IDEB: celebrar o quê?

Que significam, de fato, os números do Indice de Denvolvimento da Educação Básica, difundidos recentemente pelo Ministério da Educação? Este texto de João Batista Araujo e Oliveira e Carlos Henrique Ferreira de Araujo, ex-diretor do INEP, ajuda a entender:

É compreensível a euforia das autoridades em querer celebrar os resultados do IDEB – o indicador de desenvolvimento da educação básica. A divulgação, em tom cuidadoso, foi logo seguida de euforia, ampliada pela mídia. Apenas alguns jornalistas e um único articulista, Naércio Menezes Filho, sugeriram cautela. Mesmo porque os dados divulgados não revelam informações importantes, pois o IDEB mistura resultados de Português com os de Matemática e com taxas de aprovação. Pode ser prático ter um único índice, mas é importante ter clareza sobre o que ele revela e o que esconde.

O que nos diz o IDEB 2007? O que mudou em relação ao IDEB de 2005? Basicamente mudaram duas coisas. Primeiro, a média nacional da 4ª. série do Ensino Fundamental passou de 3.8 para 4.2. Numa escala de zero a dez, trata-se de mudança de cerca de quatro por cento. Em 11 estados, dos quais 10 estão situados no Nordeste ou Centro-Oeste, a mudança variou de 5 a 8 pontos percentuais. Todos esses estados estavam abaixo de 4 pontos no IDEB anterior, e apenas 3 deles conseguiram superar a marca de 4 pontos com os novos avanços. Segundo, os dados divulgados até o momento sugerem que metade ou mais dos avanços se deve a mudanças nas taxas de aprovação e a um pequeno avanço nos resultados da prova de matemática. As demais alterações nos indicadores são desprezíveis, tanto do ponto de vista estatístico quanto educacional.

Podemos dizer que a melhoria é significativa? Certamente o é para os estados no Nordeste, não para a maioria do país. Mas cabe observar que melhorar de 3 para 3.5 ou 3.8 é muito mais fácil do que melhorar de 8 para 8.2 ou de 9.5 para 9.6. Houve avanços, sim, mas justamente onde é mais fácil. Não é possível nem razoável dizer que essas mudanças possam ser atribuídas a melhorias na qualidade do ensino ou da introdução de políticas educacionais específicas – exceto, talvez, no caso da promoção de alunos, que é uma medida administrativa. Os dados não mostram o resultado de determinadas redes estaduais ou municipais de ensino que teriam introduzido mudanças significativas nas suas políticas ou práticas, mas do agregado das redes em cada estado. Os dados, em comparação com séries históricas, também não permitem afirmar que houve uma reversão de tendências – mesmo porque tendências são reflexo de mudanças em vários momentos, e não apenas um ou dois.

Portanto, estamos diante de um fenômeno que não comporta explicações simples ou simplistas, muito menos explicações oportunistas, que colocam em jogo a validade, utilidade e credibilidade das avaliações. Houve melhoras, houve avanço nos índices. Isso é inegável. Mas esses avanços não podem ser atribuídos às políticas educacionais em curso. As celebrações de sucesso poderiam sugerir que bastaria continuar a fazendo o que o país vem fazendo para que a educação chegue aos níveis dos países desenvolvidos. Isso equivale a dizer que basta fazer muito, nada ou qualquer coisa, pois é exatamente isso que vem ocorrendo no país .

Manifestações de autoridades também insinuam que resultados de políticas educativas aparecem em prazos muito curtos – e independentemente de mudanças estruturais. Ora, a explicação mais plausível é que as mudanças ocorridas nos indicadores – e que se concentraram em alguns estados e apenas na 4ª. série – se devem ao efeito de mudanças em variáveis extra-escolares, notadamente o aumento da renda e da média de escolaridade dos pais, o que se verificou sobretudo nas regiões mais pobres e que incide sobre os alunos mais jovens. Ou seja: é a economia que está contribuindo para melhorar os resultados da educação – e não vice-versa – como seria de se esperar.

O que é necessário fazer para que as escolas façam diferença na economia e na vida das pessoas, sobretudo as de nível sócio-econômico mais modesto? Seria preciso fazer uma profunda reforma educativa, cujos contornos são bem conhecidos e que podem ser aprendidos da experiência dos países onde a educação dá certo. A receita é bem conhecida, e vem sendo divulgada há pelo menos três décadas nos estudos sobre reformas eficazes. O tema foi objeto de um seminário internacional promovido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em agosto de 2007 e também divulgado recentemente em relatório da empresa de consultoria McKinsey. Nada a ver com as propostas em curso no país.

Saudades da Universidade Patrice Lumumba

Em 1960, a União Soviética criou a Universidade Patrice Lumumba, hoje a “Universidade Russa de Amizade dos Povos”, para estudantes do terceiro mundo. Na mesma inspiração, o governo brasileiro está criando agora a Universidade Latino-Americana, em Foz de Iguaçu, e conforme anunciado hoje pelo Secretário de Educação Superior do MEC, a Universidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para estudantes da África, a ser estabelecida em Redenção, a 60 quilômetros de Fortaleza, considerada a primeira cidade brasileira a abolir a escravidão.

Não sei como anda a Universidade Pratice Lumumba hoje. Olhando na wikipedia, dá para ver que, entre seus ex-alunos notáveis, está Carlos o Chacal; Mahmoud Abbas, dirigente do Fatah; Aziz al-Abub, psiquiatra e torturador do Hezzbolah; o espião da KGB Yuri B. Shvets, hoje refugiado nos Estados Unidos; e a linguista brasileira Lucy Seki, que depois completou seu doutorado na Universidade do Texas. Com o fim da União Soviética, além da mudança de nome, o curriculo também mudou, e a doutrinação leninista foi substituida por cursos de administração de empresas, entre outros. Há alguns anos atrás, a universidade foi palco de ataques racistas violentos contra africanos e orientais, que revelaram o isolamento e as péssimas condições de vida dos estudantes de terceiro mundo que ainda se aventuravam por lá. Na página da universidade na Internet dá para ver que com 25 mil estudantes, todos eles pagantes, e mais de 2000 professores, ela está se esforçando por se transformar em uma universidade de qualidade, embora sua produção acadêmica (“for the last 3 years 167 monographs, 58 textbooks and 485 manuals have been published at the University”) não chega a impressionar. Mas ela deve ter coisas boas, sobretudo a localização em uma grande cidade que é Moscou.

Duvido que os idealizadores das universidades de terceiro mundo brasileiras conheçam a experiência da Patrice Lumumba, mas a idéia é a mesma, com o agravante que seus estudantes ficarão exilados em regiões remotas do país. A Universidade Latinoamericana, por exemplo, segundo seus organizadores, tem como propósito “a integração da América Latina através de um novo elo substantivo: a integração pelo conhecimento e a cooperação solidária entre os países do continente mais do que nunca em uma cultura de paz.” Lembra alguma coisa?

Não há dúvida de que o Brasil poderia ter um papel muito mais importante do que tem tido em estimular e apoiar a vinda de estudantes da América Latina, África e outras regiões para nossas melhores universidades. Isto seria bom para eles, a nos ajudaria a sair de nosso provincianismo. O melhor instrumento para isto são as universidades já existentes, que precisariam de apoio, estímulo e liberdade – inclusive de cobrar – para atrair possíveis candidatos com o que elas têm de melhor a oferecer – os cursos profissionais de qualidade, os programas de pós-graduação, a capacidade instalada de pesquisa e a interação com seus estudantes e com sociedade mais ampla da qual elas participam, nos principais centros urbanos do país em que estão instaladas. Universidades de primeiro mundo, e não de terceiro.

