Pobreza, população e desigualdade

Participei no dia 5 de novembro, em Belo Horizonte, do “Seminário sobre população, pobreza e desigualade”, organizado pela Associação Brasileira de Estudos Poulacionais e a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento. Meu painel tinha o nome de “Dinâmica populacional e as oportunidades de políticas públicas”, e foi coordenado por Eduardo Rios Neto.

Dos três apresentadores, Eduardo Pereira, do Ministério da Previdência Social, foi o único que tratou efetivamente de dinâmica populacional. Ele mostrou que, com o envelhecimento da população, o sistema previdenciário brasileiro é insunstentável a longo prazo, porque haverá um número crescente de velhos recebendo benefícios para um número decrescente de jovens. E que isto não muda com a economia crescendo, porque, se tiver mais gente pagando a previdência hoje, haverá mais gente também recebendo depois, e vivendo muito mais tempo. O Ministério preparou estes dados, na forma de várias simulações, para apresentar ao Forum Nacional da Previdência Social, aonde estão representados os sindicatos, aposentados, pensionistas, empregadores e o governo federal, e, pelo que parece, ninguém lá gostou da tese de que os benefícios da previdência deveriam mudar. O problema é que os principais interessados na reforma, nossos filhos, que vão ter que pagar a conta ou conviver com um sistema previdenciário falido, não estavam presentes, e não havia ninguém no fórum, aparentemente, que defendesse seus interesses.

O outro apresentador foi Pedro Olinto, do Banco Mundial, que antecipou os principais resultados de uma avaliação que o Banco está fazendo de um grande número de programas de tipo Bolsa Família que o Banco vem apoiando e incentivando em um número crescente de países, inclusive o Brasil. O ponto principal foi mostrar como estes programas são, em geral, bem focalizados, e de fato melhoram em alguma medida as condições de vida das populações mais pobres. O que me pareceu mais novo foi a conclusão de que os programas não tem impacto sobre o acesso à escola em países em que a quase totalidade da população já está na educação básica, como no Brasil; e que o impacto sobre a qualidade da educação parece ser inclusive negativo. Eu já vinha dizendo e discutindo isto há vários anos, e fico contente em ver que agora o Banco Mundial reconhece isto. Aliás, se entendi bem, a avaliação do bolsa família brasileiro feita por Eduardo Rios-Neto mostra a mesma coisa.

Em minha apresentação, eu mostrei dados da PNAD sobre a evolução da educação brasileira nos diferentes níveis, e discuti um pouco sobre cada um deles e sobre as prioridades. Um dos dados que mostrei foi como o acesso ao ensino médio, que havia crescido muito na década de 90, parece estar estacionando a um nível muito baixo, inferior a 60% de cobertura nas regiões mais ricas (veja o gráfico), quando deveríamos estar caminhando para os 100%, e isto sem falar na qualidade, que, por tudo que sabemos, está muito mal. A expansão do ensino superior, enquanto isto, parece ser a prioridade do governo federal, sem preocupação aparente com sua qualidade, o que parece ser um erro evidente de foco.

Nova edição de “Bases do Autoritarismo Brasileiro” (2014-2015)

 

Uma nova edição de Bases do Autoritarismo Brasileiro deve ser publicada pela Editora da Unive rsidade de Campinas em 2014/2015.  O livro  foi publicado anteriormente pela Publit Soluções Editorial em formato eletrônico, que não está mais disponível.

O livro mantém o texto integral da edição de 1988, com uma pequena nova apresentação, aonde observo que, quase vinte anos percorridos, uma das principais proposições do livro pareceria ter se cumprido. O que procurei mostrar em 1973 era como a dinâmica da vida política brasileira tinha tido sempre, uma característica central, a relativa marginalização do centro econômico e mais organizado da “sociedade civil” no país, localizado predominantemente em São Paulo, e o núcleo do poder central, muito mais fixado no eixo Rio de Janeiro – Brasília, em aliança com as oligarquias políticas tradicionais dos estados mais pobres. Mais do que diferenças geográficas, que têm sua importância, o que me importava eram as diferentes formas de organização da vida econômica, social e política que coexistiam e disputavam espaço no país.

