Elizabeth Balbachevsky: Violência, participação e democracia

(Publicado na Folha de São Paulo,  8/06/2014)

Manifestações públicas constituem um dos aspectos essenciais da vida democrática. Um regime político que é incapaz de tolerar a livre manifestação da população – inclusive a que contraria os ocupantes do poder – não pode ser considerado democrático.

Historicamente, os regimes democráticos se consolidam quando a luta política deixa de ser o arriscado jogo do tudo-ou-nada e se institucionaliza como parte do cotidiano da sociedade. Esse é o requisito básico que abre espaço para a participação de todos os setores da população na vida política.

A pacificação do espaço da política é um elemento central das mudanças históricas que fizeram emergir, pela primeira vez na história humana, uma sociedade na qual todos os setores se percebem como atores políticos autônomos, e por isso, sujeitos ativos das decisões coletivas.

O reconhecimento que a participação política, para ser legítima, deve se dar dentro de regras é um pré-requisito central do jogo político democrático. Sem regras, a política torna-se um jogo arriscado demais para permitir a participação ampla.

Num ambiente marcado por pressões e ameaças de toda ordem, a política fica limitada à luta entre facções e forças organizadas. A permanência desse ambiente abre espaço para a constituição de regimes que, por sua incapacidade de tolerar o conflito, perdem um elo vital com a democracia, e aos poucos se convertem no seu oposto.

Portanto, é preciso ter clareza sobre as consequências de nossas palavras: quando exaltamos a participação sem limites, que torna a população refém de suas exigências e degringola em violência, estamos de fato propondo um modelo de participação onde, nas palavras do escritor George Martin, a política se converte “num jogo (de tronos) onde você ganha ou morre. Não há meio termo”.

Não é possível conciliar esse modelo de participação com um entendimento democrático do processo político, aquele em que TODOS os cidadãos, e não apenas os setores organizados, estão intitulados a participar da vida política.

Enganam-se aqueles que exaltam a violência como uma forma esteticamente superior e inovadora de fazer política. A violência na política é tão velha quanto a própria existência da humanidade. E ela nunca foi portadora da liberdade.

A violência como forma de participação se traduz na completa desconsideração pelo outro, na imposição unilateral do interesse de alguns sobre os direitos da grande maioria, e termina na desumanização do adversário: este perde sua condição humana para se converter numa encarnação do mal, “da opressão”, da “exploração”, etc. E assim chegamos a um passo de defender sua eliminação física, pura e simples.

É sintomático que a violência nas manifestações seja inversamente proporcional à sua representatividade. As grandes manifestações, aquelas que mobilizam milhões, são as mais pacíficas. Um movimento capaz de trazer uma parte significativa da população para as ruas, o faz porque, entre outras coisas, consegue assegurar que essa participação não ameaça a segurança de todos, nem de cada um.

Exatamente por esse motivo – justamente para assegurar que TODOS possam se manifestar – o direito à manifestação pública deve ser balizado por regras que tornam pública a intenção dos que querem manifestar e, simultaneamente, garantem o respeito ao direito dos demais: o direito de ir e vir, o acesso aos serviços públicos essenciais, etc. Essa é uma prática comum em todas as democracias do mundo. Por que não seria aceitável na democracia que queremos construir no Brasil?

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Elizabeth Balbachevsky, 56, é Professora Associada do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, vice-diretora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP e colaboradora no Fórum Pensamento Estratégico (PENSES) da Reitoria da UNICAMP.

Pelo Direito de Ir e Vir – A repercussão

No regime democrático em que vivemos, não deveria ser necessário fazer um abaixo assinado em defesa dos direitos de manifestação e do direito de ir e vir, ambos assegurados pela Constituição e pelas leis. No entanto, a repercussão do abaixo assinado publicado dois dias atrás, disponível aqui, assim como as dúvidas que suscitou, mostram que tocamos em uma ferida sensível (a listas de mais de 500 adesões até a noite de 31/05, por ordem alfabética, pode ser vista abaixo).

Que vivemos uma época de manifestações e greves violentas e abusivas, que bloqueiam estradas e ruas das cidades, suspendem os transportes públicos, retiram a polícia das ruas, invadem universidades, deixam crianças meses a fio sem aulas, ocupam e depredam prédios públicos e privados, ninguém duvida. Porque isto acontece? Por que pessoas e movimentos que se identificam como portadores da defesa do bem público adotam tais procedimentos? E porque a sociedade parece não reagir, fazendo prevalecer o bem estar coletivo sobre os interesses individuais?

Não há dúvida que o caldo de cultura do abuso e da violência é o efeito combinado da desmoralização das instituições representativas e da classe política e do não atendimento satisfatório de aspirações legítimas e crescentes de imensa parcela da população. É saudável que a população se manifeste contra esta situação indo para as ruas, expressando suas opiniões, fazendo greves quando necessário e escolhendo melhor seus dirigentes nas eleições. Mas este clima também tem sido acompanhado do uso da violência e da intimidação como método. Seus protagonistas vão desde os que acreditam que é preciso destruir tudo para começar de novo até os que usam da chantagem contra a população para obter vantagens para seu grupo e para si.

Algumas causas podem ser justas, e as táticas abusivas podem dar certo em alguns casos, mas o efeito somado deste clima de vale-tudo é muito  negativo tanto para a vida quotidiana das pessoas quanto por agravar o descrédito das instituições e afetar a economia.  As dúvidas  e objeções que foram levantadas em relação ao abaixo-assinado ajudam a entender, pelo menos em parte, porque estes comportamentos são tolerados.  Para alguns, o problema é que o texto se colocava ao lado da lei e da ordem, sem reconhecer a justeza das causas de muitas manifestações.  Para outros, a objeção foi de que o texto não era equilibrado, porque criticava os abusos das manifestações, mas não os abusos da polícia. Comum aos dois tipos de objeção é uma crença implícita na superioridade moral e ética dos manifestantes em relação às instituições públicas, e o receio de aparecer como defendendo os princípios da lei e da ordem, como se fosse uma posição reacionária e não, simplesmente, um componente central das sociedades democráticas. Há, ainda, os que adotam argumento utilitário: esse tipo de manifestação seria legítimo porque as manifestações “comportadas” não chamam atenção suficiente. Por fim, há os que justificam barbárie com barbárie: erros e desrespeito por parte de governantes e agentes da lei justificariam comportamento dessa natureza por parte de manifestantes. Esta atitude, bastante generalizada nos meios intelectuais, se torna ainda mais séria entre os políticos, que temem ser vistos como contrários às reivindicações do povo. O que eles não percebem é que o povo é a grande vítima desta situação, e pode se voltar contra eles

(Este texto foi preparado para o Estadão Noite de  28/05/2014)

Assinam este manifesto:

A. Ramalho Filho, Adalmir S Gomes, Adivo Paim Filho, Ado Udder, Adriana Ribeiro de Macedo, Alba Zaluar, Alberto Gaspar Guimarães, Alberto Laender, Alberto Saá, Alcyone Vasconcelos, Alessandro Petronio da Silveira, Alexander Strum, Alexandra M. Schmidt, Alexandre Andrade, Alexandre de Jesus Gonçalves, Alexandre Ricardo Soares Romariz, Alexandre Silva , Aline Cristina Jacomassi, Aloisio Carvalho, Amadeu Alves Vaz, Ana Beatriz Monteiro Fonseca, Ana Celia Bahia Silva, Ana Célia Castro, Ana Denise Ceolin Veloso, Ana Lúcia Americano Barcelos de Souza, Ana Lucia de Moraes Barros, Ana Lucia Silva Ratto, Ana Márcia Rodrigues, Ana Maria de Carvalho Machado, Ana Maria de Rezende Pinto , Ana Maria Fernandes, Ana Maria Jansen, Ana Paula Machado Lins, Ana Paula Wolf Bender, Anderson da Costa Santos, André Augusto Pereira Brandão, André de Holanda Padilha Vieira, André Gamerman, André Gustavo Morandi da Silva, Andre Henrique Oliveira, André Luis Santiago Maia, Andre Medici, André Zogheib , Andres Cristian Nacht, Angela Magalhães Gomes, Angelo Fraga Bernardino, Angelo Jorge dos Santos Silveira, Anne Girodo, Antonia de Lourdes Colbari, Antonio Amaral Junior, Antonio Aprigio da Silva Curvelo, Antonio Augusto Pereira Prates, Antonio Eduardo Gomes, Antonio Jorge G Soares, Antônio José Ribeiro Dias, Antonio Lima da Silva, Antonio Octavio Cintra, Antonio Prenholato, Antonio Richieri Costa, Arnaldo de Albuquerque Araújo, Arthur Vicente Preston Krug, Artur Zimerman, Augusto José de Sá Campello, Augusto Roy, Aurélio Tavares, Aurora Neiva, Ayrton Burgomeister, Beatriz V. Fonseca, Becky Spindel, Belmira Amelia de Barros Oliveira Bueno, Bernadete Abaurre, Betto Teixeira, Bianca Martinho Belli, Bluma Elamy da Nobrega, Boanerges Guedes, Bolívar Lamounier, Boris Fausto, Brasil Santos, Braz Raphael de Carvalho Perrone, Bruna Fernanda, Bruna Kulik Hassan, Bruno Anacleto, Bruno Braga, Bruno Conte, Bruno Góes, Bruno Spadafora Ferreira, Camila Gamarano, Carla de Souza, Carla Jucá Amrein Cezar de Andrade, Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, Carlos Alberto Batista Bastos, Carlos Alberto de Bragança Pereira, Carlos Antonio Abanto Valle, Carlos Edison Fernandes Domingues, Carlos Eduardo Moreira de Almeida, Carlos Frederico D. Rocha, Carlos Palombini, Carlos Pio, Carlos Salem, Carlos Vinícius de Sá Roriz, Carlso Alberto R. Alvarenga, Carmem Pinheiro Alves da SIlva, Cassiano Ribeiro Santos, Celio da Cunha, Celso Franzen Junior, César Silva Melo, Cezar Augusto Cerqueira, Christiano dos Santos Mendes Pereira, Cibele Noronha Behrens Assunção, Cibele Queiróz da Silva, Claudemir de Quadros, Claudia Horta, Claudia Leite de Moraes, Claudia Petean Bove, Claudia Pio Ferreira, Claudia Regina Oliveira de Paiva Lima, Claudio Alves, Cláudio Américo de Figueiredo Porto, Claudio de Moura Castro, Claudio Gruendling, Claudio Monteiro Considera, Clotilde Saavedra, Clóvis Alberto Vieira de Melo, Cristiano Miglioranza Mercado, Dani Gamerman, Daniel Biasoli, Daniel Gustavo Kaemmerer, Danilo Alvares da Silva, Danilo Medeiros de Santana Collado, Dari Dutra, Davi Moreira Da Silva, David Matos Campanelle, David Zylbersztajn, dBeatriz do Rego Novaed, Deize Barboza, Denise Britz do Nascimento Silva, Denise Duarte, Denise Lins, Denise Mafra, Denize Pereira, Diana Mandelert, Dirceu Bertin, Domingos Savio da Silva Padula, Domitila Madureira, Doris S M Fontes, Douglas Moura, Ed Coelho da Costa Tourinho, Edleide de Brito, Edmar Bacha, Edmundo Simões Bastos, Edna Afonso Reis, Edson Morais, Eduardo Abrantes, Eduardo Abreu Beuttemmuller, Eduardo Augusto Guimarães, Eduardo Cavalcanti, Eduardo Faerstein, Eduardo Graeff, Eduardo Magrone, Eduardo Pádua, Elça Mendonça Lima, Elena Landau, Eleuda Oliveira, Eliane Silva, Elienai de Oliveira Fernandes, Elisabete Cardoso, Elisabeth Leite de Freitas, Elizabet Gomes do Nascimento, Elizabeth Balbachevsky, Elizabeth Cacko, Elmo S Alves, Enio Gomes Fontenelle, Érica Resende Malaspina, Erick Sanchez Machado, Erick Silveira, Ernani Carvalho, Ernst W Hamburger, Estêvão Kopschitz Xavier Bastos, Esther Regina Levis, Eufrasio de Andrade Lima Neto, Eusebio Finkler, Ewerton Monteiro, Fabiana Silva Fernandes, Fabiane lazzarini, Fabio Carvalho de Mendonça, Fábio Otero Gonçalves, Fábio Seixas, Fatima Bogea, Felicia Reicher Madeira, Felipe Rogério Pimentel, Fernando Antônio da Silva Moura, Fernando Coelho, Fernando José de Araujo Abrantes, Fernando Marcio Freire, Fernando Noel Alarcon, Fernando Pereira dos Santos, Fernando Pereira dos Santos, Fernando Silva de Souza, Flávia Akves Ferreira Chaves, Flavio Augusto Praseres Vieira, Flavio Ferreira , Flávio M. Correia, Francisca Nacht, Francisco Alcides Germano, Francisco Eduardo Lima Miranda, Fredrico Ammrim, Gabriel Bahia Caldas, Gabriel Braga, Gabriel Henrique Burnatelli de Antonio, Gabriela de Andrade Monteiro, Gabriela de Souza Honorato, Gauss Moutinho Cordeiro, Gecynalda Gomes, George Matsas, Geraldo Magela de Lima, Geraldo Zimbrão, Germano Brandes, Gilberto A. Viana, Gilson Galera, Giovani Kerber Jardim, Giovanna Larissa Cardozo de Lima, Giovanni Silva Paiva, Glauco Valle da Silva Coelho, Glaura C. Franco, Gracy Morrison, Guilherme Mattos, Guillermo Héctor Pisano, Guiomar Namo de Mello, Gustavo A. Faria Cortines, Gustavo Franco, Gustavo Godoy Schmidt, Gustavo Henrique de Faria Morelli, Gustavo L. Gilardoni, Hamilton Garcia de Lima, Harold Braun, Harry Gilberto Bess, Hedibert Lopes, Helene Salim, Helga Hoffmann, Helio Guedes de Campos Barros, Helio S. Migon, Heloisa Frederico, Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, Heloísa Padula, Heraldo Pessoa Souto Maior, Hermano Rocha, Hernan Saavedra Herrera, Hylton Sarcinelli Luz, Ilka Afonso Reis, Inês Ribeiro, Inez Maria Farah, Irene Alves Rodrigues, Isaac Gandelman, Isabelle Ludovico da Silva, Ismael de Oliveira Façanha, Israel Vainsencher, Ivo Coser, Jan Kruger, Jaques Scvirer, Jefferson Roberto Gomes, Jerson Kelman, Jimy Inoue Junior, Joana Bezerra Cavalcanti, Joana D’Arc de Morais, João Batista Araujo e Oliveira, João Carlos de Almeida Martins Costa, João Carlos Ferreira, João Henrique Casotti, João Pedro Magalhães de Oliveira Neri, João Vanderlei Teixeira da Silva, Jonas De Almeida Federighi Jr., Jorge  Antunes, Jorge Alberto Rodriguez, Jorge Jatobá, José Agusto Guilon de Albuquerque, Jose Albertino Lordelo, José