José Roberto F. Militão: Obama, láh!


José Roberto F. Militão escreve: “Ouso encaminhar, caso queira publicar, a opinião de um afro-brasileiro, contrário a leis raciais que vê com grande otimismo a candidatura e grande esperança a eleição do mestiço Obama. Publicado em 18/01, na ´Afropress´, antes do início das primárias, ainda sem a ênfase da euforia pela vitória nas primárias”. Eis o texto:

A partir do artigo do colega Cadette, de Nova Iorque, temos o perfil do senador Obama e suas credenciais políticas por uma visão privilegiada de um afro-brasileiro, empenhado na luta contra o racismo e com visão privilegiada do ambiente e dos sentimentos dessa campanha presidencial de 2008, nos EUA. 
De fato, o mundo, surpreso e incrédulo, a quem foi apresentado uma novidade extraordinária, um jovem político, de cor, Senador Barack Obama com real possibilidade de ser escolhido candidato a Presidente dos Estados Unidos e nós, militantes por direitos humanos e ativistas contra os ideais do racismo, temos mais uma oportunidade de reflexão sobre o que representa a estampa de um homem de cor, afro-descendente que não se trata de um “afro-americano” genuíno, nem descendente de ex-escravos como nós, condição que o diferencia: nascido nos EUA, é filho de um preto africano com uma mãe branca norte-americana, os pais separados, foi com a mãe em novo casamento, para viver na pobre Indonésia, um país tão pobre quanto o Brasil, de maioria muçulmana. Sua família, entretanto sempre foi cristã.


 O perfil nos revela que foi um dedicado estudante, graduado por duas Universidades, profissionalmente, optou por ser ativista por Direitos Humanos, atuando em bairros pobres da periferia de Chicago. Desde o início da carreira política, as demandas por inclusão social é o núcleo de sua plataforma eleitoral que reitera em todos os discursos como sendo “o mensageiro da esperança e o instrumento de mudanças”. A novidade da trajetória de baixo para cima, parecida com a de Abraham Lincoln e com estampa de pessoa miscigenada e vínculos políticos com a periferia urbana, lembra ser essa mesma a plataforma que levou à vitória a campanha de Lula em 2002.


 Chama a atenção na candidatura que traz o cunho sócio-racial, por sua condição de afro-descendente oriundo de família modesta, militante por direitos sociais na periferia de Chicago e que, a partir dessa militância, se transforma numa importante liderança política. Uma questão que pode assustar a conservadora e racialista sociedade norte-americana é que se afirma com o discurso da “esperança e da mudança” que tem semelhanças (e não identidade ideológica) com a ascensão de Hugo Chavez, na Venezuela, e de Evo Morales, na Bolívia, além do nosso Lula. O que distingue o doutor Obama é ser um bem conceituado advogado, com sólida formação acadêmica na Universidade de Harvard, tradicional formadora das elites.


 Com os referidos políticos da América do Sul, tem em comum, além da origem modesta, a simbologia da mesma improbabilidade que um operário metalúrgico, um jovem militar, um líder indígena e um afro-americano, tivessem de fato, a possibilidade de assumirem lideranças nacionais ainda jovens, com menos de 50 anos. E, menos ainda que tal probabilidade se dê nos EUA, de secular história de conflitos raciais, da mais poderosa potência econômica e militar. Independente dos resultados eleitorais de 2008, o jovem Senador Obama, aos 46 anos, prenuncia que todos serão personagens políticas que vieram para ficar e influenciar o mundo nos próximas trinta anos.


 Diante dessa realidade, o que significará para nós, afro-brasileiros, uma eventual vitória do doutor Obama? A primeira constatação é que ele não representa setores do nosso movimento “negro” adeptos da racialização do Estado. Ele nem foi militante dos “blacks moviments”, o movimento afro-americano e para ser eleito Senador concorreu e venceu um antigo político apoiado pelos movimentos blacks e o fez com a defesa de políticas públicas universais e sem levar avante nenhuma bandeira de “cotas raciais”, apenas acenando com empenho em políticas públicas de Ações Afirmativas que sejam promotoras da igualdade e que neutralize todo tipo de discriminações correntes.


 O Senador construiu a carreira política, como parlamentar e mantém vínculos e compromissos com movimentos sociais. Uma evidente característica estampada no perfil humano de Obama é o fato de ser miscigenado tal como é a maioria dos brasileiros. O fato de não ser descendente de ex-escravos é uma situação inédita que o diferencia para a população branca e para os latinos, asiáticos e africanos pois não tem o raivoso discurso dos descendentes de escravos, vítimas do racismo institucional nos EUA, nem se apresenta como militante dos “direitos dos pretos”, mas na defesa de direitos dos excluídos, que além dos afro-americanos, contempla também os demais segmentos: mulheres, índios, homossexuais, deficientes e idosos.


 É o que se deduz de seu livro (A Audácia da Esperança, 2005), verdadeira plataforma política, em que destaco duas frases simbólicas. A primeira revela o caráter da responsabilidade ética com a formação da juventude distante de conflitos e de violações de direitos: “Eu sonho com uma América com mais engenheiros e menos advogados.” A segunda, é a síntese de uma plataforma de superação de crenças negativas baseadas na crença em raças, no machismo, sexismo e homofobia que sustentaram as culturas defeituosas dos séculos 19 e 20: “Eu rejeito a política baseada apenas na identidade racial, na identidade homem-mulher ou na orientação sexual. Eu rejeito a política baseada na vitimização.”


 De seu discurso político, recolho lições que servem à nossa disputa política-racial da última década. Desde o início da vida política, a questão racial jamais foi tema principal cujo núcleo tem sido a inclusão, a promoção da igualdade, a garantia de oportunidades, o combate à pobreza e melhor distribuição de rendas, naquela que é a maior economia do mundo. No campo social, sua principal proposta é um imenso programa de transferência de renda, no formato “bolsa-família/ renda mínima” de fazer inveja ao Presidente Lula e ao Senador Eduardo Suplicy com a promessa de transferir U$ 80 bilhões de dólares por ano para as famílias mais pobres. O programa de Lula, dispõe de cerca de U$ 6 bilhões por ano.


 Esse programa, se autorizada a implementação pelos votos do povo norte-americano, contrariando toda a cartilha liberal vigente nos Estados Unidos, far-se-ia, em poucos anos, a maior distribuição de rendas jamais imaginada no mundo capitalista. Para viabilizá-lo, promete mobilizar cada distrito, cada cidade, cada Estado e ainda recorrer-se de milhares de organizações civis e também à consolidada rede de fraternidade das igrejas católicas, protestantes e evangélicas, especialmente, nas periferias urbanas.