No prefácio de 1988 eu dizia que “foi de São Paulo que surgiram as pressões sociais mais fortes contra os poderes concentrados no Governo federal, tanto por parte de grupos empresariais quanto pelo movimento sindical organizado; é em São Paulo, em última análise, que se joga a possibilidade de constituição de um sistema político mais aberto e estável, que possa dar ao processo de abertura uma base mais permanente”.

A partir de 1995, com os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva e as candidaturas presidenciais de José Serra e Geraldo Alckmin, o centro de gravidade da política brasileira se transfere para São Paulo. Nas eleições de 1994 e 1998, a oposição entre PSDB e PT se aproximou bastante do que poderíamos descrever como a disputa entre dois partidos políticos modernos, um com mais apoio nas classes médias e no empresariado, outro com mais apoio nos sindicatos e nos movimentos sociais independentes. Desde então, no entanto, os partidos políticos perderam substância, o clientelismo se ampliou, o sindicalismo e os movimentos socais independentes desapareceram ou foram cooptados, e boa parte das elites patrimonialistas mantiveram seu poder de sempre, agora como meras cleptocracias. O período “moderno” da política brasileira teve fôlego curto, e a política antiga está demonstrando ter uma enorme capacidade de sobrevivência e metamorfose. Fica para os eleitores a pergunta de por quê isto é assim, e o que podemos esperar para o futuro.

“O crítico da ciência”

A Revista Pesquisa FAPESP, n. 140, Outubro, pp 12-17, publica uma longa entrevista minha com Carlos Fioravanti, aonde antecipo algumas dos resultados da pesquisa que coordenei sobre 16 grupos de pesquisa universitários na Argentina, Brasil, Chile e México que conseguem associar o trabalho acadêmico à produção de conhecimentos relevantes à economia e à sociedade, e faço um pequeno histórico de meus trabalhos anteriores sobre o tema. O título, “o crítico da ciência”, é dele, e o texto completo pode se baixado clicando aqui. Os resultados da pesquisa devem ser publicados em forma de livro nos próximos meses.

Merval Pereira: O mal-estar na América Latina (2)

O jornal O Globo publica no domingo, 14 de outubro, a segunda parte de seu artigo a propósito da pesquisa de Coesão Social:

Apesar de ter apontado a democracia como a melhor forma de governo, uma ampla pesquisa sobre coesão social na América Latina, que integra o projeto “Bases para uma Agenda de Coesão Social em Democracia na América Latina”, financiado com recursos da União Européia, mostra que há diferenças entre concepções e valores. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, em conjunto com a Universidade Católica do Chile e a Corporación de Estudios para Latinoamérica, também chileno, com amostra de dez mil pessoas, em seis países da América Latina: Argentina, Guatemala, Brasil, Chile, México, Colômbia e Peru. Os valores democráticos são mais fortes na Argentina e Brasil, e menores na Colômbia, Chile e Guatemala. O que as pessoas entendem por democracia, no entanto, pode variar muito de pessoa a pessoa e de país a país.

Muitas pessoas valorizam a democracia, mas não entendem que ela supõe a garantia dos direitos individuais de todas as pessoas que fazem parte dela, ressalt ao sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), que atuou na pesquisa. No Brasil e no Chile, metade dos entrevistados não crê que os criminosos têm os mesmos direitos que as pessoas honestas. A principal queixa é em relação à polícia, considerada ruim ou péssima por 30 a 40% da população, exceto no Chile.

No Brasil, a maior queixa em relação à polícia ocorre no Rio de Janeiro, enquanto que em São Paulo a queixa maior é em relação às escolas públicas. A população dos países pesquisados vive insegura. Nas casas, durante o dia, 16% das pessoas se sentem inseguras; o centro das cidades é praticamente inacessível, com uma sensação de insegurança próxima de 80%. Os níveis de vitimização, ou seja, roubos e assaltos efetivamente sofridos, chegam a ser surpreendentemente altos em países como a Argentina e Chile, cujas capitais têm uma longa tradição de segurança. A pesquisa mostra que os bairros estão deteriorados, com a propriedade privada ameaçada e riscos de violência, roubos, assaltos e a presença de tráfico de drogas.

