Lies, damn lies, and statistics

Como ex-presidente do IBGE, não posso subscrever a esta famosa frase que atribuem a Disraeli, e as vezes também a Winston Churchill: “existem três tipos de mentira: mentira, mentiras malditas, e estatísticas!” Também atribuem a Disraeli outra frase: “a única estatística na qual você pode acreditar é a aquela que você mesmo falsificou! ”

Não é verdade. Na área das estatísticas da pobreza, o IBGE vem coordenando desde 1997 um grupo de trabalho das Nações Unidas sobre o tema, e já existe um forte consenso internacional a respeito das diferentes maneiras de medir e avaliar as condições de pobreza de um país, uma região ou um grupo social. Basta percorrer um pouco esta literatura para vermos que não existe uma maneira única e simples de medir a pobreza, mas um leque de alternativas, cada qual com suas qualidades e suas limitações: pobreza absoluta, pobreza relativa, medidas relacionadas à renda, medidas relacinadas ao consumo de alimentos, às condições de saúde…

Isto não significa que não possam haver diferentes maneiras de usar e interpretar os indicadores disponíveis, como revela o debate entre Claudio Considera e Marcelo Neri relatado aqui, mesmo quando todos utilizam a mesma informação, no caso os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD). É por isto mesmo, também, que eu não penso que seja uma boa idéia definir uma linha de pobreza oficial para o país. Isto significaria adotar, arbitrariamente, uma das diferentes medidas disponíveis, e usá-la para avaliar políticas e criar direitos para determinadas pessoas e regiões, ao invés de tratar de forma diferenciada as diferentes situações de pobreza que existem no país, na área rural, nas cidades, entre os jovens, os velhos, a população indígena, etc.

Quanto à polêmica em si, minha única observação é que não gosto do uso de percentagens sobre percentagens como medida de evolução ou mudança. Veja por exemplo o que acontecia com a frequência à escola para alunos do quinto mais pobre da população, entre 8 e 13 anos de idade, em relação aos que recebiam ou não a bolsa escola em 2003, conforme a PNAD 2003. Para os que não recebiam a bolsa, a percentagem de ausentes à escola era de 2,7%. Para os que recebiam a bolsa, a percentagem de ausentes era 0,7%. Dividindo um pelo outro, poderíamos concluir que o programa de bolsa escola tinha um fortíssimo impacto neste grupo, já que diminuia a ausência escolar em quase quatro vezes. Olhando pelas diferenças de percentagem, no entanto, a conclusão é oposta: para este grupo, a diferença é de 99.3 para 97.3, ou seja, um aumento de 2% somente, o que significa que o impacto do programa era praticamente nenhum (a análise completa está disponível aqui).

A Miséria do debate

No Globo de 7 de outubro, Marcelo Neri responde ao artigo de Claudio Considera divulgado aqui – está na página de Opinião, e disponível na Internet. Na parte substantiva, ele diz que o CPS que coordena divulga tanto dados positivos quanto negativos para diferentes governos, e que Considera “cita uma linha oficial de pobreza inexistente e compara o período de 3 anos do último (governo Lula) com um de 9 anos do período FHC, que, a rigor, foi gestão Itamar Franco”.

A Miséria Brasileira

Cláudio Considera publicou hoje, no O Globo, o seguinte artigo, questionando os dados do Centro de Política Social da FGV sobre a redução recente da miséria no Brasil:

Recentemente o pesquisador, da FGV/CPS, Marcelo Néri e sua equipe divulgaram na mídia novos resultados da queda da miséria. Em seu estudo ele faz comparações entre as variações percentuais dos percentuais de miseráveis observados nos primeiros 3 anos do governo FHC e no governo Lula. É necessário chamar a atenção que quando nos referimos a percentual de pessoas miseráveis estamos falando da parte de número de pessoas que estão abaixo da linha de miséria (não tem dinheiro para comer um certo mínimo necessário) comparativamente ao total da população. Se esse percentual diminui, diminui o número de miseráveis. E para saber quantos deixaram de ser miseráveis, basta diminuir o número de miseráveis de um ano para outro. Alternativamente podemos diminuir o percentual de um ano, do percentual de outro ano, e encontramos os pontos de percentagens dessa redução, que pode ser traduzido em número de pessoas que saíram da miséria. Falar em variação percentual destes percentuais não tem sentido.

