As propostas dos presenciáveis para a educação

O Instituto IEDE (Interdisciplinaridade e Evidência no Debate Educacional) publicou uma análise detalhada das propostas dos presenciáveis para a educação. Os textos estão disponíveis aqui. Coube a mim comentar as propostas de Fernando Haddad para o ensino médio. Em outro texto, publicado na revista Veja e também neste blog, comentei a questão do ensino à distância, que parece central na proposta de Jair Bolsonaro. 

A proposta de Haddad para o ensino médio 

Pelo que tem sido difundido, os dois pontos principais da proposta de Fernando Haddad para o ensino médio são revogar a lei de reforma aprovada em 2017 e a criação de um programa federal de ensino médio, baseado no modelo dos cursos integrados dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. É uma proposta inviável, pelos custos que representaria, e elitista, significando uma volta atrás no esforço que tem sido feito nos últimos anos para criar um ensino médio diferenciado e apropriado para a grande maioria dos jovens brasileiros.

A proposta é inviável porque a federalização do ensino médio teria um custo totalmente incompatível com a realidade orçamentária do país. Hoje, existem 370 mil alunos de nível médio em instituições federais, e 8.2 milhões nas redes estaduais. No sistema federal, são 13 alunos por professor; nas redes estaduais, 32. O custo por aluno nas redes estaduais é de cerca de 6 mil reais ao ano. Não há dados disponíveis sobre o custo por aluno de ensino médio no sistema federal, mas deve ser próximo dos alunos de nível superior, cerca de 22 mil reais ao ano. O custo de atender aos alunos das redes estaduais com o mesmo nível de gastos do sistema federal seria de 173 bilhões de reais, mais do que todo o orçamento atual do Ministério da Educação. Isto sem falar do pesadelo que seria trazer os atuais 250 mil professores de ensino médio para o sistema federal, que mal consegue administrar os quase 300 mil de suas universidades e institutos (estes números são aproximados, mas dão uma boa ideia das grandezas envolvidas).

Os Institutos federais, além de caros, são seletivos, e os poucos estudantes que passam em seus “vestibulinhos” aproveitam a oportunidade de estudar de graça em tempo integral para se preparar para o ENEM e entrar nas boas universidades federais ou estaduais. Bom para eles, mas não ajuda nada à grande maioria que não tem acesso e nunca vai conseguir seguir uma carreira universitária com um mínimo de qualidade. São os estados que vão continuar responsáveis pelo ensino médio, os recursos não cairão do céu, e o papel do governo federal deve ser apoiar e facilitar o trabalho dos estados, e não tomar o seu lugar.

A lei de reforma do ensino médio aprovada no inicio de 2017 é uma tentativa de criar um ensino médio diversificado, que não coloque todos os estudantes no mesmo funil dos cursos tradicionais e do ENEM, e que crie diferentes modalidades de formação, mais acadêmica ou mais profissional, para que todos possam aproveitar do ensino médio conforme seus interesses e condições. A reforma ainda não foi implementada, e existem muitas dúvidas sobre a base curricular comum proposta pelo Ministério da Educação, os conteúdos da chamada parte de formação comum, os diferentes itinerários formativos, como o ENEM será adaptado ao novo modelo, etc. Mas as três críticas principais que tem sido feitas a esta lei pelos que propõem sua revogação é que ela aumentaria a desigualdade entre os estudantes, que ela eliminaria os conteúdos de ciências sociais no ensino médio, e que seria uma lei “do Temer”, aprovada sem discussão por medida provisória, e que por isto deveria ser revogada. Nenhuma destas críticas é válida.

O ensino médio brasileiro já muito desigual por várias razões, que incluem as diferenças que os alunos já trazem da educação fundamental, dos diferentes recursos investidos nos diferentes sistemas estaduais e federais, e tudo isto é acentuado por um currículo único antiquado que poucos conseguem seguir e por um ENEM no qual entram 6 milhões de candidatos para disputar menos de 300 mil vagas das universidades federais. Neste sistema, o ensino técnico não é uma alternativa de formação, como no resto do mundo, a ser usada preferencialmente para quem não vai diretamente para o ensino superior, mas uma atividade complementar ao currículo tradicional. No novo formato, os alunos poderão se concentrar em suas áreas de interesse, sem precisar estudar só para passar nas provas, e se abre a possibilidade de uma formação mais prática e aplicada para quem quiser e precisar de se integrar mais rapidamente ao mercado de trabalho. Ao reconhecer as diferenças e abrir alternativas de formação, o modelo diferenciado permite reduzir, e não aumentar as desigualdades.

Quanto ao conteúdo, pouca gente acredita que o atual currículo de 14 ou mais matérias obrigatórias dadas em aulas tradicionais forma de fato os estudantes. Faz muito mais sentido concentrar o estudo em uma parte menor, básica, e permitir opções de formação e a aprofundamento diferentes para cada estudante. Uma crítica que se faz à reforma é que ela teria acabado com o ensino obrigatório de sociologia e filosofia. Na verdade, o que ela fez foi colocar os conteúdos de sociologia e filosofia na parte de formação geral, que precisa ter também matérias de grande importância na área social, como economia, ciência política e direito, que não fazem parte do currículo tradicional; e procurou passar do modelo tradicional das aulas expositivas por disciplinas para a educação por competências, o que não é nada fácil, mas é um caminho que deve ser buscado.

Quanto à maneira pela qual a reforma foi aprovada, se o uso de Medida Provisória desqualificasse uma legislação, então a bolsa família e tantas outras medidas aprovadas pelos governos passados também deveriam ser revogadas. Na verdade, a reforma do ensino médio vinha sendo discutida há anos pela Comissão de Educação da Câmara de Deputados e pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação, CONSED, e a medida provisória encaminhada pelo Ministro Mendonça Filho foi discutida durante meses a alterada pelo Congresso no processo de votação. O que precisa ser feito é avançar no que a proposta tem de bom e corrigir suas imperfeições, e não voltar atrás.

Ensino à distância – não há milagre

(Texto publicado na Revista Veja, de 24 de outubro de 2018, p. 60-61)

Entre 2014 e 2017, a percentagem de matriculados em cursos superiores à distância no Brasil passou de 17.2% a 21.3%, concentrados sobretudo nas instituições com fins lucrativos, onde, hoje, um terço dos estudantes estudam nesta modalidade. São na maioria pessoas mais velhas, que precisam trabalhar, têm dificuldade ter boa classificação no ENEM para ingressar nas universidades públicas, e não podem pagar matrículas muito caras. Para eles, a educação à distância, se bem feita, faz muito sentido. Isto dito, é preciso entender que o ensino à distância, assim como o presencial, pode ser dado de formas muito diferentes, com qualidade muito variada, e não são igualmente aplicáveis para todos os conteúdos e em todos os níveis.

Uma das vantagens do ensino à distância é que é possível preparar aulas excelentes com os melhores professores, acompanhadas de materiais de estudo, sistemas de avaliação, etc., tudo isto em grande escala. Existem boas experiências de ensino à distância em todo o mundo, a começar pela famosa Open University inglesa. Cursos na modalidade semipresencial, em que os estudante se encontram periodicamente para trabalhar com os professores e têm possibilidade de interagir com professores e colegas através da internet, podem ser melhores do que os cursos noturnos que proliferam no Brasil. Um dos problemas com os cursos à distância é que, trabalhando sozinhos, o número de pessoas que abandona o curso antes de terminar é muito alto, mas é bom lembrar que o abandono nos cursos presenciais no Brasil, mesmo nas universidades públicas, é próximo de 50%. Outro problema é que não é nada barato criar um sistema em que os alunos possam efetivamente interagir com seus professores à distância, e, sem isto, a qualidade dos cursos fica muito comprometida.