No Brasil, a cidade que aparece como mais insegura é Porto Alegre, acima dos níveis do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Um número significativo de respondentes, 15%, acredita que se justifica ter arma de fogo em casa para se defender. Comparado com outros países, o Brasil, e mais especialmente a cidade de São Paulo, é onde as pessoas são menos favoráveis às armas de fogo; Porto Alegre, por outro lado, se aproxima dos demais países da região, aonde a aprovação da posse de arma de fogo varia entre 30 e 40%.

O expresidente Fernando Henrique Cardoso identifica, em entrevista recente à rede de televisão inglesa BBC, que existe um mal-estar difuso na sociedade devido aos péssimos serviços prestados pelo governo, à violência e à tensão política — o que impediria um novo consenso nacional que proporcione maior coesão social.

Alguns trechos de um artigo de Joaquim Villalobos, consultor para conflitos internacionais e ex-comandante guerrilheiro em El Salvador, publicado no jornal “Clarín”, da Argentina, ajudam a entender esse “malestar” na região. Na América Latina, escreve ele, “enfrentamos o que alguns qualificam como guerra civil continental contra o crime organizado, as quadrilhas urbanas, a delinqüência comum e a violência social. A produção e o tráfico de drogas estão ligados à globalização cosmopolita, mas, em nossos países, geram fragmentação social. Esse fenômeno supera em extensão as rebeliões políticas que existiram durante a Guerra Fria, e, em proporções diferentes, afeta todos os países”.

Com o cenário descrito, numa crítica à atuação de certos setores da esquerda na América Latina, Villalobos diz que “incentivar sistematicamente a violência de rua e deslegitimar as instituições das democracias emergentes é multiplicar a impunidade e a insegurança. A generalização da desordem ajuda os grupos criminosos e coloca a demanda por segurança acima das demandas sociais. Isto abre caminho para os autoritarismos”.

Como a popularidade de Lula continua alta, e a pesquisa reafirma o desprestígio das instituições junto à população, o sociólogo Simon Schwartzman crê que temos aí um problema para a democracia “porque é essa combinação, exatamente, que dá margem ao surgimento de governos unipessoais e autoritários, que passam por cima das instituições em nome de seu prestígio junto às massas”. A fraqueza dos partidos políticos e do Congresso, como atualmente no Brasil, facilitaria o surgimento de líderes populistas, como já ocorre na América L atina. Schwartzman lembra que “um Congresso fraco e desprestigiado é uma presa fácil de políticos que possam propor seu fechamento, ou sua substituição por uma assembléia constituinte, por exemplo, que possa criar as bases para um regime centralizado e autoritário”. Como explicar o sentimento de esperanças no futuro e desânimo no presente, em especial no Brasil, onde a redução da desigualdade está acontecendo e o nível de vida das populações mais pobres está melhorando ? Schwartzman tem uma visão nada otimista dessa realidade constatada pela EcosociAL: “As esperanças se dão no nível da vida quotidiana das pessoas, enquanto o desânimo é sobretudo em relação ao contexto mais amplo, os governos e as instituições públicas. Vale a pena notar que essas esperanças, na verdade, são bastante irrealistas, porque, mesmo nos melhores cenários, dificilmente a população brasileira terá tanta mobilidade educacional e econômica quanto as pessoas esperam”.

Merval Pereira: Realidade e Sonho na América Latina

O jornal O Globo de 13 de outubro publica o seguinte artigo de Merval Pereira, sobre a pesquisa ECosociAL:

A América Latina é uma região onde a democracia se encontra fragilizada, embora a maioria das pessoas a considere a melhor forma de governo. Essa preferência não está associada, no entanto, a um apoio claro aos direitos individuais, e vem acompanhada de uma grande desconfiança em relação às instituições políticas e governamentais. Apesar de tudo, os latino-americanos são felizes, uma felicidade que não está relacionada a condições reais de bem estar, mas a experiências passadas e, sobretudo, a expectativas sobre o futuro. Esse pode ser o resumo de uma ampla pesquisa sobre coesão social na América Latina, a EcosociAL, que integra o projeto “Bases para uma Agenda de Coesão Social em Democracia na América Latina”, financiado com recursos da União Européia.