Carlos Pereira, José de Souza Martins, José Eduardo Garcia, Jose Eduardo Vinhaes Gerk, José Ferreira de Carvalho, José Lopes Gondar, Jose Luiz Froes, Jose Luiz Rizzotto, José Márcio Camargo, José Marcos Nogueira, José Mario Osorio, José Rachid Mohallem, José Roberto de França Arruda, Joseli Bastos da Costa, Julio Francisco Barros neto, Julio G. Silva, Julius Leite, Jurandyr Lopes, Kalil Eduardo Cunha de Sousa, Karina Riehl, Katia oliveira, Kenneth Camargo, Kleiffer de Sousa Cunha, Lavinia Maria Sanabio Alves Borges, Leandro R. Tessler, Leda Tamega Ribeiro, Leila Messina, Lenice Ishitani, Leonardo Corrêa, Lia Zalszupin, Liane Muller Beheregaray, Liliane Ferreira de Moura, Lisbeth Cordani, Loredan Giacomel, Lourdes Novaes, Luana Marotta, Lucas de Almeida Santos, Lucas Gallindo, Lucas Rodrigues Azambuja, Luciana A Braga, Luciano de Castro Coitinho, Lucila Ishitani, Luis Braga, Luís Marcelo Fontoura Mourão, Luiz Antonio Arantes Heim, Luiz Bersou, Luiz Bigonha Gazzola, Luiz C Guimaraes, Luiz Felipe de Souza Coelho, Luiz Felipe Heit Kerber, Luiz Guilherme de Souza Sudbrack, Luiz Mario Sa Freire, Luiz Paul Pires da Silva, Luiza de Marilac Pereira Dolabella, Luzia Trinca, Manoel Ferreira dos Santos Neto, Manoel Francisco da Silva Silva, Manuel Gomez Alvarez, Manuel Thedim, Marcela de Freitas Ferreira, Marcelo da Costa Trindade, Marcelo Guilhermino Barreto, Marcelo Leme de Arruda, Marcelo Martins SantAnna, Marcelo Nobre Migon, Marcelo S Tognozzi, Marcelo Werneck, Marcelo Zenkner, Marcia Bandeira de Mello Leite Arieira, Marcia Cristina Rodrigues, Márcia Lima Monteiro, Marcio Costa, Marcio Gomes Soares, Márcio Rosa Rennó Gomes, Marco Aurelio Palumbo Cabral, Marcos Cavalcanti, Marcos Mattoso de Salles, Marcos Oliveira Prates, Marcos Ronald Roman Gonçalves, Maria Adelaide Ferraz Pereira, Maria Alice Nogueira, Maria Amelia Maneque Cruz, Maria Celia S. Antunes, Maria Cristina Faber Boog, Maria Cristina Pinto Pereira, Maria de Fátima Cintra, Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti, Maria do Carmos de Castro Nogueira, Maria Eulalia Vares, Maria Fernanda Elbert, Maria Fernanda Gadelha, Maria Helena de Magalhães Castro, Maria Helena Guimarães de Castro, Maria Isabel P. Tafner, Maria Josenira, Maria Lígia Barbosa, Maria Madalena Ferreira, Maria Martha Malard Mayer, Maria Teresa Kerbauy, Maria Tereza Ferreira, Maria Valeria Junho Penna, Mariano Campelo Koslinski, Marilia Coutinho, Marilu R. Franca, Marina Laender, Mário Augusto de Queiroz Jansen Pereira, Mário D. Noronha, Mario Leme, Mario Machado, Mario Veiga Ferraz Pereira, Mariza Almeida, Marley Apolinario Saraiva, Mauricio Batista, Mauricio Dias David, Mauro Barros Dantas, Mauro César Ferreira Freitas, Mauro Mendes Braga, Michel Antonio Soares Mussi, Michel Lent Schwartzman, Michel Spira, Milter Pesce, Milton Anhaia, Milton Soares Junior, Miriam Harumi Tsunemi, Moacir Luiz da Silva, Monica Alegre de Lima Pinho, Monica Grin, Mônica Leal, Monica Reis, Neide Cruz, Neilton Rosa, Nelson do Valle Silva, Nelson Luiz de Magalhães, Nelson Moczydlower, Nidia Lucia Edler, Nilvia Joana Passoni, Norah Franca, Nuno Duarte da Costa Bittencourt, Odilon Bado Castriota, Odilon Castriota Filho, Onildo Elias de Castro Lima, Orlando Ferreira Rodrigues , Orley Moreira dos Santos, Osvaldo Carvalho, Osvaldo Ferreira de Abreu Jr., Paulo Afonso de Oliveira, Paulo André de Andrade, Paulo Cesar Colonna Rosman, Paulo Cesar Souza dos Santos, Paulo Cezar Farah, Paulo dos Santos Rodrigues, Paulo Fallavena, Paulo Fernando de Vasconcelos, Paulo Ferraz, Paulo Henrique Carvalho Oliveira, Paulo Marcondes, Paulo R. Amorim dos S. Lima, Paulo Raimundo Pereira Santos, Paulo Ricardo dos Santos, Paulo Roberto Barreto Cavalcante, Paulo Roberto Ribeiro da Cunha, Paulo Sant Anna Filho, Paulo Sérgio Soares Guimarães, Pedro Aurélio Persone, Pedro Kopschitz Xavier Bastos, Pedro Lincoln C. L. de Mattos, Pedro Luis do Nascimento Silva, Pedro Oliveira, Pedro Reginaldo Prata, Pedro Sampaio Malan, Pledson Guedes de Medeiros, Rachel Alfano, Rafael da Cruz Alves, Rafael Leoni, Raissa M Cotta Ferreira da Silva, Raquel da Cunha Valle, Raquel Oliveira Prates, Rasberg Barcellos Junior, Regina Magna Rangel Martins, Regina Sampaio, Regis Bonelli, Rejane Mitraud Ruas, Renan Sales, Renan Springer de Freitas, Renata Cavalcanti, Renato Duarte Costa, Ricardo Almeida, Ricardo André de Campos-Porti, Ricardo Hamad, Ricardo Kohn, Ricardo Pessoa de Mello Belli, Ricardo Velez Rodriguez, Ricardo Wagner Nunes, Rina Tereza D’Angelo Nunes, Roberto Augusto da Matta (Roberto DaMatta), Roberto Gomes de Souza Berlinck, Roberto Howard Cooper, Roberto Oliveira Rocha, Roberto Rogerio Jorge Moreira Rivera, Roberto Venhofen Rodrigues, Rodrigo Amaral, Rodrigo dos Santos Targino, Rodrigo Travitzki, Rogério Lacaz Ruiz, Rogerio Silva, Romero Maia, Ronaldo de Paula Avelino, Ronaldo Dias, Ronaldo Gonçalves Izetti, Rosa Sueli de souza, Rosamelia Cunha, Rosângela Caetano, Roseni Pinheiro, Rui Paim, Ruth Juer, Ruy Sá J de Oliveira, Sergio Augusto Almeida Moura, Sergio Besserman Vianna, Sergio Brancher, Sergio Fausto , Sérgio Guida, Sergio Guimarães Ferreira, Sérgio Luiz Bragatto, Sergio Renato de Souza Balbi, Silvana Ligia Vincenzi Bortolotti, Silvia Helena de Almeida Rossi, Silvia Lopes de Paula Ferrari, Silvia Valadares, Silvio Gurfinkel, Silvio Luis Ferreira, Silvio Sales Oliveira Silva, Simon Schwartzman, Simone de Fátima Barbosa Tófani, Sonia Andrade, Sonia Karam Guimarães, Stephannie Mello, Sueli Shimohama, Sylvia de Mello Franco Nabuco, Tácito Ribeiro de Matos, Taina Cruz Serra, Taina Fernanda Pedrini, Tania Elias Magno da Silva, Tânia Maria Cox de Araujo, Tania Salem, Telma Rodrigues Nunes, Teresa Pereira, Tiago Dornelles Dal Pizzol, Tiago Pontes Ferraz, Tiane Montezuma, Tito Cadallora, Tomas Zinner, Umberto Giuseppe Cordani, Valeria Becker Fregapani, Valéria Mesquita, Vanier A. Avelar Costa, Vera Cecília da Silva, Vera Lúcia Costa Nivo Cerqueira, Vera Pinho, Vera van Tilburg, Verônica Santos Albuquerque, Vicente Pleitez, Victor Bandeira de Mello, Virginia Pegado Gonçalves, Wagner Almeida, Waldeir Inácio Ferreira, Walter de Mattos Junior, Walton Pontes Carpes Júnior, Wanda Engel, Wellington Lima Amorim, William Ricardo de Sá, Wilson Trajano Filho, Xavier Carvajal Paredes , Yamilla Ferreira Manjko, Yara Cunha Costa, Yvonne Maggie.