Quando se trata da educação dos jovens, e sobretudo de crianças, a situação é muito diferente. O processo educativo não consiste somente na transmissão de conhecimentos que podem ser gravados em aulas e codificados em sistemas de ensino, mas em um conjunto muito mais amplo de atitudes, valores e maneiras de pensar e trabalhar que só se transmitem na interação direta entre quem ensina e quem aprende, e na convivência diárias entre colegas. Em parte, são as chamadas “competências não cognitivas”, ou características de personalidade, como persistência, capacidade de trabalhar em equipe, estabilidade emocional, motivação, e outras, de importância cada vez mais reconhecida na educação e no trabalho, que se desenvolvem na experiência escolar no dia a dia, quando bem conduzida. Mas também os chamados “conhecimentos tácitos” como a maneira de desenvolver um argumento, a apreciação de um texto literário ou uma obra de arte, o significado de uma demonstração científica, a prática de lidar com materiais e tantas coisas mais que as pessoas só aprendem através do contato com outras que já têm estes conhecimentos e práticas. E incluem também valores, que se transmitem sobretudo pelo exemplo. Na escola, quem pode transmitir tudo isto são os professores. Eles são insubstituíveis, e toda a evidência internacional é que a qualidade dos sistemas escolares, e da educação de um país, é dada pela qualidade de seus professores.

De novo, é importante distinguir aqui o ensino fundamental do ensino médio. No ensino fundamental, o uso de recursos pedagógicos à distância só faz sentido de forma complementar, sob orientação e acompanhamento dos professores. Existe muito espaço para usar recursos à distância para apoiar os professores, com planos de aula, materiais de demonstração, experiências de colaboração com crianças de outras escolas, e outros, além dos trabalhos de educação continuada dos próprios professores.

A recente reforma do ensino médio que o Ministério da Educação está tratando de implementar traz duas ideias aparentemente contraditórias, a preferência pelo ensino médio de tempo integral e a abertura para o ensino médio à distância. Parece uma contradição, mas só para quem esquece da grande variedade dos estudantes e das redes escolares do país. O ensino de tempo integral, como o dos institutos federais e das escolas militares, pode ser bom, mas é caro, seletivo (os alunos passam por “vestibulinhos)”, e não há como ampliá-lo de forma significativa nas redes estaduais, Metade dos alunos do ensino médio no Brasil hoje tem 18 anos ou mais, um quarto estuda à noite, muitos precisam trabalhar, a maioria não vai para uma universidade, e todos precisam adquirir competências profissionais que sejam úteis e valorizadas no mercado de trabalho. Para estes, uma combinação entre cursos presenciais concentrados nas matérias básicas, e cursos mais práticos em diferentes modalidades, inclusive de intermediação tecnológica, em que os conteúdos são produzidos e transmitidos centralmente, mas os alunos assistem em salas de aula acompanhados pelos professores, podem fazer mais sentido, dependendo de onde vivem, dos recursos locais disponíveis e das áreas de capacitação.

Para o ensino superior, uma questão importante é saber se faz sentido para o governo estimular o desenvolvimento do ensino à distância, seja nas instituições públicas ou no financiamento das instituições privadas, como substituto para o ensino presencial. Uma justificativa seria a necessidade de ampliar o acesso ao ensino superior, que hoje ainda é limitado. Mas o principal obstáculo à ampliação do ensino superior no Brasil não é a falta de vagas ou cursos superiores, mas o número ainda pequeno de pessoas que terminam o ensino médio com qualificações adequadas para estudos mais avançados. Milhões se candidatam todos os anos para o ENEM, poucos se classificam, metade dos que entram em universidades públicas ou privadas nunca terminam seus cursos, e muitos dos que se formam acabam trabalhando em atividades de nível médio.

Para os que ficam pelo caminho, a educação universitária é uma grande fábrica de ilusões que custa dinheiro e tempo que poderiam ser usados para uma educação mais prática e acessível. Multiplicar vagas de ensino à distância, aonde as taxas de abandono são muito mais altas, é agravar ainda mais este quadro.

O ensino à distância, em suas diferentes modalidades, quando bem feito e aplicado aos conteúdos, níveis e tipos de alunos adequados, principalmente na educação continuada de adultos, é um excelente recurso, mas não é um substituto para boas escolas e bons professores, sobretudo nos anos iniciais de formação. Os problemas da educação brasileira não se resolverão com novas tecnologias nem com educação à distância, mas com bons professores, currículos adequados e altos padrões de exigência de desempenho de estudantes, professores e instituições.

Luisa F. Schwartzman: Inútil Repressão

(Versão ampliada de artigo publicado no O Globo, 13 de outubro de 2018)

O sucesso de Jair Bolsonaro e de outros candidatos a governador, deputado, senador, que defendem uma política tipo “linha dura” nessas eleições tem a ver com a insegurança política e com a insegurança do dia-a-dia que o brasileiro está vivendo. Eu vou focar hoje na insegurança do dia-a-dia, que é a questão da violência, do crime e da segurança pública.

A lógica de muitas pessoas que defendem mais repressão é a seguinte: o problema da segurança pública no Brasil é a impunidade. Ou seja, se a polícia prender mais bandidos, se os jovens de 16 anos que cometem um crime também forem para a prisão, se as sentenças forem mais severas, e se a gente tiver mais leis e mais policiamento que não deixe as pessoas usarem ou venderem drogas, fazerem barulho na rua, etc, as nossas cidades vão ficar mais seguras.

O Brasil é hoje a terceira população carcerária do mundo, ficando só atrás da China e dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, que parece ser o nosso modelo de repressão, existem comunidades (em geral de maioria pobres e negras) onde mais da metade dos homens jovens estão presos, e uma boa parte das pessoas soltas estão em liberdade condicional. Isso significa que as crianças crescem sem pai, que as famílias tem menos uma pessoa para trabalhar. As pessoas que são ex-presidiárias têm dificuldade de conseguir emprego, porque ninguém quer contratar um ex-presidiário.

No Brasil (assim como nos EUA), a maioria das pessoas são presas por crimes não-violentos: vender drogas, roubos e furtos, etc. A repressão ao tráfico de drogas, nos dois países, foi uma das grandes causas do crescimento da população carcerária. Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, entrar numa prisão significa fazer um pacto de longo prazo com o mundo do crime. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, as organizações do tráfico de drogas (as gangues americanas, e organizaçoes grandes como o PCC e o Comando Vermelho no Brasil) dominam a vida do dia-a-dia nas prisões. Especialmente no Brasil (mas também, de certa forma, nos Estados Unidos) existe um acordo tácito entre a administração dos presídios e o crime organizado onde este último tem muito poder para regular a vida dos presidiários. As gangues nos EUA e os traficantes no Brasil tém um poder enorme sobre a qualidade de vida dos prisioneiros, especialmente quem vai apanhar dentro da prisão, e quem vai receber um tratamento melhor. No Brasil, onde o tráfico tem relativamente mais poder nas prisões, e também nas comunidades de onde vem e voltam os prisioneiros, o tráfico é a conexão do prisioneiro com o mundo lá fora, em termos de visitas de familiares, produtos para comprar, e até a chance de conseguir sair da prisão, e a vida que o preso vai ter depois de solto. Tudo isso está condicionado à pessoa se afiliar ao tráfico. As prisões são escolas de violência: apanhar e bater na prisão é algo corriqueiro. As pesquisas sobre contextos de guerra, de violência urbana, e das prisões, mostram que a violência não é uma coisa natural dos seres humanos: as pessoas aprendem e se acostumam a matar, bater, e torturar à medida em que isso se torna “normal” na sua vida.