 Na América de maioria protestante, Obama tem repetido sua adesão à fé cristã, afastando os preconceitos de seu nome africano, que lembra o Islã, e tem ainda como compromisso o fim da Guerra do Iraque e a retirada de todos os soldados, no prazo de 18 meses. Seu mais aclamado discurso, proferido na Convenção do Partido Democrata de 2004 e que o transformou em estrela política, é um ato de declaração de orgulho e de amor à América e, mais ainda, de fé nos valores democráticos da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Ninguém então imaginava viável a candidatura presidencial, que nasce declarando seu amor pelos Estados Unidos, por seu povo e pelos valores daquela sociedade: “Esta noite, nos reunimos para afirmar a imensidão da nossa nação — não por causa da altura de nossos arranha-céus, nem pelo poder de nosso exército, nem pelo tamanho de nossa economia. Nosso orgulho é baseado numa premissa muito simples resumida numa declaração feita há 200 anos: “que todos homens são criados semelhantes, e que a eles são concedidos por seu Criador certos direitos inalienáveis, entre estes a vida, liberdade e a busca da felicidade”. Isso é o gênio verdadeiro de América — uma fé em sonhos simples, uma insistência em milagres pequenos.” “Não há uma América liberal e uma América conservadora — há os EUA. Não há uma América Negra e uma América Branca, uma América de latinos e América de asiáticos — há os EUA… Isso é o gênio verdadeiro da América, uma fé nos sonhos simples das suas pessoas, a insistência em milagres pequenos… Que podemos participar no processo político e que, na maioria das vezes, nossos votos serão contados…”

De fato, vamos viver meses de grande emoção e a confirmar-se a ascensão da candidatura do Senador Obama, os norte-americanos estarão elegendo mais que um político do Partido Democrata. O eleito será um cidadão do mundo, pessoa cosmopolita, símbolo do que, pasmo, testemunhou em 1832 o francês Alexis de Tocqueville em “A Democracia na América”: Ao ver a nova sociedade na América, Tocqueville conscientizou-se em definitivo que o tempo da nobreza havia passado, que a sua classe nada mais tinha a dizer ao futuro: “formamos parte de um mundo que se despede”, escreveu ele à mulher…” “não somos senão que restos de uma sociedade que está se convertendo em pó e que logo não deixará vestígios”. (Raimond Aron).

A já vitoriosa campanha do doutor Obama, mais que as “esperanças e mudanças” prometidas na plataforma política, também traz esse significado de uma “nova era” em prol do conceito da espécie humana, desmoralizando os que dividem a humanidade em “raças” e condicionados pelo vício da crendice em “raças humanas”, ainda defendam, singela e piamente, a ideologia do racismo.
Doravante, todos os racistas do mundo, como categoria social, fazem parte de uma sociedade que está virando pó nesta primeira década, do primeiro século do 3º. Milênio, no ano de 2008 d.C. após séculos de império do racismo, da desigualdade, da hierarquia entre os humanos.

Enfim, por tudo o que representa, e pelo que representará de novidade para as possibilidades humanas no mundo, como cidadão, como brasileiro, como afro-descendente, como militante por Direitos Humanos, como ativista contra a crença em raças humanas e pelo fim de todo tipo de preconceitos e discriminações, também entrei nessa campanha: Obama, láh!!!

Fabio Wanderley Reis – Liderança, Carisma e Barak Obama

Minha nota louvando o discurso da vitória de Obama provocou muitas reações de apoio, e várias advertências dos mais realistas – o caminho vai ser difícil, ele ainda não mostrou a que veio, muitas de suas afirmações são vagas, e ele vai ter que enfrentar e participar de alguma forma da realidade dura do jogo de poder e interesses de Washington. Tudo isto é verdade. Mas a política não é só o jogo frio de cálculos e interesses, tem também um forte componente simbólico e expressivo, e é a combinação entre estas duas coisas, que Obama parece ter, que diferencia os melhores lideres dos operadores calculistas de um lado e dos demagogos populistas de outro.

Fábio Wanderley Reis, escrevendo no Valor Econômico em 4 de fevereiro passado, expressava a mesma idéia:

Mas a promessa de líder realmente estimulante é Barack Obama. Com o especialíssimo background em termos raciais e étnicos e o forte simbolismo associado (pai africano do Quênia, mãe branca do Kansas e, de quebra, meia-irmã semi-indonésia, portando e ligando-se a nomes e sobrenomes que soam como os de inimigos mortais dos Estados Unidos no período recente); podendo reclamar, como o fez, a condição de herdeiro do movimento dos direitos civis; graduado e pós-graduado por algumas das melhores universidades do país; com o vigor intelectual e pessoal que transparece fortemente na qualidade de sua oratória, combinando-se à imagem de integridade para, ao que indica sua carreira até aqui e a campanha que vem conduzindo na disputa da candidatura do Partido Democrata, torná-lo capaz de mobilizar o eleitorado estadunidense de maneira que há tempos não se via; lutando pelo acesso à Presidência nos Estados Unidos [… ] não só do conflito racial ainda presente, mas da ossificação institucional pela partidarização até do Judiciário, do peso eleitoral do dinheiro, da infeliz conjunção do 11 de setembro com Bush no poder e da sombria e desastrada “guerra ao terrorismo”, e agora da crise econômica; tudo parece justificar a expectativa de que a eventual vitória de Obama na eleição venha a redundar em experiência singular e rica em planos diversos. De minha parte, espero que a experiência possa de fato ocorrer.

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(Várias pessoas notaram que, ao contrário do que eu havia entendido, a avó de Obama, a quem ele homenageou no discurso, não foi a queniana, por parte de pai, mas a americana, com quem ele conviveu na juventude. Não foi, portanto, uma refêrencia étnica, mas pessoal).

Roque Callage Neto: Obama e o nível de adesão a uma nova estratégia dos EUA

O colega Simon Schwartzman exaltou em correspondência o comportamento e discurso de Barack Obama em seu anuncio de sagração de candidatura à presidência pelo Partido Democrata, considerando-o “comovente”.Exalta Simon principalmente a ênfase à retomada de visão moral dos Estados Unidos, incluindo saída do Iraque, prioridade à pesquisa de energias não poluentes, internamente o seguro médico a toda a população, cuidado às crianças e à educação extensiva a todos, e crítica aos que usam nacionalismo e religião para assustar a população nos anos Bush. Simon observa Obama como um herdeiro da tradição de Roosevelt e Kennedy, suficientemente abrangente para incluir homenagens a Clinton e Hillary, a mulher que chegou a mais alta disputa na vida pública americana. Homenageou sua avó africana, apresentando-se como um candidato que queria representar todo o país e outros paises também.

Creio que Simon se sentiu justamente impactado pelo discurso enaltecedor, mas gostaria de apresentar argumento cauteloso entre o discurso ideativo e o longo caminho que toca a Obama, inclusive prevendo-o como político já consciente sobre a implementação diferenciada do próprio discurso. Há uma nova coalizão em andamento nos Estados Unidos e ele parece ter noção disto, mas uma consciência ainda não bem definida sobre seus significados precisos e aplicados, cometendo seguidamente zigue-zagues conceituais – como que em busca de elementos doutrinários.

É possível verificar que Obama está reunindo com suas propostas, e pela situação econômica-política, o pessoal de Reagan,Carter, Kennedy, e difusamente, visando alterar o keynesianismo militar de companhias de armamentos em Washington, montado desde Reagan, mas principalmente tornado um sistema de Estado por Bush. Também o histórico sistema de lobbies do welfare corporativo construído pelo Partido Democrata e capturado por Clinton e sua madame com sindicatos e companhias fornecedoras diversas, tradicionais clientes do Estado desde a era Roosevelt.Pretende modificar este tipo de gestão rumo a outro tipo de proposta na direção de comunidades de mudança (como tão bem desenhava Peter Drucker) descentralizadas e multiculturais. Os EUA estão indo céleres na mesma linha do Canadá, alterando sua composição multiétnica, para desgosto de Samuel Huntington, o inteligente conservador democrata que ainda quer o país como white anglo saxon protestant.