Menos governo, mais governança

modiCom este mote, o partido de Marendra Modi ganhou as eleições e  pôs fim a dez anos de poder de governo da Índia pelo Partido do Congresso, que presidiu, até recentemente,  um período de grande crescimento da economia, combinado com políticas protecionistas e de redistribuição de recursos para minorar a extrema pobreza que atinge grande parte da população do país. Nos últimos anos, no entanto, a redução do crescimento e uma sucessão de escândalos de corrupção levaram o Partido do Congresso à paralisia e desmoralização, enquanto que a economia do Estado de Gujarat, com 60 milhões de habitantes e governado por Modi desde 2001, se mantinha em grande vitalidade, pela combinação de investimentos públicos e privados e eficiência do governo estadual.

Existe muita esperança, mas também muitas dúvidas, sobre o que esta virada pode significar. A economia explica  muito das decisões dos eleitores, mas na Índia, com 1.2 bilhões de habitantes e enormes diferenças sociais e culturais, fatores regionais, religiosos, linguísticos e culturais pesam muito. Modi, membro de um partido nacionalista hindu, o  Bharatiya Janata Party, chegou a ser responsabilizado por ter permitido o massacre de milhares de muçulmanos em seu estado em 2002, embora sua culpa nunca tivesse sido provada, e existe a preocupação de que sua eleição possa agravar os conflitos com o Paquistão e outros países vizinhos.

Nesta campanha eleitoral que acaba de terminar, no entanto, o que preponderou não foi o nacionalismo e o populismo, mas a necessidade de tornar o governo mais eficiente e menos corrupto, abrir mais a economia para os investimentos privados, e reduzir as a ênfase nas políticas redistributivas que, durante anos, ajudaram o Partido do Congresso a se reeleger, mas já não satisfazem a uma população que aspira por um governo melhor e mais enxuto, que crie mais oportunidades de trabalho e mobilidade social.

Será que o exemplo da Índia traz algum ensinamento para o Brasil?

 

Marcus Melo: Lulismo ou qualunquismo?

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Vota primeiro, e pensa depois!

Lulismo ou “qualunquismo”?

Marcus André Melo

Há duas visões rivais sobre a política  brasileira na era dos governos petistas. A primeira aponta para um fenômeno supostamente novo – o lulismo – que representaria um realinhamento histórico que teria ocorrido na última década. A denominação lulismo – em lugar de petismo – chama a atenção para o fato de que os votos no PT e no presidente passaram a dissociar-se. Este realinhamento se daria pela conquista dos grotões : o eleitorado petista teria se deslocado definitivamente para as regiões mais pobres – o nordeste, o norte – áreas que estiveram por décadas sob controle de setores conservadores.  Para isso teria contribuído a ampliação de programas sociais, como o bolsa família, e uma estratégia de comunicação nova – por direta e eficaz – que o presidente Lula encarnaria. A visão alternativa é que este realinhamento não teria ocorrido e a “conquista  do nordeste” seria uma mera re-atualização da patologia recorrente da política brasileira: o governismo.

Em livro clássico sobre o clientelismo no mezzogiorno italiano, Chubb analisou o “qualunquismo” – o governismo arraigado somado à indiferença e cinismo cívico. Prefiro esse termo para caracterizar a situação brasileira porque o termo governismo tout court pode sugerir alguma forma de identificação política com o governo.  “Qualunquismo” – derivado de “qualunque”, qualquer um – é uma variante invertida  do hay gobierno soy contra. Mas a ela se conjugam o cinismo, o alheamento frente ao mundo da política.

A versão forte ou maximalista do argumento do lulismo é que finalmente os pobres acordaram de sua entorpecimento histórico. A meta-narrativa presente nesta visão é que – permitindo-me recorrer a um termo meio esquecido do léxico político – os pobres passaram a ter “consciência de classe”.

Que suporte empírico é mobilizado para sustentar o argumento do lulismo? O primeiro é que ocorreu uma inegável reorganização territorial do voto no Brasil a partir de 2006. O voto petista efetivamente concentrou-se nos estados mais pobres. Inferir o comportamento individual dos eleitores de dados agregados (neste caso, municípios ou estados mais pobres) é um dos erros elementares de análise estatística (a chamada falácia ecológica) , mas há evidências que os mais pobres de fato votam no PT.  Uma variante é que estaria ocorrendo uma polarização de base territorial. Esse argumento ecoa algo da literatura acadêmica sobre realinhamento partidário nos EUA.  Só que no Brasil não há nenhum equivalente à clivagem entre o norte e o sul nos EUA em torno da questão racial. Os quatro realinhamentos que essa literatura identifica – desde a fundação do partido democrata por Andrew Jackson até a década de 60 – tiveram ela como vetor. Não há evidências que qualquer fator regional esteja associado ao lulismo – como nos EUA ou mesmo em outros países na América Latina – , para além de comentários preconceituosos disparados no facebook. Nesse caso o argumento parece uma idéia fora de lugar.

O argumento do ”qualunquismo” tem sido defendido com base em evidências que o eleitor dos grotões sempre tende a apoiar quem está no governo, mesmo quando não mantem afinidades eletivas com ele. De fato, as pesquisas mostram que nas últimas cinco eleições presidenciais o voto nessas regiões tem sido invariavelmente governista. A lógica por trás do voto ”qualunquista” já foi discutida há mais de 50 atrás por Victor Nunes Leal em “Coronelismo, enxada e voto”. A dependência dos grotões frente ao governo central impelia os moradores dessas áreas a apoiarem o governo. A intensa competição política local era apenas “uma disputa para ver quem iria ter o privilégio de apoiar o governo central”.  Nesse sentido, o voto petista concentrado no norte/nordeste  não representou uma “marcha para o nordeste” mas apenas a chegada do partido ao poder. O privilégio de quem vai apoiar o governo central continuaria sendo disputado por elites atrasadas. A força intuitiva desse argumento  vem do fato de que o rol dos que tem o privilégio de apoiar o governo central é assustador: uma mirada para Alagoas e Rondônia, passando pelo Pará e Maranhão, seria suficiente. Quem está na oposição só tem a oferecer ideologia e princípios: por isso o PT, como o MDB antes dele, nasceu urbano e cosmopolita. Mas os testes estatísticos sustentam esse argumento robustamente.

