Quanto vale um título?

A comparação que apresentei ontem  dos rendimentos de todos os trabalhos entre professores universitários e outras pessoas com educação superior foi criticada porque ela não tomou em conta as diferenças de titulação entre os dois grupos. De fato, a renda do trabalho de pessoas com títulos de mestrado e doutorado é bem maior do que a dos que têm somente graduação, e isto ocorre tanto no setor público quanto no privado. Quando controlamos a renda pelo nível de formação, encontramos que os níveis de renda são muito próximos entre os setores público e privado, tanto para a população geral quanto para os professores, com uma pequena vantagem para os que trabalham no setor  privado. Estes dados se referem a pessoas empregadas, e não incluem os que trabalham como empregadores ou por conta própria.

Os dados mostram também que, dos cerca de 80 mil doutores identificados pelo Censo Demográfico, 60 mil trabalham no setor público e, destes, 33 mil trabalham como professores de nível superior.   Foi possível observar que muitos médicos aparecem no censo como doutores, mas provavelmente não têm títulos formais de doutorado, o que significa que a proporção de doutores empregados pelas universidades públicas deve ser ainda maior.

A pequena vantagem salarial do setor privado é compensada pelos benefícios associados ao emprego público e, mais especialmente, ao trabalho como professor (estabilidade, férias prolongadas, aposentadorias de serviço público, etc), permitindo que se conclua que a renda dos professores do ensino superior público é bem competitiva em relação à renda do setor privado.

Professores universitários ganham bem?

Quase ninguém está contente com próprio salário, e o conceito de “ganhar bem”  ou mal depende muito de com quem nos comparamos e quanto achamos que vale nosso trabalho. O Censo Populacional de 2010 dá informações sobre diversos tipos de renda declarada das pessoas,  sendo uma delas a renda de todos os trabalhos que representa razoavelmente o nível  vida alcançado pelas pessoas, embora se saiba que existe uma tendência para as pessoas declararem renda mais baixa do que as que de fato têm. O que observamos, de qualquer maneira, é que a renda média de todos os trabalhos dos professores universitários do setor público (incluindo aí tanto as universidades federais como as estaduais) era de cerca de 5.700 reais, comparado com a média de 3.800 reais para o conjunto de funcionários públicos de nível superior, e um pouco acima da média dos mesmos profissionais no setor privado. Também no setor privado, a renda média dos professores universitários é significativamente maior do que a renda média do total de pessoas de nível superior. Nesta comparação, os professores universitários ganham bem.

Comparações internacionais são mais difíceis de fazer, pelas grandes diferenças entre regimes de trabalho, taxas de câmbio, tipos de contrato, benefícios adicionais, categorias profissionais, etc.  Uma das poucas comparações que existem é a de “Paying the Professoriate – A Global Comparison of Compensation and Contracts”, editado por Philip Altbach, Liz Reisberg, Maria Yudkevich, Gregory Androushchak e Iván Pacheco, Routledge, 2012), do qual consta a tabela abaixo.  A origem dos dados sobre o Brasil é o capítulo que preparei para o Brasil que está disponível aqui, e a comparação internacional, baseada nas tabelas de vencimento dos professores das universidades federais (que não incluem gratificações de diferentes tipos) foi feita em termos de poder de compra do dólar (PPP), e não pela taxa de câmbio corrente. É não mais do que uma aproximação, que mostra que os salários de professores universitários do setor público no Brasil estão abaixo dos países mais desenvolvidos, e acima dos países em desenvolvimento  e do antigo bloco comunista.

Published April 3rd 2012 by

 

Abrir as portas da universidade para o povo

A aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei da Câmara 180/2008, que reserva 50% das vagas das universidades públicas e escolas técnicas federais para alunos que tenham cursado todo o ensino médio na rede pública, parece ser exatamente o que demandavam em 1961 os estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, entre os quais Vinícius Caldeira Brant, Theotônio dos Santos Jr., Ivan Otero Ribeiro, Herbert José de Souza (o Betinho) , Guido Antônio de Almeida, Antônio Octávio Cintra e eu, em artigos publicados em Mosaico, a revista de nosso DCE.  Dizíamos então que era necessário “abrir as portas da Universidade para o povo e, em toda parte, lutar por aquilo que é do povo. Democratizar o acesso ao ensino, mas reformular completamente sua estrutura, devotá-la à pesquisa criadora, instrumento de formação de uma cultura popular. Cultura popular que consistirá, para as classes exploradas, na consciência de sua destinação histórica. Até hoje a cultura tem consistido na contemplação do mundo. Posta a serviço do homem, erigida em consciência popular, ela constituirá um ponto de partida para a luta de transformação social”.