Fiquei me perguntando por que esse ERRO. Fiz algumas contas e constatei que se o estudo falasse em redução de pontos de percentagem a redução da miséria continuaria sendo maior no Plano Real. Ou seja, em pontos de percentagem, o diferencial é maior para FHC (28,79% – 35,31%= -6,52 pontos de percentagem) do que para Lula (22,77% – 28,17%= -5,4 pontos de percentagem). Quando erradamente se compara os pontos de percentagem de FHC com o seu percentual inicial de pobres (-6,52/35,31), a redução percentual de FHC fica em -18,5 %, valor inferior à redução observada para Lula (-5,4/28,17= -19,2%). Mas, o que é relevante, e o que interessa de fato, é que o número de miseráveis não se reduziu em 18,5 e em 19,2%, mas sim em 6,52 e 5,4 pontos de percentagem nos 3 primeiros anos de FHC e Lula, respectivamente.

Estranhamente, os números absolutos de miseráveis não estão divulgados no estudo da FGV, o que elucidaria a questão sem contemplação. À sua falta, usando os dados elaborados por Sônia Rocha do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, que usa a linha de miseráveis oficial, a redução de indigentes (miseráveis), teria sido no período FHC de 7 milhões e 500 mil pessoas enquanto no período Lula de apenas 2 milhões e 650 mil pessoas. Isso é o que importa: número absoluto de redução de indigentes.

Continuando a observação do referido gráfico atentei para outro erro: o autor identifica o início da série de Lula em 2003 (28,17% de miseráveis). Mas quando Lula assumiu o governo em janeiro de 2003 o número de miseráveis era de fato 26,72% (que herdou de FHC). Logo não é justo computar como seu (de Lula) o mérito de reduzir a própria miséria que criou. Se a comparação for feita corretamente (22,77% em 2005 contra os 26,72% que herdou de FHC) o sucesso de Lula, medido em pontos de percentagem, cai para 3,95 pontos de percentagem e não os acima mencionados 5,4. Ou seja, o êxito de FHC foi reduzir a miséria em 3 anos em 6,52 pontos de percentagem contra os 3,95 pontos de percentagem de Lula. Ou seja, o número de miseráveis que deixaram de sê-lo no período FHC foi 65% superior ao número de Lula.

O trabalho completo da equipe da FGV contém ainda muitos outros resultados interessantes: mostra que o sucesso de FHC em reduzir a miséria é maior do que o de Lula em qualquer que seja a comparação (misérias rural, urbana e metropolitana). Mostra ainda um resultado pouco explorado que usa a metodologia de Amartya Sen, prêmio Nobel de economia, para medir o índice de bem estar. Novamente o sucesso de FHC é bem superior ao de Lula. No mesmo período anteriormente utilizado, durante os 3 primeiros anos do governo FHC o índice de bem estar aumentou em 35,96 enquanto o durante os 3 primeiros anos de Lula apenas 15,2. Ou seja o sucesso de FHC em termos de bem estar foi mais do que o dobro do sucesso de Lula.

É interessante que examinemos as causas do sucesso de um e de outro. O sucesso de FHC se deve ao fato que ele estabilizou a economia matando o dragão da inflação o maior responsável pela deterioração da renda dos mais pobres. Mas não ficou nisso; passado o primeiro momento de ajuste das contas públicas criou vários programas sociais que elevaram bastante as transferências de renda para os mais pobres: Lei Orgânica de Assistência Social,(LOAS), Fundef (Fundo de desenvolvimento do ensino fundamental), Pronaf (Programa nacional de agricultura familiar), Bolsa Escola Federal, Bolsa Alimentação, Saúde da Família, e aumento do número de assistidos no tratamento da AIDS, são os programas criados por FHC.

