Romulo Pinheiro: universidades nacionais e regionais na Noruega

Rômulo Pinheiro é  professor e pesquisador de origem portuguesa que trabalha na Noruega, e tem se debruçado sobre o tema das universidades regionais.  Ele é autor, entre outras publicações, de  Universities and Regional Development – A Critical Assessment of Tensions and Contradictions, publicado em 2012.  Sobre a questão das universidades regionais  brasileiras que perdem ou reduzem seus vínculos locais quando nacionalizam seu público e seus temas de pesquisa, ele mostra que o problema não é só nosso:

O mesmo se tem passado na Noruega, onde estudantes de regiões mais ricas, e muitos de agregados familiares mais abastados (rendimento & educação), ocupam vagas, especialmente na área de medicina (pois existem poucas vagas a nível nacional), nas universidades de caráter mais regional; embora estas não sejam de caráter local -pois essas não tem cursos de medicina – mas nacional e global. Um problema que tem emergindo refere-se ao fato de muitos desses estudantes, especialmente médicos, por uma razão ou outra (falta de trabalho ou necessidade de ir para hospitais mais centrais onde se pratica as áreas mais prestigiadas da profissão), acabam por abandonar as regiões onde estudaram. Por exemplo, em Tromso, no norte da Noruega, somente cerca 10% dos médicos acabam por ficar na região, especialmente os que originam de outras áreas do pais – Bergen, Oslo, Trondheim, etc. O reverso também existe, i.e. estudantes das áreas mais periféricas que estudam nas universidades mas centrais, e muitos nunca voltam aos seus locais de origem.

Em relação ao balanço entre as funções locais e nacionais/globais, o debate continua, e recentemente publiquei um artigo no Tertiary Education & Management no contexto do sul da Noruega, e os dilemas da universidade local. Existe um consenso de que as universidades, especialmente aquelas de caráter compreensivo e com uma cultura institucionalizada de pesquisa, simultaneamente tem um papel local/regional, nacional e global. Como essas funções são abordadas em pratica difere de contexto para contexto. Por exemplo, em Tromsø, onde fiz trabalho de campo recentemente, existem 3 tipos de acadêmicos e grupos de pesquisa: os de caráter mais locais (‘localists’), envolvidos em atividades de caráter mais local; os ‘globalists’, que estão mais virados para as atividades de excelência de caráter internacional; e o um terceiro grupo, que eu refiro como “entrepeneurs” que estabelecem ligações (links) entre os aspetos locais (e.g. características regionais) e globais (scientific excellence). Um exemplo é a medicina comunitária, onde estes grupos de pesquisa especializaram-se em áreas de interesse local (e.g. doenças cardiovasculares) e, no processo, desenvolveram competências únicas que ajudam a universidade a projetar-se internacionalmente. Em termos de “enrollments”, algumas universidades, como Tromso, estabeleceram cotas em áreas estratégicas (e.g. educação, odontologia, etc.), reservadas para estudantes locais, no entuito de contribuir para o desenvolvimento regional. Muitas universidades de caráter mais regional tem como objetivo recrutar cerca de 70% dos seus estudantes localmente (da região), mas devido a pressões demográficas (população de estudantes a declinar depois de 2015, todas as regiões fora de Oslo), muitas estão ativas no recrutamento de estudantes fora da região, incluindo os internacionais (mestrado e doutorado).

Transferência de renda: O fim da pobreza?

Convite-Transferência-de-Renda-no-BrasilEste é o título do novo livro de Sônia Rocha, que conta a história das políticas de transferência de renda no Brasil, desde  a aposentadoria rural nos anos 70 e 80 até o Bolsa Família atual, passando pelas experiências do Bolsa Escola em diferentes estados nos anos 90. Ao final, Sonia pergunta se, de fato, as transferências de renda significam o fim da pobreza no Brasil.

O lançamento do livro está marcado para o dia 6 de junho às 19 hs na Livraria da Travessa, Rua Visconde de Pirajá 572, Ipanema, Rio de Janeiro.

Universidades: nacionais, regionais?