Levou cinquenta anos, mas parece que finalmente conseguimos! O tema da revista eram as diferentes alienações e como superá-las, e ela está disponível aqui. O texto sobre a Universidade, além da ilustração inicial de Amaury de Souza, está ao final da revista,  na página 115.

Não se equivoca quem vê na idéia que tínhamos de Universidade a Tese 11 sobre Fueuerbach de Marx, que dizia que os filósofos (e, por extensão, os cientistas e intelectuais)  até hoje interpretaram o mundo, mas o que se trata é de transformá-lo. Estava embutida também a idéia de que a separação entre cultura popular e cultura científica e técnica era uma forma entre outras de dominação, e que desapareceria quando, finalmente, as portas das universidades, pela ação revolucionária de nós estudantes, fossem finalmente abertas para o povo.

Alguns de nossos companheiros de Mosaico já não estão entre nós, e eu não  poderia falar por ninguém, mas desde então entendi que não era bem assim. Entendi, por exemplo, que a diferença entre conhecimento especializado e conhecimento popular não é um simples artifício, mas o resultado de um processo complexo e difícil de formação, capacitação e especialização profissional que nem todos conseguem cumprir, e que não se pode resolver por um ato revolucionário como o que um dia Mao Tsé Tung tentou com sua famosa e trágica revolução cultural. Entendi também que a tentativa de Marx de romper a separação entre conhecimento e ação levaria, como levou na antiga União Soviética e seus defensores, à politização extrema do conhecimento e suas instituições, típica dos regimes políticos e das seitas totalitárias, com a degradação do trabalho intelectual. Entendi que sociedades modernas necessitam de universidades aonde deve predominar os valores do mérito e da qualidade do trabalho intelectual tanto de professores quanto dos alunos, e que o princípio de justiça da educação superior deve estar baseado na igualdade de oportunidades para o desenvolvimento da capacidade intelectual de cada um. Entendi que  as universidades não deveriam ser um instrumento de militância revolucionária, e sim um componente central da sociedades democráticas e abertas.

Isto não significa, no entanto, que o caráter elitista das universidades de então não fosse verdadeiro, como continua sendo até hoje. Basta olhar os dados de renda familiar dos estudantes de nível superior para constatar que eles provêm, em sua grande maioria, de setores de renda média e alta.  Em parte, isto tem a ver com os custos do setor privado, que hoje é responsável por 75% das matrículas do ensino superior brasileiro. Mas também com os processos seletivos tradicionais das universidades públicas, que tendem a selecionar, para os cursos mais procurados, os jovens que se beneficiaram de uma educação média de mais qualidade, graças aos recursos financeiros de suas famílias. Segundo os dados do Ministério da Educação, os investimentos diretos por estudante no ensino superior público e gratuito eram, em 2010, de 18 mil reais por estudante, em comparação com 3.580 gastos por estudante da educação básica. Este gasto tão elevado com a educação superior seria justificável se todo o ensino superior brasileiro fosse de alta qualidade, e se todos ou pelo menos a maior parte dos benefícios da formação de alto nível das universidades revertesse para a sociedade, e não para os alunos individualmente. Sabemos, no entanto, que a qualidade do ensino superior público brasileiro é muito variável, e que os diplomas servem muitas vezes para que as famílias consigam manter seus padrões de renda e acesso ao emprego, reproduzindo assim o círculo vicioso da desigualdade. Esta não é, seguramente, toda a história, mas é inegavelmente uma parte importante dela.

Diante desta situação, me parece perfeitamente razoável que o país decida, através de seus representantes no Congresso, que as universidades públicas passem a atender prioritariamente aos filhos das famílias de renda mais baixa, que estudam na rede pública de educação básica cuja qualidade é bastante precária, restringindo o espaço para os filhos de classe média e alta, que podem pagar por seus próprios estudos. O uso de critérios raciais na seleção dos alunos me parece absurdo, como já argumentei em outras partes, mas o critério de dar preferência aos oriundos de escola pública me parece bastante razoável, embora sujeito também a problemas. Aceita esta premissa, a questão que se coloca é como as universidades vão lidar com esta nova realidade de ter metade dos alunos admitidos por processos competitivos e metade admitidos sem maiores considerações de desempenho.