O que fez Lula: tentou criar o programa Fome Zero e o primeiro emprego. O fracasso de suas duas únicas iniciativas é público e notório. Frente a isso Lula deu prosseguimento aos programas sociais de FHC, unificando-os sob o título de bolsa família e ampliando o número de cadastrados (o que havia sido iniciado por FHC e estava sendo continuado e continuou com Lula). No âmbito econômico continuou com a política de FHC de manutenção da estabilidade da moeda e de responsabilidade fiscal.

Insistindo, tudo que Lula fez foi dar continuidade à política econômica e social de FHC. Ainda bem. Se fizesse o que anunciava e o que os petistas pregavam o Brasil estaria quebrado e a miséria aumentada. Diferentemente do que diz Lula nada do que está aí é foi por ele criado. É apenas apropriação indevida. Precisamos agora de nova onda de criatividade para crescer, distribuir renda e reduzir a miséria, e a equipe de Lula está longe de ter competência para isso.

São Paulo e o Estado Nacional (2)

Vejam o artigo de hoje de Octávio Frias Filho, diretor de redação da Folha de São Paulo, com o título de “Yankees e Rebeldes”, e comparem com minha nota anterior:

MUITO SE TEM escrito sobre a divisão do Brasil em duas metades que emergiu no domingo. Os jornais trazem mapas onde Rio, Minas, o Nordeste e o Norte aparecem em vermelho (Lula), enquanto São Paulo, o Sul e o Centro-oeste estão em azul (Alckmin).

Essa divisão entre “yankees” e confederados em nossa “Guerra Civil” eleitoral já foi enfocada sob seus dois prismas mais evidentes, o antagonismo de classe e a desigualdade geográfica. Grosso modo, o primeiro opõe as classes populares às classes médias. O segundo ângulo opõe o “Norte” ao “Sul”.

Descontado o esquematismo desse tipo de recortes, há um terceiro prisma a acrescentar. É aquele que separa as regiões onde a presença do Estado na economia e na vida das pessoas ainda é muito grande (vermelho), daquelas áreas nas quais o peso do poder público é menor (azul).

O capitalismo se enraizou há muito tempo em São Paulo e no Sul, onde o dinamismo econômico prescinde, ao menos em boa parte, do Estado. Não por acaso é a região mais sensível ao único tema novo, em termos eleitorais, que surgiu nesta eleição: o da redução da carga tributária hoje próxima de 40% do PIB.

Embora se atribua a inclinação anti-Lula no Centro-oeste à crise da agricultura, essa região se mostra como típica geografia de fronteira, um eldorado de oportunidades, empreendimento pessoal e terras abundantes. Lugar onde vigora o “cada um por si, Deus por todos”.
Em grande parte do Nordeste, e mesmo em Minas e no Rio, o cenário é outro. São regiões onde a onipresença do Estado remonta ao período colonial; são lugares onde o poder do Estado para contratar, subsidiar, autorizar verbas segue enorme, até por compensar a relativa debilidade da economia privada.

Talvez por isso, também, seja notória certa ausência de debate programático. No fundo, o programa de Alckmin se resume a menos Estado ou, no eufemismo publicitário, a Estado menor, menos caro e mais eficiente. E a plataforma de Lula se resume a garantir alguma compensação social, via Estado, em troca da liberdade para o mercado.

Alckmin, por sua vez, tem pouco vínculo orgânico com o que tem sido o PSDB até agora. O núcleo tradicional do partido gravita há 30 anos em torno de intelectuais paulistas, muitos deles uspianos, muitos exilados na ditadura, quase todos antigos marxistas que desacreditaram do marxismo durante o exílio.

Em termos geracionais e ideológicos, Alckmin significa outra coisa. Subiu na política pelas mãos de Mário Covas, a quem os “intelectuais” respeitavam, mas à distância. Em vez de ex-marxista, Alckmin é católico conservador; em vez de cidadão cosmopolita, ostenta com orgulho a marca do interiorano; em vez de sociólogo ou economista, é um gerente pós-ideológico.

