilidade do mundo do trabalho na nossa área, o que seria de mim se agora, ao final do doutorado, tivesse que quitar uma dívida contraída para finaciar minha pós-graduação.
Tenho certeza de que quando você sugere esta nova dinâmica de mensalidades ou anuidades, sua sugestão não remete exatamente a uma idéia elitista, pois acredito que do seu ponto de vista é uma forma de driblar situações desagradáveis como a que vem passando o Iuperj neste momento. Porém, dado o perfil de muitos alunos da instutição, dentre os quais eu me incluo, tal proposta assume um viés perigoso, especialmente quando o ensino no Brasil carece de um impulso mais democrático.
Por certo as ciências sociais têm, entre os seus alunos, uma inegável parcela aristocrática, muito comum, inclusive, na sua geração de estudantes. Entretanto, diferente desse perfil passado das ciências sociais, e do perfil presente da administração, da economia e do direito, boa parte dos alunos desse curso tem uma origem menos privilegiada e acredito que sua proposta, nesse sentido, é totalmente equivocada.
É bem possível que a gratuidade no ensino da pós-graduação em instituições como o Iuperj – e portanto sua abertura a um universo maior de alunos – seja um fator diferencial em relação aos trabalhos sofríveis elaborados no âmbito elitista da formação fast-food de áreas como a administração ou a economia.
Não foi este o passado, nem é o presente e por certo jamais será o futuro do Iuperj.
Assim espero.
Cordialmente,
Diogo Lyra.