Trilhas para o Rio

Trihas para o Rio, de André Urani, é não somente um livro muito interessante e bem escrito, mas uma raridade, e exemplo do que ele diz. Existem muitas coisas escritas sobre praia, bossa nova, música popular, carnaval, mulheres, televisão e futebol, que formam a imagem do Rio romântico e boêmio, assim como sobre a corrupção, a violência e a desorganização urbana que é a outra cara, cada vez mais assustadora, de nosso paraíso tropical. O que quase não existe são análises que buscam explicar como chegamos até aqui, pelas vias do populismo, do deterioro urbano e da perda de vocação e rumos da cidade.

Uma das explicações que André apresenta é que o carioca sempre pensou e se preocupou com o Brasil e o mundo, e deixou de olhar e dar atenção ao lugar em que vive. O Rio não está sozinho nisto, outras cidades no Brasil e no mundo também passaram por crises de desorganização e perda de rumo. Muitas, no entanto, estão encontrando novos caminhos, a partir de um processo de “reinvenção” cujo principal ingrediente é a participação de sua população, naquilo que ela tem de melhor, na busca destas nova trilhas.

O lançamento do livro será no dia 16 de julho na Livraria Travessa do Leblon, Av. Afrânio de Melo Franco 290, 2 andar, Rio de Janeiro (naturalmente).

Ruth Cardoso

Não me lembro de uma comoção nacional tão grande quanto a havida com a morte inesperada de Ruth Cardoso. Para os que a conhecíamos mais de perto, no pequeno mundo das ciências sociais, não poderia ser diferente, pela sua vida profissional e, sobretudo, pela pessoa simples, afetiva e comprometida que sempre foi. Também eram inevitáveis as manifestações oficiais de luto devidas à ex “primeira dama”, os elogios formais e a cobertura de imprensa dos funerais e das homenagens, que ela, provavelmente, teria preferido que não houvessem. Mas foi muito mais que isto.

Ruth sempre teve luz própria, sobretudo a partir do Programa Comunidade Solidária, mas é impossível separar o sentimentos e as manifestações de pesar por sua perda dos sentimentos e manifestações de apoio e solidariedade a Fernando Henrique Cardoso. E no entanto, Fernando Henrique, como todo político, provoca controvérsias, enquanto que Ruth parece ter sido sempre, ainda em vida e sobretudo agora, uma unanimidade nacional.

Sempre desconfiei de nossas unanimidades, que geralmente encobrem, sob o manto da suposta glória de poucos, as mazelas e os problemas dos demais. Com Ruth Cardoso foi diferente, e fico tentando entender por quê. Talvez tenha sido pelo fato de que ela personificasse, pelo estilo e pela conduta, um ideal de honestidade, autenticidade e despojamento na vida pública e intelectual que parece estar desaparecendo rapidamente no país. Se isto é verdade, o luto coletivo pela perda de Ruth Cardoso pode ser entendido como um luto por todos nós, pelos valores e pela ética que estamos perdendo, e que ela encarnava.

Minas, IDEB e a Prova Brasil

Vanessa Guimarães, Secretária de Estado de Educação de Minas Gerais, e João Filocre, Secretário Adjunto, enviam uma nota técnica detalhada em que mostram os avanços da educação de Minas Gerais nos anos recentes, medidos pelo sistema de avaliação do Estado, e questionam os resultados do IDEB, que consideram duvidosos. O texto completo, de 11 páginas, pode ser visto clicando aqui. Ao final da nota, a Secretaria solicita explicações:

1. É responsabilidade do MEC, do INEP e das instituições contratadas para realizar a Prova Brasil e o SAEB explicar as discrepâncias existentes e sobre a aparente ausência de relação causal entre ação efetiva no sistema e os resultados obtidos.

2. É responsabilidade do MEC informar, também, sobre a qualidade e consistência dos dados que vêm utilizando, sobre a margem de erro das suas avaliações e sobre as mudanças que vêm introduzindo no SAEB, bem como a repercussão dessas mudanças na confiabilidade dos resultados.

3. É dever do MEC informar os gestores dos sistemas estaduais e municipais de ensino sobre possíveis problemas e inconsistências antes de tornar público resultados que acabam por ser republicados pelos erros identificados.

4. É dever do MEC fornecer aos gestores dos sistemas estaduais e municipais de ensino a base de microdados para que se possa fazer uma avaliação mais segura sobre o comportamento dos sistemas educacionais nas avaliações que promove.