Sao Paulo e o Estado Nacional, revisitado

Quando publiquei este livro em 1973 (revisto e republicado mais tarde como Bases do Autoritarismo Brasileiro), o que mais tinha chamado minha atenção era como a política brasileira passava, historicamente, pelo eixo Rio–Minas–Nordeste–Rio Grande do Sul, deixando de fora justamente o centro mais dinâmico da economia do pais, São Paulo (e também Paraná e Santa Catarina), que no máximo produzia lideranças populistas que não transcendiam o estado, como Ademar de Barros, ou o efêmero Jânio Quadros, que afinal era mato-grossense. Eu dizia, seguindo Faoro, que o Estado Nacional era patrimonialista, no sentido de que ela não era o “representante” de determinados interesses, e sim o objeto de interesses de uma classe ou estamento político que vivia de e para o poder; que a política exercida por este Estado era ou autoritária, com os militares, ou populista, com Getúlio, ou uma combinação das duas coisas; e que o sistema partidário nacional era baseado na cooptação das lideranças (inclusive sindicais) pela oligarquia política. E eu imaginava que, com o tempo e a modernização do pais, outro tipo de política, originária em São Paulo, passaria a predominar no país – uma política mais autenticamente representativa, com partidos apoiados nas classes modernas, burguesas e proletárias, da parte mais capitalista do Brasil.

Quase acertei: a partir de Fernando Henrique, e continuando com Lula e agora, Alckmin, São Paulo saiu do isolamento, as lideranças paulistas se transformaram em lideranças nacionais, e são elas que disputam entre si o comando do Estado Nacional. Mas errei, no entanto, ao pensar que esta polarização se daria em termos de uma divisão de classes. Embora as divisões de classe continuem existindo, a política nas sociedades modernas se faz por grandes coalizões de interesses, valores e orientações, e nenhum candidato que se apresente como representante de uma classe social específica consegue apoio suficiente para ganhar uma eleição majoritária. Fernando Henrique conseguiu montar uma coalizão deste tipo, ao liderar um processo de racionalização da economia e modernização do Estado, uma agenda que Alckmin trata de dar continuidade. E Lula, que começa a carreira como um autêntico líder sindical da indústria, se transforma aos poucos no líder do sindicalismo do setor público, e finalmente, em um líder com forte apelo popular, ou populista, e com isto consegue transcender as limitações do antigo PT, e chegar à Presidência.

Neste primeiro turno, as pesquisas eleitorais mostram que Alckmin tem mais apoio nas camadas sociais mais ricas, e Lula, nas camadas mais pobres. Mas se engana quem interpreta isto em simples termos de direita–esquerda, ou burguesia–proletariado. Nem a maioria dos eleitores de Alckmin são burgueses (e sim da classe média), nem a maioria dos eleitores de Lula são proletários (e sim pobres). Mais do que a divisão de classes, é a divisão entre estados e regiões que marca a polarização política que estamos vivendo hoje. Alckmin ganha as eleições de São Paulo para baixo, e Lula, nos estados tradicionais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e todo o Nordeste. O que dá força a Lula nestes estados, me parece, não é que ele tenha sido um líder operário e represente os pobres, mas sim sua capacidade de dar continuidade às políticas patrimonialistas tradicionais, distribuindo cargos e subsídios para ricos e pobres em regiões que dependem, para sobreviver, do fluxo de benesses do governo central.

Em outras palavras, o que marca a política brasileira hoje não é, como eu imaginei que viria a ser, a disputa entre lideranças e partidos políticos modernos, nem uma disputa de classes, nem uma disputa entre ricos e pobres, e sim o antigo confronto entre duas maneiras clássicas de fazer política, a política representativa e a política de cooptação.

