Laura Randall no BrazilLink: Expectativas sobre o desempenho dos alunos nas escolas

Em um novo texto, disponível no BrazilLink, Laura Randall dá continuidade à análise dos dados da pesquisa feita em Belo Horizonte com Maria Ligia Barbosa sobre os determinantes das expectativas de pais e professores em relação ao desempenho dos alunos nas escolas públicas – características dos pais, como renda, cor, e educação, e agora, caracteristicas das condições em sala de aula. O novo texto está na e-library do BrazilLink, que contém também muitos outros textos de interesse sobre a educação brasleira.

História, geografia e ciências sociais nas escolas.

Procurado pela reporter da Veja, conversei longamente sobre a questão do ensino das ciências sociais das escolas brasileiras. O que saiu, em uma reportagem sobre as queixas de uma mãe sobre os livros adotados pelo Sistema COC de Ensino, foi eu dizendo que “as crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social superficial, marcada pela crítica marxista vulgar”. Espantada, a professora de geografia Zilda Rodrigues me escreve:

Dito por um sociólogo, numa revista que atinge aos mais variados segmentos sociais e intelectuais, deixa-nos, professores de Geografia, numa situação, no mínimo, constrangedora. Afinal, o que se espera de nós? Uma Geografia puramente descritiva de paisagem ou uma Geografia analítica e crítica da paisagem? O conhecimento geográfico é apolítico?
Certamente, com todo o respeito e admiração que tenho por suas idéias – sou leitora de vários artigos seus, dos livros “Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo” – excelente, aliás e já indiquei a vários colegas; “As causas da pobreza”, que também sempre indico; tal afirmação só pode ter sido descontextualizada, uma vez que, não se pode esperar uma escola cidadã, repetindo amontoados de nomes, fatos e datas que serviriam apenas como “decorebas”. Isso remete-nos a uma época de “obscuridade” das ciências humanas.
Não há dúvidas de que há vasto material didático “marcado pela crítica marxista vulgar”, bem como é urgente maior rigor das editoras na divulgação desse material. Mas daí a defender uma história e geografia que exaltem nomes e datas, há uma distância muito grande. Assim compreendemos(mal?) eu e vários leitores, com quem cça,onversei, a maioria deles professores, claro!…Considerando que nossa opinião não tenha grande peso, como tem a sua, não caberia, portanto, à revista esclarecer melhor tal colocação?
Lembrando Paulo Freire, que ainda continua guiando meus passos “Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, se atrelem a um passado, de exploração e de rotina.”; refletindo sobre o desafio de que “…Para que a pobreza seja vencida, é necessário vontade política e compromisso com os valores da igualdade social e dos direitos humanos; uma política econômica adequada, que gere recursos; um setor público eficiente, competente responsável no uso dos recursos que recebe da sociedade; e políticas específicas na área da educação, da saúde, do trabalho, da proteção à infância, e do combate à discriminação social, e outras. Tudo isto é fácil de dizer, e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável, comprometida os valores de equidade de justiça social, e que não caia na tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo prazo, e que pode não chegar a bom termo. Mas não há outro caminho a seguir, a não ser este.”
Creio tratar-se de um lamentável equívoco… Afinal, que papel cabe a nós, professores, na construção dessa sociedade?

O que tratei de explicar para a reporter foi que, no passado, o ensino da história nas escolas se limitava quase que à narração de uma cronologia de reis e batalhas, que os alunos tinham que decorar. Este tipo de história, que corresponde ao que os ingleses chamam de “Whig history”, e que poderíamos traduzir para “história de salto alto”, interpretava o passado como uma marcha acendente da civilização até o presente, moldada pelos grandes feitos dos políticos. Eu lembrei que, ao final dos anos 30, na França, surgiu uma nova maneira de ver a história, como processos de longo prazo, que deveriam ser entendidos com o auxílio das diversas ciências sociais. Esta nova história, conhecida como a da “ Escola dos Annales”, e representada por autores como Marc Bloch, Lucien Febre, e, depois, Fernand Braudel, teve muitos desdobramentos, e hoje a historiografia é muito diversficada, cobrindo desde a história política mais tradicional até a história econômica, história social, história das mentalidades e história da cultura, entre outros.