João Batista Araujo e Oliveira: Ainda o IDEB

Como são raras oportunidades para um debate sério, cumpre aprofundar e avançar a partir das observações sempre pertinentes da Secretária Maria Helena Guimarães, motivados pela divulgação dos resultados do IDEB. Em sua nota, a Secretária chama a atenção para escolas e municípios que vêm melhorando e indica algumas das constantes que caracterizam as escolas desses municípios. Gostaria de aprofundar dois aspectos:

Primeiro, o que Secretarias de Educação podem fazer para que as escolas melhores? Em setembro de 2008 o Instituto Alfa e Beto promoveu um encontro sobre Reformas Educativas: o que diz a evidência internacional (para mais informações consulte o site www.alfaebeto.com.br). A experiência internacional mostra que os fatores que tornam as escolas bem sucedidas são os mesmos que tornam os países bem sucedidos: em outras palavras, nesses países, os governos ajustam suas políticas e práticas de ensino para que todas as escolas tenham condição de dar certo. No Brasil, na maioria das vezes, as escolas que dão certo são exceção, o que sugere que as regras que as Secretarias criam precisam mudar. A grande diferença de dados entre municípios de uma mesma rede, ou entre escolas de um mesmo município, são testemunhos da falta de políticas consistentes das Secretarias – e que são a condição necessária, embora não suficiente – para que as escolas possam ter sucesso.

O segundo aspecto refere-se à importância de praticar educação com base em evidências. Para isso é essencial, como diz a Secretária Maria Helena, promover pesquisas. Mas mais importante do que isso, é importante usar as evidências já disponíveis, e usar pesquisas para avaliar se estamos atingindo os objetivos ou para descobrir novas formas de conseguir melhores resultados. No Brasil insistimos em reinventar a roda como se os fatores necessários para melhorar a educação fossem desconhecidos. Freqüentemente , como bem aponta a Secretária, basta organizar algumas rotinas básicas para ver resultados. Mas freqüentemente é preciso ir além do óbvio e do trivial, consultar as evidências e implementar reformas. No Brasil, por exemplo, os governos e universidades resistem às evidências sobre a importância de usar métodos adequados para alfabetizar as crianças. Ou seja: selecionamos as “evidências” de que gostamos e desprezamos as que não convém.

Que lições as Secretarias de Educação precisam tirar do IDEB? No Brasil, desde o Colégio Pedro II, sabemos como fazer UMA escola de elite – seja ela localizada na capital ou na favela mais complicada. A educação não pode depender apenas dos bons ofícios de um diretor – da mesma forma que uma empresa de aviação não pode depender de pilotos corajosos. O que ainda não aprendemos a fazer é montar uma rede de escolas que funciona como sistema a nível estadual ou municipal. Premiar e promover escolas de bom desempenho é fundamental. Mas a função principal das Secretarias de Educação é criar as condições para que todas as escolas possam oferecer ensino de qualidade. E, para isso, é necessário fazer uma revolução profunda na substância e na forma de agir de nossas Secretarias de Educação. E superar a duplicidade de redes públicas de ensino num mesmo município.

Maria Helena Guimarães de Castro: as surpresas do IDEB

Maria Helena Guimarães de Castro, Secretária de Educação do Estado de São Paulo, envia o seguinte comentário sobre o IDEB:

Concordo com os argumentos do João Batista, mas há algumas surpresas no IDEB, especialmente em pequenos municípios do Sul e Sudeste, que merecem nossa atenção para os fatores intra-escolares. É o caso dos municípios paulistas que se destacaram entre os 20 melhores do país, ou das escolas municipais também de pequenas cidades do interior de SP. Em comum, essas escolas apenas conseguiram organizar as rotinas básicas que fazem uma enorme diferença para a melhor aprendizagem dos seus alunos. Entre os fatores mais importantes, destacam-se:

1. diretores comprometidos e estáveis
2. participação dos pais
3. uso de materiais didáticos estruturados
4. supervisão e monitoramento permanente.