Analfabetismo: nota sobre um fracasso anunciado

O jornal O Estado de São Paulo dedica hoje uma página à constatação, pela PNAD de 2005 (a pesquisa domiciliar socio-economica do IBGE) de que o analfabetismo diminuiu muito pouco nos últimos anos, apesar dos grandes investimentos do governo Lula no progama de alfabetização. Segundo Ricardo Paes e Barros, a redução que houve se deve exclusivamente a fatores demográficos (os analfabetos são em geral mais velhos, e seu número diminui quando eles morrem). Se o programa do governo teve algum efeito, ele não aparece nas estatísticas.

A única supresa é o espanto que este resultado óbvio parece ter provocado. Todos que têm um mínimo conhecimento do assunto já sabiam de antemão que campanhas de alfabetização como estas não funcionam. Em 2003, ainda no Ministério de Cristóvão Buarque, eu divulguei na Internet uma entrevista em que dizia que a prioridade que ele estava dando ao tema era equivocada, que pode ser vista aqui. O Centro de Estudos Brasileiros de Oxford, que organizou um seminário sobre a educação brasileira que resultou no livro sobre os Desafios da Educação Brasileira, fez o possível para que Cristóvão ou algum de seus assesores participasse dos seminários e colaborasse com o livro, sem nenhum sucesso. Depois, com Tasso Genro, o governo manteve a mesma prioridade, e não se pode dizer que foi por ignorância. É difícil acreditar que a sofisticada avaliação do programa de alfabetização que o jornal menciona possa mostrar resultados diferentes.

Chile: descolando da América Latina

Com o PIB mas alto da região, segundo relatório recente do FMI, o Chile deixa cada vez mais de ser um país “latino-americano”, e se transforma em um país moderno e desenvolvido. Isto se vê com facilidade andando por Santiago, com a arquitetura moderna dos bairros altos, a recuperação do centro histórico, a modernização dos transportes urbanos e as obras rodoviárias por toda parte; e as ruas cheias de gente fazendo compras e enchendo bares e restaurantes, tanto na região elegante da Providencia como na parte antiga da Plaza de Armas e do Mercado Central. Os índices de pobreza no Chile vêm caindo a cada ano, e a distribuição dos gastos sociais é uma das melhores da região. A zona da antiga e decadente Avenida da República é hoje uma área fervilhante de universidades e institutos técnicos privados, freqüentados todos os dias por mais de 50 mil estudantes, sem falar nas universidades tradicionais como a do Chile e a Católica. Até as águas do Rio Mapocho parecem correr mais limpas. Com a proximidade da festa nacional de 18 de setembro, as ruas se enfeitam de bandeiras, e por toda parte se fala da comemoração da “Chilenidad”.

Também há problemas, e muitos. No dia 11 de setembro, aniversário do golpe de Pinochet, grupos de extrema esquerda encapuzados atacaram lojas e repartições públicas com bombas molotov, uma delas provocando um incêndio no palácio presidencial de La Moneda; uma greve dos serviços médicos havia paralisado o atendimento à população; e professores e estudantes das escolas municipais ameaçam com greves e mais manifestações, enquanto o governo tenta resolver os problemas através de comissões de trabalho e negociações que parecem não terminar. Na última década, o governo chileno aumentou muito os investimentos em educação, o ensino médio está praticamente universalizado, a jornada completa se expande rapidamente por toda a rede escolar; mas os resultados do Chile no teste de Pisa são tão ruins quanto os do Brasil ou do México.

Em que medida o que acontece hoje no Chile, de bom e de ruim, tem a ver com as reformas liberais introduzidas durante regime Pinochet? Estas reformas foram mantidas, com modificações, pelos governos de centro-esquerda da Concertación, e o consenso do país, inclusive nos governos socialistas de Lagos e Michelle Bachelet, é que não faz sentido voltar aos velhos tempos, de uma sociedade burocratizada e paralisada. O Chile tem hoje a economia mais competitiva da América Latina, aonde se pode, com mais facilidade, abrir e fechar um negócio, e aonde a abertura ao comércio internacional é maior. Este tipo de economia tem também seus perdedores, e isto explica, talvez, a virulência dos ataques da extrema esquerda, apesar do grande apoio da presidente Michelle Bachelet entre a população.