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Dados do Censo do Ensino Superior 2011

Dados publicados recentemente pelo Ministério da Educação, e analisados em matéria do jornal O Globo, mostraram que São Paulo é o Estado que mais envia candidatos selecionados pelo sistema unificado de seleção (SISU, baseado no ENEM) para outras regiões do país.  Os dados mostram também que a área de medicina é a aquela em que mais estudantes migram de estado, 46%, o triplo da média geral (O Globo  17 e  25/5/2013).

 Interpretei isto como podendo significar que, ao invés de facilitar a mobilidade de estudantes de regiões mais pobres para outras mais desenvolvidas, tornando o ensino superior mais equânime deste ponto de vista, o SISU poderia estar tendo o efeito oposto, ao permitir que estudantes do Estado mais rico ocupassem as vagas nas universidades regionais, reduzindo assim as oportunidades de estudo da população local.

Esta conjectura levantou uma série de questões que precisam ser mais aprofundadas, algumas das quais estão analisadas em texto disponível  aqui.

Primeiro, qual é ou deveria a função das universidades públicas e, mais especificamente, das universidades federais?  Elas devem ser entendidas como instituições nacionais ou mesmo globais, abertas a estudantes de todas as origens e desenvolvendo trabalhos de pesquisa de valor universal, e neste sentido sua localização geográfica não seria relevante? Ou elas deveriam ser entendidas como instituições voltadas, pelo menos em parte, a atender às demandas de acesso à educação da população local, assim como realizar pesquisas e atividade de extensão de relevância também local ou regional?

A análise sugere que, embora o sistema de seleção unificada do SISU possa estar contribuindo para nacionalizar em certa medida as universidades federais, isto não chega a alterar o fato de que as instituições de ensino superior brasileiras sejam predominantemente locais, do ponto de vista da mobilidade dos estudantes, que é o que estes dados permitem ver. Existem diferenças em relação aos estados menores e de fronteira, que recebem e enviam mais estudantes para outras partes, e também por áreas de conhecimento, com destaque para a área de medicina e odontologia, que tende a operar em um marco mais nacional na seleção dos estudantes, em prejuízo dos estudantes de origem local.

Seriam necessários dados sobre pesquisas, atividades de extensão e emprego dos alunos formados para saber se, além de atender predominantemente à população local, as instituições de ensino superior estão atendendo de outras formas as necessidades e temas regionais, e contribuindo ou não para fixar os estudantes nos locais em que se formam. É possível supor que, além do SISU, outros mecanismos estão atuando para nacionalizar as instituições de ensino superior, incluindo as avaliações do ENADE, idênticas para todo o país, e, no setor privado, a crescente integração das instituições em conglomerados que buscam padronizar os cursos que proporcionam e, assim, ganhar economias de escala.

É um processo que ocorreu também no setor das comunicações, em que os jornais, rádios e estações de TV se integraram a redes nacionais, assim como na área financeira, com os grandes bancos nacionais que absorveram e substituíram os bancos locais, e assim por diante. É um processo inevitável, mas que não elimina o fato de que as pessoas, na sua grande maioria, vivem e permanecem nos locais em que nascem. A pergunta que fica é se, neste processo, a vida local não se esvazia, a capacidade de lidar com as questões do quotidiano, que são também em grande parte locais, se reduz, e se as instituições de ensino superior não deveriam ter alguma responsabilidade em lidar com isto.

ENEM – SISU: Democratização do Ensino Superior?

 

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Globo Educação, 17/5/2013

Uma das principais justificativas para transformar o antigo ENEM em exame nacional de acesso ao ensino superior foi que, ao eliminar ou reduzir a importância dos vestibulares isolados, o acesso ao ensino superior ficaria mais democratizado, já que os estudantes das regiões mais pobres poderiam agora entrar nas melhores universidades nas regiões mais ricas.

No entanto, os dados das matrículas do SISU, publicados pelo Ministério da Educação e objeto de matéria d e hoje, 17 de maio de 2013, no O Globo Educação,  mostram que pode estar ocorrendo exatamente o oposto: não são os estudantes dos Estados mais pobres que estão chegando aos mais ricos, e sim os do Estado mais rico, São Paulo, que estão ocupando as vagas nos estados que antes eram ocupadas pela população local.