Creio que precisamos ir além dos estudos econométricos e começar a mostrar às escolas o que funciona. As evidências apontadas nos estudos econométricos corretamente indicam o peso dos condicionantes extra-escolares como fatores explicativos do desempenho escolar. Parece-me, no entanto, fundamental mostrar o que faz diferença no modo de funcionamento das escolas para estimulá-las a melhorar e indicar as boas práticas que estão ao alcance de todos. Obviamente, é muito mais simples ter escolas organizadas em cidades pequenas, o grande problema são as regiões metropolitanas. Mas, mesmo nas regiões metropolitanas, há exemplos muito interessantes que podem ser replicados. É o caso de Francisco Morato na Grande São Paulo, municipio dormitório, muito pobre, que vem dando saltos significativos nos indicadores sociais e educacionais com uma receita relativamente simples: os agentes sociais da prefeitura visitam as casas dos alunos que faltam ou tem dificuldade de aprendizagem. Caíram as taxas de repetência, melhoraram os índices de aprendizagem e os pais fiscalizam os professores que faltam.

Parece simplismo da minha parte, mas não é. Estou preocupada em valorizar as boas escolas públicas e mostrar que é possível melhorar mesmo que a região seja pobre, etc. Senão, vamos ficar com o mesmo discurso dos sindicatos: a escola não melhora porque os salários são baixos, a carreira é péssima, as turmas são grandes, os pais desempregados, etc. Pode ser uma batalha perdida, mas continuo tentando.

Sinto falta de estudos que aprofundem os fatores internos à escola para subsidiar políticas. É muito pequena ou nula nossa margem de atuação para melhorar os condicionantes externos. Mas há fatores que importam e que podem ser objeto de intervenção dos gestores públicos de educação. Creio que devemos prestar mais atenção nisso até para convencer os diretores de escola de que é possível melhorar. O SARESP de SP mostrou, por exemplo, que escolas com menos de mil alunos tendem a apresentar melhor desempenho, até em áreas ultra vulneráveis da GSP; mostrou também que escolas exclusivas de 1a. a 4a. séries são melhores do que as grandes escolas de educação básica com mais de 1.500 alunos. O tamanho da turma parece não fazer diferença, mas o tamanho da escola faz, como já apontam as reformas do Blair em 99 e as do prefeito de NY. Mostrou que nossas 500 escolas de tempo integral são tão medíocres quanto as demais. Enfim, estamos analisando os resultados e há coisas interessantes para orientar nossas ações.

O novo relatório do crescimento

The Growth Report, documento escrito por uma comissão de notáveis liderada pelo Prêmio Nobel de economia Michael Spence, da qual faz parte Edmar Bacha, está sendo considerado por muitos como o novo “consenso de Washington”, que deixa para trás as receitas simplistas de “estabilidade econômica, menos estado e mais mercado” dos anos 80, e apresenta um quadro muito mais rico e complexo dos fatores que permitem ou não o desenvolvimento econômico dos países.

O desenvolvimento que interessa não é somente o de curto prazo, que pode ocorrer por uma alta súbita dos preços das commodities, como vem ocorrendo ultimamente, mas a capacidade dos países em manter este desenvolvimento através do tempo e transformar a riqueza em benefício para toda a população. Cauteloso, o relatório começa dizendo que não existem receitas prontas, que cada país deve buscar seu próprio caminho, mas nem por isto deixa de apontar os fatores que diferenciam os países que conseguem daqueles que não conseguem se desenvolver.

O primeiro destes fatores é a abertura, não somente aos mercados, mas às idéias, tecnologias e recursos disponíveis globalmente. Estratégias de crescimento para dentro, voltadas para o mercado interno, podem ser menos arriscadas, mas não conseguem ir muito longe. O segundo fator são os investimentos: nenhum país consegue crescer sem altas taxas de poupança, da ordem de 20 a 25%. Estes recursos podem ser obtidos, em parte, no mercado internacional, mas o mais importante é a poupança domestica que os países são capazes de fazer.

Para que estas e outras políticas possam ser implementadas, a principal condição é a capacidade de liderança política e a eficácia dos governos, assim como sua legitimidade – a capacidade de convencer as pessoas de que o investimento no futuro vale a pena. Não é que as economias não possam crescer sem mercados, instituições e políticas adequadas, mas é um crescimento muito mais incerto, e existe sempre o perigo da “doença holandesa” – o crescimento concentrado que mata tudo o que existe em volta. Os governos devem fazer muitas coisas importantes – manter a economia em equilíbrio, desde logo, mas também cuidar da educação, da pobreza, do meio ambiente e da infra-estrutura de comunicação e transportes.