A pesquisa foi realizada pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, em conjunto com a Universidade Católica do Chile e a Corporación de Estudios para Latinoamérica, também daquele país, com amostra de dez mil pessoas, abrangendo sete países da América Latina: Argentina, Guatemala, Brasil, Chile, México, Colômbia e Peru. No Brasil, fizeram parte da amostra as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre.

Para o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade (IETS), que atuou no projeto, a lição da pesquisa é clara: “Existe um grande desafio para os países latino-americanos: dar maior substância aos seus regimes democráticos. E isso passa por aumentar a credibilidade de suas instituições, reduzir as incertezas e a insegurança nas grandes cidades, oferecer mais condições e oportunidades de trabalho e fazer da educação um meio efetivo de qualificação das pessoas e mobilidade social”.

A pesquisa detectou que os países mais felizes são a Guatemala, onde paradoxalmente os índices de condição de vida são piores, e o Brasil. O país mais infeliz é o Peru, “talvez pela experiência recente de crises políticas e falta de perspectivas”.

Segundo Schwartzman, é possível especular, de muitas maneiras, sobre as causas dessa felicidade, “mas não há dúvida de que, combinada com as grandes expectativas de mobilidade, ela pode estar dando sustentação à frágil democracia e à débil coesão social latino-americana. É importante que as oportunidades reais de vida não continuem tão distanciadas, por muito tempo, das aspirações”.

Segundo a pesquisa, quase metade dos entrevistados acredita que se justifica fazer uso da força para conquistar seus direitos. A pesquisa mostra que a grande maioria dos latinoamericanos confia pouco ou nada nas instituições políticas de seus países, sendo que a maior desconfiança é em relação aos partidos políticos.

Em geral, existe menos desconfiança em relação ao governo nacional do que em relação às demais instituições, falta de confiança que influencia a preferência por governos fortes, embora a maioria dos que não confiem nas instituições continue preferindo a democracia. A grande maioria, 61,3% dos entrevistados em todos os países, não sente afinidade ou simpatia pelos respectivos governos.

O distanciamento maior é na Guatemala, com 73,5% das pessoas sem nenhuma afinidade ou simpatia, e o menor é na Argentina, com 50,9%, seguida de perto por Brasil e Colômbia.

Chile e Colômbia são os países politicamente mais polarizados, com poucas pessoas indiferentes em relação ao governo, enquanto e o Brasil é o país com maior percentagem de pessoas indiferentes: 21,6%.

Se a afinidade com os governos é baixa, a afinidade com os partidos e coalizões políticas no poder é ainda menor: somente 11% em toda a América Latina. A pesquisa mostra que ela é um pouco maior no Chile e no México, e extremamente baixa na Argentina, Brasil e Peru.

Na análise de Simon Schwartzman, parte da desconfiança em relação às instituições e autoridades “pode estar associada à má qualidade dos serviços públicos que as pessoas recebem”.

Essa descrença e desconfiança se explicam, em grande parte, pela situação de insegurança e medo em que vivem as pessoas na região. Quase 80% se dizem inseguros ao andar noite no centro das cidades.

Mais de 50% se sentem inseguros dentro da própria casa.

Apesar de tudo, as pessoas acreditam que o futuro será melhor para todos e vêem na educação dos filhos o principal caminho para isso.

O sociólogo Simon Schwartzman ressalta que pesquisa mostra principalmente “uma situação em que a população desiste da esfera pública — dos governantes, das instituições, da sociedade como um todo — e se refugia no mundo da família, do bairro e dos amigos. A pesquisa não identifica, nem no Brasil nem em outros países, com as exceções do Chile e da Guatemala, situações de polarização e conflito, mas também não identifica os elementos de coesão social e confiança na sociedade que existem nas sociedades mais desenvolvidas e dinâmicas, como as da Europa e Extremo Oriente”.