A explicação é simples.  Como o Estado mais populoso e rico do país,  São Paulo forma um grande número de jovens com boa qualificação, mas que apesar disto não conseguem vagas nas universidades públicas do Estado, que são relativamente poucas em relação ao tamanho da população. Eles podem, no entanto, competir com vantagem pelas vagas das universidades de outros Estados, ocupando assim o lugar de estudantes locais. Com isto, as universidades federais nos demais estados podem estar recebendo alunos mais qualificados, mas, ao mesmo tempo, reduzindo seu papel de instituições locais ou regionais, que deveriam, em principio, atender com prioridade à população dos lugares em que estão instaladas.

São Paulo precisa aumentar a oferta de educação superior para sua população, mas isto dificilmente alteraria esta tendência. Em termos gerais, a existência de um exame nacional unificado favorece os estudantes mais qualificados, que normalmente vêm de famílias de regiões mais ricas e níveis sociais mais altos, e que por isto passam para seus filhos um capital cultural e oportunidades de estudo  menos acessíveis a famílias mais pobres e em regiões também mais pobres. É desejável que algumas instituições universitárias trabalhem com critérios estritos de mérito para selecionar seus estudantes, venham de onde vier, a exemplo do ITA e, em certa medida, da UNICAMP, que sempre buscaram recrutar seus alunos em todo o país.  Mas o sistema de ensino superior como um todo precisa considerar também a diversidade regional e social da população do país e criar oportunidades diferenciadas para os diferentes setores. A lei de cotas adotada pelo governo federal não é a melhor maneira de fazer isto, mas não deixa de ser um reconhecimento desta necessidade.  O ENEM e o SISU trabalham em sentido contrário.

 

 

Ensino, Formação Profissional e a Questão da Mão de Obra


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Por solicitação do Instituto Teotônio Vilela, o IETS realizou um estudo, coordenado por mim e Cláudio de Moura Castro, sobre o tema do ensino médio e da formação profissional, visto tanto do ponto de vista do sistema educativo quanto do mercado de trabalho, cujo sumário pode ser lido abaixo. O texto completo está disponível aqui.

Sumário

O Brasil entra em 2013 com desemprego extremamente baixo, mas com uma economia que parece ter exaurido o dinamismo da década anterior. A explicação para este aparente paradoxo é que a maioria dos empregos que existem são no setor de serviços e de baixa qualificação, e os estudiosos que têm analisado a evolução da economia brasileira nos últimos coincidem em que a produtividade do trabalhador brasileiro é muito baixa, e praticamente não tem aumentado nos últimos anos.

Existem evidências de que falta mão de obra qualificada em vários setores da economia, sobretudo em atividades de qualificação técnica intermediária, gerando uma demanda que está sendo atendida, em parte, pelo setor privado. No entanto, o maior problema é a possibilidade de que a economia brasileira esteja se acomodando, de maneira geral, a um padrão de baixa qualificação de mão de obra e baixa produtividade que não tem como se resolver pela simples pressão das demandas do mercado de trabalho sobre o sistema educativo.

A experiência de países que conseguiram sair do círculo vicioso de baixa produtividade e baixa qualificação é que isto só pode ser atingido por políticas educacionais que lidem de forma decisiva com os problemas da qualidade da educação, que começam no nível pré-escolar e vão até o nível do ensino superior e da pós-graduação. Existe hoje, no Brasil, consciência crescente desta necessidade, e progressos importantes podem ser observados em vários setores. No entanto, existe um gargalo especialmente severo no ensino médio, que afeta tanto a qualidade da educação brasileira de uma maneira geral quanto, especificamente, o desenvolvimento de um sistema moderno e eficiente de formação profissional. Este gargalo pode ser observado por diferentes indicadores, como as taxas de abandono no ensino médio e os níveis extremamente baixos de desempenho dos estudantes que se formam. O outro indicador preocupante é o número extremamente baixo de estudantes que optam por obter uma qualificação profissional de nível médio.

Além dos problemas gerais da educação brasileira, como a má qualificação de professores, as limitações de recursos e a desorganização e burocratização da maioria as redes de ensino estaduais e municipais, o ensino médio padece de um problema específico, que é o formato curricular que exige que todos os alunos estudem um número excessivo de matérias sem possibilidades de escolha, e que não contempla a possibilidade de que os estudantes possam optar por uma formação de tipo mais profissional, a não ser cumprindo também todo o currículo médio tradicional. O Brasil é possivelmente o único país no mundo que que não permite escolhas na formação de nível médio, e que requer dos que buscam uma formação profissional um currículo escolar mais extenso do que o dos que seguem o curso tradicional. O Exame Nacional de Ensino Médio, ENEM, como exame único, reforça esta rigidez do ensino médio brasileiro.