Os governos devem trabalhar, também, pela institucionalização e fortalecimento dos mercados, fazendo as reformas institucionais que sejam necessárias. A economia não pode se desenvolver plenamente sem mercados, mas existe uma grande diferença entre mercados “maduros”, bem institucionalizados, com regras claras sobre os direitos de propriedade, garantias dos contratos e competitividade, e os mercados selvagens que caracterizam muitas das economias dos países em desenvolvimento. Para fazer tudo isto, os governos precisam ser honestos, tecnicamente competentes e capazes de desenvolver políticas de longo prazo, de forma pragmática, que possam ir além dos ciclos eleitorais.

O relatório não chega a condenar a implantação de políticas industriais, que favorecem alguns setores da economia considerados mais dinâmicos, mas não deixa de dizer que atividades empresariais que dependem de subsídios permanentes e preços distorcidos não merecem existir. A função do governo não é proteger empresas, mas pessoas. O relatório reconhece que o desenvolvimento econômico pode gerar desigualdades, e recomenda políticas para corrigir as distorções nos extremos da distribuição de renda, sem com isto restringir a flexibilidade dos mercados.

Finalmente, o relatório reconhece a importância da questão climática, e de toda a questão dos limites ao desenvolvimento, e aí também é cauteloso. Não é verdade que o crescimento da indústria na China vai impedir o desenvolvimento em outras partes: com mais riqueza, haverá lugar para todos. E o limite para o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza vai depender não somente dos limites da natureza, que são reais, mas de nossa capacidade para lidar com eles.

Não há propriamente novidade nestas idéias, me parece , mas, ao serem apresentadas de forma clara e coerente, por uma comissão internacional de credenciais inquestionáveis, elas podem se transformar em divisor de águas entre o que faz sentido e as ortodoxias e heterodoxias que ainda circulam tanto.

IDEB: celebrar o quê?

Que significam, de fato, os números do Indice de Denvolvimento da Educação Básica, difundidos recentemente pelo Ministério da Educação? Este texto de João Batista Araujo e Oliveira e Carlos Henrique Ferreira de Araujo, ex-diretor do INEP, ajuda a entender:

É compreensível a euforia das autoridades em querer celebrar os resultados do IDEB – o indicador de desenvolvimento da educação básica. A divulgação, em tom cuidadoso, foi logo seguida de euforia, ampliada pela mídia. Apenas alguns jornalistas e um único articulista, Naércio Menezes Filho, sugeriram cautela. Mesmo porque os dados divulgados não revelam informações importantes, pois o IDEB mistura resultados de Português com os de Matemática e com taxas de aprovação. Pode ser prático ter um único índice, mas é importante ter clareza sobre o que ele revela e o que esconde.

O que nos diz o IDEB 2007? O que mudou em relação ao IDEB de 2005? Basicamente mudaram duas coisas. Primeiro, a média nacional da 4ª. série do Ensino Fundamental passou de 3.8 para 4.2. Numa escala de zero a dez, trata-se de mudança de cerca de quatro por cento. Em 11 estados, dos quais 10 estão situados no Nordeste ou Centro-Oeste, a mudança variou de 5 a 8 pontos percentuais. Todos esses estados estavam abaixo de 4 pontos no IDEB anterior, e apenas 3 deles conseguiram superar a marca de 4 pontos com os novos avanços. Segundo, os dados divulgados até o momento sugerem que metade ou mais dos avanços se deve a mudanças nas taxas de aprovação e a um pequeno avanço nos resultados da prova de matemática. As demais alterações nos indicadores são desprezíveis, tanto do ponto de vista estatístico quanto educacional.

Podemos dizer que a melhoria é significativa? Certamente o é para os estados no Nordeste, não para a maioria do país. Mas cabe observar que melhorar de 3 para 3.5 ou 3.8 é muito mais fácil do que melhorar de 8 para 8.2 ou de 9.5 para 9.6. Houve avanços, sim, mas justamente onde é mais fácil. Não é possível nem razoável dizer que essas mudanças possam ser atribuídas a melhorias na qualidade do ensino ou da introdução de políticas educacionais específicas – exceto, talvez, no caso da promoção de alunos, que é uma medida administrativa. Os dados não mostram o resultado de determinadas redes estaduais ou municipais de ensino que teriam introduzido mudanças significativas nas suas políticas ou práticas, mas do agregado das redes em cada estado. Os dados, em comparação com séries históricas, também não permitem afirmar que houve uma reversão de tendências – mesmo porque tendências são reflexo de mudanças em vários momentos, e não apenas um ou dois.