A melhora da segurança pública, paradoxalmente, passa, em muitos casos, por uma política de menos repressão. A legalização das drogas significaria menos pessoas presas, menos traficantes acertando dívidas de forma violenta e fora do sistema legal, e a remoção de uma fonte importante de renda para o crime organizado. Legalizar não significa que qualquer pesssoa pode vender drogas como quiser e ter acesso a drogas em qualquer lugar, de qualquer maneira. Se pode regular quem pode vender, onde, e para quem, e fornecer serviços de saúde aos usuários de drogas para eles se livrarem do vício ou que tomem drogas em condições mais seguras. Oferecer penas alternativas em relação a crimes pequenos, que não levem os jovens à prisão e deem a eles uma segunda chance, poderia tirar muitos jovens do mundo do crime organizado. E num país onde crianças de 13 anos às vezes trabalham como “soldados” do tráfico, talvez a gente tivesse que buscar modelos de reintegração desses jovens à sociedade, como se tem feito em alguns países onde guerras civis usaram soldados-criança que, como alguns desses jovens, se acostumaram a matar desde cedo, antes de poderem se desenvolver como pessoas adultas. A redução da maioridade penal, enquanto isso, só vai trazer mais recrutas para o crime organizado.

Um ponto final é a questão das armas. Bolsonaro e outros políticos oferecem dar armas para as pessoas se defenderem. A polícia andar fortemente armada também é considerada por alguns uma medida necessária para combater o crime. Mas essas armas terminam nas mãos de criminosos, seja pelo comércio de armas entre a polícia e o tráfico, seja porque um criminoso muitas vezes usa a arma de uma pessoa despreparada contra ela mesma. A presença de armas torna brigas de bar, de família, entre meninos nas escolas, etc, de uma situação onde alguém fica com um olho roxo, para a uma situação em que o resultado é a morte. Enfim, ao invés de aumentar a segurança, as armas diminuem a segurança para todos.

_________________________

Luisa F. Schwartzman é professora de Sociologia da Universidade de Toronto, Mississauga

Hélio Jaguaribe e os Cardernos de Nosso Tempo

Hélio Jaguaribe, que nos deixa agora aos 95 anos de idade, foi uma referência central para minha geração, embora nem sempre concordando com ele. Um dos meus primeiros escritos foi um comentário crítico a um livro que publicara sobre Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político, que pode ser visto aqui.  No final da década de 70, organizei uma coletânea de artigos dos Cadernos de Nosso Tempo, revista  dos anos 50 do Grupo de Itatiaia liderado por Jaguaribe, que reunia vários importantes intelectuais da época, e que foi o embrião do Instituto de Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB. O texto abaixo é a introdução à coletânea, que republico aqui em sua memória.

O Pensamento Nacionalista e os “Cadernos de Nosso Tempo”

EM AGOSTO de 1952, um grupo de estudiosos começou a se reunir, periodicamente, para discutir os grandes problemas da época. Da agenda constava “o esclarecimento de problemas relacionados com a interpretação econômica, sociológica, política e cultural de nossa época, com a análise, em particular, das idéias e dos fenômenos políticos contemporâneos e com o estudo histórico e sistemático do Brasil, encarado, igualmente, do ponto de vista econômico, sociológico, político e cultural”. O Parque Nacional de Itatiaia, entre Rio de Janeiro e São Paulo, serviu de ponto de encontro, com acomodações cedidas pelo Ministério da Agricultura. Daí a denominação de “Grupo de Itatiaia,” pela qual o grupo ficou conhecido. Alguns meses depois, já em 1953, ele levaria â criação do instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – IBESP, responsável, entre 1953 e 1956, pela edição de cinco volumes dos Cadernos de Nosso Tempo. A importância do IBESP e dos Cadernos é que eles contêm, no nascedouro, toda a ideologia do nacionalismo, que ganharia força cada vez maior no pais nos anos subseqüentes, e serviriam de ponto de partida para a constituição do Instituto Superior de Estudos Brasileiros. 

Seria evidentemente equivocado supor que todos os participantes do grupo de Itatiaia, colaboradores dos Cadernos e futuros membros do ISEB, tivessem uma maneira unívoca e coerente de ver as coisas. A própria história mostraria que este movimento juntou, por alguns anos, pessoas com trajetórias intelectuais e políticas bastante diversas. A lista de colaboradores dos Cadernos é extensa: ela inclui a Alberto Guerreiro Ramos, Cândido Mendes de Almeida, Carlos Luís Andrade, Ewaldo Correia Lima, Fábio Breves, Heitor Lima Rocha, Hélio Jaguaribe, Hermes Lima, Ignácio Rangel, João Paulo de Almeida Magalhães, José Ribeiro de Lira, Jorge Abelardo Ramos, Juvenal Osório Gomes, Moacir Félix de Oliveira e Oscar Lorenzo Fernandes. A preocupação com o subdesenvolvimento brasileiro, a busca de uma posição internacional de não alinhamento e de “terceira força”, um nacionalismo em relação aos recursos naturais do país, uma racionalização maior da gestão pública, maior participação de setores populares na vida política, tais eram, em poucas palavras, os valores que pareciam unificar a todos. 

Além deste mínimo, havia certamente diferenças, algumas de ênfase, outras substantivas, como em relação à questão da socialização dos meios de produção, tese central do documento de Jaguaribe de 1953 (“A Crise Brasileira”). As análises econômicas dos Cadernos não diferem, em essência, das proposições da CEPAL; os diversos trabalhos de Alberto Guerreiro Ramos (“Padrão de Vida do Proletariado de São Paulo.” no. 1; “O Problema do Negro na Sociologia Brasileira,” no. 2; “A Ideologia da Jeunesse Dorée,” no. 4; “O Inconsciente Sociológico”; no. 5) tampouco se integraram de forma clara ao que ficou mais tarde conhecido como o pensamento isebiano; finalmente, a grande preocupação do IBESP com temas relativos à politica internacional (que levou, inclusive, à publicação de extensa documentação sobre a Conferência de Berlim de 1954, ocupando a maior parte do número 3) parece responder ao clima particularmente agudo da guerra fria no início da década de 50, não permanecendo no tempo a não ser no esforço de aproximação com os novos países africanos, e uma idéia de uma política externa independente que não deixaria de produzir seus frutos. 

O que dá ao IBESP sua característica inovadora na história do pensamento politico brasileiro é que, pela primeira vez, um grupo intelectual se propõe a assumir uma liderança política nacional por seus próprios meios. Neste sentido, o IBESP é radicalmente novo. Ele se diferencia dos pensadores políticos do passado que acreditavam que seriam suas idéias, se corretamente aplicadas – fossem elas liberais, católicas ou conservadoras -,que iriam transformar a sociedade. E se diferencia, também, dos pensadores de influência marxista, que se alinhavam, física e intelectualmente, com um setor da sociedade que, acreditavam, viria um dia a liderá-la, ou seja, a classe operária. Para os primeiros, as idéias políticas fariam tudo; para os segundos, elas podiam pouco. Para o IBESP, eram os intelectuais, mais do que suas idéias ou partidos, que poderiam, um dia, tomar o destino do país em suas mãos. 