E existe também o cobre, cujo preço no mercado internacional aumentou enormemente nos últimos anos, gerando grande quantidade de recursos, ao lado das indústrias de exportação como o vinho, as frutas e o salmão. Mas o Chile, diferentemente de outros paises que se enriqueceram com o petróleo, investe a longo prazo e cuida para que a riqueza do cobre não inflacione a economia nem sobre-valorize a moeda, evitando, desta forma, a “doença holandesa” que é a praga dos paises que se enriquecem desta maneira.

Mas o mais importante de tudo, talvez, seja a maturidade política que sempre existiu no país de alguma maneira, sobreviveu aos anos de chumbo da ditadura, e hoje é, possivelmente, a principal diferença entre o Chile e a maioria dos outros paises do continente. Os partidos políticos têm princípios e programas, os políticos são pessoas honradas, há pouca corrupção e pouco espaço para o populismo barato que conhecemos tão bem. Temas controversos – como a política de distribuição da “pílula do dia seguinte” para adolescentes, a reforma da educação, ou as relações sempre difíceis com a Argentina – são discutidos de forma civilizada pela imprensa, o judiciário é independente e acatado e, com a exceção da extrema esquerda alienada, todos respeitam e valorizam as instituições e os processos democráticos de decisão.

Que dá inveja, dá…

Universidade Para Todos!

Na Venezuela:

Mensagem do cidadão Presidente da República a todos os aspirantes a ingressar na Universidade National Experimental Politécnica da Força Armada Nacional: Dei instruções ao cidadão reitor da Universidade no sentido de que, em consonância com a política de participação, inclusão e justiça social que o governo nacional promove, e dado que a EDUCAÇÃO constitui o meio mais eficaz de combater a POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL E APAGAR AS DIFERENÇAS SOCIAIS, todos os jovens que se apresentaram à primeira prova de avaliação desta universidade sejam admitidos em sua totalidade, para começar a estudar em 2006. Benvindos!

A Universidade da Força Armada vem se expandindo rapidamente, ao lado da recém criada Universidad Bolivariana de Venezuela, também experimental. Os cursos da Universidade da Força Armada não têm nada de militar: são licenciaturas e cursos de pós-graduação em engenharia e áreas como economia social, educação integral, administração e contabilidade pública; e cursos técnicos superiores curtos em áreas como turismo e enfermaria.
O site da Universidade Bolivariana não diz quais as carreiras os estudantes poderão seguir (ou pelo menos eu não encontrei a informação); mas indica que todos deverão passar por um curso inicial de 20 semanas de Linguagem e Comunicação, Matemática, Venezuela no Contexto Mundial, Intervenções Especiais, Informática e Orientação Vocacional. Além de não ter exames de seleção, os alunos que passam pela Universidad Bolivariana, pelo que entendo, terão trabalho garantido pelo governo.

As novas universidades funcionam nas instalações magníficas da Companhia de Petróleo Venezuelana, que, depois de demitir metade de seus 40 mil funcionários que ousaram entrar em greve contra o Governo Bolivariano (sem que isto tenha afetado os enormes rendimentos do petróleo), tem espaço de sobra em seus edifícios.

Ser uma universidade experimental significa que tudo é decidido pelo Cidadão Presidente e seus assessores, sem passar pelas administrações e órgãos colegiados como na secular Universidade Central da Venezuela, por exemplo, que no passado foi um centro importante de mobilização e mesmo de luta armada contra as oligarquias e ditaduras que governavam a Venezuela, e hoje se vê ultrapassada e deixada de lado pela Revolução Bolivariana.