A maneira mais fácil de resolver o problema é postular que ele não existe. Nossas idéias de 1961 sobre a união da teoria com a prática, da pesquisa e da militância, e do desaparecimento da separação entre  o conhecimento das elites e do povo, assim como da separação entre o trabalho manual e intelectual,  não morreram de todo, e  podem ser reconhecidas no conceito de “politecnia” que circula entre certos meios no Brasil e que tem sido utilizado para justificar a transformação dos antigos centros federais de formação profissionais, os CEFETs, em Institutos Nacionais de Tecnologia, equiparados para todos os efeitos às universidades federais.

O suposto é que todas diferenças de formação desapareceriam se os alunos fossem expostos a uma educação de qualidade. Infelizmente, não há evidência de que isto seja assim, da mesma maneira de que não há evidência de que cursos de nivelamento ou reciclagem consigam superar, com facilidade, déficits de formação no uso da linguagem, de conceitos básicos de ciências e de uso de aritmética e matemática acumulados ao longo dos anos. Ao contrário, a evidência é que este tipo de nivelamento, embora não impossível, é extremamente caro e de resultados incertos. A opção mais adequada é oferecer uma variedade de formações profissionais para pessoas com níveis distintos de formação prévia, proporcionando tanto competências cognitivas como não cognitivas (relacionadas por exemplo à capacidade de trabalho em grupo, liderança, responsabilidade e motivação), permitindo ao mesmo tempo que as pessoas avancem em suas carreiras e formação conforme as características de cada um.

Sem isto, cursos mais competitivos em áreas como medicina ou engenharia ou nas faculdades de direito mais disputadas, que hoje oferecem por exemplo 100 vagas para os estudantes mais qualificados, passarão a ter somente 50, tornando muito mais difícil o acesso por esta via, e estimulando os alunos mais qualificados a buscar outras instituições, provavelmente no setor privado. Com 50% de alunos selecionados por mérito   de forma mais competitiva do que antes, e outros 50% por cotas, caberá às universidades decidir se ensinarão predominantemente para uns ou para outros (expulsando na prática a outra metade) se dividirão as turmas em duas, ou se seguirão apostando em que tudo será resolvido pelo conceito mágico de “politecnia”.

O encaminhamento correto desta questão seria criar instituições e carreiras diferentes para estudantes diferentes, tratando de atender com competência a cada setor, e criando mecanismos para permitir que os estudantes que queiram e possam circulem de um setor de formação tecnológica de curta duração, por exemplo, para outro mais acadêmico. A diferenciação é inevitável quando o ensino superior se massifica, e ela ocorre seja através de políticas deliberadas, seja por processos descontrolados em que cada um procura se salvar como puder, com prejuízo para todos.. Seria bom se fosse possível, no Brasil, combinar um número relativamente pequeno de instituições  de alta qualidade e seletividade com um número muito maior de instituições voltadas para a educação de massas, com diferentes níveis de exigência e projetos pedagógicos,  com políticas adequadas para tratar de forma diferentes as as questões de acesso e as questões de qualidade e excelência,  tanto no setor público quanto no privado. Não é este, no entanto, o caminho que parece que temos pela frente.

 

 

 

O mérito não pode ficar em segundo plano

Entrevista publicada em “O Estado de São Paulo”,  6  de  agosto de 2012

Em meio à greve das universidades federais que já completou 80 dias de paralisação – começou em 17 de maio -, o sociólogo, professor e pesquisador Simon Schwartzman questiona o modelo de ensino superior brasileiro, o papel dos sindicatos e a “suposta” autonomia defendida por essas instituições. “Os orçamentos públicos de universidades de todo o mundo estão associados ao desempenho. E isso precisa ser medido externamente”, argumenta, na entrevista a seguir.

Um dos pontos criticados pelos sindicatos é o atrelamento da promoção à titulação. Como o senhor vê isso?

Acredito que a proposta do Ministério da Educação (MEC) valoriza o desempenho. E isso é bom. Se um órgão de ensino não valoriza e prioriza o desempenho – valor central de uma instituição acadêmica e profissional – não pode ser uma universidade. Sem isso, o que sobram são funcionários públicos brigando pelo seu salário. O mérito não pode ficar em segundo plano.

E a titulação é o que mede isso, não é?