A evolução do IBESP de um mero grupo de estudos para um grupo intelectual com projeto político próprio já é indicada na “Breve Introdução ao IBESP” do no. 1 dos CNT: “o agravamento da crise brasileira e a aguda consciência de que se impunha a necessidade de tentar a analise de seus efeitos e causas em busca de soluções possíveis levou o IBESP, no curso deste ano (1953),a suspender, por alguns meses, o programa de estudos traçados no ano precedente, para se dedicar, predominantemente, à interpretação da crise nacional”. Efeitos, antes que causas, e soluções possíveis, antes que estudos a prazo indeterminado: é a idéia de eficácia que emerge. Existe ainda, por toda parte, a idéia de que o conhecimento da realidade social tem que ser integrado, sistemático, abrangente. Esta é, na realidade, uma condição necessária para uma visão da realidade que pretende ser uma ideologia, e não um simples conhecimento aberto, diferenciado e tentativo. Daí o grande apelo das formulações apresentadas pelo IBESP, como também a explicação de muitas de suas falhas. Mas, afinal, que poderia fazer um grupo de intelectuais? 

Não existe, neste texto, uma visão clara a respeito do caminho que as elites intelectuais deveriam seguir para desenvolver seu projeto. Ele fala, simplesmente, da necessidade de promover a “circulação das elites”, e da “formação de um movimento social apoiado numa ideologia e orientado por uma programática, apto a suscitar confiança no futuro e anseio pela realização dos objetivos prefixados”. Em “Para uma Política Nacional de Desenvolvimento”, publicado coletivamente pelo IBESP no último número dos Cadernos, já surge uma formulação mais clara. A realização do programa político do IBESP teria, essencialmente, duas condições: “o esclarecimento ideológico das forças progressistas acima indicadas, a partir das mais dinâmicas – burguesia industrial, proletariado e setores técnicos da classe média – e arregimentação política destas forças. Tanto aquela como esta condição, conforme se viu, requerem, para se realizar, a atuação promocional e orientadora de uma vanguarda politica capaz e bem organizada”. Quem comporia esta vanguarda não está dito, mas pode ser facilmente intuído. 

Seria desnecessário lembrar que a noção de ideologia adotada pelo IBESP, e a visão de seu papel na transformação da sociedade, era multo particular. Karl Mannheim distinguia as “ideologias parciais” das ideologias “totais”; a primeira seriam as representações coletivas próprias de grupos sociais colocados diferencialmente na estrutura social – classes sociais, basicamente – e a segunda, a visão de mundo mais geral, ou weltanschauung de uma época. O antagonismo das ideologias parciais não se resolveria na ideologia total, como o texto sobre “A Crise Brasileira” parece sugerir, já que elas se colocariam em planos diferentes. A solução clássica de Lukács para a questão da verdade das ideologias, adotada mais tarde por Lucien Goldmann, é que existiria uma ideologia “verdadeira”, a da classe operária, que teria em suas mãos o futuro da história; e ideologias “falsas,” as ideologias conservadoras das classes dominantes. Mannheim, desprovido de uma visão apriorística do processo histórico, propõe como saída a constituição de um grupo social acima das classes, a intelligentsia , que teria condições de se colocar além das ideologias parciais e ter, assim, uma visão verdadeira do conjunto. 

O conhecimento obtido pela intelligentsia manheimiana não seria, entretanto, necessariamente “ideológico.” A sociologia moderna tende a reservar o termo “ideologia” para se referir não a um conjunto qualquer de valores, preferências e percepções de determinado grupo social, mas a situações especiais em que estes valores, preferências e percepções se apresentam fortemente estruturados como uma visão de mundo integrada e coesa. As ideologias seriam, assim, somente um tipo extremo de “sistema de crenças” políticas, que poderiam se apresentar com diversos graus de estruturação. A experiência histórica em todo o mundo mostra que, em geral, o nível de ideologização das sociedades é baixo, e só tende a se acentuar em momentos de grandes convulsões sociais que mobilizam populações inteiras ao redor de uns poucos líderes e algumas proposições muito gerais. Ao postular a necessidade da formulação de uma ideologia e sua difusão na sociedade como passo inicial para as transformações sociais que o país exigia, o IBESP atribuía aos intelectuais, formuladores desta ideologia, um papel muito mais importante do que o que Mannheim havia pretendido para sua “intelligentsia.” Havia, para isto, a condição implícita de que o processo político brasileiro passasse por uma fase altamente revolucionária, o que era condição para o surgimento de uma ideologia como o IBESP pretendia, mas contrariava seu próprio projeto político, essencialmente reformista, e por isto mesmo pouco ideologizado. Esta é uma contradição que não seria percebida na época, mas que teria importantes conseqüências. 

Independentemente dos resultados efetivos de seu projeto político, e da validade ou não das interpretações que apresentava sobre a “crise de nosso tempo”, o IBESP foi responsável por uma série de ingredientes que teriam uma presença duradoura no ambiente político brasileiro: o desenvolvimento de uma ideologia nacionalista que se pretendia de esquerda, em contraposição aos nacionalismos conservadores do pré-guerra ; a difusão das idéias de uma “terceira posição” tanto em relação aos dois blocos liderados pelos Estados Unidos e União Soviética quanto em relação aos pensamentos marxista e liberal clássico; unia visão interessada a respeito do que ocorria nos novos países da África e Ásia; a introdução do pensamento existencialista entre a intelectualidade brasileira; e, acima de tudo, uma visão muito particular e ambiciosa do papel da ideologia e dos intelectuais na condução do futuro político do país. 

Além do que antes se enumerou, os participantes do IBESP deixaram contribuições importantes para o conhecimento e crítica da realidade política e social brasileira. Somente a título de exemplo, é possível citar as análises sobre o estado cartorial, o populismo, o moralismo das classes médias, feitas especialmente por Hélio Jaguaribe, e as reavaliações da tradição do pensamento político e social brasileiro propostas, de forma inteligente e mordaz, por Guerreiro Ramos. 

Pouco tempo depois de constituído, o IBESP estabelece um convênio com a CAPES, liderada então por Anísio Teixeira, para a realização de uma série de seminários sobre os “problemas de nossa época”, e começou, assim, o percurso que o levaria a se transformar em órgão permanente do Ministério da Educação, como Instituto Superior de Estudos Brasileiros. O impacto e as vicissitudes do ISEB não poderiam ser vistos aqui. Basta lembrar que o ISEB foi, essencialmente, uma tentativa de levar à frente os ideais do IBESP. Daí sua marca e daí, em última análise, o seu fracasso. 

Chico Soares: qual desempenho é adequado nos testes da Prova Brasil?

Escreve José Francisco Soares, do Conselho Nacional de Educação:

O governo federal, ao divulgar, na semana passada, os resultados da Prova Brasil,  dividiu  as notas  dos estudantes em três níveis referidos como: Insuficiente, Básico e Adequado.  Ao usar adjetivos com claras interpretações pedagógicas, busca facilitar o uso dos dados para o planejamento pedagógico das escolas e das redes de ensino, assim como a comunicação com a sociedade. 

No entanto, as escolhas de pontos de corte que definiram os níveis  produziram  uma mudança drástica no  diagnóstico da realidade educacional brasileira. Experiencias consideradas exemplares até 2017 se tornaram fracassos com a nova metodologia. Por exemplo,  a cidade de Sobral, que era considerada exemplo nacional, passou a ter apenas 13,4% dos alunos com  aprendizado adequado em língua portuguesa, ao invés de 79,8 % em 2015. 