A gigantesca dívida gerada por Bush e a concentração de renda foram dois fenômenos gêmeos da manutenção do unilateralismo da linhagem anglo-saxão protestante que justamente cabe agora desmontar, desmontando também a concentração lobbista em Washington, ao mesmo tempo em que externamente, projetar outra política de alianças.

Ao mesmo tempo em que Obama fala em rever o Nafta e ser novamente protecionista com a industria, agradando empresas médias internas e sindicatos, e abandonar o protecionismo agrícola, tem que cortejar todo o setor primário senão perde votos no heartland republicano.

Na politica externa,tem a carta na manga de uma nova aliança planetária com países em desenvolvimento o que quebraria definitivamente o conceito de terceiro mundo e a aliança dos BRICS/ China, sendo também alternativa à Europa na competição global (que é o que supostamente e de forma coerente fará para maximizar oportunidades norte-americanas). Mas não pode falar nisto para não perder votos internos do orgulho republicano de superpotência unilateral – que não precisa de ninguém e não presta contas a ninguém, muito menos alianças heterodoxas com países menores.É neste contexto que se insere o chamado “novo diálogo”.

Se Obama tiver estratégia multidimensional e inteligente dentro do jogo do Partido Democrata, pode apoiar a recandidatura de Hillary ao Senado e não a vice-presidente, escolhendo-a (já que ela tem expertise) como super encarregada para assuntos da América Ibérica e do Hemisfério Americano dentro do Governo, quebrando a barreira de “muro de Berlim” que a América do Sul está montando contra os EUA – e negociando uma aliança americana funcional de novo tipo.

Em vista destas questões sobre cálculos estratégicos, os motivos para uma adesão comovida a projetos dos Estados Unidos permanecem cautelosos – pois com a grande exceção de Wilson nos anos 1920, e do diálogo pan-americano entre Franklin Roosevelt e Oswaldo Aranha de 1942 a 1944, que previa ajuda sem restrições a uma América visionária, solidariedade realmente continental, e um mundo reconstruído, que Truman mediocrizou – os norte-americanos usualmente se detém demais em negociações de alcance limitado a interesse próprio imediato. Por enquanto, Obama e Hillary não parecem dispostos nem a negociar entre eles com este tipo de proposição “ganha-ganha” de longo alcance.

Chapéu para Obama

Comovente, para dizer o mínimo, o discurso de Barak Obama confirmando sua vitória na disputa pela indicação do Partido Democrata. Disse tudo que tinha que dizer, e tudo muito bem dito. A necessidade de que os Estados Unidos voltem a ser moralmente respeitados no mundo; a necessidade de sair do Iraq, embora reconheça as dificuldades; a prioridade que deve ser dada à pesquisa e aos investimentos em energias não poluentes; a necessidade de proporcionar seguro médico a toda a população, e de garantir “no money left behind” para o programa “no child left behind” de educação. Criticou os que usam a religião e o nacionalismo para pressionar e assustar os eleitores e elogiou seu adversário republicano como pessoa, mas não perdoou sua identificação com o governo Bush, sobretudo nas politicas de redução de impostos para os ricos e de poucos investimentos na área social.

Obama se colocou como herdeiro da grande tradição de Roosevelt e dos Kennedy, sem esquecer Bill Clinton, e prestou uma belíssima homenagem a Hillary, que só não vai aceitar a mão estendida se for demasiado orgulhosa. Lembrou que Hillary foi a mulher que mais alto chegou na vida pública americana, mas não falou de si mesmo, como o primeiro negro a chegar a uma posição ainda mais alta. De suas raízes negras, prestou uma homenagem à sua avó africana, e foi o suficiente – ele não pretende ser o candidato de um grupo, ou de uma raça, mas de todo o país, e de outros paises também. Eu, se pudesse, votava nele…

Textos vários sobre educação

Estão disponíveis, para os interessados, os seguintes textos:

Eqüidade e Qualidade da Educação Brasileira, Fundação Santillana, V Seminário de Outono. São Paulo, Editora Moderna, 2008.

Universidades e desenvolvimento na América Latina: Experiências Exitosas de Centros de Pesquisa. Biblioteca Virtual de Ciências Humanas, 2008

Brasil: el agujero negro de la educación. TodaVia – Pesamiento e Cultura en América Latina. Buenos Aires, Fundación OSDE. N. 18, Abril 2008. pp. 14-17

Liberdade de Docência. Entrevista à Revista Educação, edição 133, 2008

Cenários de Diversificação da Educação Superior na América Latina

Nos dias 4 a 6 de junho estarei participando da Conferencia Regional de Educación Superior 2008, organizada pelo Instituto Internacional da UNESCO para a Educação Superior na América Latina e Caribe (IESALC) em Cartagena. Me pediram que comentasse o trabalho denominado “Escenarios de diversificación, diferenciación y segmentación de la educación superior en América Latina“, de Jorge Landinelli e outros. A propósito, escrevi o texto abaixo:

DIEZ PROPOSICIONES SOBRE LOS ESCENARIOS DE DIVERSIFICACIÓN, DIFERENCIACIÓN Y SEGMENTACIÓN DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR EN AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE

En los 15 minutos que me tocan, no tendría como comentar y hacer justicia al trabajo tan detallado y que nos presentan Jorge Landinelli y sus colaboradores. Me parece mejor presentar algunas proposiciones que ojala puedan contribuir para el mejor entendimiento de los temas en discusión.

1 – Los procesos de diferenciación, diferenciación y segmentación de la educación superior, que se acentúan en la región a partir de los años 90, no son el resultado de políticas públicas o económicas de los gobiernos de aquellos años, sino que del amplio proceso de masificación de la educación superior que ha ocurrido en todo el mundo desde entonces, proceso del cual América Latina participa con retrazo.

2 – Los países latinoamericanos han respondido a este proceso de dos maneras principales. En algunos, como México, Venezuela, República Dominicana, Argentina y Uruguay, adonde existían universidades nacionales con admisión libre para personas con diplomas de educación media, estas universidades crecieron hasta llegar a centenas de miles de estudiantes. En la medida en que se tornaban inmanejables, esto llevó a la creación de universidades regionales, y también a mayor abertura para la creación de universidades privadas. En otros, como Brasil, Chile y Colombia, adonde ya había un sistema privado de educación superior establecido, este sistema privado creció y absorbió la mayor parte de la demanda, dejando las universidades públicas relativamente protegidas.

3 – Además del problema de cómo responder a la demanda creciente por educación superior, los países de la región tuvieron que responder a las demandas de la economía por mano de obra más calificada, y al aumento creciente de demanda de recursos públicos para la educación básica y media, los sistemas de jubilaciones y salud pública, obras públicas y otros, que sobrecargaron los presupuestos nacionales, llevando a procesos inflacionarios y aumento progresivo de la deuda pública, que, combinados con la inestabilidad financiera internacional, resultaron en las crisis y los ajustes económicos de aquellos años.

4 – Es importante darse cuenta que, antes de las políticas de ajuste de los años 90, las universidades públicas de la región ya sufrían problemas serios de calidad, equidad y uso ineficiente de los recursos públicos, necesitando de reformas y transformaciones que no tenían que ver con los ajustes económicos, pero que se tornaron más acentuadas en los momentos de crisis.

Para entender lo que ha pasado, y tener condiciones de pensar mejores alternativas para el futuro, es necesario deshacer una narrativa bastante corriente sobre como eran las universidades en la región, sustituyéndola por una perspectiva más cercana a la realidad. Esta narrativa equivocada, con algunas variaciones, es que, gracias al movimiento de la Reforma Universitaria que empezó en Córdoba hace casi cien años, las universidades públicas latinoamericanas se constituyeron como instituciones democráticas, de alta competencia y orientada a las cuestiones de interés cultural y social, virtudes que las políticas de ajuste económico, orientación hacia el mercado, búsqueda de eficiencia y privatización de los años 90 trataron de destruir.

5 – Si es verdad que el movimiento de la Reforma, al dar más poderes a los estudiantes y maestros en las universidades, las hizo internamente más democráticas, esta democracia no se tradujo en beneficios para la sociedad más amplia. Las universidades no jugaron un papel significativo en la formación de docentes de buena calidad para la educación básica y media, y, cuando aumentaron de tamaño para responder a la demanda creciente por educación superior, no crearon mecanismos adecuados para impedir que muchos de sus estudiantes, sino la mayoría, jamás lograran obtener los títulos superiores que buscaban. Además, las universidades se estratificaron internamente, con alta selectividad en los cursos de graduación en las carreras tradicionales, como medicina e ingeniería, y baja selectividad y control de calidad en las profesiones sociales, humanas y en la formación de maestros.

6 – Con las excepciones de siempre, la calidad la investigación científica y tecnológica en la región nunca fue muy buena. La investigación científica siempre fue muy limitada y sin proyección internacional, y los pocos ejemplos de universidades que han desarrollado actividades significativas de transferencia de conocimientos, capacitación y ayuda técnica a los gobiernos, empresas y a la población siempre fueron más bien la excepción que la regla. En la formación profesional, los mecanismos de gobierno colegiados y participativos siempre han limitado la posibilidad de la utilización de sistemas de control de calidad que pudieran amenazar a personas de prestigio o grupos académicos dentro de las instituciones, así como políticas activas de búsqueda de talentos.

7 – Desde sus inicios, las universidades latinoamericanas, centradas en las carreras clásicas del derecho, la medicina y la ingeniería, siempre estuvieron orientadas hacia el mercado, y de hecho, hasta muy poco tiempo, siempre fueron dirigidas por personas con fuerte participación en el mercado de trabajo. La diferencia importante entre el pasado y ahora es que, antes, el principal empleador eran los gobiernos, y la alternativa a las carreras políticas o al empleo público eran las profesiones liberales. No se puede esperar que las universidades no capaciten las personas para la vida del trabajo, y no hay incompatibilidad entre competencia profesional y capacidad de absorber cultura y mirar críticamente a la sociedad.

Los movimientos estudiantiles, y muchos profesores en las facultades y departamentos de ciencias sociales, tienen gran tradición de mirar críticamente sus sociedades y buscar formas de transformarlas por la movilización política, pero esto no ha creado una tradición de pensamiento social consistente que se pueda identificar como resultante de la labor universitaria y académica.

8 – Ese pasado no recomienda que se vuelva a las universidades tradicionales, en su formato tradicional, para buscar respuestas a los procesos crecientes de diferenciación, diversificación y segmentación de la educación superior en los países de la región. Mas allá de sus problemas, estas universidades tienen papeles importantes para jugar, y para esto necesitan utilizar de manera más eficiente sus recursos, preparar mejor para las profesiones de mercado, que son más competitivas que las tradicionales, fortalecer su capacidad de investigación y establecer puentes efectivas de colaboración y participación con la sociedad más amplia que las mantienen. Pero el universo de la educación superior contemporánea es mucho más amplio que el de estas instituciones.

9 – Una decisión importante que los países tienen que tomar es en que medida la absorción de la educación de masas se va hacer por las universidades públicas o privadas. Hay buenos argumentos de los dos lados. No es verdad que, en principio, solamente instituciones públicas logren dar formación de calidad, o que las privadas, y las con fines de lucro sean siempre malas – hay buenas y malas instituciones en todos los sectores. Pero lo que se considera calidad en una institución de elite es muy distinto de lo que se considera calidad en una institución orientada hacia la educación masiva.

10 – Del punto de vista de la equidad, es razonable que las instituciones públicas atiendan con prioridad a la población de menores ingresos, que ahora están buscando la educación superior en grandes números, dejando para el sector privado la educación más cara y compleja que los estudiante con más recursos y que más se beneficiarán pueden pagar. Del punto de vista de la formación de alto nivel y la investigación científica, es recomendable que el sector público asuma la responsabilidad de apoyarlas, considerando que difícilmente el sector privado haría las inversiones de alto costo que estas actividades requieren.

Difícilmente las mismas instituciones harán bien estos dos tipos de formación de elite y de masas. Es necesario que, en el universo complexo y diferenciado de la educación superior contemporánea, las instituciones, públicas y privadas, busquen sus nichos de actuación, y los gobiernos desarrollen políticas de regulación, incentivos y apoyo financiero para que, en su conjunto, las sociedades produzcan educación superior en la cantidad y con la calidad necesarios.

Roberto Salmeron e Alberto Santoro: Física de Partículas

Na minha entrevista à revista Veja de dua semanas atrás, eu coloquei em dúvida, como exemplo, a prioridade que deve ser dada à física de partículas no Brasil. Isto provocou críticas de vários pesquisadores da área, entre os quais a do professor Ronald Cintra Shellard, que está publicada como comentário aqui. Agora recebi uma outra carta, dos professores Roberto Salmeron, personalidade importante da ciência brasileira, e Alberto Santoro, do Instituto de Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, cujo texto transcrevo abaixo.

É possivel que eu tenha me equivocado totalmente, de fato não sou especialista na área (embora saiba algo da história e das políticas da ciência no Brasil) e neste caso peço desculpas. Mas acredito que eu teria encontrado a mesma reação se tivesse questionado a prioridade do programa espacial, ou dos estudos de filosofia.

Meu ponto principal, que creio que continua valendo, é que é necessário poder discutir de forma aberta a importância e o peso relativo das diversas áreas de pesquisa em um país, com a participação tanto dos especialistas quanto de outros setores da sociedade, e tomar decisões sobre prioridades, sem com isto diminuir a liberdade intelectual nem desvalorizar a contribuição de ninguém.

O argumento de que todas as áreas do conhecimento devem ser apoiadas, porque fazem parte da cultura, e que só os especialistas podem opinar sobre os respectivos campos, é válido quando os recursos são ilimitados, mas acaba redundando em uma grande dispersão de esforços que nunca atingem a densidade científica e técnica que o país necessita. Para ficar mais claro o que estou dizendo, sugiro a leitura dos critérios para o apoio à pesquisa básica do Office of Management and Budget do governo americano, disponível aqui.