A titulação não deve ser o único critério, mas é um indicador importante de desempenho, mostrando o esforço do professor em se aperfeiçoar e o reconhecimento de seus pares.

Os grevistas questionam as avaliações externas por acreditarem que isso pode ferir a autonomia. Qual é a avaliação do senhor sobre isso?

Em todo o mundo as avaliações são externas. Não são realizadas necessariamente pelos governos, mas muitas vezes por instituições independentes, credenciadas para isso. Avaliações internas são necessárias em qualquer instituição, mas quando ficam apenas nisso, o grande risco é de se resumir a uma ação entre amigos. Isso não é autonomia. Autonomia não pode ser o direito de fazer o que se quer sem prestar contas, mas sim liberdade para buscar os melhores caminhos para exercer as funções públicas pelas quais as universidades são financiadas.

O que uma avaliação externa não invalidaria…

Claro que não. Os orçamentos públicos de universidades de todo o mundo estão associados ao desempenho. E isso precisa ser medido externamente. A sociedade não pode dar um cheque em branco. Aliás, uma universidade verdadeiramente autônoma não funcionaria como querem os grevistas, com essa isonomia que prega salários idênticos aos docentes.

Como seria?

A tendência em todo o mundo é que as universidades, mesmo públicas, uma vez bem avaliadas, recebam um orçamento integrado e o administrem com autonomia, buscando sempre os melhores talentos, até mesmo negociando os salários de cada um individualmente. Os professores com melhor desempenho recebem ofertas, podem ganhar mais e mudam muitas vezes de instituições, buscando as que oferecem melhores salários e condições de trabalho.

Isso não acontece por aqui…

Aqui fica tudo em família. A pessoa se forma e se torna professor da mesma instituição. E de lá nunca sai. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma universidade não contrata uma pessoa formada por ela. Na Alemanha, o professor, para ser promovido, precisa ser convidado a ir para outra instituição. Elas seguem um princípio de mobilidade, de que é preciso circular, criam um mercado de talentos, e acabam se valorizando nesse trânsito. É por essa autonomia que os professores universitários brasileiros deveriam brigar. Mas, pelo contrário, os sindicatos fogem disso. Querem todos iguais. Se esquecem de que as universidades não são fábricas.

Mas elas se comportam como se fossem?

Para os sindicalistas que querem tudo igual para todo mundo, sim. Mas há muita gente fora disso. Mesmo durante a greve, basta entrar nas melhores universidades e departamentos que você encontra laboratórios em funcionamento, professores que continuam seus projetos, que seguem participando de congressos científicos, que têm pesquisas financiadas e não podem paralisá-las. Eles não participam dessas assembleias grevistas. Aliás, acham essas assembleias muito chatas, com aquele blablablá e sem solução.

Isso desgasta a instituição?

Isso deteriora a universidade. Os alunos se desinteressam, os cursos são mal dados, cria-se uma atmosfera de total desestímulo que enfraquece a instituição pública. À medida em que fica desacreditada, professores e alunos que podem migram para universidades privadas. Isso foi o que aconteceu no ensino médio há algumas décadas, quando a educação pública, que era referência, se deteriorou e quem podia pagar foi para as escolas particulares. Se continuar assim, esse será o futuro de nosso ensino superior público.

Como o senhor vê a discussão sobre a cobrança de mensalidade no ensino público?

Hoje, o ensino público é mantido integralmente pelo governo. Acredito que seja necessário criar condições e estimular as instituições a buscar recursos próprios, até mesmo cobrando anuidades dos alunos que podem pagar. Quase todo o mundo faz isso – China, Inglaterra, Estados Unidos, Chile, Rússia, Japão, Austrália, Canadá -, aliado a programas específicos de ajuda ou empréstimos aos que não podem bancar. Se isso acontecesse, as universidades federais teriam mais recursos para gerir com autonomia e só ficariam na instituição os estudantes que realmente quisessem investir em seus estudos.

Como o senhor avalia a nossa produção científica?

A pesquisa no Brasil está concentrada em poucas universidades e em alguns departamentos. Dentre as universidades federais, umas cinco ou seis têm pesquisas mais densas, mas, na grande maioria, ela é muito rarefeita. Mas nem toda instituição e nem todos os professores devem se dedicar à pesquisa. É preciso haver uma combinação de instituições de pesquisa e outras voltadas ao ensino. Nos cursos profissionais como Engenharia, Medicina, Direito e Administração, é importante que muitos professores tenham contratos de tempo parcial, trabalhem em suas respectivas profissões e transmitam essa experiência do mercado de trabalho para seus alunos.