Portanto, estamos diante de um fenômeno que não comporta explicações simples ou simplistas, muito menos explicações oportunistas, que colocam em jogo a validade, utilidade e credibilidade das avaliações. Houve melhoras, houve avanço nos índices. Isso é inegável. Mas esses avanços não podem ser atribuídos às políticas educacionais em curso. As celebrações de sucesso poderiam sugerir que bastaria continuar a fazendo o que o país vem fazendo para que a educação chegue aos níveis dos países desenvolvidos. Isso equivale a dizer que basta fazer muito, nada ou qualquer coisa, pois é exatamente isso que vem ocorrendo no país .

Manifestações de autoridades também insinuam que resultados de políticas educativas aparecem em prazos muito curtos – e independentemente de mudanças estruturais. Ora, a explicação mais plausível é que as mudanças ocorridas nos indicadores – e que se concentraram em alguns estados e apenas na 4ª. série – se devem ao efeito de mudanças em variáveis extra-escolares, notadamente o aumento da renda e da média de escolaridade dos pais, o que se verificou sobretudo nas regiões mais pobres e que incide sobre os alunos mais jovens. Ou seja: é a economia que está contribuindo para melhorar os resultados da educação – e não vice-versa – como seria de se esperar.

O que é necessário fazer para que as escolas façam diferença na economia e na vida das pessoas, sobretudo as de nível sócio-econômico mais modesto? Seria preciso fazer uma profunda reforma educativa, cujos contornos são bem conhecidos e que podem ser aprendidos da experiência dos países onde a educação dá certo. A receita é bem conhecida, e vem sendo divulgada há pelo menos três décadas nos estudos sobre reformas eficazes. O tema foi objeto de um seminário internacional promovido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em agosto de 2007 e também divulgado recentemente em relatório da empresa de consultoria McKinsey. Nada a ver com as propostas em curso no país.

Saudades da Universidade Patrice Lumumba

Em 1960, a União Soviética criou a Universidade Patrice Lumumba, hoje a “Universidade Russa de Amizade dos Povos”, para estudantes do terceiro mundo. Na mesma inspiração, o governo brasileiro está criando agora a Universidade Latino-Americana, em Foz de Iguaçu, e conforme anunciado hoje pelo Secretário de Educação Superior do MEC, a Universidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para estudantes da África, a ser estabelecida em Redenção, a 60 quilômetros de Fortaleza, considerada a primeira cidade brasileira a abolir a escravidão.

Não sei como anda a Universidade Pratice Lumumba hoje. Olhando na wikipedia, dá para ver que, entre seus ex-alunos notáveis, está Carlos o Chacal; Mahmoud Abbas, dirigente do Fatah; Aziz al-Abub, psiquiatra e torturador do Hezzbolah; o espião da KGB Yuri B. Shvets, hoje refugiado nos Estados Unidos; e a linguista brasileira Lucy Seki, que depois completou seu doutorado na Universidade do Texas. Com o fim da União Soviética, além da mudança de nome, o curriculo também mudou, e a doutrinação leninista foi substituida por cursos de administração de empresas, entre outros. Há alguns anos atrás, a universidade foi palco de ataques racistas violentos contra africanos e orientais, que revelaram o isolamento e as péssimas condições de vida dos estudantes de terceiro mundo que ainda se aventuravam por lá. Na página da universidade na Internet dá para ver que com 25 mil estudantes, todos eles pagantes, e mais de 2000 professores, ela está se esforçando por se transformar em uma universidade de qualidade, embora sua produção acadêmica (“for the last 3 years 167 monographs, 58 textbooks and 485 manuals have been published at the University”) não chega a impressionar. Mas ela deve ter coisas boas, sobretudo a localização em uma grande cidade que é Moscou.

Duvido que os idealizadores das universidades de terceiro mundo brasileiras conheçam a experiência da Patrice Lumumba, mas a idéia é a mesma, com o agravante que seus estudantes ficarão exilados em regiões remotas do país. A Universidade Latinoamericana, por exemplo, segundo seus organizadores, tem como propósito “a integração da América Latina através de um novo elo substantivo: a integração pelo conhecimento e a cooperação solidária entre os países do continente mais do que nunca em uma cultura de paz.” Lembra alguma coisa?