Seminário sobre Educação, pobreza e desigualdade no Brasil: prioridades

No dia 17 de outubro, com apoio da Fundação Konrad Adenauer, o IETS estará organizando no Rio de Janeiro um seminário sobre as prioridades nas políticas públicas que possam ajudar a romper o cículo vicioso entre educação, pobreza e desigualdade no Brasil. Na parte da manhã, o tema será o relacionamento entre políticas de renda e educação, com a participação de Sergei Soares, do IPEA; Sonia Rocha, do IETS; e Eduardo Rios-Neto, do CEDEPLAR em Belo Horizonte. Na parte da tarde, trataremos da educação propriamente dita: Aloísio Araujo, da Fundação Getúlio Vargas e do IMPA, falará sobre o impacto de longo prazo da educação da primeira infância; Francisco Soares, da UFMG, sobre o impacto da organização escolar no desempenho dos alunos; e João Batista Araujo e Oliveira e Luis Carlos Faria, sobre o tema do analfabetismo funcional e o que fazer com ele. No encerramento, Milu Vilella coordenará uma mesa redonda sobre o movimento de Todos pela Educação.

Fico realmente contente por ter conseguido reunir um grupo tão excepcional de pessoas neste evento, e espero que ele possa conbribuir para fazer com a que discussão sobre os temas educacionais no Brasil passe para um patamar superior. Mais detalhes podem ser vistos na página do IETS na Internet. Para participar, é necessário se inscrever antes, porque o espaço, no Hotel Glória, é limitado. Para se inscrever, envie uma mensagem para a coordenação do evento.

Encerrando o debate sobre cotas

Eu tinha decidido não continuar participando na discussão sobre cotas raciais no ensino superior, mas a publicação do livro de Ali Kamel provocou uma série de comentários e reações, a favor e contra, que podem ser vistos logo abaixo do texto anterior. Eu vou continuar a deixar neste blog os comentários que forem enviados, desde que coerentes, assinados e não totalmente repetitivos, mas não vou mais circulá-los na lista de correio.

Uma das razões disto é que me parece que os diferentes argumentos já foram formulados, e estão se tornando circulares. A outra razão é que a discussão sobre cotas nas universidades está ocupando todo o espaço e a atenção, e impedindo que se discutam as questões mais centrais do ensino superior e da educação como um todo, dentro da qual o tema das ações afimativas pode ter lugar, mas não o principal.

Quanto ao tema em si, me parece que ninguém duvida que existe preconceito e discriminação racial no Brasil, e que a condição de vida e as oportunidades dos descendentes de escravos e das populações indígenas é bem pior, na média, do que a dos descendentes dos imigrantes europeus e dos países asiáticos. Ao mesmo tempo, as fronteiras entre pessoas de diferentes origens não são nítidas, existe muita convivência e uma longa história de miscigenação, e neste sentido a sociedade brasileira, da mesma forma que outras sociedades latinas com uma história de escravidão como Cuba, Venezuela e República Dominicana, é muito diferente da sociedade americana, sem falar da África do Sul, aonde a separação entre raças e culturas é claramente marcada. O que se discute é se a desigualdade é causada predominantemente pelo preconceito e a discriminação ou por outros fatores, como a má qualidade da educação e de oportunidades de trabalho, que afeta tanto a brancos quanto não brancos, embora em proporção desigual. O que se discute, também, é se a solução para os problemas de desiguldade é dividir o país em duas raças estanques, oficializando as diferenças raciais, ou identificar e eliminar as situações de desigualdade e discriminação, fazendo com que o país evolua no sentido de uma sociedade em que todos sejam igualmente reconhecidos e valorizados pelo que são como pessoa, e não pela cor da pele que têm.

Finalmente, é natural que diferentes grupos, na sociedade, possam ter interesse em ressaltar e redefinir suas identidades, sejam elas associadas a origem, cor, gênero, preferência sexual ou religião, e interpretem de forma diferente a história e as experiências passadas. O que se discute, em relação a isto, é se é necessário adotar uma interpretação específica da história como a oficial e impô-la aos demais, ou deixar que as diferentes interpretações coexistam, em uma sociedade efetivamente pluralista.

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