Nos últimos anos, houve no Brasil um investimento público na expansão de universidades que seguem a mesma estrutura de dedicação à pesquisa. Não teria sido melhor apostar em outros modelos, como centros de formação técnica etc?

Sim, mas foi feito o contrário. Nos últimos anos, o governo transformou os antigos centros de formação técnica, os Cefets, em institutos universitários, com a mesma estrutura de cargos e salários das universidades federais. Com isso, em vez de avançar na diferenciação do sistema, abrindo espaço para a formação técnica intermediária de que o País tanto precisa, o movimento foi no sentido contrário.

Por fim, o senhor acredita que o professor universitário é mal remunerado no País?

Não. Participei de um estudo internacional comparado e os resultados mostraram que o Brasil não se sai mal. O padrão de vida do professor de uma universidade federal não é ruim e cresce à medida em que ele se qualifica, participa de grupos de pesquisa, de projetos, recebe bolsas. Mas, para isso, ele precisa ser bom. Estamos de volta à discussão do desempenho. E, como se vê, os sindicatos não querem falar disso.

 

Erminio Martins: Experimentum Humanum

A Editora Fino Traço acaba de publicar uma edição primorosa de Experimentum Humanum:  Civilização Tecnológica e Condição Humana,   que pode ser adquirida aqui, e que reúne uma boa parte dos escritos de Hermínio Martins sobre a civilização tecnológica contemporânea. Menos conhecido no Brasil do que deveria, Hermínio Martins é, entre outras coisas, professor emérito e Fellow do St. Antony’s College da Universidade de Oxford e pesquisador honorário  do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Convidado para fazer a orelha de apresentação do livro, escrevi que  “os cientistas sempre acreditaram, e convenceram quase todos, que tinham em mãos os meios de garantir e ampliar a riqueza e a felicidade das pessoas. Os maus usos da ciência – na produção de armas nucleares e biológicas, na experimentação com seres humanos, na destruição da Natureza- podem ser considerados desvios éticos, a serem reduzidos ou controlados pela adoção de normas éticas e morais humanitárias. Hoje, no entanto, com os avanços da biologia, da nanotecnologia, da computação e das ciências sociais, é a própria natureza humana que vem sendo transformada, na biologia e na vida social, assim como o ambiente físico e natural em que vivemos. Como chegamos até aqui? Onde podemos chegar? Qual a responsabilidade dos cientistas em desencadear este processo, e também em estabelecer seus limites? São estes os temas deste fascinante livro de Hermínio Martins, que, à luz da moderna filosofia e sociologia da ciência, nos conduz às fronteiras dos debates conceituais e morais a respeito da ciência atual”.

É uma leitura indispensável para todos os que se interessam pela problemática contemporânea da ciência e tecnologia e seu impacto no mundo atual e futuro.

 

Naercio Menezes Filho: Mais Gastos com Educação?

Reproduzo abaixo a lúcida análise de Naercio Menezes Filho sobre a meta do Plano Nacional de Educação de gastar 10% do PIB no setor, publicada no Valor Econoômico de 25/07/2012  O autor é  Professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e  Professor associado da FEA-USP.

 Mais gastos com educação?

A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece, entre outras metas, que os gastos com Educação deverão atingir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020. O plano vai agora para o Senado e, depois, para a presidência da República. Devemos ficar felizes ou tristes? Será que o problema da Educação no Brasil é mesmo a falta de recursos?

Em primeiro lugar, deve ficar claro que o PNE é somente uma carta de intenções. Nada garante que as metas serão efetivamente atingidas. Basta verificar o que aconteceu com as metas do PNE anterior (aprovado em 2000). O plano previa, por exemplo, que 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade seriam atendidas em Creches em 2010. Os últimos dados disponíveis mostram que apenas 19% das crianças brasileiras nessa idade estão em Creches. Mas, nada irá acontecer com os municípios que não cumpriram a meta. O mesmo aconteceu com praticamente todas as outras metas do plano anterior.

Vale notar também que, apesar de ser apenas uma carta de intenções, algumas das metas do plano anterior, aprovado pelo Congresso, foram vetadas pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso. Entre elas estava justamente o aumento progressivo dos gastos com Educação para 7% do PIB em 2010. O argumento utilizado foi o de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impedia que fossem colocados em lei programas que implicassem novas despesas sem as respectivas indicações das receitas. Como a LRF continua em vigor, espera-se que o Senado ou a presidente Dilma também retirem essa meta do plano.