Embora a tese do qualunquismo seja mais persuasiva e esteja firmemente ancorada em evidências, ela é ainda insatisfatória. A conquista dos grotões não é nada mais que um reflexo da consolidação da democracia no Brasil.  Quando se inaugura um mercado eleitoral competitivo – como o brasileiro – a tendência no médio e longo prazo é que ocorra um realinhamento de políticas. Essa é a essência do teorema do eleitor mediano – uma espécie de lei da gravidade da ciência política. Quando a renda é fortemente concentrada, a renda do eleitor mediano é significativamente menor do que a renda per capita. Haverá então pressões redistributivas  –  tanto mais fortes quanto maior o hiato de renda entre a mediana da distribuição de renda e sua média. Isso explica porque todos os principais  contendores da disputa presidencial atual apoiam o bolsa família ou até prometam elevar seu escopo e valor. A política de transferências sociais é o que os cientistas políticos denominam  “valence issue“.  Sua consensualidade – pelo menos no que se refere à redistribuição moderada de renda – implica que os políticos são avaliados apenas pela maior ou menor competência em garantir que os objetivos da política sejam atingidos. Assim não é o nordeste mas a maioria dos brasileiros, que tem baixa renda, que sob a democracia, apoia medidas redistributivas. O que há de novo na política nacional é a “federalização  do crédito político” com a política social, o que antes só existia na fixação do salário mínimo. A política de transferência de renda não tem intermediários:  o eleitor de baixa renda vota no presidente que redistribui mais e melhor  (e no oligarca local que aprova a emenda ao orçamento). Mas o eleitor se defronta com um dilema: se deixar de apoiar seu candidato local que garante benefícios estará dando um tiro no próprio pé. Nessas outras áreas de política há um intermediário: ele se alinhará ao que tiver mais chances – em geral o incumbente do cargo – qualunque!

Fazendo o Brasil Funcionar

making-brazil-workNo dia 18 de dezembro de 2013 participei de uma mesa redonda na Fundação Getúlio Vargas de lançamento do livro de Marcus André Melo & Carlos Pereira, Making the Brazil Work – Checking the President in a Multiparty System Palgrave MacMillan, 2013.. É um livro extremamente rico, que analisa o sistema político brasileiro em seus diferentes aspectos – a presidência, a política de coalizões, o funcionamento dos estados, o papel do judiciário e das agências de regulação – fazendo uso de muitas evidências e comparando o Brasil com outros países, sobretudo da América Latina. Transcrevo abaixo os comentários que fiz.

Fazendo o Brazil Funcionar

Com altos e baixos, a democracia brasileira tem funcionado sem interrupção desde 1985, contrariando algumas previsões mais sombrias de que nosso sistema político, denominado “Presidencialismo Multi-Partidário”, ou, na formulação de Sérgio Abranches, “Presidencialismo de Coalizão”, seria disfuncional e correria sérios riscos de ingovernabilidade e instabilidade. Sem deixar de reconhecer os problemas existentes, os autores argumentam que, na verdade, este sistema tem sido um grande sucesso e veio para ficar, graças à combinação de três fatores: uma presidência forte; a existência de “moeda política” – cargos, recursos orçamentários e decisões de política pública – que possam ser utilizados para manter a coalização parlamentar em linha; e um conjunto de controles externos que incluem o judiciário independente, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a imprensa livre, e outros. Com isto, a democracia brasileira, nos dizer dos autores, atingiu a maturidade, “has come to age”. Este “sucesso inesperado” não teria ocorrido somente no Brasil, mas também em outros países, começando pelo Chile, aonde um arranjo semelhante também existiria.

Todo livro é, direta ou indiretamente, um diálogo com outros, e, no caso, dois ou três tipos de interlocutores podem ser identificados. O primeiro são aqueles que argumentam que o sistema representativo é inerentemente perverso, e que deveria ser substituído por formas diretas de democracia. Este argumento não tem muita ressonância entre especialistas, mas é bastante popular em muitos setores da opinião pública, da juventude e dos movimentos sociais. Aqui, vale lembrar a famosa frase de Winston Churchill nos anos 40, de que a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que já foram tentadas. Marcus Melo e e Carlos Pereira vão além de Churchill, no entanto, ao argumentar que nossa democracia, na verdade, funciona bastante bem.

O segundo grupo de interlocutores são os que, como Juan Linz, Fernando Henrique Cardoso e Bolivar Lamounier, defenderam a ideia de que nosso tradicional presidencialismo deveria ser substituído com vantagens por um sistema político parlamentarista, acompanhado de uma reforma do sistema partidário. Com a vitória do presidencialismo no plebiscito em 1993, a tese do parlamentarismo ficou de lado, o que não impede que muitos continuem apontando para os problemas de nosso presidencialismo e nosso sistema partidário e insistindo na necessidade de torná-los mais funcionais e mais representativos da sociedade. Contra estes os autores dizem que, claro, todo sistema político tem seus problemas, mas nosso presidencialismo funciona bastante bem, e não precisa de maiores reformas.

Eu concordo plenamente com os autores quanto à importância da democracia representativa, não somente como imperativo ético, mas também porque os sistemas políticos abertos e competitivos têm maior capacidade de administrar contradições e conflitos e abrir espaço para iniciativas e inovações do que os sistemas autoritários, sobretudo em países grandes e complexos como o Brasil, por mais eficientes que estes possam ser no curto prazo. Isto é mostrado com muita clareza por Bolivar Lamounier em seu livro  Da Independência à Lula: Dois Séculos de Política Brasileira (Augurium, 2005) em que argumenta que foram muito poucos os períodos de regime fechado na história brasileira, e estes períodos foram muito mais instáveis do que as diferentes democracias que experimentamos, da monarquia parlamentarista à República Velha, passando pela Segunda República do pós-guerra e agora pela democracia aberta que já começou a existir antes mesmo que o regime militar acabasse.

Aonde eu concordo menos é na resposta ao dilema que eles colocam ao final do livro entre ver o copo como meio cheio ou meio vazio. Ao colocar ênfase no lado meio cheio, eles deixam de examinar o período do governo Sarney e a desastrosa eleição de Fernando Collor/Itamar Franco, e focalizam a atenção sobretudo nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, que podem ser considerados excepcionais em dois sentidos importantes. No primeiro caso, a legitimidade eleitoral obtida por Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real, que lhe permitiu governar por alguns anos com uma equipe técnica altamente qualificada, organizando a economia do país (legitimidade eleitoral que não faltou a Collor no início, mas que não lhe serviu de nada). No segundo caso, os benefícios de uma conjuntura econômica internacional extremamente favorável que permitiu ao governo Lula fazer amplo uso das “moedas políticas” da distribuição de cargos e favores para garantir tanto o apoio parlamentar de que necessitava quanto a aprovação da opinião pública. Esta condição excepcional deixou de existir ao final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, e tudo indica que sua ausência está afetando também de maneira profunda o governo de Dilma Rousseff.

O fato de nosso presidencialismo ter funcionado razoavelmente bem nestes períodos excepcionais, e ter pelo menos sobrevivido ao descontrole do governo Sarney e à corrupção extrema do governo Collor, e ainda o fato de que a democracia brasileira funcione melhor do que a da Argentina, Venezuela ou do Equador (mas não, me parece, que a do Chile) não me parece suficiente para que nos acomodemos achando que tudo está bem. É necessário ter um standard de referencia mais alto. Nosso sistema de representação proporcional é extremamente problemático, fazendo com que os eleitores não saibam em quem votaram e os parlamentares só representem os grupos de interesse que os financiam diretamente. Pelo estatuto das medidas provisórias, o parlamento abdica de seu direito de legislar, em troca das “moedas políticas” que recebe do executivo para lhe prestar apoio.

