Ruth Cardoso

Não me lembro de uma comoção nacional tão grande quanto a havida com a morte inesperada de Ruth Cardoso. Para os que a conhecíamos mais de perto, no pequeno mundo das ciências sociais, não poderia ser diferente, pela sua vida profissional e, sobretudo, pela pessoa simples, afetiva e comprometida que sempre foi. Também eram inevitáveis as manifestações oficiais de luto devidas à ex “primeira dama”, os elogios formais e a cobertura de imprensa dos funerais e das homenagens, que ela, provavelmente, teria preferido que não houvessem. Mas foi muito mais que isto.

Ruth sempre teve luz própria, sobretudo a partir do Programa Comunidade Solidária, mas é impossível separar o sentimentos e as manifestações de pesar por sua perda dos sentimentos e manifestações de apoio e solidariedade a Fernando Henrique Cardoso. E no entanto, Fernando Henrique, como todo político, provoca controvérsias, enquanto que Ruth parece ter sido sempre, ainda em vida e sobretudo agora, uma unanimidade nacional.

Sempre desconfiei de nossas unanimidades, que geralmente encobrem, sob o manto da suposta glória de poucos, as mazelas e os problemas dos demais. Com Ruth Cardoso foi diferente, e fico tentando entender por quê. Talvez tenha sido pelo fato de que ela personificasse, pelo estilo e pela conduta, um ideal de honestidade, autenticidade e despojamento na vida pública e intelectual que parece estar desaparecendo rapidamente no país. Se isto é verdade, o luto coletivo pela perda de Ruth Cardoso pode ser entendido como um luto por todos nós, pelos valores e pela ética que estamos perdendo, e que ela encarnava.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

5 thoughts on “Ruth Cardoso”

  1. Na verdade, não tinha consciência da profundidade de minha admiração pela pessoa de Dª.Ruth como intelectual, pesquisadora, mulher e, sobretudo, cidadã.São estas pessoas, ainda raras, que vêm penetrando, devagarzinho, no cotidiano de nosso universo psíquico, mostrando-nos um caminho possível de brasilidade.

  2. No meu entendimento, as manifestações de carinho e reconhecimento havidas por ocasião do passamento da doutora Ruth Cardoso – antes mesmo de ter o valor simbólico a respeito do qual a Prof. Maria Helena discorre – representam, ainda que implicitamente, as seguintes ponderações:

    * A dr.ª Ruth NÃO FOI uma primeira-dama preocupada em cumprir o protocolo de emprestar o braço para se pendurar as bolsas
    femininas, compradas com dinheiro público e vistas nas cerimônias oficiais ao lado da figura presendendial. Ela não se prestava a
    atuar no papel de “boba da corte”. Ela colocou sua inteligência a serviço de uma obra que hoje é referência histórica. Ser primeira-dama, nos ensinou dona Ruth, não é uma figuração teatral da República.

    Confesso que eu mesmo não sabia o quanto admirava dona Ruth.

  3. De fato, a comoção nacional com a morte de Ruth revela muitas coisas que estão no imaginário do povo brasileiro e, que vão além das manifestações dos formadores de opinião. Não sabíamos que Ruth era tão popular e admirada por tantas pessoas anônimas que viam nela a representação exemplar do que anda escasso na vida pública: o compromisso com a ética, a honestidade e simplicidade da sua postura, a coragem de fazer mudanças e enfrentar interesses que desafiavam a inovação nas políticas públicas. Sempre bem humorada e criativa, sua grande preocupação era ajudar a diminuir as desigualdades e incentivar a participação social. Não conheci ninguém mais solidário do que Ruth e sua marca, espero, continuará presente no projeto Comunidade Solidária que sintetiza sua imensa contribuição para a renovação das políticas sociais brasileiras.

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