Tréplica de Claudio Considera: a miséria brasileira, a miséria do debate e as damn lies

Recebi de Cláudio Considera, que é professor de economia da Universidade Federal Fluminense, a seguinte nota:

Recentemente (22 e 23 de setembro) o pesquisador, da FGV/CPS, Marcelo Néri e sua equipe divulgaram na mídia novos resultados da queda da miséria. Em carta a Merval Pereira no dia 27 de setembro e em artigo n’ O Globo (6 outubro), disponível neste blogo fiz uma crítica a metodologia do trabalho de Neri que torturando as estatísticas “demonstra” que a redução de miseráveis no governo Lula foi percentualmente maior do que nos primeiros 3 anos do governo FHC. Néri replica meus argumentos em artigo no mesmo jornal (7 de outubro). Neste texto eu treplico apenas para o público especializado deste blog. Vou fazer isto para cada ponto feito por Néri.

1. Diferentemente do que parece, pela defesa de Néri, não fiz no meu artigo qualquer alusão a falta de honestidade da instituição FGV, do CPS ou mesmo do autor do artigo que reputo ser um dos mais brilhantes pesquisadores nessa área. Portanto, são completamente despropositados os quatro parágrafos dos 6 que compõe sua réplica. Tenho total respeito pela FGV, onde tenho vários colegas e amigos.

2. No meu texto chamo de ERRO o tratamento metodológico que Néri dá aos dados para chegar à conclusão de que a redução da miséria no governo Lula foi maior do que no governo FHC.

3. O texto que ele menciona estar no site da FGV/CPS que ele atribui a mim a autoria é na verdade uma co-autoria com ele (porque omitir isso?), ao tempo em que era pesquisador do IPEA. Não o renego e dele tenho o maior orgulho. Mas, o erro metodológico, que ele menciona também estar lá presente, encontra-se na seção 2.5 que ele escreveu; nas duas sessões (2.2 e 2.3) de minha autoria eu me refiro a pontos de percentagem. Mas, se assino o artigo tenho responsabilidade por isso e sou obrigado a reconhecer meu erro lá, embora nosso texto tivesse como principal objetivo dizer que a inflação era um imposto terrível sobre os mais pobres e não comparar governos. Mas, essa dam lie do Néri me deixou preocupado; esse não é o caráter do Marcelo que conhecia.

4. A seguir Marcelo Néri dá vez à soberba do argumento da autoridade. Diz ele que se fosse eu um especialista ou pelo menos um interessado em questões sociais saberia que as metas do milênio da ONU falam em reduzir a miséria à metade até 2015; ou seja, em linha com a metodologia que eu estaria criticando. Sugere, de forma desrespeitosa, que eu escreva ao Kofi Annan reclamando.

Não sou mesmo um especialista no tema, mas sou sim um interessado, pelo que demonstram meus escritos. Mas o que escrevi no jornal não exige qualquer especialização no assunto, mas apenas saber ler, escrever e conhecer as quatro operações básicas da aritmética, embora eu tenha usado apenas as de subtrair e dividir. Portanto, não se deixem enganar pelo o que Néri diz e desdiz ao mesmo tempo: a despeito de ter sido seu co-autor em 1996 e 1998 de dois artigos acadêmicos, cujo mérito, na sua maior parte, é de Néri mesmo, sou apenas um interessado no assunto.

Quanto a escrever ao Kofi Annan, eu só o faria se ele tivesse estabelecido que os países deveriam reduzir a miséria em 50% do seu percentual de miséria, como faz o Marcelo. Mas, nesse caso, seria melhor enviar a Madame Natasha, personagem do Elio Gaspari, professora de piano e português que simplifica qualquer bobagem empolada que se fale.

5. A seguir ele menciona que eu citei uma inexistente linha oficial de pobreza. Enganei-me. De fato, essa linha não existe embora se tenha tentado criá-la, o que Simon Schwartzman em seu artigo no blog, condena. Entendi que Sonia Rocha estivesse fazendo seus cálculos com uma linha dessa, mas ela tem suas próprias linhas de pobreza e miséria. Mas, isso é irrelevante para minha crítica. Eu só faço uso dos números de Sônia Rocha porque, diferentemente do que afirma Marcelo Néri não há em seu artigo ou no site da FGV/CPS qualquer número absoluto de miseráveis. Se houvesse, ficaria claro que qualquer que seja a linha de miséria o número absoluto de redução de miséria durante o período 1994-1997 (3 primeiros anos de FHC) seria de mais de 3 vezes à redução da miséria durante o período 2002-2005 (3 primeiros anos de Lula).

6. A seguir ele fala da minha obsessão em comparar FHC e Lula. Essa obsessão de comparar períodos administrativos (como ele se refere aos períodos de governo FHC e Lula) foi dele; eu apenas busquei colocar a comparação nos eixos. Em primeiro lugar, eu não comparei nove anos (1993/2002) de FHC com 3 de Lula. Ele mesmo cita o número de 1993/94 (que ele com razão diz ser de Itamar) como sendo de FHC e, eu mantive esse dado, pois a PNAD não está disponível para 1994 Julguei, inclusive, que ele se baseava em seus próprios resultados, que estão em nosso trabalho de 1996, em que a PME, que embora metropolitana pode ser usada como uma boa proxy da evolução da evolução dos resultados da PNAD. Ou seja, pela PME seria razoável supor que a miséria em 1993 e 1994 tenha se mantido inalterada, pois, se por um lado a aceleração inflacionária da primeira metade de 1994 teria aumentando a miséria, a abrupta queda da inflação na segunda metade deve tê-la reduzido (resultado claro pela PME). Portanto, começar o período FHC com o percentual de 1993 equivale a começá-lo em 1994.
Em segundo lugar, ele inicia a comparação de Lula em 2003 como se a miséria que ele herdou de FHC fosse aquela que ele aumentou durante o ano de 2003. Aí corrijo e inicio a contagem de Lula contra o que ele herdou de FHC ao terminar o governo em 2002.

Em terceiro lugar, é estranho que Marcelo Néri, una o gráfico da miséria em pontos inexistentes. Isso transmite uma noção errada da evolução parecendo, por exemplo, que em 1994 a miséria tenha caído. Aí sou obrigado a confessar que para perceber tal erro utilizei-me do meu curso de estatística descritiva na graduação de economia.

7. A seguir menciona que em outros trabalhos ele teria mostrado bons resultados do governo tucano de Aécio. Deveria ter feito o mesmo no artigo que comentei, e não ter torturado as estatísticas para elas falarem o contrário.

8. Na sua última frase se redime. A tempo!

Em tempo, para os que ainda possam ter dúvida, embora seja público e notório: sou tucano, com muita honra, filiado ao PSDB desde 1998. E, não aspiro a qualquer cargo de qualquer governo. Já dei minha cota de sacrifício. Aspiro sim que tenhamos um governo decente e eficiente.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

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