Não há dúvida de que a barganha funcionou bem durante muito tempo, mas o governo Dilma tem enfrentando um parlamento cada vez mais rebelde, não no esforço de reafirmar sua responsabilidade legislativa, mas de aumentar cada vez mais as “moedas” que recebe (inclusive buscando tornar impositivas as emendas parlamentares), que se tornam cada vez mais escassas com o recesso econômico e o esgotamento da capacidade do governo de aumentar impostos e gastos. No impasse político que vai se gestando, a capacidade de ação o governo se reduz, e não faltam vozes no partido do governo propugnando bandeiras populistas que incluem desde a tentativa de controlar a imprensa até ao esforço por desmoralizar o judiciário, passando por políticas econômicas de curto prazo que continuam favorecendo a distribuição de benefícios em detrimento de uma racionalidade econômica de médio e longo prazo, dificultada ainda mais pelo calendário eleitoral que, a cada dois anos, paralisa o país. Creio que concordamos todos que estas vozes dificilmente vão prevalecer, pela própria complexidade da sociedade brasileira e de suas instituições. Mas nossa democracia não está imune a outros Collor e Sarneys, sem falar nos fantasmas de Kirshner e Chaves, e isto deveria nos preocupar.

 

 

 

Lula: entre Roosevelt e Perón

Vários comentaristas tem feito comparações entre Lula e Roosevelt,  mas existem também os que fazem paralelos com Perón. Roosevelt, Perón e Lula têm em comum ter aumentado os gastos do setor público, aumentado o papel do Estado na economia e introduzido  políticas de distribuição de renda,  conquistando grande apoio popular. Para manter seu poder  e levar à frente suas políticas, fizeram parcerias com setores aparentemente incompatíveis:  no caso de Roosevelt, com as oligarquias racistas do antigo Partido Democrata do Sul dos Estados Unidos; no caso de Perón, com os militares, sindicatos e oligarquias regionais; e no caso de Lula, com os coronéis do Nordeste, os velhos pelegos  e os políticos fisiológicos do PMDB e próprios.

Os  legados de Roosevelt e Perón, no entanto, são muito distintos, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Roosevelt governa os Estados Unidos entre 1933 e 1945, e depois da guerra o pais entra em um período de grande expansão econômica, enquanto que a Argentina, governada por Perón entre 1943 e 1955, que até os anos trinta tinha um nível de renda que se aproximava da Alemanha e da França, entra gradativamente em um processo de decadência econômica e desorganização social que parece não ter fim. Na política, os Estados Unidos mantêm intacto, ao longo dos anos, o sistema partidário e as instituições políticas, enquanto que a Argentina vê sua ordem legal  e institucional rompida por crises sucessivas.

Como explicar estas diferenças? No caso dos Estados Unidos, a intervenção do Estado na economia, o aumento de impostos e dos gastos públicos se deram pela premência da crise dos anos 30 e pela economia de guerra que lhe sucedeu. Em parte, foram ações irreversíveis. Terminada a guerra, os Estados Unidos não voltam aos baixos níveis de taxação dos anos anteriores,  nem rompem os vínculos econômicos entre o governo e os setores da indústria que participaram do esforço de guerra, e que continuaram se beneficiando de contratos com o governo durante a guerra fria – o  chamado complexo industrial militar, criticado pelo presidente e general Eisenhower em 1961 .  O sindicalismo, antes fortemente reprimido, encontra um espaço legítimo de atuação, e o embrião do estado de bem estar social que havia sido esboçado nos anos 30 continua se expandindo, culminando com o projeto da Great Society de Lyndon Johnson.

Roosevelt tinha grande popularidade, tanto pelo New Deal quanto pela liderança que exerceu durante a guerra, mas seu poder era limitado pela autonomia do judiciário e do Congresso, o sistema bipartidário não foi ameaçado, os impostos se mantiveram contidos e a dívida pública, que havia atingido níveis altíssimos com a guerra, cai sistematicamente até os tempos de Bush e Reagan. Apesar das políticas de expansão de gastos em seu governo, Roosevelt tinha também um lado claramente conservador do ponto de vista fiscal, que tentou colocar em prática ao final dos anos 30 . O que deu impulso à economia americana, e permitiu a formação da grande classe media naquele pais, foi sem dúvida a economia de mercado, fortalecendo o argumento daqueles que consideravam, e ainda consideram, o período de Roosevelt como uma exceção.

No caso da Argentina, o que predominou no após guerra foi uma política de fechamento da economia, que fez com que o pais deixasse de aproveitar do fato de ser um dos grandes produtores agrícolas do mundo para fazer crescer a economia como um todo, como aconteceu, por exemplo, na Austrália.  Eis como um autor resume o que ocorreu:

“O governo de Perón, que tinha sido eleito com o voto popular, levou à frente uma grande redistribuição da renda nacional que beneficiou, pelo menos no curto prazo, setores da sociedade com menor renda. Ele criou os fundamentos de um poderoso estado de bem estar social, controlado pelo governo e os sindicatos, e ampliou ainda mais o poder do estado através de nacionalizações e um alto grau de intervenção do governo no comércio internacional e local, no sistema bancário e de seguros. O governo era apoiado sobretudo pelos militares, por uma burocracia estatal crescente, por alguns empresários locais, que se beneficiavam das políticas protecionistas e do apoio do governo, e dos sindicatos, que eram patrocinados pelo governo e se transformaram nos principais beneficiários de suas políticas.  Perón gozava de grande apoio popular, ainda que os direitos individuais e as liberdades políticas de seus oponentes nem sempre fossem respeitados, a imprensa fosse controlada, e as atividades políticas da oposição fosse reprimida”  (traduzido de Felipe A. M. De La Balze,. Remaking the Argentine Economy. New York: Council of Foreign Relations Press. 1995)

Esta estratégia produziu bons resultados econômicos no início,  sobretudo para os setores mais protegidos, mas acabou redundando em uma economia com pouco potencial de crescimento. As indústrias se desenvolveram a taxas razoáveis até os anos 60, e depois estagnaram. Os baixos investimentos em tecnologia e as políticas fiscais e de câmbio fizeram com que o setor agrícola não se desenvolvesse como deveria. Com a saída de Perón em 1955, o sistema político argentino não consegue de estabilizar, e a Argentina perde cada vez mais o lugar que poderia ter tido. Entre 1950 e 1970, enquanto que a economia do mundo se expandia, e com ela o Brasil (uma das economias que mais cresceu, acima de 6% ao ano), a Argentina não foi além de  2,1% ao ano.

Duas outras características negativas, também assinaladas por Balze, marcam o peronismo. A primeira é que o país, sistematicamente, tomava decisões erradas na política internacional. O golpe de estado que levou Perón ao poder tinha por objetivo manter a proximidade do país com as ditaduras do Eixo na segunda guerra. A paranóia contra o imperialismo inglês e americano fez com que a Argentina se recusasse por muitos anos a participar dos acordos do GATT, deixando de se beneficiar do fluxo de comércio e investimentos do período. Como diz Balze, “a Argentina se voltou para o intervencionismo e protecionismo na área econômica e para o nacionalismo, o populismo e o militarismo na área política – estratégias equivocadas em resposta ao novo ambiente da economia internacional.”

A diferença crucial entre Roosevelt e Perón, do ponto de vista econômico, parece ter sido que as políticas intervencionistas de Roosevelt foram feitas e tiveram como resultado estimular a economia americana, enquanto que as políticas peronistas serviram para isolar a Argentina da economia internacional e fazer com que o pais entrasse em um longo processo de decadência econômica e desorganização institucional do qual até hoje não saiu .