Apesar de existirem diferenças importantes em relação esses valores e percepções, o que mais chama a atenção para Schwartzman é que eles “são bastante semelhantes entre países e classes sociais”.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) já havia detectado esse ambiente na região em um livro sobre coesão social na América Latina, com a visão de vários autores que se apresentaram em seminário realizado no Panamá. A preocupação crescente com a coesão social recomenda que as políticas públicas atuem “sobre os obstáculos que impedem o avanço de uma cidadania efetiva”, com os altos índices de pobreza e a persistente concentração de renda.

“Diferenças raciais, de gênero, étnicas e culturais recriam hierarquias e discriminações que se expressam em desigualdades e exclusão de oportunidades econômicas”, diz o estudo da Cepal. (Continua amanhã)

Ecosocial – Pesquisa sobre coesão social na América Latina

Estamos divulgando os primeiros resultados da pesquisa ECosociAL, sobre coesão social na América Latina. A pesquisa foi realizada nas principais cidades da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México e Peru, em um total de 10 mil entrevistas.

A pesquisa mostra que, nos países pesquisados, a democracia está fragilizada. Embora a maioria das pessoas ainda considere que a democracia é a melhor forma de governo, esta preferência não está associada a um apoio claro ao direitos individuais, vem acompanhada de uma grande desconfiança em relação às instituições políticas e governamentais, aos partidos políticos, aos governantes e às pessoas em geral, e quase metade dos entrevistados acredita que se justifica fazer uso da força para conquistar seus direitos. Existem diferenças importantes em relação a estes valores e percepções, mas o que mais chama a atenção é que eles são bastante semelhantes entre países e classes sociais.

Esta descrença e desconfiança se explica, em grande parte, pela situação de insegurança e medo em que vivem as pessoas. O retraimento e a desconfiança em relação à sociedade mais ampla e ao sistema político é compensado, em alguns países mais do que outros, pela criação de relações locais de amizade, pela religião e pela família. Apesar de tudo, as pessoas acreditam que o futuro será melhor para todos, e vêm na educação dos filhos o principal caminho para isto.

A lição da ECosociAL é clara. Existe um grande desafio, para os países latino-americanos, de dar mais substância ao seus regimes democráticos e ao tecido social, aumentando a credibilidade de suas instituições, reduzindo as incertezas e a insegurança da vida das pessoas nas grandes cidades, dando mais condições e oportunidades de trabalho, e fazendo da educação um meio efetivo de qualificação e formação das pessoas, mais do que uma simples quimera. É um trabalho difícil, mas não impossível, porque a população, apesar dos pesares, ainda acredita na democracia, e tem fé no futuro.

O texto completo desta primeira análise para o Brasil, com dados e algumas informações comparando as cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador está disponível aqui.

A análise dos resultados gerais para a América Latina está disponível aqui.

Para uma análise da relação entre educação e coesão social, veja o texto aqui.

A armadilha do HI5

Outro dia muitos de vocês receberam uma mensagem minha convidando para ser meu amigo no site de relacionamento chamado HI5. Eu, que sempre achei que era esperto em coisas de Internet, caí como um patinho. Eu recebi um convite como este de um amigo, e, na confiança como muitos de vocês, coloquei meu nome, e até uma fotografia. Quando me dei conta, o programa tinha pego toda minha lista de endereços que estava no gmail e enviado convites em meu nome. E muitos amigos aceitaram. Outros, mais desconfiados, me perguntaram antes se era isto mesmo, e se eu confirmava…

Pelo que andei averiguando, se trata de uma rede tipo Orkut, que dizem ser popular na Austália. Creio que não vão fazer mau uso dos endereços, mas, de qualquer forma, entrei no site deles com a senha que tinha registrado e apaguei meu nome (nao é dificil, acho que é uma opção das preferencias, ou settings). Então, para os que se registraram, das três, uma. Ou continuem lá, vendo como é e aproveitem; ou saiam como eu; ou esqueçam. E desculpem pela minha ingenuidade.