Segue a carta dos professores Salmeron e Santoro:

19 de maio de 2008

Prezado professor Simon Schwartzman,

Com grande surpresa e preocupação lemos em sua entrevista à revista Veja de 3 de maio de 2008, páginas amarelas, algumas declarações questionáveis, mas sobretudo as seguintes:

“ Não tem sentido, por exemplo, o Brasil fortalecer sua pesquisa em física de partículas. Tivemos aqui pesquisadores importantes na década de 40, como Mário Schenberg e César Lattes, que fizeram pesquisa de fronteira e publicaram artigos preciosos. Mas acabou aí. Depois nisso ninguém fez mais nada.”

“A física de partículas é hoje uma ciência bilionária. Depende de investimentos que nenhum pais faz sozinho. O Brasil vai participar desse jogo para que? E vai botar quanto dinheiro nisso? “

Essas afirmações são inteiramente fora da realidade e são uma ofensa a brasileiros que têm dado contribuições fundamentais a essa área e se impuseram na comunidade internacional de físicos.

Desejamos inicialmente fazer duas correções. A primeira, Mário Schenberg nunca trabalhou em física de partículas elementares. Trabalhou no que chamamos “teoria de campos”, que em alguns aspectos às vezes tem conexão com física de partículas mas não é física de partículas. A segunda, os únicos trabalhos importantes feitos em física de partículas no Brasil na década de 40 foram os do professor Gleb Wataghin e seus colaboradores diretos no Departamento de Física da ex-Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, tanto em teoria quanto em experiências. Entre eles, a primeira teoria estatística sobre produção de mésons de Gleb Wataghin, trabalho pioneiro de 1942, e a descoberta experimental dos “chuveiros penetrantes” em colaboração com Marcello Damy de Souza Santos e Paulus Aulus Pompéia, de 1940. Esta experiência foi repetida na Inglaterra com técnica diferente e contribuiu para uma das mais importantes descobertas da física do século XX, a das “partículas estranhas”. São trabalhos que ficaram na história.

Sua afirmação:

“Mas acabou aí. Depois disso ninguém fez mais nada”

é uma ofensa a brasileiros que contribuíram e continuam contribuindo para esse campo da física. Contrariamente à sua afirmação, há centenas de trabalhos em física de partículas feitos com colaboração de brasileiros. Alguns deles, pela sua importância, ficaram na história da Física.

Por exemplo, um grupo de físicos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, contribuiu para a descoberta do “quark top”. Sabemos que a maioria das partículas são compostas de seis partículas chamadas “quarks”. O “top” por ser o mais pesado foi o de detecção mais difícil. Foi descoberto numa experiência realizada no Fermilab nos Estado Unidos, da qual participou o grupo brasileiro. Uma parte da análise dos eventos que prova que se tratava realmente do “quark top” foi inteiramente realizada no Rio. O anúncio dessa descoberta foi feito com uma declaração à imprensa no mesmo dia e na mesma hora, levando-se em consideração os fusos horários, em Nova York, em Paris e no Rio.

Em novembro passado os jornais de todo o mundo publicaram a notícia de que a colaboração internacional conhecida como “Projeto Auger” descobriu origens de raios cósmicos de altíssimas energias, um dos grandes desafios da física deste século. A colaboração Auger tem forte participação de grupos brasileiros de várias de nossas universidades, de um lado com equipamento importante integralmente construído pela indústria nacional, de outro com a elaboração de programas de computadores para análise dos dados. Dois físicos brasileiros fazem parte do comitê internacional de direção da colaboração. O financiamento da parte brasileira foi feito pelo CNPq e pela FAPESP, cujas direções expressaram publicamente sua satisfação com o resultado obtido. Queremos também esclarecer que esta experiência é uma experiência em física de partículas elementares, os raios cósmicos sendo partículas, todo o equipamento é o mesmo utilizado em física de partículas junto a aceleradores. Todos os físicos da experiência tiveram sua formação em física de partículas.

Vejamos suas outras afirmações:

“A física de partículas é hoje uma ciência bilionária. Depende de investimentos que nenhum país faz sozinho. O Brasil vai participar desse jogo para que? E vai botar quanto dinheiro nisso?“

Dizer que a física de partículas é uma “ciência bilionária com investimentos que nenhum país faz sozinho” exige uma explicação, porque o grande público não conhece a estrutura dessa disciplina e vai pensar que o Brasil gasta ou vai gastar fortunas fabulosas, bilhões de reais ou de dólares, o que seria um absurdo. Sua declaração nos dá o direito de pensar que o senhor também não conhece a estrutura da disciplina.

A realidade é a seguinte. As experiências são realizadas por colaborações internacionais junto a grandes aceleradores de partículas, dos quais os mais importantes são o Tevatron do Fermilab nos Estados Unidos, agora em fins de utilização depois de mais de 30 anos, e o novo acelerador Large Hadron Collider (LHC) do CERN, situado em Genebra, na Suíça. A construção dos aceleradores, de todas as suas partes, os contratos com as indústrias, a infra-estrutura técnica, oficinas, computadores, salários de engenheiros, de técnicos e de físicos com contratos permanentes são pagos integralmente pelos governos dos países que são os donos dos laboratórios. No caso do Tevatron, o governo do Estados Unidos. No caso do CERN, que é um laboratório internacional europeu pertencente a 20 paises da Europa, os governos desses 20 países, que financiam um orçamento anual. O Brasil, como todos os outros países que não são membros do CERN, não paga absolutamente nada para construção e manutenção do laboratório.

As experiências são realizadas por colaborações internacionais cujos financiamentos são feitos em parte pelo próprio CERN, mas na maior parte pelos paises que participam da colaboração. Há um espírito de colaboração, cada país contribui dentro de suas possibilidades. Grupos brasileiros estão participando de quatro grandes experiências no LHC do CERN, que entrará em funcionamento normal daqui a dois ou três meses. Participam dessas experiências 150 países, e dentre eles pelo menos 140 são mais pobres que o Brasil.

É preciso levar em consideração também que a física de partículas elementares está na vanguarda da tecnologia, que beneficia o Brasil. Um grupo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e outro da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” estão colaborando com o CERN em nova filosofia para cálculos de experiências com grandes números de dados e fizeram que centenas de computadores fossem construídos pela indústria nacional, utilizados por várias de nossas universidades; são pólos da América Latina para receber dados diretamente de Genebra e transmiti-los aos outros países. O grupo da UERJ está auxiliando a Faculdade de Medicina em informática.

Se não houvesse física de altas energias o senhor não teria internet, pois o www foi inventado no CERN.

Como resposta à sua pergunta

“E vai botar quanto dinheiro nisso?“

queremos informar que em física de partículas elementares o Brasil gasta muito menos do que em outras áreas da física e da pesquisa científica. A astronomia, ciência importante que deve ser apoiada e cada vez mais exige trabalhos em colaborações internacionais, tem orçamento anual fixado por lei, maior do que a verba total de todas as experiências de partículas elementares, incluindo viagens e estadias no exterior.

Queremos informar de que está havendo uma preocupação extremamente salutar em cientistas brasileiros de todas as idades e de várias ciências, como física, matemática, química, bioquímica, farmacologia, ciências médicas, genética, com a qualidade dos trabalhos efetuados no Brasil. Nossa produção científica aumenta incontestavelmente, mas a preocupação é: qual o impacto dos trabalhos feitos no Brasil ? Pouquíssimo, a não ser alguns trabalhos. A experiência internacional nos ensina que o caminho mais curto para se chegar ao impacto é o de colaborações internacionais. E a física de partículas elementares está dando o exemplo.

