(Versão ampliada de artigo publicado no O Globo, 13 de outubro de 2018)
O sucesso de Jair Bolsonaro e de outros candidatos a governador, deputado, senador, que defendem uma política tipo “linha dura” nessas eleições tem a ver com a insegurança política e com a insegurança do dia-a-dia que o brasileiro está vivendo. Eu vou focar hoje na insegurança do dia-a-dia, que é a questão da violência, do crime e da segurança pública.
A lógica de muitas pessoas que defendem mais repressão é a seguinte: o problema da segurança pública no Brasil é a impunidade. Ou seja, se a polícia prender mais bandidos, se os jovens de 16 anos que cometem um crime também forem para a prisão, se as sentenças forem mais severas, e se a gente tiver mais leis e mais policiamento que não deixe as pessoas usarem ou venderem drogas, fazerem barulho na rua, etc, as nossas cidades vão ficar mais seguras.
O Brasil é hoje a terceira população carcerária do mundo, ficando só atrás da China e dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, que parece ser o nosso modelo de repressão, existem comunidades (em geral de maioria pobres e negras) onde mais da metade dos homens jovens estão presos, e uma boa parte das pessoas soltas estão em liberdade condicional. Isso significa que as crianças crescem sem pai, que as famílias tem menos uma pessoa para trabalhar. As pessoas que são ex-presidiárias têm dificuldade de conseguir emprego, porque ninguém quer contratar um ex-presidiário.
No Brasil (assim como nos EUA), a maioria das pessoas são presas por crimes não-violentos: vender drogas, roubos e furtos, etc. A repressão ao tráfico de drogas, nos dois países, foi uma das grandes causas do crescimento da população carcerária. Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, entrar numa prisão significa fazer um pacto de longo prazo com o mundo do crime. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, as organizações do tráfico de drogas (as gangues americanas, e organizaçoes grandes como o PCC e o Comando Vermelho no Brasil) dominam a vida do dia-a-dia nas prisões. Especialmente no Brasil (mas também, de certa forma, nos Estados Unidos) existe um acordo tácito entre a administração dos presídios e o crime organizado onde este último tem muito poder para regular a vida dos presidiários. As gangues nos EUA e os traficantes no Brasil tém um poder enorme sobre a qualidade de vida dos prisioneiros, especialmente quem vai apanhar dentro da prisão, e quem vai receber um tratamento melhor. No Brasil, onde o tráfico tem relativamente mais poder nas prisões, e também nas comunidades de onde vem e voltam os prisioneiros, o tráfico é a conexão do prisioneiro com o mundo lá fora, em termos de visitas de familiares, produtos para comprar, e até a chance de conseguir sair da prisão, e a vida que o preso vai ter depois de solto. Tudo isso está condicionado à pessoa se afiliar ao tráfico. As prisões são escolas de violência: apanhar e bater na prisão é algo corriqueiro. As pesquisas sobre contextos de guerra, de violência urbana, e das prisões, mostram que a violência não é uma coisa natural dos seres humanos: as pessoas aprendem e se acostumam a matar, bater, e torturar à medida em que isso se torna “normal” na sua vida.
A melhora da segurança pública, paradoxalmente, passa, em muitos casos, por uma política de menos repressão. A legalização das drogas significaria menos pessoas presas, menos traficantes acertando dívidas de forma violenta e fora do sistema legal, e a remoção de uma fonte importante de renda para o crime organizado. Legalizar não significa que qualquer pesssoa pode vender drogas como quiser e ter acesso a drogas em qualquer lugar, de qualquer maneira. Se pode regular quem pode vender, onde, e para quem, e fornecer serviços de saúde aos usuários de drogas para eles se livrarem do vício ou que tomem drogas em condições mais seguras. Oferecer penas alternativas em relação a crimes pequenos, que não levem os jovens à prisão e deem a eles uma segunda chance, poderia tirar muitos jovens do mundo do crime organizado. E num país onde crianças de 13 anos às vezes trabalham como “soldados” do tráfico, talvez a gente tivesse que buscar modelos de reintegração desses jovens à sociedade, como se tem feito em alguns países onde guerras civis usaram soldados-criança que, como alguns desses jovens, se acostumaram a matar desde cedo, antes de poderem se desenvolver como pessoas adultas. A redução da maioridade penal, enquanto isso, só vai trazer mais recrutas para o crime organizado.
Um ponto final é a questão das armas. Bolsonaro e outros políticos oferecem dar armas para as pessoas se defenderem. A polícia andar fortemente armada também é considerada por alguns uma medida necessária para combater o crime. Mas essas armas terminam nas mãos de criminosos, seja pelo comércio de armas entre a polícia e o tráfico, seja porque um criminoso muitas vezes usa a arma de uma pessoa despreparada contra ela mesma. A presença de armas torna brigas de bar, de família, entre meninos nas escolas, etc, de uma situação onde alguém fica com um olho roxo, para a uma situação em que o resultado é a morte. Enfim, ao invés de aumentar a segurança, as armas diminuem a segurança para todos.
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Luisa F. Schwartzman é professora de Sociologia da Universidade de Toronto, Mississauga
Concordo com Jorge, não há meios de se diminuir a criminalidade apenas com prevenção. Seria análogo a achar que se combate uma grave enfermidade apenas com boa alimentação, mas especificamente em relação ao artigo, assim como a simples legalização não quer dizer que qualquer um poderia vender drogas (no que concordo com a autora), a simples expansão da permissão da posse de armas (uma vez que ela já existe, mas é dificultada) não significa que qualquer um possa ter porte autorizado (que é o que defende Jair Messias Bolsonaro). Não há só dois mundos, um com armas proibidas e outro permitidas, na verdade nós temos diferentes legislações para sua posse e uso com diferentes resultados em diversos países (e estados dentro dos EUA, p.ex.). Não aprecio simplismos e me parece, daí sim eu concordaria… Que soluções mágicas como “armas para todos” debelem a criminalidade, mas sinceramente, a segurança pública brasileira está tão desestruturada (em boa parte pela legislação penal vigente) que acho, sinceramente, que o direito de posse de armas é poder participar da loteria e lutar pela própria vida. E esta questão moral não é irrelevante.
Mas, assim como legalizar as drogas não significa que qualquer um pode vender como quiser, permitir a posse de armas, não significa que qualquer um tenha seu porte.