Não há dúvida de que o Brasil poderia ter um papel muito mais importante do que tem tido em estimular e apoiar a vinda de estudantes da América Latina, África e outras regiões para nossas melhores universidades. Isto seria bom para eles, a nos ajudaria a sair de nosso provincianismo. O melhor instrumento para isto são as universidades já existentes, que precisariam de apoio, estímulo e liberdade – inclusive de cobrar – para atrair possíveis candidatos com o que elas têm de melhor a oferecer – os cursos profissionais de qualidade, os programas de pós-graduação, a capacidade instalada de pesquisa e a interação com seus estudantes e com sociedade mais ampla da qual elas participam, nos principais centros urbanos do país em que estão instaladas. Universidades de primeiro mundo, e não de terceiro.

José Roberto F. Militão: Obama, láh!


José Roberto F. Militão escreve: “Ouso encaminhar, caso queira publicar, a opinião de um afro-brasileiro, contrário a leis raciais que vê com grande otimismo a candidatura e grande esperança a eleição do mestiço Obama. Publicado em 18/01, na ´Afropress´, antes do início das primárias, ainda sem a ênfase da euforia pela vitória nas primárias”. Eis o texto:

A partir do artigo do colega Cadette, de Nova Iorque, temos o perfil do senador Obama e suas credenciais políticas por uma visão privilegiada de um afro-brasileiro, empenhado na luta contra o racismo e com visão privilegiada do ambiente e dos sentimentos dessa campanha presidencial de 2008, nos EUA. 
De fato, o mundo, surpreso e incrédulo, a quem foi apresentado uma novidade extraordinária, um jovem político, de cor, Senador Barack Obama com real possibilidade de ser escolhido candidato a Presidente dos Estados Unidos e nós, militantes por direitos humanos e ativistas contra os ideais do racismo, temos mais uma oportunidade de reflexão sobre o que representa a estampa de um homem de cor, afro-descendente que não se trata de um “afro-americano” genuíno, nem descendente de ex-escravos como nós, condição que o diferencia: nascido nos EUA, é filho de um preto africano com uma mãe branca norte-americana, os pais separados, foi com a mãe em novo casamento, para viver na pobre Indonésia, um país tão pobre quanto o Brasil, de maioria muçulmana. Sua família, entretanto sempre foi cristã.


 O perfil nos revela que foi um dedicado estudante, graduado por duas Universidades, profissionalmente, optou por ser ativista por Direitos Humanos, atuando em bairros pobres da periferia de Chicago. Desde o início da carreira política, as demandas por inclusão social é o núcleo de sua plataforma eleitoral que reitera em todos os discursos como sendo “o mensageiro da esperança e o instrumento de mudanças”. A novidade da trajetória de baixo para cima, parecida com a de Abraham Lincoln e com estampa de pessoa miscigenada e vínculos políticos com a periferia urbana, lembra ser essa mesma a plataforma que levou à vitória a campanha de Lula em 2002.


 Chama a atenção na candidatura que traz o cunho sócio-racial, por sua condição de afro-descendente oriundo de família modesta, militante por direitos sociais na periferia de Chicago e que, a partir dessa militância, se transforma numa importante liderança política. Uma questão que pode assustar a conservadora e racialista sociedade norte-americana é que se afirma com o discurso da “esperança e da mudança” que tem semelhanças (e não identidade ideológica) com a ascensão de Hugo Chavez, na Venezuela, e de Evo Morales, na Bolívia, além do nosso Lula. O que distingue o doutor Obama é ser um bem conceituado advogado, com sólida formação acadêmica na Universidade de Harvard, tradicional formadora das elites.


 Com os referidos políticos da América do Sul, tem em comum, além da origem modesta, a simbologia da mesma improbabilidade que um operário metalúrgico, um jovem militar, um líder indígena e um afro-americano, tivessem de fato, a possibilidade de assumirem lideranças nacionais ainda jovens, com menos de 50 anos. E, menos ainda que tal probabilidade se dê nos EUA, de secular história de conflitos raciais, da mais poderosa potência econômica e militar. Independente dos resultados eleitorais de 2008, o jovem Senador Obama, aos 46 anos, prenuncia que todos serão personagens políticas que vieram para ficar e influenciar o mundo nos próximas trinta anos.