Uma das saídas seria redistribuir recursos do Ensino superior para o Ensino básico, em especial o infantil

Além disso, pelo menos três fatores não foram levados em conta pelos formuladores das metas do PNE: a virada demográfica, a distribuição de recursos entre os níveis de Ensino e a relação entre gastos e qualidade da Educação. Com relação ao primeiro ponto, sabe-se que a taxa de fecundidade está declinando rapidamente no Brasil, tendo passado de seis filhos por mulher em 1970 para apenas 1,8 em 2010, abaixo da taxa de reposição da nossa população. Isso significa que o número de crianças em idade Escolar irá diminuir continuamente nas próximas décadas. As projeções do IBGE indicam, por exemplo, que o número de brasileiros de 5 a 19 anos de idade passará de 50 milhões em 2010 para 38 milhões em 2030, ou seja, uma redução de 25% em apenas 20 anos.

Quais serão os efeitos dessa virada demográfica para os gastos com Educação? Atualmente o gasto direto com Educação equivale a 5,1% do PIB, ou seja, R$ 187 bilhões, em valores de 2010. Desse total, 85% são gastos com Educação básica, o que significa que cada Aluno do Ensino básico recebe um investimento médio de R$ 4 mil, equivalente a 20% do nosso PIB per capita. Países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) gastam em média 26% do seu PIB per capita com Educação básica; a Coreia, 30%; o Chile, 18%; e o México, 15%.

Simulações indicam que com a virada demográfica, se o PIB crescer a uma média de 3% ao ano, o gasto por Aluno aumentaria para R$ 6 mil em 2020 e R$ 10 mil em 2030, mesmo que os gastos não se alterem com relação ao PIB. Assim, o gasto por Aluno da Educação básica passaria para 24% do PIB per capita em 2020 e 29% em 2030, atingindo o nível da Coreia do Sul.

Se, além da virada demográfica, os gastos com Educação aumentassem para 8% do PIB, as despesas por Aluno aumentariam para R$ 9 mil já em 2020, atingindo 33% do PIB per capita daquele ano, maiores do que em todos os países da OCDE. Nesse caso, os gastos com Educação básica passariam de R$ 390 bilhões, já em 2020. Não se sabe de onde viriam os recursos para esse aumento de gastos, uma vez que a carga tributária no país já atingiu o limite do suportável. Imagine o que aconteceria caso a meta de 10% do PIB fosse de fato atingida!

O segundo ponto importante diz respeito à distribuição dos recursos educacionais. Hoje em dia, o Ensino superior apropria 15% dos gastos públicos com Educação, mas tem apenas 3% do total de Alunos. Assim, enquanto o Ensino fundamental gasta 20% do PIB per capita por Aluno, o Ensino superior gasta 100%. Poderíamos argumentar que os gastos com Educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o Ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por Aluno no Ensino superior é somente duas vezes maior do que no Ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar que muitos dos Alunos que hoje frequentam o Ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no Ensino básico.

Por fim, vale a pena ressaltar que aumento de gastos não significam aumento da qualidade da Educação. Várias pesquisas, inclusive da OCDE, mostram esse fato de forma inequívoca. Sem melhorar a formação dos Professores, a seleção dos diretores e sem demitir os piores Professores ainda em estado probatório, nada vai mudar, mesmo que gastássemos os 10% do PIB com Educação. Haveria somente uma maior transferência de recursos da sociedade para os Professores, sem melhoria do aprendizado dos Alunos. Assim, a melhor estratégia para a Educação brasileira seria manter os gastos como proporção do PIB e aproveitar o crescimento do PIB e a virada demográfica dos próximos anos para manter apenas os melhores Professores no sistema educacional e redistribuir recursos do Ensino superior para o Ensino básico, especialmente o Ensino infantil, que é a base de tudo.