O Brasil tem uma longa tradição de ensino profissional, sobretudo através do SENAI, e também nas escolas técnicas e profissionais privadas e públicas, entre estas, sobretudo, os antigos Centros Federais de Educação Tecnológica e o sistema Paula Souza do Estado de São Paulo. O Brasil também tem tido também muitas experiências fracassadas de formação profissional, tentados seja por iniciativa do Ministério da Educação ou por iniciativa do Ministério do Trabalho. A experiência brasileira, corroborada pela experiência internacional, é que a formação profissional de qualidade ocorre quando é feita em parceria com o setor produtivo, e corre o risco de se perder quando feita de forma isolada.

Nos últimos anos o Governo Federal tem desenvolvido um ambicioso programa de formação profissional, o PRONATEC, que tem como principal base de apoio os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia que resultaram da elevação dos antigos CEFETs ao nível universitário. O curto tempo de existência deste programa não permite que ele seja avaliado, mas os dados financeiros e as linhas de atuação anunciadas mostram que se trata, ao mesmo tempo, de um programa extremamente ambicioso e sujeito a dificuldades futuras. Estas dificuldades podem decorrer de diversos fatores, incluindo a barreira que o atual formato do ensino médio impõe à formação profissional neste nível: o crescimento precipitado da oferta de cursos sem um diagnóstico adequado das experiências passadas; a falta de uma avaliação empírica das necessidades do mercado de trabalho; a falta de uma articulação mais sistemática do ensino profissional com o setor produtivo, com exceção do SENAI; e sua dependência em relação à rede dos novos Institutos Federais cuja qualidade e aptidão para as novas tarefas que lhes estão sendo atribuídas podem não ser adequados.

A principal recomendação que decorre desta análise é que o ensino médio brasileiro precisa ser reformulado urgentemente, abrindo espaço para que os alunos possam fazer escolhas e optar pela formação profissional, sem a obrigação de cumprir com todos os requisitos curriculares atualmente em vigor. Isto vai requerer, também, que o ENEM atual seja revisto, abrindo espaço para um leque amplo de certificações de conclusão da educação média, incluindo as de tipo profissional. Isto é necessário não somente para atender às demandas do mercado de trabalho, como também para proporcionar possibilidades reais e valiosas de estudo para muitos jovens que hoje se vêm alijados do sistema educativo.

A segunda recomendação é que a necessária expansão do ensino técnico e profissional seja feita tomando em conta e apoiando as experiências já existentes no país, incluindo a do Centro Paula Souza e de outros estados, assim como a do setor privado. A terceira é que o setor produtivo seja estimulado a participar mais diretamente do ensino técnico e profissional em todos os níveis, proporcionando treinamentos e estágios, ajudando a desenhar programas de estudo, proporcionando equipamentos e disponibilizando seus técnicos para que atuem como professores, orientadores e monitores em suas áreas de experiência profissional.

Como garantir que todos os alunos brasileiros tenham um bom professor todos os dias na sala de aula?

Transcrevo o anúncio de um edital de apoio à pesquisas em educação  da Fundação Lemman e Itaú BBA:

A Fundação Lemann e o Itaú BBA estão lançando novo edital de pesquisas para fomentar estudos de qualidade, que possam embasar políticas e projetos em educação. Os projetos submetidos devem responder ou trazer elementos que ajudem a responder a pergunta: “Como garantir que todos os alunos brasileiros tenham um bom professor todos os dias na sala de aula?“.

A iniciativa do edital nasce da constatação de que embora sejam feitos cada vez mais estudos sobre políticas educacionais, são raras as pesquisas que se destacam tanto pelo uso de metodologias rigorosas como pela compreensão aprofundada da realidade educacional. Também é possível identificar espaço para pesquisas mais inovadoras, que discutam desafios já conhecidos da educação sob novas perspectivas.