 Diante dessa realidade, o que significará para nós, afro-brasileiros, uma eventual vitória do doutor Obama? A primeira constatação é que ele não representa setores do nosso movimento “negro” adeptos da racialização do Estado. Ele nem foi militante dos “blacks moviments”, o movimento afro-americano e para ser eleito Senador concorreu e venceu um antigo político apoiado pelos movimentos blacks e o fez com a defesa de políticas públicas universais e sem levar avante nenhuma bandeira de “cotas raciais”, apenas acenando com empenho em políticas públicas de Ações Afirmativas que sejam promotoras da igualdade e que neutralize todo tipo de discriminações correntes.


 O Senador construiu a carreira política, como parlamentar e mantém vínculos e compromissos com movimentos sociais. Uma evidente característica estampada no perfil humano de Obama é o fato de ser miscigenado tal como é a maioria dos brasileiros. O fato de não ser descendente de ex-escravos é uma situação inédita que o diferencia para a população branca e para os latinos, asiáticos e africanos pois não tem o raivoso discurso dos descendentes de escravos, vítimas do racismo institucional nos EUA, nem se apresenta como militante dos “direitos dos pretos”, mas na defesa de direitos dos excluídos, que além dos afro-americanos, contempla também os demais segmentos: mulheres, índios, homossexuais, deficientes e idosos.


 É o que se deduz de seu livro (A Audácia da Esperança, 2005), verdadeira plataforma política, em que destaco duas frases simbólicas. A primeira revela o caráter da responsabilidade ética com a formação da juventude distante de conflitos e de violações de direitos: “Eu sonho com uma América com mais engenheiros e menos advogados.” A segunda, é a síntese de uma plataforma de superação de crenças negativas baseadas na crença em raças, no machismo, sexismo e homofobia que sustentaram as culturas defeituosas dos séculos 19 e 20: “Eu rejeito a política baseada apenas na identidade racial, na identidade homem-mulher ou na orientação sexual. Eu rejeito a política baseada na vitimização.”


 De seu discurso político, recolho lições que servem à nossa disputa política-racial da última década. Desde o início da vida política, a questão racial jamais foi tema principal cujo núcleo tem sido a inclusão, a promoção da igualdade, a garantia de oportunidades, o combate à pobreza e melhor distribuição de rendas, naquela que é a maior economia do mundo. No campo social, sua principal proposta é um imenso programa de transferência de renda, no formato “bolsa-família/ renda mínima” de fazer inveja ao Presidente Lula e ao Senador Eduardo Suplicy com a promessa de transferir U$ 80 bilhões de dólares por ano para as famílias mais pobres. O programa de Lula, dispõe de cerca de U$ 6 bilhões por ano.


 Esse programa, se autorizada a implementação pelos votos do povo norte-americano, contrariando toda a cartilha liberal vigente nos Estados Unidos, far-se-ia, em poucos anos, a maior distribuição de rendas jamais imaginada no mundo capitalista. Para viabilizá-lo, promete mobilizar cada distrito, cada cidade, cada Estado e ainda recorrer-se de milhares de organizações civis e também à consolidada rede de fraternidade das igrejas católicas, protestantes e evangélicas, especialmente, nas periferias urbanas.


 Na América de maioria protestante, Obama tem repetido sua adesão à fé cristã, afastando os preconceitos de seu nome africano, que lembra o Islã, e tem ainda como compromisso o fim da Guerra do Iraque e a retirada de todos os soldados, no prazo de 18 meses. Seu mais aclamado discurso, proferido na Convenção do Partido Democrata de 2004 e que o transformou em estrela política, é um ato de declaração de orgulho e de amor à América e, mais ainda, de fé nos valores democráticos da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Ninguém então imaginava viável a candidatura presidencial, que nasce declarando seu amor pelos Estados Unidos, por seu povo e pelos valores daquela sociedade: “Esta noite, nos reunimos para afirmar a imensidão da nossa nação — não por causa da altura de nossos arranha-céus, nem pelo poder de nosso exército, nem pelo tamanho de nossa economia. Nosso orgulho é baseado numa premissa muito simples resumida numa declaração feita há 200 anos: “que todos homens são criados semelhantes, e que a eles são concedidos por seu Criador certos direitos inalienáveis, entre estes a vida, liberdade e a busca da felicidade”. Isso é o gênio verdadeiro de América — uma fé em sonhos simples, uma insistência em milagres pequenos.” “Não há uma América liberal e uma América conservadora — há os EUA. Não há uma América Negra e uma América Branca, uma América de latinos e América de asiáticos — há os EUA… Isso é o gênio verdadeiro da América, uma fé nos sonhos simples das suas pessoas, a insistência em milagres pequenos… Que podemos participar no processo político e que, na maioria das vezes, nossos votos serão contados…”