 

Ocupações, educação e renda dos trabalhadores em creches

O censo demográfico de 2010 permite identificar 352 mil pessoas trabalhando em creches, das quais 116 mil são classificadas como professoras de educação pré-escolar,16 mil como professoras do ensino fundamental e 15 mil classificadas como “especialistas em métodos pedagógicos”. Somados,o total de 146 mil é semelhante aos 141 mil encontrados pelo Ministério da Educação no Censo Escolar de 2010, para atender a cerca de 2 milhões de crianças, uma média de 15 crianças por professor.  Além das professoras, existem 90 mil pessoas classificadas como “cuidadoras de crianças”, 30 mil trabalhadoras de limpeza e  20 mil cozinheiras. Do total, 97% são mulheres.

Somente 95 mil, menos de 30% , tem nível superior, o que significa que muitas das professoras não o têm. A renda mensal deste grupo de nível superior é significativamente maior do que a dos demais, mas é  bem pequena em relação à remuneração de pessoas de educação superior e professores de outros níveis de ensino. A  renda média do conjunto, de 855 reais, era pouco mais de uma vez e meia o salário mínimo da época, de 51o reais.

Estes dados, em conjunto com o dos professores dos diversos níveis, mostrados em postagem anterior, deixam evidente que, no Brasil, quanto mais  jovem  os alunos no sistema escolar, menos qualificados são seus professores e piores salários recebem, contrariando o fato de que uma creche, para ser mais do que um simples depósito de crianças, precisa de professores altamente qualificados e dedicados ao trabalho, e atendendo a um número bastante restrito de alunos, que necessitam de atendimento individual e personalizado.

 

 

 

 

Profissionais da educação no Brasil: qualificação profissional

Os microdados da amostra do Censo Populacional de 2010 permitem que examinemos mais de perto a situação dos profissionais da educação no Brasil,  o que faremos nesta e nas próximas postagens.

A amostra permite estimar a existência de cerca de 3.5 milhões de pessoas com atividade profissional na área de educação, a maior parte dos quais atuando na educação fundamental. Destas, somente 2.3 milhões, ou 65%, têm formação de nível superior. Em teoria, todos os professores universitários deveriam ter um doutorado ou pelo menos um mestrado; todos os professores de nível médio deveriam ter uma licenciatura em sua área de especialização; e todos os professores de educação básica e da pré-escola deveriam ter pelo menos nível universitário de formação.

Sabemos que o título, em si, não garante que a pessoa vá ser um bom professor ou professora, mas sabemos também que ninguém consegue ensinar o que não sabe, ou lidar com crianças sem estar preparado para isto. Nos cursos superiores, aonde os professores deveriam ter nível de doutorado ou pelo menos mestrado, 36% só têm o título inicial de graduação, e 7% só têm educação média ou menos. No ensino médio, aonde todos os professores deveriam ter uma licenciatura de nível superior, 14% não chegam a esta qualificação. No ensino fundamental, aonde a formação superior também é exigida, 26% só têm formação de nível médio, e 6% nem isto. No ensino pré-escolar 10% dos professores não têm sequer o nível médio, e só a metade têm formação de nível superior.  (a tabela com os dados está disponível aqui).

Se trata, em parte, de uma situação transitória – a pós-graduação brasileira ainda é recente e está se expandindo, e a exigência de nível superior para os professores de educação fundamental também é recente. Mas isto tem levado a uma política de valorização dos diplomas, mais do que de formação efetiva, que em parte explica porque a a área de formação de professores é uma das que tem mais se expandido nos anos recentes na educação superior brasileira. Este processo já avançou bastante no ensino médio, mas falta ainda muito para se completar no ensino fundamental. A situação é particularmente dramática na pré-escola, que tem se expandido muito rapidamente sem qualquer esforço mais significativo de qualificação de professores para este segmento, que hoje se considera de grande importância estratégica pelo impacto da educação inicial no desempenho futuro das crianças, mas que ainda continua sendo considerada, em grande parte, como atividade assistencial, e não efetivamente educacional. E o mais grave é que a simples titulação não garante a melhora da qualidade da educação, sobretudo quando ela ocorre de maneira apressada, em cursos de qualidade muitas vezes duvidosa, realizados frequentemente à distância ou em programas noturnos.

Manifestação da ABC e SBPC sobre projeto que impõe cotas e acaba com o vestibular nas universidades

Reproduzo abaixo o documento conjunto da Academia Brasileira de Ciencias e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em defesa da autonomia e qualidade das universidades brasileiras.

Manifestação conjunta ABC e SBPC sobre o PLC 180/2008 que obriga a adoção de quotas para ingresso em universidades públicas e proíbe a realização de exames vestibulares    

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), preocupadas com o teor do PLC 180/2008 que tramita no Senado Federal solicita aos senhores Senadores que não aprovem o referido instrumento, pelas razões enunciadas a seguir.