Um outro ponto assinalado por Balze é que o tipo de política desenvolvido por Perón e os peronistas, de uso predatório do setor público em benefício de seus aliados, fez com que a Argentina nunca tivesse desenvolvido instituições públicas com a competência e a qualidade que seriam necessárias para levar à frente as políticas intervencionistas que faziam e ainda fazem parte do discurso peronista. Do ponto de vista político, Perón criou o peronismo,  que sufocou a oposição na Argentina tanto à direita quanto à esquerda, enquanto que Roosevelt não criou um Rooseveltismo, embora tenha contribuído para alterar as características do Partido Democrata, que ficou mais identificado com as políticas sociais, os sindicatos e o movimento de direitos civis do que o Partido Republicano.

A crise econômica recente fez com que muitos, no Brasil, comemorassem o fim da economia de mercado e a vitória das políticas de  intervencionismo estatal representadas, aparentemente, por Roosevelt e Perón.     Na verdade, o desenvolvimento do Japão e da Coréia nas últimas décadas já haviam servido para demonstrar que existe espaço e pode ser importante, para os países,  desenvolver política industriais e de investimentos, da mesma maneira que o welfare state da Europa Ocidental já havia demonstrado que não existe oposição necessária entre proteção social e desenvolvimento da economia.  Mas todos os países que conseguiram se desenvolver, incluindo a China nos últimos anos, o fizeram pela combinação de políticas industriais com a abertura da economia e participação intensa nos fluxos internacionais de comércio, finanças e tecnologia, e não pelo isolamento e fechamento, nem pelo sufocamento do mercado por impostos excessivos e déficits públicos crescentes. Estes países foram capazes, também, de investir fortemente na educação de qualidade, e fortalecer e capacitar suas instituições públicas.

O governo de Lula é mais Roosevelt ou mais Perón?  Olhando a experiência dos últimos anos, é possível pensar que ele oscila entre os dois pólos. Beneficiado por um ciclo extremamente positivo do comércio internacional, o governo tem mantido a economia aberta e respeitado, embora com arranhões,  a ordem constitucional. A autonomia do Banco Central tem sido mantida, fortalecendo desta forma um lado de austeridade e equilíbrio macroeconômico que contrabalança o descontrole crescente dos gastos públicos. Ao mesmo tempo vem se acentuando, sobretudo nos últimos anos, sua face peronista, comprometendo cada vez mais os orçamentos com gastos fixos, aparelhando a administração pública e  ampliando o capitalismo de estado, em parceria com grupos empresariais privilegiados. Embora ainda preservadas, as instituições se vêm constantemente ameaçadas pelo fantasma dos “movimentos sociais” e do “controle social”, inclusive dos meios de comunicação.  Existe um discurso populista que tenta contrapor os  “pobres” às “elites”, reminiscente dos discursos de Perón sobre os “descamisados”.

No discurso político, predomina a idéia de que tudo é possível, não há limites, e que quaisquer restrições que se possa fazer às políticas do governo são meramente ideológicas. Este voluntarismo faz com que reformas institucionais importantes, como a reforma fiscal e do sistema previdenciário, não aquiram prioridade. Alguns setores no governo chegam a argumentar que o desenvolvimento da economia nos últimos se deve ao crescimento da intervenção estatal, ao aumento dos gastos públicos e às políticas de redistribuição de renda, assim como à política internacional terceiromundista e anti-norteamericana; eu tendo a crer, ao contrário, que é  a relativa abertura da economia e o equilíbrio macroeconômico, obtidos sobretudo a partir das políticas de Fernando Henrique Cardoso, mais os ventos favoráveis que vêm da China, que têm permitido estas ações. Se estes bons ventos continuarem a soprar nos próximos anos, esta ambigüidade pode continuar por muito tempo. Se as coisas se tornarem difíceis, será o momento, então, de o pais optar com mais clareza entre  Roosevelt e Perón.

Os mutirões e as APAES

No debate dos candidatos à presidência, Serra criticou o governo por ter interrompido os mutirões de saúde, e por abandonar e cortar os recursos das Associações de Paes e Amigos dos Excepcionais – APAES. Dilma respondeu que os mutirões não podiam ser políticas estruturantes, e que o governo atual não tem nada contra as APAES, e acha muito importante a inclusão dos expecionais nas escolas.

No caso da saúde, Dilma tem certamente razão ao dizer que a saúde pública não pode depender de mutirões, mas Serra também tem razão ao dizer que, na falta de um sistema de saúde que  funcione bem, as pessoas acabam ficando sem atendimento.  A questão de fundo, que nenhum dos dois levantou, é como fazer com que o sistema de saude funcione melhor, dados os custos crescentes do atendimento, as limitações de recursos e o princípio do SUS de que todos têm direito a atendimento médico gratuito da melhor qualidade. É claro que esta conta não fecha, com ou sem CPMF, e é preciso por isto estabelecer prioridades e regular de forma correta o papel do setor público e do setor privado nesta área.  Eu gostaria de ver esta discussão entre os candidatos.

No caso das APAE, não conheço os detalhes, mas me parece que pelo menos parte do problema reside na “política de inclusão” do atual governo, pela qual as crianças excepcionais deveriam estudar nas escolas regulares. A intenção é nobre, mas os resultados na prática podem ser desastrosos, porque a maioria das escolas públicas não tem estrutura nem competência para lidar com situações mais graves de crianças excepcionais, que acabam ficando desassistidas pela falta de apoio às instituições comunitárias voltadas especificamente para seu atendimento, como são as APAES.

Uma situação que eu tenho acompanhado um pouco é a dos surdo-mudos. Os especialistas sustentam que eles se beneficiam muito mais de escolas especializadas aonde a Libras – Língua Brasileira de Sinais – é a primeira língua, e tendem a ficar marginalizados se são incluidos de maneira forçada em escolas regulares, que é a política que tem sdo adotada pelo governo.

A mesma diferença de abordagem surgiu na questão da educação. Serra, sem discutir as questões mais gerais – como a total falência do ensino médio – preferiu anunciar as milhões de matrículas do ensino profissional que vai abrir, criando uma versão tecnológica do Prouni,  o Protec.  Dilma falou das questões gerais – da importancia da educação infantil, da qualidade, etc., e, para não ficar atrás, também anunciou que vai criar não sei quantas mais escolas técnicas e creches (serão creches federais?).  Mas também não disse nada de concreto sobre como fazer uma educação infantil de qualidade, como lidar com a crise do ensino médio ou como fazer com que as universidades e centros tecnológicos federais que o governo atual está criando realmente funcionem e justifiquem o dinheiro que custam.

As políticas que Dilma sustenta são baseadas em idéias gerais aparentemente bem intencionadas, mas que não funcionam na prática, enquanto que Serra prefere insistir em ações específicas que mostram resultados, evitando no entanto, pelo menos até agora, discutir as questões de fundo, como a reorganização do SUS ou quais seriam as políticas corretas não só para a educação  e inclusão dos excepcionais, mas para a educação pública como um todo.

Maria Helena Guimarães Castro deixa a Secretaria de Educação de São Paulo

A demissão inesperada da Secretária de Educação de São Paulo, aparentemente por “razões pessoais”, deixou triste todos os que vinham acompanhando seu trabalho intenso e difícil por melhorar a qualidade e corrigir as deformações da maior rede de educação pública do país. Recebi a respeito a mensagem abaixo, que subscrevo e comparto  com os que acompanham este site.

Em nome da equipe docente e dos estudantes de Pedagogia do Instituto Singularidades venho expressar nossa solidariedade,  orgulho e respeito pelas ações desenvolvidas por Maria Helena Guimarães à frente da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, nos últimos 2 anos.

Apesar das gritas e resistências na rede, como parceiros em vários programas da Secretaria, pudemos acompanhar algumas conquistas relativas às aprendizagens dos alunos e às reflexões que foram lançadas para a sociedade civil sobre a qualificação docente, a partir dos resultados da prova de ingresso dos professores temporários.