De fato, vamos viver meses de grande emoção e a confirmar-se a ascensão da candidatura do Senador Obama, os norte-americanos estarão elegendo mais que um político do Partido Democrata. O eleito será um cidadão do mundo, pessoa cosmopolita, símbolo do que, pasmo, testemunhou em 1832 o francês Alexis de Tocqueville em “A Democracia na América”: Ao ver a nova sociedade na América, Tocqueville conscientizou-se em definitivo que o tempo da nobreza havia passado, que a sua classe nada mais tinha a dizer ao futuro: “formamos parte de um mundo que se despede”, escreveu ele à mulher…” “não somos senão que restos de uma sociedade que está se convertendo em pó e que logo não deixará vestígios”. (Raimond Aron).

A já vitoriosa campanha do doutor Obama, mais que as “esperanças e mudanças” prometidas na plataforma política, também traz esse significado de uma “nova era” em prol do conceito da espécie humana, desmoralizando os que dividem a humanidade em “raças” e condicionados pelo vício da crendice em “raças humanas”, ainda defendam, singela e piamente, a ideologia do racismo.
Doravante, todos os racistas do mundo, como categoria social, fazem parte de uma sociedade que está virando pó nesta primeira década, do primeiro século do 3º. Milênio, no ano de 2008 d.C. após séculos de império do racismo, da desigualdade, da hierarquia entre os humanos.

Enfim, por tudo o que representa, e pelo que representará de novidade para as possibilidades humanas no mundo, como cidadão, como brasileiro, como afro-descendente, como militante por Direitos Humanos, como ativista contra a crença em raças humanas e pelo fim de todo tipo de preconceitos e discriminações, também entrei nessa campanha: Obama, láh!!!

Fabio Wanderley Reis – Liderança, Carisma e Barak Obama

Minha nota louvando o discurso da vitória de Obama provocou muitas reações de apoio, e várias advertências dos mais realistas – o caminho vai ser difícil, ele ainda não mostrou a que veio, muitas de suas afirmações são vagas, e ele vai ter que enfrentar e participar de alguma forma da realidade dura do jogo de poder e interesses de Washington. Tudo isto é verdade. Mas a política não é só o jogo frio de cálculos e interesses, tem também um forte componente simbólico e expressivo, e é a combinação entre estas duas coisas, que Obama parece ter, que diferencia os melhores lideres dos operadores calculistas de um lado e dos demagogos populistas de outro.

Fábio Wanderley Reis, escrevendo no Valor Econômico em 4 de fevereiro passado, expressava a mesma idéia:

Mas a promessa de líder realmente estimulante é Barack Obama. Com o especialíssimo background em termos raciais e étnicos e o forte simbolismo associado (pai africano do Quênia, mãe branca do Kansas e, de quebra, meia-irmã semi-indonésia, portando e ligando-se a nomes e sobrenomes que soam como os de inimigos mortais dos Estados Unidos no período recente); podendo reclamar, como o fez, a condição de herdeiro do movimento dos direitos civis; graduado e pós-graduado por algumas das melhores universidades do país; com o vigor intelectual e pessoal que transparece fortemente na qualidade de sua oratória, combinando-se à imagem de integridade para, ao que indica sua carreira até aqui e a campanha que vem conduzindo na disputa da candidatura do Partido Democrata, torná-lo capaz de mobilizar o eleitorado estadunidense de maneira que há tempos não se via; lutando pelo acesso à Presidência nos Estados Unidos [… ] não só do conflito racial ainda presente, mas da ossificação institucional pela partidarização até do Judiciário, do peso eleitoral do dinheiro, da infeliz conjunção do 11 de setembro com Bush no poder e da sombria e desastrada “guerra ao terrorismo”, e agora da crise econômica; tudo parece justificar a expectativa de que a eventual vitória de Obama na eleição venha a redundar em experiência singular e rica em planos diversos. De minha parte, espero que a experiência possa de fato ocorrer.

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(Várias pessoas notaram que, ao contrário do que eu havia entendido, a avó de Obama, a quem ele homenageou no discurso, não foi a queniana, por parte de pai, mas a americana, com quem ele conviveu na juventude. Não foi, portanto, uma refêrencia étnica, mas pessoal).

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