O lado bom é que, neste processo, recebi mensagens de muitos amigos verdadeiros com quem não me comunicava há muito tempo. Então, para algo serviu.

Por uma nova política de educação superior

Convidado pelo PSDB, participei no dia 24 de setembro de um seminário sobre educação, aonde fiz uma apresentação que está disponível aqui, e que tem a vantagem de ter somente seis páginas.

Creio que houve bastante consenso entre os participantes da mesa – César Sá Barreto, Carlos Brito Cruz e Abílio Baeta Neves – exceto em um ponto, que é o da cobrança de anuidades no ensino superior público, como já acontece em praticamente todo o mundo, incluindo o México, a Argentina, o Chile, a França e a China. Brito Cruz discordou, e, no encerramento, o governador José Serra também disse que era contra.

Um forte argmento contra esta cobrança é que ela não traria muitos recursos, seria complicada de implantar, e criaria um enorme problema político. Por outro lado, os recursos podem ser significativos, e as universidades poderiam utilizá-los, por exemplo, em programas de apoio a estudantes efetivamente carentes, contribuindo assim para reduzir a dupla iniqüidade da educação superior pública brasileira – o subsídio a quem não necessita, e a falta de apoio para as pessoas que necessitam não somente de gratuidade, mas de apoio financeiro para continuar estudando.

Como o gráfico acima mostra, hoje o ensino superior público tem mais estudantes de baixa renda do que o privado, e menos pessoas de renda mais elevada. Ambos, porém, contém predominantemente estudantes de renda alta – no setor público, 30% dos estudantes vêm do décimo superior de renda familiar, e 53% dos dois décimos superiores, contra somente 2% dos dois décimos inferiores. No setor privado, as proporções são de 38%, 64% e 1.2%, respectivamente. Os mais ricos estão começando a emigrar da educação pública para a privada, como aconteceu anos atrás com a educação média; mas ambos os setores continuam predominante ocupados por estudantes de famílias de renda mais alta.

Eu estou de acordo que existem muitas outras questões prioritárias no ensino superior, como a busca de excelência acadêmica, a qualidade da educação superior de massas, a diferenciação institucional, a avaliação, etc. Mas a introdução do princípio do pagamento serviria para deixar claro que a educação superior pública não é um beneficio que a sociedade deve aos estudantes, mas um privilégio que deve ser correspondido com senso de responsabilidade e retribuição.

O crescimento do ensino superior e as mudanças nos salários dos professores

A PNAD 2006 mostra um extraordinário aumento de 12% do número de pessoas estudando em cursos de graduação no Brasil em relação ao ano anterior – de 4.684.653 para 5.262.568, um aumento de 578 mil estudantes.

Fui olhar mais de perto o que teria acontecido, e encontrei algumas coisas interessantes. A primeira é que o aumento se deu sobretudo no setor privado, 14%, contra 7% no setor público. Com isto, a proporção de estudantes no setor privado cresceu de 75.1% para 76.3%. Depois, este aumento se deu sobretudo nas faixas de renda mais alta: 17% na faixa de 2 a 3 salários mínimos, 25% na faixa de 3 a 5 salários, e 21% na faixa de mais de 5 salários.

O outro dado é que, em 2005, haviam 316 mil estudantes que eram professores de nível fundamental e médio, e, em 2006, 611 mil, quase o dobro. É aí, principalmente, que está o crescimento, e há uma razão clara para isto, o grande aumento da renda dos professores estaduais e municipais neste período: 20,1% nos estados, e 16,2% nos municípios. Enquanto isto, a renda dos professores no setor privado caiu em média em 4.3%, e seu valor, de 1.237,06 reais, é hoje inferior ao dos professores estaduais, de 1.511,30 (renda média de todos os trabalhos).

Estes aumentos devem estar associados à obtenção dos títulos de nível superior, e os professores ainda sem qualificação estão entrando em grande número nas faculdades privadas para obter seus títulos. Resta saber se, com isto, a qualidade do ensino que os alunos recebem também vai melhorar.