Para responder à sua pergunta

“O Brasil vai participar desse jogo para que?”

queremos dizer inicialmente que não é um jogo, é Cultura. Somos um país de 180 milhões de habitantes, um povo empreendedor, grande proporção de jovens, é nosso dever de universitários de estimular a curiosidade e a cultura das novas gerações, de fazê-las participar de grandes movimentos culturais do mundo, de não mantê-las isoladas. É nosso dever contribuir para acabar definitivamente com a idéia retrógrada de “é bom para a Europa ou os Estados Unidos mas não é bom para o Brasil”.

As informações erradas que o senhor transmitiu em sua entrevista são ainda agravadas pelo fato de o senhor ser membro titular da Academia Brasileira de Ciências, o que lhe dá certo prestígio perante o público, mas os leitores de Veja não sabem que um acadêmico também pode errar.

Cordialmente,

Professor Alberto Santoro, Diretor, Departamento de Física de Altas Energias, Instituto de Física, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Professor Roberto Salmeron, Diretor de Pesquisa Emérito, Laboratoire Leprince-Ringuet, Ecole Polytechnique, França

É preciso ir à luta!

Com este título, A revista Veja do dia 7 de maio de 2008 publica uma entrevista comigo nas “Páginas Amarelas”, a propósito de uma pesquisa que realizamos sobre os vínculos entre a pesquisa acadêmica e suas aplicações práticas na América Latina. Para quem tiver interesse, a publicação pode ser acessada aqui. O texto da entrevista é o seguinte:

O sociólogo Simon Schwartzman, 68 anos, ex-presidente do IBGE, é dono de uma vasta produção acadêmica, na qual o tema da educação ocupa lugar de destaque. Seu mais recente trabalho é uma análise comparativa de dezesseis centros de pesquisa universitários do Brasil, da Argentina, do México e do Chile, com foco na aplicação efetiva da produção científica ali desenvolvida. Nele são esquadrinhadas experiências em geral positivas: centros de excelência integrados ao mercado e afinados com as necessidades de cada país. Uma realidade bem distante da que se constata na maior parte das universidades brasileiras. Nesta entrevista, concedida em sua sala no Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Schwartzman defende a maior integração entre universidade e empresas e a valorização dos centros de excelência. Ele também faz um alerta. O Brasil está ficando cada dia mais distante dos países desenvolvidos no que se refere a investimento em pesquisa. “Estamos perdendo o bonde.”

Veja – As pesquisas feitas nas universidades brasileiras contribuem para o desenvolvimento do país?
Schwartzman – Não como deveriam. Em geral, elas ficam restritas ao âmbito acadêmico e não se transformam em produtos ou serviços úteis à sociedade. Não há transferência de conhecimento, nem mesmo quando se trata de uma pesquisa aplicada.

Veja – Por que isso acontece?
Schwartzman – Há vários fatores envolvidos. Um deles é que a universidade pública, onde se realiza boa parte da pesquisa acadêmica no país, não é estimulada a atender às demandas da sociedade e do setor empresarial, porque é integralmente financiada pelo dinheiro do governo. A experiência mostra que uma instituição só se volta para fora quando precisa buscar recursos. Uma universidade integralmente financiada pelo dinheiro público tem uma tendência à acomodação. Não precisa buscar parceiros e aliados externos. Ao mesmo tempo, a indústria brasileira, tradicionalmente, não tem demanda por tecnologia. Você não pode dizer que a responsabilidade é apenas das universidades se do outro lado não há procura.

Veja – O melhor caminho é necessariamente a associação entre universidade e empresa?
Schwartzman – Na maioria das vezes, sim. Mesmo pesquisas importantes para a sociedade não são devidamente aproveitadas fora da academia quando não existe parceria com empresas. O pesquisador pode criar uma cura para determinada doença, mas transformar isso em um produto farmacêutico requer um investimento enorme e muitos anos de trabalho na etapa de desenvolvimento. Só o custo para registrar uma patente pode chegar a centenas de milhares de dólares. Não basta inscrevê-la num único escritório, a patente tem de ser registrada na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa, que são os principais mercados. Isso muitas vezes só é possível com a ajuda de um parceiro privado.

Veja – Qual a responsabilidade dos órgãos oficiais de financiamento à pesquisa nessa situação?
Schwartzman – O sistema de avaliação dos centros de pesquisa e pós-graduação utilizado pela Capes tem mais de trinta anos. E foi muito importante para o Brasil. Graças a ele, o país tem hoje uma pós-graduação que é de longe a melhor da América Latina. Mas já está ultrapassado. Ele dá muita ênfase aos trabalhos acadêmicos e desestimula qualquer iniciativa prática. Os critérios de qualidade levam em conta o número de artigos publicados, o número de doutores formados e a participação em congressos internacionais. A aplicação da pesquisa não é valorizada. Com isso, os pesquisadores só querem publicar artigos em revistas internacionais e, assim, contar pontos para seu departamento. Depois de o artigo ter sido publicado, eles não se interessam em procurar uma empresa para desenvolver o produto. Consideram mais vantajoso à carreira iniciar outra pesquisa, para publicar um novo artigo.

Veja – O que o Brasil perde com isso?
Schwartzman – Há dois tipos de perda. O setor privado perde uma excelente oportunidade de evoluir tecnologicamente. E o governo também perde, pois não usa o saber acadêmico para auxiliá-lo na formulação de políticas públicas. Há uma série de demandas por pesquisa em diversas áreas. Em saúde, por exemplo, para controlar a dengue. Na formulação de políticas de segurança, na administração de complexos urbanos. São linhas de estudo que o governo deveria estimular – e usar. O Brasil precisa do melhor conhecimento para lidar com suas questões econômicas e sociais, e não pode abrir mão dos centros de excelência das universidades. Veja só a área da educação, em que o país vive uma tragédia. Temos um sistema educacional que não ensina. As crianças entram na escola e saem semi-analfabetas com 13 ou 14 anos de idade. Faltam estudos para entender o que está acontecendo, quais as saídas, o que funciona e o que não funciona. A área do meio ambiente é pior ainda. Eu nunca vi um estudo sério e competente sobre a transposição do Rio São Francisco.

Veja – Como mudar esse quadro?
Schwartzman – Por um lado, o governo precisa ser melhor usuário de pesquisas. Embora ele tenha institutos próprios, como o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), há sempre um risco quando o pesquisador recebe seu salário diretamente do ministério. E se o ministro não gostar da pesquisa? Outro papel do governo é estimular as empresas privadas a investir em inovação. Ele tem de compartilhar o risco desse investimento. No que diz respeito à universidade, há duas maneiras de pensar uma mudança: de cima para baixo e de baixo para cima. No primeiro sentido seria criando normas para regular o funcionamento das instituições. Isso já foi tentado no Brasil com a criação da Lei de Inovação, que facilita a ligação da universidade com a indústria. Mas nunca funcionou muito bem. Acho que o melhor caminho é de baixo para cima. Ou seja, dando mais autonomia às universidades e estimulando para que elas não fiquem restritas ao meio acadêmico.