O problema é como transformar esta história mais aberta e cheia de especializações em um curriculo escolar. Um bom curso de história, me parece, deve dar o contexto e a interpretação dos grandes processos sociais, mas deve também dar aos estudantes um marco de referência clara, um “mapa” dos principais eventos que fazem parte de nossa memória histórica, do período clássico até a história mais recente – o que foram a civilização do Egito, o Império Romano, a Idade Média, a revolução industrial, o período das descobertas, os impérios coloniais, a guerra fria… Não há como fazer isto sem nomes de países, de personalidades e datas relevantes.

Na geografia, o problema é parecido. Mais talvez do que a história, o que era antigamente geografia está hoje dividido entre muitas disciplinas diferentes – cartografia, geociências, botânica, economia regional, demografia, sociologia urbana e sociologia rural, entre outras. Os franceses, sobretudo, com sua excelente tradição de ensino, desenvolveram uma geografia para as escolas que procura ser uma síntese didática de tudo isto, com um forte elemento descritivo – é aí aonde os alunos aprendem como são os continentes, os países, as principais formações naturais, os sistemas políticos e econômicos, como o território é ocupado pelo homem – e, claro, quais são os principais rios, e a importância que têm.

A substituição dos antigos cursos de história e geografia pelas ciências ou “estudos sociais”, feita com a boa intenção de acabar com a memorização sem sentido de datas, nomes e acidentes geográficos, redunda muitas vezes na transmissão de interpretações extremamente simplistas e ideologicamente carregadas da história e da atualidade, vazias de conteúdo, que não contribuem em nada para a boa formação dos estudantes.

Eu concordo com a professora Zilda e com Paulo Freire que devemos olhar para o futuro, buscar melhorar nossas sociedades, valorizar e garantir os direitos humanos, etc. Quem poderia pensar diferente? Mas a questão não é esta, e sim decidir o que ensinar nas escolas. E aí minha inspiração não é Paulo Freire, que pregava a junção entre educação e “conscientização”, ou doutrinação, mas Max Weber e seus textos famosos sobre a ciência e a política como vocação. A responsabilidade do professor, que trabalha do lado da ciência, é de formar os estudantes para que eles possam entender o mundo em que vivem e suas diferentes interpretações, e tomar suas próprias decisões. É uma violência, eticamente inaceitável, aproveitar da posição de professor para inculcar nos alunos uma visão e interpretação particular a respeito do passado, do presente e do que deveria ser o futuro. O político é diferente, sua vocação é defender seus pontos de vista, e tratar de destruir os argumentos dos adversários. Todos nós somos, em alguma medida, políticos, porque temos nossos pontos de vista, mas nossa obrigação, enquanto professores, é não forçá-los sobre os alunos. A melhor contribuição que os professores podem dar para a construção de um futuro melhor, me parece, não é conquistando os alunos para suas ideologias, mas dando a eles os fatos, e também as diferentes interpretações e pontos de vista, que lhes permitam exercitar, plenamente, sua cidadania.

O melhor sistema de saúde pública do mundo: médicos na cadeia

O Globo de hoje, 11/06/2007, noticia que a Dra. Yolanda Cyranka, chefe de equipe do Hospital Miguel Couto no Rio de Janeiro, foi presa por desrespeitar ordem do Tribunal de Justiça do Rio para transferir um paciente para um hospital particular, porque a UTI do hospital público não tinha vaga.

No dia 15 de maio passado, o secretário estadual de Saúde e o gerente estadual de Gerência Farmacêutica do Espírito Santo foram presos pela Polícia Federal por descumprirem uma determinação de um juiz federal de Colatina, no interior do Estado. Segundo a Justiça, a Secretaria da Saúde deveria ter fornecido o medicamento Avastin à família de uma criança de cinco anos, que está com tumor cerebral e se encontra em estado grave. Conforme noticiou o jornal A Tarde, uma dose do remédio custa mais de R$ 5 mil. “O secretário alega que a encomenda já havia sido feita, mas o laboratório não pôde cumprir o prazo determinado e a justiça já havia sido informada.”