Na realidade não ocorreu nenhum desastre educacional nos últimos dois anos, mas apenas a introdução de uma forma  equivocada de sintetizar os dados da Prova Brasil. 

A classificação das notas dos estudantes em níveis exige basicamente a definição de pontos de corte na escala usada para expressar as notas. Para estas escolhas, a técnica usada internacionalmente consiste, primeiramente, em  ordenar por nível de dificuldade os itens usados no teste. A seguir um painel de professores, depois de informados sobre quantos níveis serão criados e a função  pedagógica esperada de cada um,  escolhem  os pontos de cortes, primeiramente, de forma individual e depois em grupos. Várias rodadas de discussão são usualmente necessárias para a criação de um  consenso.

Infelizmente, a pesquisa necessária para o uso desta métrica ainda não foi feita de forma definitiva no Brasil, apesar de grandes avanços recentes. Diante disso, a definição de valores de referência para a escala do SAEB tem sido feita de forma comparativa. Tanto na definição de metas para o IDEB, como as metas do movimento “Todos pela Educação”, quanto para a criação de níveis nos sistemas de avaliação estaduais,  utilizou-se a experiência brasileira no  PISA. Basicamente, mediu-se  o aumento  necessário  no desempenho obtido pelos estudantes brasileiros no PISA para que  as notas do conjunto de estudantes brasileiros tivessem a mesma distribuição estatística que a dos estudantes de um país típico da OECD.  Este aumento, transformado em desvios-padrão, é utilizado para criar a distribuição de referência na escala do SAEB. Nesta distribuição escolheu-se,  por consenso pedagógico,  o ponto de 70% para definir o ponto de corte do nível adequado. Dois outros pontos de corte  adicionais foram escolhidos, definindo-se quatro níveis: abaixo do básico, básico, adequado e avançado. Os níveis assim obtidos vêm sendo usados há anos em artigos, por muitos sistemas de ensino, em plataformas de acesso aos dados e por setores da sociedade civil. No entanto, é importante registrar que outras escolhas poderiam ser feitas.

Para a divulgação dos dados referentes à Prova Brasil de 2017, o  governo federal optou por trabalhar com uma divisão estatística de níveis feita  sem comparação externa. Em seguida, arbitrou, sem nenhuma  justificativa, valores para os pontos de corte muito maiores do que os que tem sido praticados.  Como consequência, a nova síntese sugere que os resultados em Língua Portuguesa são melhores do que os resultados em Matemática, em completo desacordo com o que vem sido aceito, que é que os resultados de aprendizagem de todos estudantes brasileiros estão em níveis catastróficos. 

Usar evidências empíricas em relação aos resultados educacionais: acesso, permanência na escola e aprendizado, assim como indicadores das condições das escolas, é fundamental para a melhoria da educação. Mas isso exige a criação de consensos baseados em análises compartilhadas dos dados.  O trabalho que vem sendo feito nessa direção mostra que o sistema educacional tem sérios problemas no aprendizado de seus estudantes, assim como de condições de funcionamento. Mas uma mudança abrupta de metodologia não ajuda no debate.

O governo federal deveria  usar a oportunidade para não só corrigir o diagnóstico apresentado  como também  para iniciar um processo, baseado na literatura internacional e conduzido por especialistas e professores,  que defina e interprete níveis de referência oficiais para a análise dos dados de aprendizado obtidos pela  Prova Brasil.

Alkimin sobre educação

Geraldo Alkimin começou sua entrevista na Globo News em 29 de agosto falando sobre educação, como sua grande prioridade se for eleito. Para seu crédito, é o candidato que tem dado mais importância ao tema, e tem metas bem definidas. Por isto mesmo, elas precisam ser melhor esclarecidas.

Ele pretende, ao longo de oito anos, aumentar em 50 pontos a posição dos estudantes brasileiros no PISA, que é o exame internacional de desempenho escolar realizado em todo o mundo pela OECD, no qual o Brasil tem se saído muito mal. Perguntado sobre como vai fazer isto, disse que pretende ser o presidente da educação infantil, para crianças de 3 a 5 anos, que é quando se desenvolvem as competências iniciais de linguagem, matemática, leitura e trabalho organizado que são a base para a aprendizagem que vem depois. Perguntado como pode planejar para 8 anos, quando seu mandato seria de quatro, disse que pretende implantar uma política de estado, de longo prazo.

São metas importantes, mas falta dizer como pretende fazer isto, e talvez ele e sua equipe pretendam explicar melhor nas poucas semanas que campanha que vêm pela frente. Uma dúvida inicial é que a conta não fecha. O PISA é uma avaliação do desempenho de estudantes de 15 anos que estão matriculados no final do ensino fundamental ou primeiro ano do ensino médio. Supondo que ele consiga melhorar muito a qualidade da educação infantil no Brasil, que hoje é bastane ruim, estas crianças só chegarão à idade de fazer o PISA e e ter algum impacto em seus resultados daqui a dez anos, e ainda faltariam oito para passar do atual nível, que é de aproximadamente 400 pontos, para 450.

Mas, o que significam estes números? O exame do PISA avalia os estudantes em competências de linguagem, matemática e ciências. 500 pontos corresponde à escolaridade esperada depois de 9 anos de estudo, e é a média dos países desenvolvidos. É possível dizer, de forma simplificada, que a cada 39 pontos no PISA na prova de linguagem corresponde  um ano de escolaridade, o que significa  que, no Brasil, nossos estudantes da nona série têm uma escolaridade equivalente à metade da sexta. Se a meta de Alkimin for alcançada, daqui a oito anos nossos estudantes de 15 anos teriam progredido pouco mais do que um ano em escolaridade, ou seja, estariam em um nível correspondente à metade da sétima série, ainda bem    abaixo do desejável.

É possível subir no PISA nesta velocidade? O único país que se aproximou disto, na história destas avaliações, foi o Peru, que passou de um patamar próximo dos 350 pontos, com um país em guerra civil e as redes escolares completamente desorganizadas, a um nível semelhante ao brasileiro, que está entre os piores nas comparações internacionais, e tem um sistema educativo estruturado, razoavelmente financiado, mas de má qualidade. Nenhum outro país conseguiu avançar em velocidade semelhante.

Falando sobre educação infantil, Alkimin deu dados mostrando que sua cobertura ainda é incompleta, mas não disse que ela é da responsabilidade das prefeituras, e que a qualidade, pelo que se sabe, tende a ser muito ruim – as crianças raramente são expostas a um ambiente educativo e estimulante sem o qual os benefícios da escolarização inicial são incertos. Os níveis seguintes, o fundamental I e II, até os 14 anos, também são administrados pelos municípios. Tem havido algum progresso no fundamental I em algumas localidades, mas não nos quatro anos do fundamental II, que é quando muitos jovens começam a abandonar a escola e não atingem os conhecimentos mínimos avaliados pelo PISA. Como o governo federal, na possível gestão de Alkimin, pretende trabalhar com os municipios e estados para melhorar isto? Dando mais dinheiro? Mas o dinheiro anda escasso, a sabemos que mais dinheiro não significa necessariamente melhor educação. Transferindo as escolas para o governo federal, criando uma imensa e intratável nova burocracia pública, como tem sido proposto por alguns? Atuando na formação dos professores? Mudando os procedimentos de escolha dos dirigentes escolares, e implantar estímulos de desempenho? Voltar a mexer na Base Nacional Curricular Comum recém aprovada que deixou intacto o formato altamente disfuncional do fundamental II?