Sabemos e compartilhamos das dificuldades e do tempo necessário para que os impactos significativos possam contemplar a maioria dos estudantes e suas famílias, assim como para uma tranformação radical das posturas didáticas e profissionais – e porque não dizer, corporativas – de nossos docentes.

Ainda assim, as ações de Maria Helena revelam uma possibilidade de esperança no sucesso de nossa escola! Vários de nossos alunos e ex-alunos têm ingressado na rede e podido desenvolver práticas didáticas condizentes com as novas orientações curriculares, apresentando resultados ótimos – merecedores dos bônus já conquistados.

Acreditamos que  Paulo Renato, cuja competência conhecemos publicamente e como partícipes de sua equipe no Ministério da Educação, poderá dar continuidade à política pública já iniciada, incluindo novos desafios para a educação paulista.

Gisela Wajskop, Diretora-Presidente

Instituto Superior de Educação de Paulo – Singularidades

Cultura e Democracia|Culture and Democracy

Visitando a Venezuela, Lula apoiou mais uma vez a proposta de reeleições sem limites para o colega Chavez, dizendo que não há nada de anti-democrático nisto, dependendo somente da cultura de cada país. Isto me fez lembrar um debate que tive com um brazilianista no principio dos anos 80, que argumentava que não havia nada demais em o Brasil e outros latinoamericanos terem governos autoritários, afinal, fazia parte de nossa cultura. Também fiquei lembrando dos 15 anos de Getúlio no poder, e sua reeleição anos depois. Qual é mesmo nossa cultura?

Em um ponto Lula tem razão: não é a renovação de mandatos que diferencia um regime democrático de um autoritário. Na ocasião do outro plebiscito venezuelano, Lula também defendeu a reeleição, lembrando os exemplos de Adenauer, Tatcher e Blair, que ficaram no governo por muito tempo. Mas também poderia ter citado Mussolini, Hitler ou Perón. Todos eles foram eleitos e reeleitos várias vezes, com grande apoio popular, e nem por isto eram democráticos. Nossos generais-presidentes, por outro lado, mantiveram sempre o princípio da não prorrogação.

O que diferencia uma democracia de um regime autoritário é o império da lei, a garantia dos direitos das pessoas, a liberdade de expressão e participação social e eleitoral, o pluralismo e regras eleitorais justas, que não permitem o abuso do poder para impor a vontade dos governantes sobre os cidadãos. As normas que limitam a reeleição dos executivos nos regimes presidencialistas não têm nada a ver com cultura, e sim com os riscos  bastante reais, aqui e lá, do abuso de poder.

Mary Canning: Entendendo os créditos educativos|Mary Canning: Understanding Student Loans

Dr Mary Canning is a former Lead Education Specialist in the World Bank, Washington DC and a current member of the Higher Education Authority In Ireland.  This article was written as a contribution to the debate taking place in Ireland today on the introduction of  tuition fees in public universities in here country. The views expressed here are solely her own. Dr Mary Canning é uma ex-especialista em educação do Banco Mundial, e membro, atualmente, da Autoridade Nacional de Educação Superior da Irlanda. Este artigo foi escrito como contribuição para o debate que está ocorrendo hoje na Irlanda a propósito da introdução de pagamento nas universidades públicas de seu país. Os pontos de vista deste artigo são dela somente, e não das instituições de que fez ou faz parte.

The search for ways to cut public expenditure in the face of economic recession could not have come at a worse time for university managers, already worried about funding. Unsurprisingly, the possible reintroduction of university tuition fees has become a matter of public debate.

The purpose of this article is not to join in this debate, but to ensure that it is properly informed. Already, misleading information is circulating about the so-called “Australian model” of tuition fees financed by student loans, including a recent letter to the Irish Times. The core design of the Australian model, which has had over 2 million student users, is no longer politically controversial and has recently been extended to include technical colleges.

But the Australian example is only one of many student loan schemes. A recent OECD publication describes publicly financed or guaranteed loan schemes operating in 18 out of the 30 OECD countries in 2004/ 5 (the latest available year for comparative data).

Student loan schemes are designed to ensure that no tuition fees need be paid until after graduation. Unless fee systems are accompanied by such a loan system, there is a danger that students from disadvantaged families will be denied access to higher education. For the least well-off, there should also be a complementary package of means-tested grants. It has been well established that in Australia the simultaneous introduction of tuition fees and a system of student support relying primarily on loans did not reduce the participation of disadvantaged students in tertiary education.

Most of the 18 countries in the OECD list have “mortgage-style” loans. These are to be repaid, with interest, after a fixed period of time. A government guarantee enables the loans to be offered at much lower interest rates and to be repaid over a much longer period than purely private loans. But the guarantee also weakens a lender’s interest in collecting repayment due, and unlike mortgages or cars, there is an absence of collateral to provide security. Default rates may consequently be very high. In the early 1990s, default rates on student loans guaranteed by the US government were over 20%, though they have subsequently fallen to about 5%.

Alternatively, it is possible to collect repayment through the income tax system. This has the additional advantage that repayment obligations can be made to vary with taxable income–these are known as “income-contingent” loans. Such loans are less risky for students, because they will not be expected to keep up repayments if they leave the labour market for reasons of illness, disability, unemployment or maternity. Moreover repayment requirements are likely to be low in the early years of a career. They will also be lower in relatively low-paid public sector occupations, such as teaching or nursing, and this may encourage students to enter these professions to the benefit of the broader community.

Repayment obligations end when the loan amount is fully paid. The Australian scheme rewards early repayment by a reduction in the amount due. There is often a maximum period of potential obligation (in Britain, 25 years) after which the remainder of the debt is forgiven.

The total amount to be repaid depends crucially on the level of interest rates, and also whether these are computed from the time that the loan is taken out or at graduation. It has been well established that all non-means tested public subsidies to students worsen inequality, since they benefit disproportionately students from better-off families who will then go on to enjoy above-average incomes themselves. To minimise the degree of subsidy, most economists would suggest using interest rates at least equal to the cost of government borrowing.

This, however, has proved politically difficult to introduce or sustain. For example, the income-contingent scheme in New Zealand used government borrowing rates for several years, but political pressures have now eliminated interest altogether for graduates who continue to reside in the country. Australia and the UK index loan amounts to the rate of inflation, but charge no additional interest.

Loans can include an amount for living expenses. In Sweden, where there are no tuition fees or means-testing, 83% of students borrowed for living expenses in 2004/5. In the UK and New Zealand, the maximum permissible amount depends on means-testing. In 2005, nearly 80% of UK domestic students who graduated were carrying debt, which averaged the approximate equivalent of € 11,700; in New Zealand it was 57% of domestic students, whose debt averaged € 12,600.
Income-contingent repayment schemes imply a minimum income threshold before repayment becomes obligatory. The minimum is the equivalent of € 23,700 in Australia, € 19000 in the UK and only € 8500 in New Zealand. Repayment rates were 9% of income above the threshold in the UK and 10% in New Zealand, but increasing gradually from 4% to a maximum of 8% in Australia.

Some debt will inevitably be unpaid. In Australia, this is mainly because a recipient has died or has had income below the threshold for many years. Only a small amount of unpaid debt has been due to graduates’ leaving the Australian tax jurisdiction. Australia is currently looking at the possibility of inter-governmental agreements (as exist for pensions).
Loan schemes cannot be established overnight. They require technical and institutional analysis to create country-specific policies. The Australian experience suggests that when up and running, administrative costs can be kept down to less than 3% of debt repayments.

In Ireland, the proposed National Education Strategy will provide an opportunity to review the whole system of student support including the current grants system and the possible introduction of income contingent loans.

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