O impacto da ampliação da bolsa família para os jovens (2)

A publicação dos dados da PNAD 2006 permite uma análise mais fina do possível impacto da anunciada ampliação da bolsa família para jovens de 16 e 17 anos (antes, eu tinha feito uma primeira análise com os dados de 2005).

Até agora, o auxílio era dado para todas as famílias que tenham até 60 reais de renda familiar per capita, e para famílias com filhos até 15 anos que tenham renda familiar per capita de até 120 reais. O auxílio para cada família é de 60 reais mensais, mais 15 reais por até três filhos. Com a constatação que o programa estava mal focalizado do ponto de vista da educação, porque a grande maioria das crianças até 15 anos está na escola de qualquer maneira, o governo anunciou que vai ampliar o auxílio também para famílias com jovens de 16 e 17 anos. Há ainda a promessa de aumentar estes valores, mas eles foram utilizados aqui para estes cálculos.

O tamanho do problema.

O Brasil tem hoje cerca de 7 milhões de jovens de 16 e 17 anos de idade, dos quais 5.5 milhões estudam, e 1.5 milhões não.. Dos que estudam, 1.7 milhões trabalham, e outros 570 mil dizem que estão buscando trabalho. Dos 1.5 milhões que não estudam, 620 mil também não trabalham. Dos 5.5 milhões que estudam, 1.6 milhões estão ainda no ensino básico, o que significa que têm grandes chances de não completar sua educação. O problema, portanto, é fazer com que os 1.5 milhões for a da escola completem sua educação, e que os 1.6 milhões que estão atrasados não fiquem pelo caminho. Pouco mais de 3 milhões precisando de alguma política educativa.

O tamanho da solução

Quantos destes poderiam se beneficiar da ampliação da bolsa família? Para estimar isto, é necessário eliminar as famílias que têm mais de 120 reais mensais de renda familiar per capita; e também as famílias com menos de 60 reais mensais, porque já se qualificam para a bolsa de qualquer maneira. Além disto, se a família tiver um outro filho em casa de até 15 anos, ela já se qualifica, e a inclusão do jovem de 16 e 17 anos vai acrescentar somente 15 reais mensais à família, isto se ela já não ver três filhos estudando.

Fazendo todas estas eliminações, chegamos a um total de 318 mil jovens e suas famílias. Destes, 179 mil estudam, e, entre os que estudam, 45 mil trabalham, o que mostra que o trabalho não é necessariamente um impedimento para o estudo. Dos 138 mil que não estudam, 38 mil trabalham, e 28 mil buscam trabalho; 80 mil não fazem nada. Dos que estudam, 90 mil estão ainda no ensino fundamental, e mais 30 mil na primeira série do ensino médio.

Na melhor das hipóteses, pois, a ampliação do programa para jovens de 16 e 17 anos poderia trazer de volta à escola 130 mil jovens, e apoiar outros 80 ou 90 mil em risco de abandonar por excesso de atraso escolar – menos de 10% do grupo alvo.

Isto supondo, naturalmente, que a bolsa seria suficiente para que eles de fato voltassem à escola. A renda média dos que estudam, trabalham e têm remuneração é de 104 reais mensais; a dos que trabalham e não estudam, 150 reais, ou metade, aproximadamente, da renda familiar (são famílias pequenas, que não têm outros filhos menores), e dificilmente eles trocariam seu trabalho por uma bolsa de metade do valor, E supondo, também que o atraso ou o abandono da escola se deva à necessidade de trabalhar, coisa que o grande número de estudantes que estudam e trabalham, assim como o de jovens que nem estudam nem trabalham, mostra que está longe de ser verdade.

Não custa repetir: a principal causa do abandono escolar é a má qualidade da escola, e sua incapacidade de dar aos jovens, principalmente os mais pobres, conhecimentos e competências que lhes interessem e que eles possam assimilar. Nada contra dar uma pequena bolsa a 318 mil famílias necessitadas. Mas isto não tem nada a ver com educação.

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