Não existem respostas fáceis para estas questões, mas são elas, e não metas gerais, que vão determinar se a educação brasileira vai finalmente sair da estagnação em que se encontra, apesar do grande aumento de gastos investidos no setor nos últimos anos. Tomara que o próximo governo consiga encontrar novos caminhos.

NOTA: O número de pontos correspondente a cada série no PISA é 39, e não 12.5 como dito pot equívoco na primeira versão deste texto, o que já foi corrigido.

Ensino médio sem aberração, e a base fraturada

 

Ensino médio sem aberração

(Publicado no jornal  O Globo, 12/8/2018)

A poucos meses das eleições, antes que o governo termine, o Ministério da Educação se mobiliza para organizar o novo ensino médio, reformado pela lei 13.415 de fevereiro de 2017. Há pouca clareza, no entanto, sobre como isto será feito, e muitas críticas baseadas muitas vezes em pouca informação sobre o problema e possíveis encaminhamentos.

A necessidade da reforma é clara: dos jovens que têm hoje 25 anos, 13% completaram o ensino superior, 15% ainda estão estudando neste nível, 41% só completaram o ensino médio, e 31% não chegaram lá. Todas as escolas preparam para um exame único, o ENEM, que obriga a todos a estudar um monte de matérias que serão esquecidas no dia seguinte, e só beneficia um pequeno número que consegue entrar nas universidades públicas ou ganhar uma das bolsas do PROUNI. Dos que entram em uma universidade, pública ou privada, metade abandona antes de terminar. Entre 2004 e 2014, o Brasil triplicou os investimentos por aluno no ensino médio, mas a qualidade permanece estagnada: a grande maioria termina sem saber um mínimo de matemática e de linguagem, e fica com um título que lhe serve de muito pouco na vida.

A lei da reforma tentou juntar propostas que já vinham sendo elaboradas pela Comissão de Educação da Câmara de Deputados, liderada pelo Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e pelo Conselho de Secretários Estaduais de Educação, e acomodar diferentes pontos de vista que foram se manifestando nos debates da proposta inicial, apresentada como Medida Provisória. Ficou meio tosca, mas algumas coisas importantes foram aprovadas:

– Ao invés de obrigar todo mundo a estudar tudo, os estudantes passam a se aprofundar em determinadas áreas (os “itinerários formativos”), a partir de um conjunto mínimo de áreas comuns de formação.

– O ensino técnico de nível médio, que até hoje tem sido uma área adicional ao currículo tradicional, passa a ficar dentro, como um dos itinerários possíveis

– Ao invés de organizar o currículo por matérias e aulas tradicionais, os conteúdos passam a ser estabelecidos por grandes temas e competências.

– O tempo de aula, que hoje é de quatro ou até menos horas por dia, passa a cinco horas, e, na medida do possível, para tempo integral.

Com isto, o ensino médio no Brasil deixa de ser uma aberração e se torna mais parecido com o que ocorre no resto do mundo. Para que isto funcione, existem muitas coisas que precisam ser feitas. Primeiro, definir com clareza qual é a parte comum e quais as principais trajetórias, ou itinerários formativos, que os alunos podem seguir. O documento da Base Nacional Curricular Comum do Ensino Médio publicado meses atrás pelo MEC tentou fazer parte disso, mas não ficou bom. Segundo, substituir o atual ENEM unificado por um conjunto de provas distintas a ser feitas pelos alunos conforme suas trajetórias e expectativas de estudo. Terceiro, fortalecer o ensino técnico e profissional de nível médio, que pode ser a melhor opção para muitos, mas não pode ser um beco sem saída para quem queira continuar estudando. Quarto, acabar efetivamente com o ensino médio noturno, que não funciona na prática e ainda é a realidade de 25% dos alunos.

Mais complicado do que tudo isto será mudar a cultura das escolas e a prática tradicional de nossos professores, de que a educação se reduz a horas de aula com os professores falando e os alunos repetindo. No novo ensino médio, devem preponderar o aprofundamento dos temas, o desenvolvimento de projetos, os altos padrões de exigência e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que nem todos podem fazer de tudo, mas cada um deve poder fazer o melhor dentro de suas escolhas e suas possibilidades.

O MEC e o Conselho Nacional de Educação fazem bem em querer terminar este ano com pelo menos as linhas mestras do novo sistema já esboçados. Mas é importante entender que este é só o começo de um longo processo que precisa ser acompanhado de outras reformas, não menos importantes, na educação pré-escolar, fundamental e superior.


Fraturas na Base

Para quem quiser se aprofundar sobre os problemas da Base Nacional Curricular Comum elaborada pelo Ministério da Educação, o Instituto Alfaebeto acaba de publicar um  livro que pode ser baixado gratuitamente, Fraturas na Base: Fragilidades estruturais da BNCC,  editado por João Batista Araujo e Oliveira, que critica tanto o conteúdo do texto quanto o processo pelo qual ele foi preparado.

Segundo o editor, “o produto peca por diversas razões. O nome do documento já suscita problemas. Na maioria dos países o nome usado para o documento nacional de orientação da atividade escolar é programa de ensino ou currículo. Esse documento indica, com clareza, o que deve ser ensinado nas diferentes etapas de ensino. O que varia nos diversos países é o grau de detalhamento. Já a nossa base ficou no meio do caminho – ninguém sabe ao certo se falta algo ou o que ainda será preciso fazer nos estados e municípios. E o documento não prima pela clareza”.

“Um segundo problema decorre do primeiro: por não se definir como currículo a BNCC não leva em consideração os pilares básicos de um currículo – estrutura e sequência. Praticamente só a Matemática recebe um tratamento adequado. Também – como ficará claro da leitura dos vários capítulos deste livro – a BNCC não passa no teste dos três critérios fundamentais para avaliar a qualidade de um currículo, foco, rigor e consistência. Mas, dirão os seus proponentes – afinal a BNCC não é currículo, portanto…. não precisa ter essas características… Mas então, afinal o que é essa BNCC? E quais seriam critérios adequados para sua formulação e sua avaliação?”

Boa leitura!

Revista de Educação Superior na América Latina

Acaba de sair:

 
La Revista de Educación Superior en América Latina (ESAL) divulga temas de educación superior, basada en conocimiento científico, académico y profesional de alto nivel. La revista se publica semestralmente, es de distribución gratuita y acceso abierto. Está dirigida a expertos y personas interesadas en la educación superior. El principal idioma de ESAL es el español, pero por ser una publicación de alcance latinoamericano y en procura de ser un espacio de amplia participación, también se publican textos en portugués y, excepcionalmente, en inglés. La evaluación de los artículos está a cargo de los editores, con el apoyo del Comité editorial.

La idea de crear esta publicación seriada surgió en el Encuentro de Expertos sobre la Educación Superior, llevado a cabo en Cartagena y Barranquilla (Colombia) entre el 4 y el 6 de marzo de 2016. Su aparición es posible gracias al apoyo de la Universidad del Norte (Barranquilla, Colombia), en alianza con el Centro de Educación Superior Internacional (CIHE) de Boston College (Estados Unidos), el Centro de Estudios en Políticas y Prácticas en Educación (CEPPE) de la Pontificia Universidad Católica de Chile, y el Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (SEMESP) de Brasil. El Comité Editorial de la revista está integrado por Hans de Wit de Boston College; Andrés Bernasconi de la Universidad Católica de Chile; Fábio Garcia Reis del SEMESP (Brasil); Liz Reisberg de Reisberg and Associates (Estados Unidos); y Alberto Roa de la Universidad del Norte. Sus editores son Iván Pacheco de Boston College, y Anabella Martínez de la Universidad del Norte.