O PL determina a reserva de 50% das vagas em IFES para estudantes oriundos do ensino médio em escolas públicas. Adicionalmente, em seu Artigo 2º, proíbe a realização de exames vestibulares ou o uso do ENEM, obrigando que o processo seletivo adote exclusivamente a média das notas obtidas pelos candidatos nas disciplinas cursadas no ensino médio, tornando assim o ingresso no ensino superior dependente dos critérios de avaliação de cada escola. Ainda, o Artigo 3º determina que essas vagas, em cada curso e turno, sejam destinadas a candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas, na população da Unidade da Federação onde está instalada a instituição.

Consideramos que ao mesmo tempo em que o Brasil precisa criar condições mais inclusivas para o acesso à universidade, o País também precisa aumentar a qualidade dos cursos de ensino superior oferecidos em instituições públicas e privadas. A ABC e a SBPC reiteram que o acesso dos brasileiros à educação superior é tão importante quanto o grau de excelência desta educação. A oferta de oportunidades educacionais de qualidade é a garantia da cidadania e do desenvolvimento sócio econômico do País.

Um dos mais importantes instrumentos para se atingir estes objetivos no ensino superior é a “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial universitária”, garantida pelo Artigo 207 da Carta Magna brasileira. Faz parte da autonomia didático-científica a definição pela universidade da sistemática para a seleção dos estudantes ingressantes, lembrando que a Constituição brasileira dispõe no Artigo 208 o seguinte: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (inciso V): acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.”

A atitude das instituições de ensino superior públicas brasileiras quanto às ações afirmativas tem demonstrado o enorme interesse e a criatividade destas organizações no tratamento do importante desafio da inclusão. Diferentes propostas de ações afirmativas, adequadas a cada cultura institucional e regional têm sido adotadas e é nosso entender que não se deve ceifar este movimento com uma obrigação uniforme e atentatória à autonomia universitária.

São Paulo/Rio de Janeiro, 4 de julho de 2012

Atenciosamente,

Helena Bonciani Nader

Presidente da SBPC

Jacob Palis

Presidente da ABC      

Brasileiros com educação superior: o que diz o Censo Demográfico de 2010

A divulgação pelo IBGE dos microdados do Censo Demográfico de 2010 permite examinar com certo detalhe o setor da população de educação superior, suas características gerais, suas atividades e sua evolução. Segundo os dados mais recentes do INEP (do Censo da Educação Superior de 2010 e as informações sobre gastos disponíveis no Site) o Brasil gasta cerca de 18 mil reais por estudante em suas universidades públicas, para atender a cerca de 1.7 milhões de estudantes, somando cerca de 33 bilhões de reais ao ano. Enquanto isto, outros 6.2 milhões de estudantes buscam universidades e faculdades privadas, investindo recursos pessoais significativos . Além disto, temos um sistema de pós-graduação em expansão, em grande parte financiado com recursos públicos e bolsas de estudo. A justificativa para todo este esforço público e privado é que a educação superior é importante tanto para o país, melhorando a qualidade de sua cultura e economia, quanto para as pessoas que, através dela, também se desenvolvem e conseguem maiores rendimentos e segurança profissional.

De fato, a análise dos dados permite concluir que a educação superior beneficia não só os indivíduos formados, mas também a sociedade como um todo, e por isto é importante que ela continue se expandindo. No entanto, os altos benefícios privados de algumas carreiras e dos cursos de pós-graduação, comparados com as necessidades de financiamento prioritário para outras áreas de política social, levam à pergunta de se não está havendo um excesso de subsídios; e a grande concentração de estudantes nas chamadas profissões sociais (administração, direito, humanidades) e nas áreas de saúde não médica, combinado com os altos rendimentos de médicos e engenheiros, permitem indagar se não seria necessário investir mais sistematicamente na formação de especialistas de alto nível em áreas aonde a demanda da sociedade é mais forte, tal como se infere dos altos rendimentos destes setores. Tal como em outras áreas de política social, embora sempre se possa gastar mais, existem problemas importantes de prioridade e equidade social que precisam ser devidamente considerados.

Os principais resultados estão disponíveis aqui. As duas áreas com o maior número de pessoas formadas são a de administração e de educação, e estas áreas serão objeto de análise mais detalhada proximamente.

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