Veja – De que forma é possível fazer isso?
Schwartzman – As universidades públicas seguem a lógica do serviço público. Não têm flexibilidade para pagar melhor determinado pesquisador nem para tratar de forma diferenciada um departamento que tem potencial para produzir mais. Elas precisam poder ser mais flexíveis na sua administração. Esse é um ponto. De outro lado, as instituições têm de ser motivadas a buscar parceria com as empresas. Precisam ganhar alguma coisa com isso, mas também têm de perder se não o fizerem. Vou dar uma sugestão. Se cada departamento da universidade recebesse apenas 50% do seu orçamento e tivesse de levantar os outros 50%, já seria um grande estímulo. Poderia ser estipulado que o pesquisador receberá seu salário em dobro se o departamento conseguir mais dinheiro, mas receberá a metade se não conseguir nada. Isso os tiraria da inércia. Quando eu estudava na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, fecharam o departamento de biologia porque estava obsoleto. E é uma universidade pública. O departamento era antigo, tinha pesquisadores experientes e famosos, mas considerados ultrapassados. Depois de fechá-lo, a universidade foi ao mercado buscar uma nova geração de pesquisadores para substituir a antiga. E por que fizeram isso? Porque sabiam que se tivessem um departamento forte e atualizado conseguiriam dinheiro com mais facilidade junto ao governo e às empresas privadas.

Veja – Que critérios uma universidade brasileira segue para definir suas linhas de pesquisa?
Schwartzman – As decisões são individuais. A lógica é a que está na cabeça de cada pesquisador. Isso pode ser bom para a carreira dele, mas não é interessante para o país porque não há uma linha coerente. O pesquisador morre de medo de alguém dizer a ele o que deve pesquisar. E às vezes tem boas razões para isso. Concordo que o governo não pode definir o que deve ser pesquisado no país. Mas acho que cada instituição tem de eleger prioridades estratégicas, voltadas para as demandas da sociedade. Não tem sentido, por exemplo, o Brasil fortalecer sua pesquisa em física de partículas. Tivemos aqui pesquisadores importantes na década de 40, como Mario Schenberg e Cesar Lattes, que fizeram pesquisa de fronteira e publicaram artigos preciosos. Mas acabou aí. Depois disso ninguém fez mais nada. A física de partículas é hoje uma área bilionária. Depende de investimentos que nenhum país faz sozinho. O Brasil vai participar desse jogo para quê? E vai botar quanto dinheiro nisso?

Veja – O governo distribui corretamente seus investimentos em pesquisa?
Schwartzman – Esse é outro problema. O governo pulveriza muito os recursos. E os projetos contemplados não conseguem crescer. O CNPq (responsável pelo financiamento de pesquisas universitárias) criou o Instituto do Milênio, cuja idéia inicial era fortalecer alguns centros. Mas isso foi sendo pulverizado. Em vez de concentrar o dinheiro em centros de excelência, a estratégia foi diluir. É um critério democrático, mas com isso você não cria densidade. Dessa forma é impossível dar um salto de qualidade. A atividade científica é cara e concentrada. Não é para qualquer grupo. Hoje, a legislação brasileira exige que todas as universidades façam pesquisa. Isso só estimula uma mimetização. O professor participa de um congresso qualquer ou publica um artigo numa revista que ninguém lê. É algo que tem aparência de pesquisa, mas não produz conhecimento. Fazer pesquisa significa participar de um grupo seleto e muito exigente de pessoas que estão produzindo conhecimento de fronteira. É uma atividade que pouca gente faz. Por isso o investimento deveria ser concentrado, como acontece em países desenvolvidos.

Veja – Sua pesquisa analisou universidades que conseguem associar ciência de excelência à relevância social ou econômica. Elas têm algum ponto em comum?
Schwartzman – O principal fator é o humano. Em todos os casos que estudamos, havia um pesquisador com mentalidade empresarial, que liderou o processo de integração com o mercado. Mesmo nas universidades públicas, o líder de um departamento, além de ser bom na sua área, deve ter um perfil empreendedor. Precisa estar o tempo todo antenado com o que acontece fora da universidade para saber quais temas de pesquisa estão surgindo, quais as linhas mais promissoras e onde estão as oportunidades. Ele tem de saber convencer os outros da importância do seu trabalho. Isso cria uma dinâmica. Foi o que aconteceu no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que virou padrão internacional na área de engenharia. Por que o Exército ou a Marinha não conseguiram fazer nada parecido? Não foi por questão política. Foi porque colocaram gente de talento lá dentro. É preciso dar mais liberdade para que líderes de departamento com capacidade empreendedora possam agir.

Veja – Como isso acontece nos países desenvolvidos?
Schwartzman – Na Inglaterra, todas as universidades são públicas, mas são administradas como se fossem do setor privado. Elas têm agilidade para buscar recursos, identificar prioridades, contratar ou demitir gente e, principalmente, pagar de forma diferente profissionais diferentes. Um grande médico ou um grande químico não podem ganhar o mesmo que um professor de história, como acontece nos universidades públicas brasileiras. Nada contra os historiadores, mas esses profissionais são pagos de forma diferente no mercado. Se a universidade não fizer o mesmo, os mais qualificados irão atrás de oportunidades melhores na iniciativa privada. Nos Estados Unidos, as universidades trabalham com todo tipo de convênio e de parceria. Evidentemente produzem muito mais.

Veja – O mau uso de verbas públicas por fundações ligadas a universidades originou um escândalo que resultou no afastamento do reitor da Universidade de Brasília. No Brasil, essa liberdade não pode dar margem a abusos?
Schwartzman – Não há respostas óbvias para isso. Tudo precisa ser regulado. O caso das fundações é bastante interessante. Elas foram criadas para contornar a rigidez na administração das universidades públicas. Claro que há possibilidade de abusos, como aconteceu em Brasília. Mas fechá-las seria um desastre. Acho muito importante manter as fundações, sobretudo enquanto as universidades públicas estiverem submetidas à camisa-de-força do serviço público. Precisamos ver caso a caso se as irregularidades são de fato ações desonestas ou o exercício efetivo da flexibilidade para o qual elas foram criadas. Fundações estão submetidas à legislação própria de responsabilidade e transparência no uso de recursos, e, se há irregularidades, a solução não é fechá-las, mas aplicar as regras que existem.

Veja – A economia brasileira está vivendo um período notável. A pesquisa acadêmica não tem se beneficiado disso?
Schwartzman – Não o bastante. O Brasil está perdendo o bonde. O volume de investimento em pesquisa tem crescido a uma velocidade bem maior nos países desenvolvidos do que aqui. A distância está aumentando muito. O país não tem capacidade para atrair um investimento de qualidade porque não tem massa crítica. O atual governo fala muito sobre a questão da inclusão. Seu tema principal é o acesso à universidade. Acho isso um equívoco. Você não tem tanta gente para colocar na universidade porque o ensino médio está muito ruim. Essa política dá acesso a gente que não vai conseguir muita coisa. Não acho que o problema da desigualdade social passe pela inclusão na universidade. Seria melhor oferecer uma educação básica de qualidade. A função da universidade é produzir competência, gente bem formada e pesquisa de qualidade. A universidade tem de ter liberdade e estímulo para eleger prioridades. Hoje ela não tem nem uma coisa nem outra. O que devemos discutir é se essa universidade tem bons engenheiros, bons cientistas e se tem capacidade para oferecer serviços. O resto é secundário.

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