Os jornais têm noticiado que já existe uma nova proposta de reforma universitária na Casa Civil, pronta para ser enviada ao Congresso para aprovação. Vi referências a muitos aspectos desta versão, mas não consegui ver ainda o texto final. Pelo que tem sido publicado, ela manteria a elevação para 75% dos recursos de educação do governo federal para o ensino superior, em detrimento da educação básica. Carlos Henrique Araujo e Nildo Luzio escreveram recentemente o seguinte texto a rspeito:
É extremamente preocupante o estabelecimento de um percentual obrigatório de pelo menos 75% dos recursos do Ministério da Educação a serem aplicados no ensino superior. Com isso, o projeto de Reforma Universitária do Governo do Partido dos Trabalhadores poderá gerar repercussões negativas para as gerações futuras.
Alguns dados da realidade, não levados em conta, evidenciam como o Ministério da Educação, com essa proposta, pode estar contribuindo para aumentar a desigualdade no sistema de ensino nacional, já tão vilipendiado. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, o Inep, órgão responsável pela estatística educacional, em 2002, o investimento público médio em todas as modalidades da educação básica foi de R$ 900,00 por aluno e, no ensino superior, de R$ 10.534,00. Isso corresponde à razão de menos um real aplicado no nível básico para cada 11 reais gastos diretamente no ensino superior.
Alguns dirão que isso é razoável, pois manter o estudante na universidade é necessariamente mais caro do que no ensino básico. De fato, porém, a razão de investimento entre os níveis, como acontece no Brasil, não encontra precedentes quando comparados com outros países, especialmente os que têm melhores indicadores educacionais e sociais, o que não é o caso do Brasil. Alguns dados podem ajudar a refletir melhor sobre o tema.
A razão de aplicação de recursos públicos entre o secundário e o superior, por aluno, é de 1,7 vezes na República da Irlanda. Na Coréia do Sul, a distribuição dos gastos públicos por nível educacional mostra 34% aplicados na educação primária, 43,4% no secundário e 18,1% no nível superior. O restante dos recursos se divide em 1,2% para o pré-primário e 3,3% em programas de pesquisa e inovação. Esses são somente dois exemplos.
O Ministro da Educação disse que as Universidades serão chamadas a cumprir metas, com indicadores objetivos de resultados, contemplando aspectos como número de alunos por professores e número médio de aulas por docente a cada semana, dentre outros indicadores. No entanto, o que se vê no Brasil é que as Universidades foram capturadas por interesses corporativos de funcionários e professores. Os sindicatos advogam sempre pela autonomia. No entanto, não é aceitável que as instituições não prestem contas do dinheiro público ali investido. Além disso, não há na proposta nenhuma garantia legal de que a responsabilização relativa à aplicação dos recursos esteja garantida. Se estivesse, menos mal.
O que é mais preocupante é o fato de que a educação básica ainda carece de muito incremento. Uma análise séria sobre a área deve, necessariamente, partir das dimensões cruciais a serem consideradas, ou seja, acesso, fluxo escolar e qualidade dos resultados, sobretudo os de aprendizagem.
O que se nota, hoje, é que apenas o acesso, no ensino fundamental, está resolvido. Contudo, o fluxo e os resultados de aprendizagem são um verdadeiro desastre. Para resolvê-los, é preciso aumentar os recursos, notadamente entre os mais de 70% dos municípios brasileiros, com baixa arrecadação e capacidade de investimento. Por outro lado, é preciso ser mais rigoroso na adoção de programas. Estes devem atacar os reais problemas, com gerenciamento eficiente.
A reforma universitária, como está desenhada, vincula cada 0,75 de real do orçamento do Ministério da Educação para as universidades. Isso significa dizer que, no futuro, cada aumento possível, em situações de menor aperto fiscal e de maior esforço do Estado, com apoio da sociedade, irá para o ensino superior.
Não se advoga por deixar morrer a míngua as Universidades. Deve-se equacionar os problemas de financiamento das federais. Porém, até agora não se fez uma discussão séria em torno do assunto, considerando aspectos como pagamento de mensalidade, flexibilidade para captação de recursos junto aos setores privado e público e rigor na aplicação dos recursos assim obtidos. Estes são temas que não podem ser negligenciados para que se garanta recursos no futuro.
O financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior pode se valer de outras fontes, além dos recursos orçamentários. Para tanto é necessário que as lideranças da maior parte dos professores e funcionários vejam o problema de forma menos dogmática e, de certa modo, ingênua.
É muito fácil propor reformas a partir da declaração de princípios ideológicos. Porém, quando se lida com recursos públicos vale reiterar a máxima de que não existe almoço grátis. Por isso é cada vez mais necessário definir prioridades. Certamente, seria mais pertinente garantir o básico com qualidade para nossos jovens. A reforma proposta pelo Ministério da Educação é conservadora e atrelada aos interesses coorporativos presentes na sociedade brasileira, que sempre privilegiou os mais ricos em detrimento dos mais pobres. Aliás, exatamente o contrário do pregou o Partido dos Trabalhadores em seus mais de vinte anos militando na oposição.
Observando os dados de fluxo, vemos que ainda é forte o funil educacional em todo o Brasil. Hoje, estima-se que de cada 100 alunos que ingressam na 1a série do ensino fundamental cerca de 56 o concluem e não mais que 30 concluem o nível médio. Ao se olhar quem está se perdendo neste funil, constata-se o óbvio: são os mais pobres das regiões mais pobres. Aqueles que mais precisam do setor público e não contam com devolução do imposto de renda para subsidiar mensalidades de escolas particulares para seus filhos. É preciso uma verdadeira revolução das prioridades no setor educacional brasileiro para privilegiar os mais pobres, com uma educação básica de qualidade, capaz de propiciar uma verdadeira igualdade de oportunidades para o povo deste País.