Nesse contexto, os projetos financiados pelo Edital deverão combinar alto rigor metodológico e aplicabilidade prática, resultando em pesquisas com conclusões e orientações de política que se atentem à realidade institucional, aos desafios, riscos e oportunidades de implementação.

Para selecionar as pesquisas e definir as diretrizes do edital, a Fundação Lemann e o Itaú BBA montaram uma Comissão Julgadora de altíssimo nível, composto por profissionais de perfis diversos: David Plank, Joane Vilela, Marcos Rangel, Paula Louzano, Priscila Cruz, Regina Scarpa, Reynaldo Fernandes e Ruben Klein.

A Fundação Lemann e o Itaú BBA disponibilizarão o valor total de R$1 milhão para financiar de dois a cinco projetos, a depender das propostas recebidas, de acordo com os requisitos e critérios previstos do edital. Leia o regulamento completo do edital aqui .

Para orientar os projetos, são sugeridas as seguintes linhas de pesquisa:

•             Carreira Docente: legislação, formação inicial, formação em serviço, formação continuada, estágio probatório, certificação, remuneração, absenteísmo docente e rotatividade;

•             Condições de trabalho e clima escolar: carga horária docente, absenteísmo discente, violência nas escolas, funções do professor substituto, gestão escolar, inter-relações entre a equipe escolar, currículo, soluções inovadoras que auxiliam o professor em sala de aula;

•             Seleção e alocação de professores: cursos de formação, requisitos para a docência, concursos e seleção de docentes, alocação de professores e atratividade da carreira;

•             Qualidade do professor: prática docente, didáticas específicas, avaliação docente, acompanhamento externo, acompanhamento da aprendizagem do aluno.

Usos e abusos da avaliação educacional no Brasil

balancaProfessores sempre avaliaram seus alunos, mas a avaliação sistemática e externa da educação começou no Brasil nos anos 70, com a pós-graduação, se expandiu para o ensino superior e a educação básica nos anos 90 com o SAEB, o “Provão”, e hoje está generalizada, com a Prova Brasil, o IDEB, o novo ENEM, o ENADE e os rankings dos cursos superiores e universidades feitos pelo Ministério da Educação. Além disto, o Brasil participa de avaliações internacionais, como o PISA, e muitos estados desenvolveram seus sistemas próprios de avaliação, como o SAERJ, SARESP e SIMAVE, no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Finalmente, existe a Provinha Brasil, de alfabetização, e para 2013 está anunciada a primeira avaliação nacional de ciências, para o ensino médio.

Será que estamos fazendo as coisas direito, e não estamos indo além do razoável com tudo isto? O tema das avaliações externas sempre foi controverso. Para mim, não se trata de ser contra ou a favor das avaliações, mas saber em que mundo preferimos viver – no mundo sem avaliações, em que não existem padrões e não sabemos o que está acontecendo nem para aonde estamos indo, ou no mundo das avaliações, indicadores e estatísticas, sujeitas a erros de medida, incentivos equivocados e provas mal feitas. Dada a má qualidade da educação brasileira, eu sempre preferi e ainda prefiro o mundo das avaliações, sem com isto ignorar que elas trazem problemas.

A convite da Sociedade de Educação Internacional Comparada, preparei uma apresentação sobre o tema aonde trato de fazer um balanço desta experiência brasileira, que está disponível  en inglês aqui.

Ação afirmativa no ensino superior brasileiro: a vez de São Paulo

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O site “Inside Higher Education – The World View”  publicou uma nota minha sobre o novo sistema de cotas das universidades paulistas, cuja versão em português reproduzo abaixo:

Em agosto de 2012 a Presidente Dilma Rousseff assinou a lei que torna obrigatório, para todas as universidades federais, reservar 50% de suas vagas em cada curso para estudantes oriundos de escolas públicas, conforme seu nível de renda e perfil étnico (pretos, pardos e indígenas), dando um prazo de quatro anos para que a regra seja implementada. Não querendo ficar para trás, o governador de São Paulo, Geraldo Alkimin, anunciou o projeto de ação afirmativa para as universidades estaduais paulistas, com o nome de “inclusão social com mérito”. Diferentemente do governo federal, que implantou a nova legislação sem considerar a má qualidade da educação recebida pela grande maioria dos estudantes oriundos de escolas públicas, o projeto paulista traz duas inovações importantes: primeiro, os estudantes que optarem por entrar pelo sistema de cotas deverão passar por um curso preparatório de dois anos, depois do qual poderão escolher os cursos superiores conforme seu desempenho nesta etapa; e segundo, estes estudantes receberão uma bolsa de estudos no valor de meio salário mínimo.

