Roberto Jefferson, a ética de Don Corleone e a democracia

Vendo o show the Roberto Jefferson pela TV, eu me perguntava qual era a lógica daquilo tudo. Era difícil acreditar que ele estivesse tão indignado com o mensalão, enquanto admitia, sem problemas, ter recebido malas de dinheiro do PT, e negociar recursos para seu partido de pessoas indicadas para empresas estatais. Mas acho que entendi quando ele narrou o diálogo que teve com Lula, quando foi visitá-lo junto com o Ministro Walfrido Mares Guia. “Tudo bem com o PTB?” perguntou Lula. “Não”, responde Jefferson, “tudo mal, porque o Dirceu nunca cumpre as coisas que promete”. Ele não disse o que foi que Dirceu prometeu e não cumpriu, mas a gente pode pensar nos 20 milhões para a campanha eleitoral para o PTB, dos quais só foram entregues quatro. A gente já tinha aprendido com Don Corleone, um homem de princípios, que a grande virtude era a lealdade nos acordos, e o grande pecado, a traição. O mensalão era uma arma que Jefferson tinha debaixo do braço para se proteger de uma possível traição, que começou com o dinheiro da campanha que não veio, e culminou na espionagem nos correios. Então, usou a arma que tinha.
Jefferson não se considera melhor do que ninguém. “Eu sou igual a todos”, diz ele, “não sou melhor, mas também não sou pior”. A pergunta que fica é se a política é necessariamente assim, em cujo caso todo este barulho sobre corrupção não passaria, como tem sido argumentado por alguns, de um golpe e uma manobra “udenista-tucano-paulista” para desestabilizar o governo Lula.
Todo mundo que passa pelo curso de Política I, na escola ou na vida, sabe que a vida política não é uma confrontação entre o Bem e o Mal, os homens justos contra os pecadores, mas uma disputa por interesses e por poder. Para quem não passa de ano, isto leva à conclusão de que o jogo do poder é necessariamente sujo e que as questões de honestidade e corrupção não são um problema real, mas simples instrumentos em um jogo aonde o que impera é a ética de Don Corleone.
Quem chega à Política II, no entanto, como o próprio Dom Corleone, entende que não é bem assim. Não é possível viver toda a vida, e consolidar o prestígio e o poder adquiridos, à base de negócios sujos e vendetas pessoais. As sociedades modernas e que funcionam precisam de regras claras, de sistemas judiciais confiáveis, de parlamentares que respeitam seus mandatos, de empresários que pagam seus impostos e não fraudam seus produtos, e de funcionários públicos que não roubam nem se vendem. Sem instituições confiáveis e estáveis, as pessoas não conseguem organizar suas vidas, os serviços públicos não funcionam, e a economia não anda. É difícil achar um político que não tenha feito acordos e negociações duvidosas ou mesmo ilegais. Mas o processo de construção das instituições democráticas não depende somente do maquiavelismo dos políticos – don Corleone transformando seu filho Michael em um respeitável advogado, para continuar seus crimes por outros meios. O fim da violência, da corrupção e da chantagem como instrumento de poder interessa a milhões de pessoas, e a valorização moral e ética das instituições públicas coincide com a funcionalidade das instituições modernas. É aqui que os valores éticos e os requisitos de funcionalidade das democracias modernas se encontram.
Assim, a preocupação da opinião pública, expressa através da imprensa, com a corrupção política não pode ser desqualificada como um simples golpe ou manobra hipócrita contra o partido no poder, sob a alegação de que, no Brasil, a corrupção existe “desde Pedro Álvares Cabral”, e vai continuar existindo sempre da mesma maneira. Nem é possível defender a idéia de que nossas instituições políticas funcionam muito bem no melhor dos mundos possíveis, como diria Pangloss, e que as propostas de reforma política – impedindo que os deputados vendam seus mandatos e mudem de partido, limitando e tornando transparentes o uso de dinheiro nas campanhas, fechando as legendas partidárias de aluguel, redesenhando o sistema eleitoral para torná-lo mais representativo e dando mais condições de governabilidade – não passariam de outras tantas manobras contra o não se sabe bem o quê.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

3 thoughts on “Roberto Jefferson, a ética de Don Corleone e a democracia”

  1. Caro Simon, creio que você colocou bem o assunto. A maioria tende a ver tudo cinza nessas questões. Há diferenças claras entre opções. O governo anterior reduziu o espaço das indicações meramente políticas através das privatizações. A revolta dos Malufs, Quércias, Sarneys e ACMs da vida foi patente, tanto que nem pensaram em apoiar Serra. O PT sempre disse que as estatais são ok, basta indicar gente competente e honesta. Só que não fez isso. Colocou ou petistas sem muita qualificação ou abriu para grupos tradicionalmente fisiológicos e coisas piores. O resultado é o que estamos vendo, inépcia ou corrupção. Instituições sólidas, profissionalização e, por que não, mais privatizações parecem ser o caminho para reduzir a bandidagem. E, nos partidos, certamente algumas regras claras, tipo mudar de partido implica em perda de mandatos, ou prazo ampliado para filiação antes de eleições, etc. Fundo público? Tenho minhas dúvidas.

  2. Eu também! Serve especialmente para o Wanderley Guilherme quem, além de tudo, tem a coragem de dizer que há muitas realizações deste governo que amedrontavam os tucanos! Entre as citadas, pasmem os tucanos, queda do dólar e do risco Brasil, queda da inflação e aumento do crescimento. Só faltou dizer que o próprio PT resiste e sempre resistiu às políticas que geram esses bons resultados…

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