ESAL busca contribuir en la generación de canales de difusión para la producción científica, el pensamiento y el análisis de temas relacionados con la educación superior en la región”

A Reforma do Ensino Médio e Sua Base Curricular

A Reforma do Ensino Médio e Sua Base Curricular

Cláudio de Moura Castro, Simon Schwartzman, João Batista de Oliveira, Cândido Gomes.

Em fevereiro de 2017 o Congresso aprovou a Lei da Reforma do Ensino Médio, cuja implantação ficou pendente da elaboração Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Médio – BNCC, cuja primeira versão foi divulgada pelo Ministério da Educação em abril de 2018. O documento está sendo discutido pelo Conselho Nacional de Educação, e, em Agosto de 2018, ainda não está claro se e como ele será revisto. Este  texto tem por objetivo alertar a sociedade e as autoridades do país a respeito de limitações e inadequações da proposta da Base Curricular, que expressa a falta de uma visão clara a respeito de como a reforma do ensino médio deve ser implementada, e apresenta sugestões sobre como seguir adiante.

O documento está organizado da seguinte maneira:

Na primeira parte apresentamos uma análise dos principais problemas que afligem o ensino médio e que levaram à proposta da reforma..  As duas principais razões foram criar a diversificação das trajetórias acadêmicas oferecidas aos alunos e a necessidade de restabelecer a especificidade e autonomia do ensino médio técnico/profissional, autonomia essa que se encontra ameaçada pela forma como a BNCC está redigida.

Na segunda parte apresentamos algumas críticas à linguagem e ao conteúdo da versão da Base Nacional Curricular Comum encaminhada pelo Ministério da Educação. Formulamos também os temas fundamentais que devem constituir as quatro vertentes do ensino acadêmico. Dados os problemas apontados no documento, alertamos para o fato de que, tal como se encontra, ele poderá inviabilizar, comprometer ou tornar inócua a implementação da reforma.

Na terceira parte discutimos a questão específica do ensino técnico e profissional, chamando a atenção a para a necessidade de tratá-lo de forma diferenciada, e sobre diferentes possibilidades de implementação, a questão das parcerias, e a importância de trazer para o ensino médio a discussão sobre o tema da aprendizagem e dos ofícios de curta duração.

Na quarta parte apresentamos sugestões para aprimorar o encaminhamento da nova política.  Entre elas se destacam:

  • Explicar que a parte comum do currículo pode e deve ser ministrada de maneira integrada às diferentes trajetórias, inclusive no caso do ensino médio técnico/profissional.
  • Propor uma alternativa mais moderna e funcional para as áreas de conhecimento e os itinerários formativos
  • Mostrar a necessidade de que a base nacional curricular distinga, em cada área de conhecimento, uma parte mais geral, que deve fazer parte da formação comum, e uma parte mais avançada, de aprofundamento, a ser seguida pelos estudantes que optarem por adotá-las em seu itinerário formativo.

O texto completo está disponível aqui.

 

 

Carlos Bielschowsky: Problemas na oferta de Educação Superior à Distância

Carlos Eduardo Bielschowsky, Presidente da Fundação CECIERJ

A Educação à Distância vem permitindo o acesso ao ensino superior de pessoas que não conseguem estudar em cursos presenciais porque moram em municípios menores onde não existe oferta de ensino superior ou porque, mesmo morando em grandes centros, por diversas razões não se adequam ao ensino presencial. Além disso, contribui para o desenvolvimento de novas práticas docentes, não apenas pela utilização de processos de ensino e aprendizagem com recursos digitais, mas principalmente por necessitar de forma visceral de uma aprendizagem ativa.

Há muitas décadas que a educação à distância vem sendo praticada em grande escala no exterior, aparentemente com a mesma qualidade dos cursos presenciais. No Brasil, a oferta deste tipo de ensino na graduação é relativamente recente, tendo iniciado em 1997 com o curso de pedagogia para professores em exercício pela Universidade Federal do Mato Grosso, seguida por outras iniciativas semelhantes. Em 2002 ocorreu o primeiro vestibular aberto nesta modalidade para o curso de Matemática da Universidade Federal Fluminense, no contexto do consórcio Cederj (Centro de Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro), e desde então a oferta Nacional evoluiu rapidamente, alcançando em 2016 a cerca de 1,5 milhão de alunos

Atualmente, quase todas as Instituições de Ensino Superior públicas Federais e Estaduais estão oferecendo educação à distância, financiadas pelo programa Universidade Aberta do Brasil da Capes/MEC, e também por parte das instituições privadas, contribuindo para a democratização do acesso ao ensino superior.

A educação à distância tem uma metodologia de oferta distinta daquela dos cursos presenciais, mas deve contemplar o mesmo conteúdo, conduzir às mesmas habilidades e competências e oferecer adequado apoio ao estudante. Neste sentido, deve conduzir a resultados equivalentes ao do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes  (Enade) dos cursos presenciais.

A julgar pelos resultados do Enade, também aqui no Brasil a qualidade dos cursos à distância e presenciais podem ser equivalentes, conforme mostramos em artigo recente (Bielschowsky, 2018). Este é, por exemplo, o caso  dos alunos de educação à distância das Universidades públicas que compõe o Consórcio Cederj (UENF, UERJ, UFF, UNIRIO, UFRJ, UFRRJ e CEFET).

Algumas poucas Instituições fogem a esta regra, e seus alunos de educação à distância têm desempenho pior do que os dos cursos regulares.  Este é o caso, infelizmente, de cinco Instituições que têm um grande número de alunos nesta modalidade: elas tinham 870 mil alunos em 2016, representando 58% de todas as matriculas de educação à distância no país (Bielschowsky, 2018).

Por exemplo, os cursos de Serviço Social à distância destas cinco Instituições tinham, em 2016,  um total de  76.611 alunos matriculados, 46% de todos os alunos nestes cursos no país naquele ano em todas as modalidades. A média no Enade dos alunos de Serviço Social em educação à distância destas cinco Instituições foi de apenas 1,3, enquanto que a média dos alunos das mesmas instituições em seus cursos  presenciais foi de  2,58, o que mostra que elas estão adotando um tratamento diferente entre a  oferta de educação à distância e a oferta presencial. Só a Universidade do Norte do Paraná possuía em 2016 35 mil alunos em educação à distância, com conceito Enade de 1,29.

Isto significa que, apesar de a grande maioria das instituições apresentarem um desempenho no Enade equivalente entre seus cursos presenciais e à distância, a atual concentração de matrículas em poucas instituições com baixo desempenho faz com que a maioria dos alunos de educação à distância do país apresentem baixo desempenho no Enade. Em outros termos, lamentavelmente, essa metodologia, que vem contribuindo para o desenvolvimento do país, está novamente em risco.

Esta não é a primeira vez que a educação à distância no Brasil corre risco de colapso pela má qualidade. Em 2007 passamos por situação semelhante. Para enfrentar esta situação, o MEC colocou várias instituições em regime de supervisão, selecionadas por terem um grande número de alunos ou serem alvo de denúncias. Utilizamos nesta supervisão um conjunto de indicadores e também vistorias “in loco” na sede e em seus polos, contando para tal com a ajuda de cerca de 400 professores com atuação em educação à distância em instituições públicas e privadas. De propósito, deixamos para estes colegas uma boa margem de interpretação crítica e criativa do processo, o que ajudou a desburocratizá-lo.