É muito comum ouvir a afirmação de que nosso Sistema Unificado de Saúde, o SUS, implantado a partir da Constituição de 1988, é o melhor do mundo (veja por exemplo o artigo de Juliano Carvalho Lima, Mestre em Saúde Pública pelo Instituto Oswaldo Cruz, ou o documento da CUT no mesmo sentido).

A qualidade do sistema consistiria no princípio de que o atendimento à saúde é direito de todos e dever do Estado, além de sua gestão comunitária, de forma descentralizada e autônoma. Quando um doente precisa de um tratamento, e as autoridades da área de saúde não o atendem, então a justiça intervém, ordenando que o atendimento seja feito, e mandando prender os que não cumprem a ordem judicial.

Falta só um pequeno detalhe, que é o dinheiro para criar toda a infra-estrutura de atendimento, comprar todos os remédios e fazer todos os exames que sejam necessários. Na área da saúde, mais do que em outras, os custos dos equipamentos, remédios e da atenção profissional são crescentes, e, como o valor da vida é incomensurável, sempre se pode gastar mais para atender a quem necessita; mas os recursos, por mais que cresçam, serão sempre insuficientes. Todos os serviços de saúde do mundo, mesmo nos países mais ricos, têm que enfrentar este problema, através de prioridades, participação dos pacientes nos custos dos serviços (não só para arrecadar algum dinheiro, mas para desestimular a demanda por atendimentos menos prioritários) e o estabelecimento de padrões autorizados de tratamento, entre outras medidas.

O ativismo judiciário no sistema de saúde, com juizes obrigando as autoridades médicas a dar prioridade aos casos que chegam às suas mãos, só agrava as enormes dificuldades que o setor enfrenta, tendo que escolher, todos os dias, como usar melhor os parcos recursos de que dispõe.

Está na hora de dizer que o Sistema Unificado de Saúde não só não é o melhor do mundo, mas, muito pelo contrário, tem vícios de concepção e organização insanáveis, que têm como resultado o péssimo atendimento à população que depende dele, e que precisam ser profundamente revistos.

A Universidade segundo Schwartzman

O Jornal da UNICAMP, em sua edição 356, de 23 de abril a 6 de maio de 2007, publicou uma longa entrevista que dei a Álvaro Kassab, e que está tendo alguma repercussão. Amostra:

JU – O que há de anacrônico e de novo na universidade brasileira?

Schwartzman – Há varias coisas anacrônicas. Uma delas é toda essa ênfase na indissolubilidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Trata-se de uma concepção de universidade que deixou de existir há décadas. No mundo inteiro, a pesquisa se concentra em algumas instituições; o ensino superior, em grande parte, faz educação. Essa indissolubilidade não existe mais, está ultrapassada. Ao contrário, as instituições cada vez mais se especializam.

Outra coisa anacrônica é a idéia da universidade pública gratuita. Poucos países do mundo levam adiante essa proposta. Até os países europeus, que tinham uma tradição de manter universidades gratuitas quando elas eram poucas e pequenas, estão começando a introduzir o sistema de cobrança.

JU – Mas, no caso do Brasil, o senhor não acha isso um pouco assustador?

Schwartzman – Não. Para aquele aluno que provar que não tem recursos e, conseqüentemente, não tem condições de ingressar na universidade, embora tenha mérito, o governo implementaria um sistema de apoio. Ele receberia bolsas, crédito educativo etc. O que não pode é ter um sistema gratuito que atende predominantemente a pessoas das classes média e média alta, que vão aumentar sua renda privada de forma muito substancial ao longo da vida, sem que estas pessoas compartam o custo de sua educação.

O texto completo está disponível no site do Jornal da Unicamp e pode ser também baixado, em PDF, do meu site.

Jacques Schwartzman: O Ensino Superior no Programa de Desenvolvimento da Educação

O seguinte artigo foi publicado no Estado de Minas de 31 de maio de 2007:

Ainda que, acertadamente, a maioria das ações deste novo Programa se dirijam ao ensino básico, ele também inclui cinco importantes medidas para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). A primeira e mais audaciosa delas é a proposta de se dobrar as vagas oferecidas em 10 anos, através da ampliação de cursos noturnos, redução da evasão para 10% e aumento da relação aluno professor de 10 para 18. Estimula também maior flexibilidade nos currículos, permitindo a maior circulação de alunos entre instituições e cursos e, reduzindo a especialização precoce. As Instituições Federais de Ensino Superior poderão propor ao MEC um projeto dentro dessas linhas e assim obter o respectivo financiamento. Segundo alguns cálculos preliminares, o orçamento poderá ser acrescentado em 2,1 bilhões de reais, o que representaria uma adição de 20% em relação ao que se pratica hoje, não considerando os inativos. Esta proposta parte do entendimento de que existe um certo grau de capacidade ociosa de professores, funcionários e espaço físico, o que deve ser verdadeiro, embora em graus diferentes entre as IFES. Um outro mérito da proposta é a adesão voluntária e a possibilidade de se obter o financiamento com combinações diferentes de metas, em termos de evasão, cursos noturnos e ampliação de vagas diurnas. As IFES também poderão traçar seus projetos de tal forma que não se prejudique a qualidade dos cursos de graduação e o funcionamento da pós-graduação onde ela for significativa.

Uma outra proposta, aparentemente simples, poderá trazer importantes mudanças na política de pessoal das IFES e afetar positivamente a qualidade dos gastos em Pessoal docente. Trata-se de um banco de horas que substituirá os atuais procedimentos. Desde muitos anos, o governo libera para as IFES um certo número de cargos de professor, constante dos quadros de cada uma delas. Ao obtê-lo, procura contratar professores em dedicação exclusiva, o que certamente é melhor para elas do que contratar professores em tempo parcial. A consequência é que a maioria das IFES têm em seus quadros hoje cerca de 90% de professores neste regime, algumas chegando a 100% . Isto eleva desnecessariamente as despesas com pessoal, mesmo porque nem todos podem ou querem fazer pesquisa, e muitos cursos profissionais se beneficiariam com a contratação de mais professores em 20 horas, que trariam a sua experiência prática para dentro da Universidade Na nova lógica seria possível contratar 3 professores de 20 horas ao invés de apenas 1 em dedicação exclusiva. Esta é uma decisão que cabe a cada IFES e certamente contribui para a sua tão almejada autonomia. Restaria incluir no projeto professores horistas(que poderiam substituir os atuais de 20 horas) que
não precisariam de estar na carreira docente,mas poderiam trazer sua vivência profissional sem se preocupar com publicações e títulos de pós-graduação.

A modernização da lei dos estágios é necessária para que ele seja mais um instrumento de aprendizagem( inclusive valendo créditos) e não se constitua numa mão de obra barata graças a isenção de encargos sociais.

As modificações no Programa de Financiamento Estudantil – FIES (aumento do prazo de carencia para o dobro do tempo do curso) e o Programa Universidade Para Todos – PROUNI (utilização dos certificados dos alunos do FIES no PROUNI para pagamento de débitos fiscais) certamente aumentarão a oferta de vagas no sistema privado, embora seja difícil avaliar o seu impacto.

Finalmente, é lançado mais um programa de incentivos , liderado pela CAPES, que procura reter no Brasil jovens doutores. Ele não é exclusivo para as IFES, podendo participar outras IES, Centros de pesquisa e empresas privadas,mediante projetos que demonstrem uma inserção relevante dos recém graduados.

Este conjunto de medidas não exaure a lista de problemas que as IFES enfrentam, mas certamente trará mais eficiência e levará mais racionalidade nos processos decisórios.

Jacques Schwartzman , Diretor do Centro de Estudos sobre Ensino Superior e Politicas Públicas, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Censura e auto-regulação na TV

Demétrio Magnoli tem razão ao alertar, no seu artigo sobre “O Censor Utópico” no O Globo de hoje (31/5/2007), contra a censura prévia dos programas de TV e espetáculos audiovisuais pelo Departamento de Justiça e Classificação Indicativa do Ministério da Justiça. Não se trata de censura no sentido de impedir que certos programas, espetáculos ou filmes sejam exibidos, nem que sejam proibidos para determinados grupos de idade. O que se busca é classificar os espetáculos e programas para os diversos grupos de idade, informar os pais e responsáveis para que regulem o acesso das crianças, e regular as horas e locais em que estes espetáculos poderão ou não ser exibidos. O risco é que esta classificação seja feita de forma ideológica, conforme os preconceitos e valores peculiares do censor e dos “voluntários” que a portaria 1.100 do Ministério da Justiça de julho de 2006, que regula esta matéria, prevê que sejam recrutados para este trabalho, sem especificar de onde sairiam.

Mas qual é a alternativa? Por quê os valores peculiares dos marqueteiros da TV ou do cinema comercial, fortemente condicionados pelos números do IBOPE, seriam superiores aos do Ministério da Justiça?

Não é uma questão simples, que se resolva protestando em nome da liberdade toda vez que alguém menciona este problema. Na sociedade brasileira como em todas, as pessoas têm valores e preferências diferentes, e não se pode permitir nem que umas censurem a livre expressão das outras, nem que algumas poucas se dêem ao direito de invadir a privacidade e ferir os valores e a susceptibilidade de setores significativos da sociedade, nem mesmo em nome das preferências da maioria. Na dúvida, o direito à expressão é sempre melhor do que a censura, mas há limites claros, como por exemplo em relação à pedofilia, ao incitamento ao racismo ou ao uso de drogas.

Fora destes limites extremos, as coisas são muito mais complicadas. A portaria diz que as classificações deverão ser feitas “de forma objetiva, democrática e em co-responsabilidade com a família e a sociedade”, como se fazer isto fosse a coisa mais fácil do mundo. Na prática, pode significar, simplesmente, convidar os companheiros do Ministro ou do Secretário para participar.

A solução adotada pelos países democráticos tem sido a auto-regulação. Os produtores de cinema e outros espetáculos, voluntariamente, criam suas próprias normas, códigos de ética e sistemas de classificação. buscando captar o que poderiam ser os valores predominantes da sociedade, e ajustam seus horários e conteúdos a estes padrões. Se já existisse um sistema como este no Brasil, seria muito mais difícil ao Ministério da Justiça impor sua classificação própria. Na sua ausência, a TV brasileira é uma das mais permissivas no mundo, na exibição descontrolada de cenas de sexo e violência que invadem as casas das pessoas a toda hora do dia e da noite. Na sua ausência, denúncias como as de Demétrio Magnoli, por mais verdadeiras que sejam, perdem muito de sua credibilidade.

Ciclos e promoção automática

Tenho recebido várias solicitações para dizer o que penso sobre o tema dos ciclos e da promoção automática dos alunos das escolas públicas, que entrou na agenda por causa de recente resolução da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, e está provocando forte reação por parte do sindicato de professores. Voce é contra ou a favor?

Para quem não está acompanhando: a idéia de ciclos é que os alunos, em vez de serem avaliados e aprovados ou não a cada ano, são avaliados depois de um ciclo de dois, três e até quatro anos. Dentro do ciclo, não existe reprovação. Ao final do ciclo, talvez, mas não é recomendado. Assim, se o primeiro ciclo inclui as três primeiras séries do ensino fundamental, os alunos teriam três anos para aprender a ler e a escrever, cada qual no seu rítmo, e niguem seria reprovado ao final do primeiro ano.

Resumindo o que penso, eu sou contra a reprovação, mas também contra os ciclos. A reprovação na escola não ajuda a melhorar o desempenho e a integração das crianças na escola; ao contrário, ela funciona como um mecanismo para eliminar os que têm mais dificuldades de aprender, e que acabam abandonando a escola depois de várias repetências – normalmente os mais pobres. E os dados mostram que o desempenho dos alunos das escolas que reprovam tende a ser pior do que o das escolas que não o fazem.

Se o aluno não aprende, a obrigação da escola é detectar o problema enquanto é tempo, e dar a ele um atendimento especial, com aulas de reforço, atendimento individualizado, e outros meios de que possa dispor. Nas séries mais adiantadas, os interesses e motivações dos alunos começam a se diferenciar, e as escolas, ou os sistemas escolares, devem se capacitar para lidar com alunos diferentes, alguns voltados para uma educação mais acadêmica, outros para uma formação mais prática e profissional, por exemplo. As crianças e jovens precisam conviver com seus grupo sde idade, e as escolas não podem discriminar e estigmatizar os alunos que não conseguem determinados níveis de aprendizado em algumas matérias.

Mas será que, tirando a reprovação, não ficaria a idéia de que ninguém precisa aprender e ser avaliado, e que tanto vale se esforçar quanto não se esforçar? Se acontecer isto, é um desastre, embora possivelmente não tão grave quanto a reprovação tradicional. Não é necessário assustar e amedrontar as crianças para que elas tenham interesse em aprender. É possível também dar incentivos positivos, prêmios, conceitos mais altos, medalhas, o que for, para valorizar o desempenho. E é necessário, principalmente, avaliar constantemente o desempenho dos alunos, para ver quem está ficando para trás, e corrigir o problema antes que ele se torne irreversível. Tudo isto, aliás, está dito e previsto na portaria da Secretaria da Educação que deu origem a esta celeuma.

É por isto que eu sou contra o sistema de ciclos. O sistema de ciclos supõe um currículo extremamente aberto, que varia de escola para escola e de professor para professor, cria grandes problemas por exemplo, quando os alunos são transferidos de uma escola para outra, e impede a avaliação regular. É possível, e necessário, ter curriculos escolares com conteúdos e sequências muito mais definidos, que possam ser acompanhados pelos sistemas de avaliação.

Em resumo: uma política efetiva de eliminar a reprovação requer um acompanhamento muito mais rigoroso dos alunos, e sobretudo de sua evolução no tempo, enquanto que os ciclos supõem um currículo muto mais aberto, com avaliações muito mais espaçadas e frouxas. Creio que são coisas incompativeis.

A outra questão que tem sido levantada é se os professores da rede pública estariam preparados para esta nova maneira de lidar com a questão da reprovação. Provavelmente não, como não estão preparados, como deveriam, para garantir que 100% dos seus alunos estejam alfabetizados aos 8 anos de idade. É preciso um trabalho importante e sistemático não só de preparação dos professores, mas também de sistemas de apoio e materiais pedagógicos que eles devem utilizar para obter os resultados que se espera das escolas.

Maria Tereza Goudard Tavares: Alfabetização em São Gonçalo

Recebi da Professora Maria Tereza Goudard Tavares a seguinte nota, a respeito do que publiquei antes com o título de “Os burros de São Gonçalo“:

Caro Senhor Simon,

Agradeço o espaço de discussão, saudando o seu compromisso com o diálogo democrático. Em linhas gerais foram estas as minhas palavras aos jornalistas que me entrevistaram por telefone, com relação à adoção do programa Alfa – Beto:

I – Quanto ao uso do programa e a sua implementação junto à rede a partir de 2007, achamos ser necessário que se realize um profundo diagnóstico das condições estruturais e materiais da rede, destacando às condições de trabalho das professoras alfabetizadoras e das escolas em que as mesmas trabalham;

II- A questão da prioridade no uso da verba pública municipal nas compra dos kit´s do programa – É bom ressaltar que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) vem sendo desenvolvido com sucesso nos municípios do estado do Rio de Janeiro, é que em São Gonçalo, os livros tem chegado às escolas, em especial, às classes de alfabetização, sem ônus para SME / Prefeitura de São Gonçalo;

III – A forma pela qual a SME / SG definiu a adoção e a implementação do Programa Alfa – Beto. Defendemos que a professora deve ter o direito de participar da escolha de seu método de trabalho, e que a adoção de um método único, seja este filiado a qualquer matriz epistemológica, não dá conta da multiplicidade dos saberes e fazeres no processo de alfabetização.

Nesse sentido, achamos que a Secretaria Municipal de Educação, ciente de seu papel político e pedagógico deve avaliar com muita acuidade e serenidade a adoção do Programa Alfa – Beto, bem como a sua implementação generalizada na rede. Ressaltamos que à adoção pouco democrática e verticalizada do método único, fere inclusive, o preceito legal garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), que garante ao docente a liberdade de ensinar.

Atenciosamente,
Prof. Drª. Maria Tereza Goudard Tavares (UERJ/FFP)
Conselheira Municipal de Educação de São Gonçalo

Sem surpresas no Bolsa Familia

Depois de muita expectativa, sairam os primeiros resultados da pesquisa de avaliação do Bolsa Familia feita pelo CEDEPLAR a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social, que estão disponíveis no site do MDS. A pesquisa compara uma amostra de familias que recebem a bolsa com um grupo de renda semelhante que não recebe.

O principal resultado encontrado é que as famílias, tendo um pouquinho mais de dinheiro, gastam mais em alimentos, como seria de se esperar. Em relação à educação, é como já sabíamos – quase não há relação entre a bolsa e resultados na educação. Há uma pequena melhoria da frequência escolar em algumas regiões, mas não se sabe se isto é um efeito da bolsa ou, como tenho sugerido, do fato de que as bolsas podem estar sendo dadas, preferencialmente, a crianças que já estão na escola. Em alguns casos, os estudantes do bolsa familia têm níveis de reprovação maior do que os que não se beneficiam dela.

Nada que justifique o tamanho e as pretensões do programa, do ponto de vista da educação. A nova proposta parece ser de dar um dinheirinho a mais para os estudantes que passem de ano. Já é tempo de entender que política de renda e política educacional são coisas diferentes, e separar claramente as duas coisas, dando à área de educação os recursos e a prioridade que ela necessita.

A fábula dos burros de São Gonçalo

A adoção, pelo Município de São Gonçalo, do programa de alfabetização desenvolvido pelo Instituto Alfa Beto, liderado por João Batista de Oliveira, vem provocando uma série de reações agressivas por parte do Sindicato Estadual dos Professores de Educação do Rio de Janeiro. O ataque começou com uma nota “plantada” na coluna de Alcelmo Gois no O Globo (16/5/2007) dando a entender que os alunos estavam sendo forçados a dizer que eram burros (quando na realidade era uma brincadeira associada ao processo de aprendizagem), e continua com uma série de acusações e denúncias ao Ministério Público, por supostas irregularidades, conforme O Globo de hoje, 17/05/2007.

A acusação principal é que o método adotado utiliza o recurso da repetição, que os professores consideram “ultrapassado”, mas que, segundo João Batista, é essencial para a consolidação dos conhecimentos. Segundo a professora Maria Tereza Goudard Tavares, da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, conforme a matéria do jornal, o problema é que “os professores são transformados em repetidores” (ou seja, devem trabalhar conforme um método sistemático e comprovado, e não de qualquer maneira), e que São Gonçalo tem outros problemas: “faltam recursos para laboratórios de informática e muitas escolas nem sequer têm quadras esportivas”, diz ela.

Os resultados de São Gonçalo na Prova Brasil, do Ministério da Educação, mostram que o desempenho dos alunos das escolas da cidade, educados até agora conforme as pedagogias mais “modernas”, está abaixo da média do Estado do Rio, que já é ruim quando comparado a outros Estados do Centro-Sul. Quem sabe que, com mais quadras esportivas e laboratórios de informática, a qualidade melhora?…

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