Alguns dados são necessários para entender estas políticas. Os dados mais recentes indicam haver no Brasil 6.7 milhões de estudantes de nível superior, dos quais um milhão em universidades federais e 620 mil em universidades estaduais (dos quais 163 mil nas estaduais paulistas). A grande maioria, cerca de 5 milhões, ou 73%, estudam em instituições privadas, em sua maior parte organizadas como empresas voltadas para o lucro. O acesso às instituições públicas é feito por sistemas competitivos (vestibulares ou o ENEM), que em geral selecionam estudante vindos de escolas privadas que tendem a ser melhores do que as públicas mas inacessíveis para quem não pode pagar. 87% dos estudantes de ensino médio estão em escolas públicas, com uma renda familiar que é um terço da dos estudantes em escolas particulares.

Faz sentido, portanto, buscar maneiras de dar mais oportunidades de educação superior para estudantes vindos de escolas públicas e de famílias mais pobres, enquanto a qualidade das escolas públicas não melhorar substancialmente (o critério de “raça” ou etnia, fortemente correlacionado com o de renda, é um outro assunto que não discutirei aqui). Como estes estudantes tendem a ser menos qualificados, no entanto, não é nada claro que eles terão condições de chegar aos mesmos níveis de formação do que seus colegas vindos das escolas particulares, sobretudo nas carreiras mais exigentes. Existe portanto o grande risco de que estes estudantes sejam eliminados ao longo dos cursos ou que as universidades terminem por baixar suas exigências e padrões de qualidade para não reconhecer o fracasso das políticas afirmativas.

A desigualdade em São Paulo, o Estado mais rico do Brasil, é ainda maior do que no país como um todo, com somente 10% de seus estudantes de nível superior tendo acesso às três universidades estaduais, USP, UNICAMP e UNESP, que estão por outro entre as melhores e mais bem financiadas do país. A solução proposta pelo governo do Estado, em consulta com as Universidades, supõe que os dois anos de estudos preparatórios em um “college” semelhante aos ingleses e americanos seriam suficientes para trazer estes estudantes ao mesmo nível de seus colegas vindos das escolas particulares, e, se isto não for possível, eles teriam ainda a possibilidade de continuar estudando nos cursos de formação tecnológica do sistema Paula Souza, que é o mais desenvolvido do Brasil. O desafio é que a educação brasileira está toda organizada no modelo tradicional europeu em que os estudantes ingressam diretamente nos cursos profissionais, e as várias tentativas já feitas de introduzir “ciclos básicos” de um ou dois anos nunca deram certo, sobretudo porque eles significam adiar a entrada nos cursos universitários, e seu conteúdo, de tipo geral, não desperta maior interesse entre os estudantes. No caso de São Paulo, a proposta do “college” está baseada em uma experiência promissora em pequena escala que vem sendo feita pela Universidade de Campinas, mas o projeto do Estado seria fazer um programa em grande escala baseado fortemente em tecnologias de ensino à distância e o uso de tecnologias de informação e comunicação, sobre as quais não existe muita experiência, para que metade dos alunos das universidades estaduais possam vir por esta rota no prazo de cinco anos.

Uma das virtudes do sistema de “colleges”, sobretudo nos Estados Unidos, é que ele oferece aos estudantes um leque amplo de opções, que inclui desde os que querem se preparar para carreiras técnico-científicas mais exigentes até os que se dirigem para profissões mais práticas e com menor exigência de qualificação. No caso de São Paulo, pelo menos pelo que foi publicado até agora, seria o oposto: todos os estudantes seguiriam o mesmo programa, e a opção de seguir um curso mais técnico e aplicado no sistema Paula Souza ficaria reservada para os que não conseguissem bons resultados no primeiro ano. Esta não seria uma boa receita para um sistema de educação superior que pretenda se expandir, se diversificar e se tornar menos excludente.

O Debate Ideológico na Educação

Claudia Costin

(O Jornal O Estado de São Paulo publicou a matéria abaixo em sua edição de 4 de dezembro, que está sendo reproduzida aqui. Por alguma razão esta informação sobre a autoria do texto não apareceu na versão original desta postagem, dando a impressão errada de que se tratava de texto meu. Peço desculpas).

 

CONVITE EXPÕE EMBATE IDEOLÓGICO NA EDUCAÇÃO

Indicação de secretária de Educação do Rio a cargo no MEC gerou mobilização inédita, contrária e a favor

O convite, na semana passada, para que a secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, assumisse a Secretaria de Educação básica do Ministério da Educação (MEC) trouxe à tona o embate existente entre as duas correntes que pensam e gerem o assunto no Brasil.

De um lado, estão os pedagogos – acadêmicos de instituições públicas tradicionais de Ensino – e os sindicatos dos Docentes. De outro, profissionais de áreas como administração e economia, além de fundações e instituições voltadas à discussão do tema.

O primeiro grupo, o dos pedagogos, é o que historicamente domina o cenário da Educação brasileira, desde a construção do currículo dos cursos de Pedagogia até a formulação dos concursos públicos que selecionam Docentes para as redes de Ensino.

O segundo, o dos “estrangeiros à Pedagogia”, trouxe referências de outras áreas para a discussão do tema e defende as avaliações externas, as metas de aprendizagem e a existência de um currículo nacional.

Assim que o ministro Aloizio Mercadante fez o convite a Cláudia, o primeiro grupo lançou uma petição pública contra a nomeação. O texto a acusa de autoritarismo didático e de “capitalizar” a Educação. Sua gestão no Rio seria marcada pela “privatização do Ensino público, a fragmentação do trabalho Docente, a perda da autonomia dos Professores e a submissão estrita aos cânones neoliberais”.

Em resposta a esse ato de repúdio, o segundo grupo publicou uma carta de apoio à secretária, com números que mostram o avanço das Escolas cariocas no Índice de Desenvolvimento Educacional (Ideb) e afirmando que a gestão “ousou experimentar novas formas de aprender”.

Enquanto o debate fervilhava na internet, Cláudia recusou o convite por questões pessoais e o posto do MEC continua vago. Cesar Callegari, que ocupava o cargo, foi anunciado ontem como o novo secretário municipal de Educação de São Paulo.

Em breve, a discussão deve sair dos holofotes, mas continuará nos gabinetes que decidem os rumos da Educação brasileira.

Embate. Uma das questões debatidas é a serviço de quem a Escola tem sido pensada e realizada. Boa parte da academia acredita que esses novos atores no setor educacional trabalham a serviço do capitalismo, com foco em metas de empregabilidade e enriquecimento do País.

“Existe um projeto neoliberal que diminuiu a importância do Estado e subordinou a Educação às necessidades imediatas do mercado”, diz Carmen Sylvia Moraes, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que ajudou a conceber o manifesto contra a nomeação. “Esquecem-se de que a Educação é a expressão e não a causa do desenvolvimento. Precisamos de um trabalhador com autonomia intelectual, crítico. E isso não se consegue com as metas que os economistas propõem.”

Ao se referir a metas, Carmen coloca em evidência outro motivo de discórdia: as expectativas de aprendizagem e as bonificações aos Docentes atreladas ao aprendizado dos Alunos. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, Professores de Escolas que alcançaram as metas no Ideb e no IdeRio, o índice local, são bonificados. O Estado de São Paulo tem programa similar.

“A avaliação pode estar maquiada. A Educação é mais que as notas de matemática e português. Essa é uma visão curta e economicista que culpabiliza o Professor pelo fracasso do Aluno”, diz Gaudêncio Frigotto, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que assinou a petição contrária.

Resultados. Os números do Ideb têm mostrado avanços no Rio. Dados recentes mostram que, enquanto o Ideb dos anos finais do Ensino fundamental subiu 0,2 ponto nas Escolas públicas do País (de 3,7 para 3,9), o da cidade do Rio foi de 3,6 para 4,4.

Por lá, os Professores têm de cumprir um currículo com expectativas de aprendizagem e o concurso público, além da prova teórica, compreende uma aula para uma banca, com o propósito de avaliar a prática de Ensino, a didática do Docente.

“São experiências que deram certo principalmente em benefício dos mais carentes”, afirma o sociólogo Simon Schwartzman, que assina carta em apoio à secretária municipal do Rio.

Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann, endossa o coro. “Conseguir esse avanço no aprendizado em uma cidade grande como o Rio não é pouco. Uma pena ela não ir para o MEC em nome desse debate antigo e de posicionamentos radicais que não ajudam, na prática, a melhorar a Educação no País.”

Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, pondera que o debate é um bom sinal. Mostra que a Educação está na pauta. Mas completa: “Enquanto se discute ideologia, o Analfabetismo continua”.

Corporativismo, de novo, contra a educação

João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, assina hoje, 27/11/2012, o artigo abaixo na Folha de São Paulo:

Corporativismo, de novo, contra a educação

Cláudia Costin é secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro e foi ministra da Administração no governo FHC. Como gestora experiente, ama falar em resultados.

Aloizio Mercadante, ministro da Educação e economista, sabe disso e ama Cláudia Costin. Ele a convidou para assumir a Secretaria de Educação Básica da sua pasta.

Mas, nessa história de amores, há quem não ame resultados nem, claro, Cláudia Costin.

Um grupo de professores universitários organizou um abaixo-assinado protestando contra o convite feito a ela feito por Mercadante. Foram seguidos por milhares de adeptos e por entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

O texto do abaixo-assinado traduz o atraso da educação no Brasil: repete surrados jargões anti-imperialistas, defende as fracassadas ideias dos seus autores, que tiram do baú a velha cantilena da esquerda ultrapassada.

Segundo os autores, Cláudia é o arauto das forças internacionais que conspiram contra os pobres brasileiros. Ela milita pela desqualificação da educação, pois implementa propostas que anulam o senso crítico do aluno, cria bônus para premiar desempenho de professores e aniquila “sujeitos históricos”, como os professores e os alunos.

O manifesto ainda diz que pessoas como Cláudia Costin devem ser evitadas na administração pública, para que não reduza os alunos a “indivíduos médios, reproduções de tipos ideais que incorporam todos os traços e qualidades de que se nutrem as comunidades ilusórias”.

Entendeu? Nem eu. Mas pessoas que escrevem assim são as que vêm ditando os rumos da educação.

Os autores concluem protestando contra o arbítrio economicista, degradante e mutilador que a presença de Cláudia no ninho petista traria à educação básica.

Após quatro ministros, o PT ainda não sabe se tem agenda para a educação. E agora Mercadante convida essa cruel megera para pousar num ninho onde tucano não deve pousar?

Os que querem manter o status quo não se conformam. A velocidade e intensidade da reação ilustram a virulência dos beneficiários do poder, que não abrem mão de suas ideologias, nem diante dos retumbantes fracassos de suas propostas.

Mercadante jogou a sua cartada. O recado foi dado. É preciso mudar.

É preciso libertar o MEC da prisão corporativista em que se meteu. Passou da hora de romper com o dogmatismo ideológico das universidades e núcleos que propagam ideias equivocadas e ineficientes há décadas.

É preciso avaliar o resultado das décadas de cursos inócuos para capacitar professores. É preciso saber onde foram os bilhões de reais destinados a cursos de alfabetização de adultos e à formação profissional improvisada e avaliar os resultados desses cursos. É preciso dar espaço a quem tem resultados para mostrar e estimular iniciativas que possuem evidência comprovada de sua eficácia.

Por fim, é preciso alfabetizar as crianças aos seis anos de idade, como se tenta fazer no Rio, e usando estratégias e métodos adequados, como se faz em Sobral há vários anos, e não até os oito, como propõem os sectários que se apropriaram dos canais de decisão do MEC.

O estrago foi feito. Mercadante sinaliza que quer romper com o imobilismo dos que vêm imobilizando o MEC, especialmente na área de educação básica.

Cláudia já comunicou ao ministro que não aceitará a oferta, mas o estrago dentro do PT está feito. Mercadante está na linha do pênalti. Se marcar o gol, será vaiado pela plateia cativa. Mas poderá ser aplaudido pelo Brasil.

 

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