A partir destes elementos, elencamos para cada instituição um conjunto de fragilidades que eram discutidas com a equipe dirigente, confluindo para um termo de saneamento com medidas concretas a serem executadas no prazo de um ano. Tendo a instituições sucesso na implementação destas medidas, o processo de supervisão era encerrado; caso contrário, era encaminhada ao Conselho Nacional de Educação proposta de encerramento das atividades de educação à distância daquela instituição.

As principais fragilidades encontradas à época foram:

  • i. Desconexão entre a instituição e os alunos; muitas vezes os polos que cuidavam dos alunos eram meras franquias.
  • ii. Cursos de graduação que não tinham conteúdo mínimo para ser considerados como tal. Os materiais didáticos e as avaliações contemplavam conteúdos muito superficiais, chegando ao cúmulo de casos onde toda a matéria de uma disciplina estava contida em um impresso de apenas 20 páginas em espaço duplo, sem quaisquer outros materiais digitais adicionais, e quase nada cobrado do aluno nas provas.
  • iii. Falta de apoio mínimo ao estudante, sem tutorias presenciais nos polos ou tutoria à distância no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
  • iv. Polos de apoio presencial totalmente inadequados, alguns restritos a apenas uma sala.

Este processo conduziu ao fechamento de cerca de 3.800 polos de apoio presencial e ao cancelamento da autorização de oferta de educação à distância de várias instituições.

A partir de 2011 o processo de supervisão foi descontinuado pelo MEC e, para complicar esta situação, as regras de regulação da educação à distância foram parcialmente relaxadas em 2017, permitindo, por exemplo, a criação de polos pela maioria das instituições sem credenciamento e vistoria prévia. Aparentemente, com a ausência de supervisão e o relaxamento das regras de regulação, algumas instituições estão de novo na trajetória de uma oferta desqualificada.

O fato de que estamos pela segunda vez diante de um quadro de crise na oferta de educação à distância mostra claramente que os mecanismos de regulação não estão funcionando adequadamente para a educação à distância. Cabe perguntar o que vai mal nesta história. Seguem algumas hipóteses:

i. As instituições que buscam o lucro a todo custo (uma minoria, mas com muitos alunos), são muito eficientes nesta maximização do lucro e, para tal, cumprem no limite mínimo e de forma criativa a regulação vigente. Em outros termos, muitas vezes um mínimo bom senso e ética educacional não fazem parte de sua lógica de funcionamento.

ii. Precisamos avaliar de forma distinta a oferta presencial e à distância. Um conjunto significativo de profissionais da educação, responsáveis em diferentes momentos pela regulação do sistema, procuraram colocar a avaliação das duas modalidades no formato mais parecido possível, tanto em termos das regras gerais de regulação como na construção dos instrumentos de avaliação utilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). O argumento é que não deveríamos criar barreiras e distinções entre as duas modalidades, que elas se fundirão em um futuro próximo, raciocínio convincente em termos conceituais.  Mas a oferta de educação à distância e presencial são diferentes, e a utilização de mecanismos semelhantes em sua avaliação abre brechas para a precarização da oferta de educação à distância de algumas instituições.

Por  exemplo, os conteúdos dos cursos de educação à distância devem ser equivalentes aos dos cursos presenciais, e verificamos na supervisão realizada entre 2007 e 2010 uma grande precarização nos conteúdos oferecidos e cobrados dos alunos em algumas instituições. Esta questão, característica da educação à distância, precisa ter destaque nos instrumentos de avaliação para credenciamento e recredenciamento destes cursos.

iii. Questionários de avaliação com indicadores (como os instrumentos utilizados pelo INEP) por melhor que sejam, não permitem uma avaliação qualitativa da oferta. E, de uma maneira geral, os avaliadores são “generosos”.

iii.    O Índice Geral de Cursos (IGC) e o Conceito Provisório de Cursos (CPC) utilizados pelo INEP,  no formato atual, parecem bastante inadequados para a avaliação da educação à distância, já que o ENADE, que é o indicador de qualidade, só entra com 20% do peso em seu cálculo.  Dois outros indicadores, o da Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (NIDD) e a titulação do corpo docente, têm um peso de 60%, não são adequados para a educação à distância.

O problema com o CPC pode ser visto com clareza no caso já mencionado do curso de serviço social da UNOPAR, com 35 mil alunos em cursos de educação à distância. Apesar de ter um ENADE somente 1,29, este curso teve um CPC de 2,50, resultante em parte de uma boa pontuação na dimensão corpo docente, uma vez que todos seus 21 professores tinham Mestrado ou Doutorado e trabalhavam em regime de tempo integral, obtendo 4,3 em 5 pontos nesta dimensão. Sim, é isto mesmo,  apenas 21 docentes para 35 mil alunos! Como pode um curso com uma relação de 1.677 alunos por professor receber uma nota favorável no quesito corpo docente? Parece óbvio que, no caso de educação à distância, ou utilizamos apenas o Enade, ou modificamos o CPC, por exemplo, incluindo na dimensão corpo docente também a qualificação dos  tutores e a relação professor/aluno e tutor/aluno

Se o CPC é inadequado para avaliar a  educação à distância, pior  é o Conceito Geral de Curso, que leva em conta o CPC e também duas outras dimensões, a média dos conceitos de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu atribuídos pela Capes na última avaliação trienal disponível e a distribuição dos estudantes entre os diferentes níveis de ensino, graduação ou pós-graduação stricto sensu.

A conclusão é que o CPC ou o CGC, ao contrário do Enade, não são apropriados como instrumento de avaliação de uma oferta desqualificada realizada em grande escala. O que fazer diante desta nova ameaça de baixa qualidade nos cursos oferecidos na metodologia de educação à distância?

Sugerimos, em primeiro lugar, não permitir novas matrículas para aqueles cursos cujos alunos tenham obtido no último Enade um conceito contínuo inferior a 1,95, o que representa conceitos discretos 1 ou 2.

Em segundo lugar, precisamos encontrar novos caminhos para a regulação da educação à distância e, para tal, entender melhor o que está acontecendo. Um caminho para isto seria retomar o processo de supervisão de instituições com cursos cujos alunos de educação à distância apresentam baixo desempenho no Enade, que mede diretamente a qualidade dos cursos, deixando de lado o Conceito Preliminar de Curso que, como vimos, não é adequado para isto.

Concluímos reiterando nossa convicção que a educação à distância traz uma importante contribuição, viabilizando um maior acesso ao ensino superior, e que pode ser realizada com a mesma qualidade do ensino presencial. Este importante instrumento apresenta, entretanto, uma modalidade que merece atenção especial: suas características técnicas permitem o aumento de vagas muito mais rapidamente que o ensino presencial. Esta velocidade na criação de novas vagas tem como aspecto positivo permitir que se vença de forma ágil o déficit no número de vagas de ensino superior no país. Mas também permite criar situações de baixa qualidade na oferta, como a que passamos agora, onde um pequeno conjunto de instituições com baixo desempenho detém a maioria das matrículas de educação à distância no país.

Por conta disto, esta área requer uma atenção especial do Ministério da Educação (Seres e Inep) e do Conselho Nacional de Educação.

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial