Rômulo Pinheiro: gratuidade do ensino superior na “velha” Europa

Rômulo Pinheiro, de nacionalidade portuguesa, é pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Educacional da Universidade de Oslo, e tem se dedicado ao tema das universidades regionais, sobre o qual está organizando um livro que está aberto a colaborações (os interessados podem ver a chamada aqui).  A propósito da entrevista que circulei ontem pelo blog, ele envia o seguinte comentário:

Gostei de ler suas idéias em relação às evoluções educacionais e de opcão política no Brasil, mas achei estranho o seu comentário em relacão às “tuition fees” na Europa, quando diz que a maioria dos paises está seguindo o caminho dos Estados Unidos e a Inglaterra. Análises recentes não apontam alterações profundas neste sentido, com a maioria dos paises europeus (“old Europe”), com a exceção da Inglaterra e a Holanda, a näo cobrar ou a cobrar uma propina simbólica (veja por exemplo a análise comparativa de Ben Jongbloed  em John C. Smart, Higher Education: Handbook of Theory and Research, vol XIX,  2004, pp. 241-310).

Uma razão básica tem a ver com o ainda restrito ensino superior privado em muitos paises, ou o recente colapso do mesmo, como foi o caso de Portugal recentemente. Existe sim algum movimento na área da autonomia institucional no que diz respeito a certos programs de pós-graduação ou em areas mais vocacionais de tipo life-long-learning.

Na Europa do Norte alguns países – Suécia, Dinamarca, Finlândia (mas ainda não Noruega) estão a seguir passos leves para cobrar “fees” a alunos estrangeiros originados de fora da EU, mas, ao mesmo tempo, a Commissão Europeia está a alargar os programas tipo Erasmus Mundus que dão bolsas atractivas a alunos de fora da região. Aliás, o projecto Bologna, agora numa nova (pós 2010) fase de se exportar o modelo para “o resto do mundo” (incluindo a America do Sul/Latina), tem sido sintomático em relação a exprimir de que o ensino superior deverá continuar a ser “público”, e, do ponto vista europeu, isto quer dizer que continuará, na sua maioria, a ser coberto pelo contribuintes.

Talvez a crise econômica venha a tomar novas rotas. Aliás diga-se de que até na Inglaterra, o modelo adoptado foi o de que os alunos não pagam, mas sim somente os “graduates” com o sistema de proteção em caso de desemprego ou falta de retorno económico.

Espero que tenha sido esclarecedor.

As transformações das universidades e da cooperação internacional|Changing universities and academic outreach

Changing universities and academic outreach. Paper for the  prepared for the New Century Scholar’s program, Fulbright Commission, 2009-2010. Preliminary version, for comments only.

Abstract:  Academic international cooperation between US and Western Europe and developing countries reached its peak in the 1960s and 1970s, through a combination of increased support for higher education, science and technology in the US and Europe; the economic development and modernization drives of former colonial and developing countries; and the foreign policy of he US and Western Europe during the cold war years. Already in the 1980s, however, it had lost much of its priority, due to a succession of failures of international cooperation, a growing skepticism about the promises of modernization, a growing concern with issues of poverty and human rights, and the expansion of private higher education and the priority given to globalization and international competitiveness by the major universities in the US and elsewhere.

This essay describes this development with a special emphasis on the links between the US and Latin America, and discusses the issues associated with the current trends.   It concludes that truly cooperative undertakings are needed, and require stable, competent and reliable patterns on both sides, recreating the global epistemic communities that could provide the basis for their permanence. Given the differences in wealth and competency, these North-South links will never be fully symmetrical regarding resources and knowledge transfer, but they should be as symmetrical as possible in terms of the genuine effort of each side to understand the needs, the conditions and the perspectives of the other.

As transformações das universidades e da cooperação internacional (em inglês). Texto preparado para o New Century Scholar Program da Comissão Fulbright. Versão preliminar, para somente comentários.

Sumário: A cooperação acadêmica internacional entre os Estados Unidos, e Europa Ocidental e os países em desenvolvimento atingiu seu auge nos anos 60 e 70,  por uma combinação de fatores como o amumento do apoio dos governos ocidentais à educação sueprior e à pesquisa,  a busca de desenvolvimento econômico e modernização por parte das antigas colônias e os países em desenvolvimento, e a política externa dos países ocidentais nos anos de guerra fria.  Já na década de 80, no entnato, este tipo de cooperação havia perdido prioridade, graças ao ceticismo crescente em relação às metas de desenvolvimento e modernização, à preocupação crsescente com os temas da pobreza e dos direitos humanos, e a expansão do ensino superior privado, e a preocupação crescente com a globalização e a competitividade internacional por parte das principais universidades americanas e européoas

Este ensaio narra estes desenvolvimentos, com ênfase nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina, e discute os temas associados a estas novas tendências. A conclusão é que atividades de cooperação internacional continuam sendo importantes e necessárias, e requerem parceiros estáveis, competentes e confiáveis dos dois lados, que possam recriar as comunidades epistêmicas que são  a base de sua permanência. Dadas as diferenças de renda e capacitação, as relações entre países do norte e do sul nunca serão simétricas em termos de transferência de conhecimentos, mas precisam ser tão simétricas quanto possível em termos do esforço genuino de cada parte de entender as necessidades, as condições e as perspectivas de cada um.

Geraldo Martins: a escolha de reitores (2)

O texto do professor Jacques trata de uma questão delicada, polêmica e muito presente na história de nossas universidades. A escolha dos reitores tem relação muito forte com a autonomia universitária. Durante a ditadura, tivemos o período mais crítico e deletério dessa relação como descreveu Cláudio Moura Castro: “O Governo Militar exibiu, em muitos momentos, injustificável brutalidade ao tratar o ensino e a pesquisa. A escolha de reitores e ministros de estilo autoritário, as prisões arbitrárias, as perseguições injustificadas, as cassações e aposentadorias compulsórias de cientistas destacados, tudo isso aconteceu de forma incontestável”  (Em Ciência e Universidade – Zahar – 1985).
Não há o que discordar do Prof. Jacques. Principalmente, quando considera que essa questão permanece “mal resolvida” até o presente, porquanto está sujeita às forças de diferentes interesses e “convicções ideológicas”. São pertinentes as suas observações quanto à legitimidade de um governo eleito democraticamente atrelar as universidades à condução de suas políticas educacionais. Conclui, então, que o ideal seria uma “combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos”. Entretanto, o grande risco é o de favorecer uma gestão universitária partidarizada ou de manipulação dos seus cargos de direção como instrumentos a serviço do poder e dos interesses políticos no âmbito do governo, dos segmentos internos ou de outras corporações.
Considerando essa situação, permito-me fazer uma referência ao que procurei expor no livro “Universidade Federativa, Autônoma e Comunitária”.
Na proposição dessa universidade, defendemos que os processos de gestão e de escolha dos reitores assumam uma dimensão participativa ampliada, ou seja, não restrita ao âmbito interno de seus membros, sejam os permanentes (docentes) ou transitórios (estudantes). Pelo seu caráter constitutivo, essa universidade (imaginária) estaria a serviço de uma comunidade mais ampla e não seria dependente de um único dono (mantenedor), seja ele o Estado ou o empresário privado. Ninguém pode negar que tanto nas universidades estatais, como nas universidades particulares, a relação política ou financeira do reitor ou do dirigente da entidade com o dono/proprietário da universidade é uma relação de subordinação, ainda que sejam ostentadas aparentes posturas de autonomia.
Na universidade federativa e comunitária, essa relação torna-se mais diluída, porquanto tanto a comunidade interna (acadêmica), como a externa é chamada a participar nas decisões e a assumir responsabilidades na sua organização e no seu financiamento. O reitor não seria representante apenas da comunidade universitária interna e menos ainda do Estado ou do mantenedor privado. Precisaria ser uma liderança reconhecida, intelectual e administrativamente, capaz de expressar os anseios das comunidades interna e externa e ao mesmo tempo articular e viabilizar a participação dos entes federados na sustentação e nos destinos da organização.
Por comunidade externa entendemos todos os atores de uma gestão federativa, ou seja, de uma forma de administração sob o regime de cooperação dos entes federados. Trata-se da perspectiva estabelecida pela própria Constituição Federal (Artigo 211). Também fazem parte da comunidade externa todos os agentes locais/regionais, em seus diversos segmentos: organizações empresariais, sindicatos, entidades culturais, educacionais, desportivas, jurídicas, religiosas, etc. De alguma forma, todos eles estariam presentes, por seus representantes, em alguma instância colegiada de deliberação superior.
Evidentemente, a comunidade acadêmica (interna), pela própria natureza das suas atividades, deverá deter a responsabilidade maior pela vida acadêmica, cujos gestores devem ser escolhidos com base na sua competência e nos critérios do mérito científico.
Por essas razões, ponderamos que a ‘gestão comunitária’ está estreitamente relacionada com os processos de democratização e de participação, mas sem confundir-se com as concepções de ‘gestão democrática’, que têm sido propugnadas para as universidades com base na bandeira igualitária assentada no pressuposto de que os estudantes, os professores, os técnico-administrativos são todos iguais.
O que desejamos realçar, aproveitando o tema suscitado pelo professor Jacques Schwartzman, é que essa idéia de universidade federativa com gestão comunitária objetiva aproximar a organização universitária dos cidadãos e criar os meios para uma interação mais intensa dos atores envolvidos. Obviamente, implica uma dinâmica complexa e barreiras quase intransponíveis. Todavia, seria uma forma de gestão que propiciaria maior transparência, maior controle público e maior efetividade.
Geraldo M. Martins – 7 de dezembro de 2009
O texto do professor Jacques trata de uma questão delicada, polêmica e muito presente na história de nossas universidades. A escolha dos reitores tem relação muito forte com a autonomia universitária. Durante a ditadura, tivemos o período mais crítico e deletério dessa relação como descreveu Cláudio Moura Castro: “O Governo Militar exibiu, em muitos momentos, injustificável brutalidade ao tratar o ensino e a pesquisa. A escolha de reitores e ministros de estilo autoritário, as prisões arbitrárias, as perseguições injustificadas, as cassações e aposentadorias compulsórias de cientistas destacados, tudo isso aconteceu de forma incontestável”  (Em Ciência e Universidade – Zahar – 1985).
Não há o que discordar do Prof. Jacques. Principalmente, quando considera que essa questão permanece “mal resolvida” até o presente, porquanto está sujeita às forças de diferentes interesses e “convicções ideológicas”. São pertinentes as suas observações quanto à legitimidade de um governo eleito democraticamente atrelar as universidades à condução de suas políticas educacionais. Conclui, então, que o ideal seria uma “combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos”. Entretanto, o grande risco é o de favorecer uma gestão universitária partidarizada ou de manipulação dos seus cargos de direção como instrumentos a serviço do poder e dos interesses políticos no âmbito do governo, dos segmentos internos ou de outras corporações.
Considerando essa situação, permito-me fazer uma referência ao que procurei expor no livro “Universidade Federativa, Autônoma e Comunitária”.
Na proposição dessa universidade, defendemos que os processos de gestão e de escolha dos reitores assumam uma dimensão participativa ampliada, ou seja, não restrita ao âmbito interno de seus membros, sejam os permanentes (docentes) ou transitórios (estudantes). Pelo seu caráter constitutivo, essa universidade (imaginária) estaria a serviço de uma comunidade mais ampla e não seria dependente de um único dono (mantenedor), seja ele o Estado ou o empresário privado. Ninguém pode negar que tanto nas universidades estatais, como nas universidades particulares, a relação política ou financeira do reitor ou do dirigente da entidade com o dono/proprietário da universidade é uma relação de subordinação, ainda que sejam ostentadas aparentes posturas de autonomia.
Na universidade federativa e comunitária, essa relação torna-se mais diluída, porquanto tanto a comunidade interna (acadêmica), como a externa é chamada a participar nas decisões e a assumir responsabilidades na sua organização e no seu financiamento. O reitor não seria representante apenas da comunidade universitária interna e menos ainda do Estado ou do mantenedor privado. Precisaria ser uma liderança reconhecida, intelectual e administrativamente, capaz de expressar os anseios das comunidades interna e externa e ao mesmo tempo articular e viabilizar a participação dos entes federados na sustentação e nos destinos da organização.
Por comunidade externa entendemos todos os atores de uma gestão federativa, ou seja, de uma forma de administração sob o regime de cooperação dos entes federados. Trata-se da perspectiva estabelecida pela própria Constituição Federal (Artigo 211). Também fazem parte da comunidade externa todos os agentes locais/regionais, em seus diversos segmentos: organizações empresariais, sindicatos, entidades culturais, educacionais, desportivas, jurídicas, religiosas, etc. De alguma forma, todos eles estariam presentes, por seus representantes, em alguma instância colegiada de deliberação superior.
Evidentemente, a comunidade acadêmica (interna), pela própria natureza das suas atividades, deverá deter a responsabilidade maior pela vida acadêmica, cujos gestores devem ser escolhidos com base na sua competência e nos critérios do mérito científico.
Por essas razões, ponderamos que a ‘gestão comunitária’ está estreitamente relacionada com os processos de democratização e de participação, mas sem confundir-se com as concepções de ‘gestão democrática’, que têm sido propugnadas para as universidades com base na bandeira igualitária assentada no pressuposto de que os estudantes, os professores, os técnico-administrativos são todos iguais.
O que desejamos realçar, aproveitando o tema suscitado pelo professor Jacques Schwartzman, é que essa idéia de universidade federativa com gestão comunitária objetiva aproximar a organização universitária dos cidadãos e criar os meios para uma interação mais intensa dos atores envolvidos. Obviamente, implica uma dinâmica complexa e barreiras quase intransponíveis. Todavia, seria uma forma de gestão que propiciaria maior transparência, maior controle público e maior efetividade.

Jacques Schwartzman: a escolha dos reitores

Escreve Jacques Schwartzman, do  Centro de Estudos de Políticas Públicas e Educação Superior da Universidade Federal de Minas Gerais:

O  Governo Federal, desde a década de 50, sempre teve um papel  ativo na escolha dos dirigentes das IFES. Uma lista de 6 nomes, organizada pelo órgão colegiado máximo da instituição, era enviada ao MEC , para designação pelo Presidente da Republica. Os integrantes da lista disputavam entre si a nomeação, que afinal decidida pelo governo, era pouco contestada. Com o advento do regime militar, esta forma de escolha passou a  ser questionada. Argumentava-se que os governos militares não tinham legitimidade para fazer esta escolha já que não foram eleitos e ainda assim  cassavam professores , expulsavam alunos e interferiam na autonomia das Universidades. Gerou-se então uma pressão para que os Reitores fossem escolhidos por processos exclusivamente internos, promovendo-se consultas e preparando listas que induziam a escolha do preferido pela comunidade. Este movimento foi parte da luta pela volta da democracia ao país.Na maior parte das vezes a escolha recaia sobre os preferidos da comunidade, mas nem sempre era assim.

Esgotado o regime militar, algumas importantes decisões para escolha de dirigentes foram tomadas e promulgadas em forma de lei (9192/95). Nesta constava que a escolha deveria recair entre professores de alta titulação, através de lista tríplice organizada por um Colegio Eleitoral, que poderia promover ou não uma consulta à comunidade. Caso ela fosse feita, deveria ser organizada pelo próprio Colegio, tendo os professores peso 70 e funcionários e alunos os outros 30. Esta é a lei em vigor, mas na prática a lista tríplice  é organizada de tal forma que deixa pouca margem para uma decisão alternativa à decidida pela consulta que elege apenas um candidato. Assim, o governo federal, agora eleito democraticamente, não tem influencia em tão importante decisão. Ainda assim, no governo FHC algumas poucas tentativas foram feitas no sentido de escolher um candidato alternativo ao mais votado. O exemplo mais conhecido foi o do Reitor Vilhena da UFRJ e que gerou calorosos protestos e contestações.

Agora, a pretexto de disciplinar o processo de escolha de dirigentes (Reitores)  dos recém criados Institutos Federais de Educação , Ciência e Tecnologia, editou-se o  Decreto 6.986 de 20 de Outubro de 2009, que diverge em alguns pontos da Lei 9192/95. Nele obriga a realização de consulta à comunidade, elimina a lista tríplice substituindo-a por um único candidato a ser homologado pelo Presidente da República. Postula também que a participação de cada segmento na eleição, se dará de acordo com a “legislação pertinente”,isto é, conforme os pesos definidos na Lei 9192/95, segundo nossa interpretação.Não obstante, de acordo com o artigo 12 da Lei 11.892, os pesos de cada um dos três segmentos foram fixados, paritariamente, em 1/3 para cada um deles , diminuindo sensivelmente a importância do corpo docente.

Temos portanto duas formas de escolha de Reitores,como se fossem cargos diferentes. Esta situação surge em função de convicções ideológicas de setores que estão hoje no poder e que sempre foram favoráveis a processos amplos de escolha, como se, nas universidades, a democracia fosse mais importante do que a meritocracia, o que está refletido na redução do peso dos docentes no processo.  Fica também  mal resolvida a questão de qual seria o papel do governo, quando eleito democraticamente, na condução da política educacional das Universidades públicas. Dada a situação “sui-generis” das universidades no contexto dos órgãos públicos , melhor seria uma combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos, o que implicaria na elaboração de listas  e não na definição de um candidato único a ser imposto aos governantes.

Finalmente, caberia comentar como é possível que um decreto revogue dispositivos de uma lei e como é possível eleger-se para um mesmo cargo,o de Reitor, através de critérios divergentes.  Com a palavra os juristas.

Burton R. Clark, 1921-2009

clark

Com algum atraso, mas muito pesar, registro o falecimento do sociólogo Burton R. Clark, professor da Universidade da California em Los Angeles, considerado o fundador da moderna sociologia da educação superior. Formado nos Estados Unidos nos anos 40, na melhor tradição da sociologia organizacional formulada por Robert K. Merton e seus alunos, Clark desenvolveu uma imensa obra, estudando desde os pequenos colleges americanos até as grandes universidades de pesquisa contemporêneas em uma perspectiva comparada. Sem pretender dar conta de suas idéias, para mim o que mais marcou foi a preocupação que ele sempre teve de fazer suas análises a partir dos valores e motivações das pessoas que vivem e dão conteúdo às instituições, e a partir daí entender as estruturas organizacionais e as eventuais tensões e transformações que ocorrem. Entre os muitos conceitos que desenvolveu, sempre da maneira simples e elegante em que escrevia, talvez o mais conhecido seja o do “Triângulo de Clark”,  o modelo de análise comparada dos sistemas de governança das universidades que ocorrem em um campo marcado por três vértices, a do Estado, o das corporações acadêmicas e o do mercado.

A foto acima foi tirada em Los Angeles no início dos anos 80, por ocasião do seminário que deu origem ao livro  Perspectives on higher education –  eight disciplinary and comparative views (Univ California Berkeley, 1984) do qual tive a honra de participar com um capitulo sobre a pesquisa  universitária (Clark é mais alto na fila de trás, ao meio – quem sabe quem são os outros?).

No início dos anos 90 tivemos o prazer de contar com a presença de Burton Clark no Brasil, como membro do Conselho Consultivo do Núcleo de Pesquisas sobre Educação Superior da USP (NUPES).

 

José Joaquin Brunner: Universidades e Mercados

foto-brunnerJosé Jaquin Brunner está publicando, em Santiago, “Educación Superior en Chile: Instituciones, Mercados y Políticas Gubernamentales, 1967-2007”  (Universidad Diego Portales, 2009), livro do qual tive a honra de escrever o prólogo.  Noto, na introdução, que

Chile, con cerca del 73 por ciento de sus estudiantes matriculado en instituciones privadas, no es diferente de Brasil, con el 75 por ciento; Japón, con el 75 por ciento; o Corea, con el 78 por ciento; y tiene una semejanza importante con Estados Unidos o México, países en los que el sector privado absorbe a cerca del 35 por ciento de los alumnos. Sin embargo, lo que Brunner llama ‘mercadización’ va más allá de la dicotomía entre lo público y lo privado. En todo el mundo, las universidades públicas también necesitan competir por proyectos, estudiantes, prestigio y recursos para docencia e investigación y, por esto, se organizan de forma cada vez más similar a las empresas, definiendo prioridades, estableciendo estrategias y buscando hacer más explícitas sus misiones.

Los gobiernos continúan financiando a las universidades y sus estudiantes, pero, si antes este financiamiento era total y automático, hoy tiende a ser parcial y condicionado a los resultados y a costos que puedan ser expresados en indicadores.

La tesis central del libro no es que la mercadización sea el mejor de los mundos posibles, en contraposición a quienes todavía creen que el mejor era el de las antiguas universidades financiadas totalmente con dinero público y que no necesitaban molestarse con demostrar que éste fuese bien utilizado.

Lo que Brunner prueba es que hoy no es posible comprender lo que sucede en la educación superior sin prestar atención a esta dimensión de mercado, que se combina, en diferentes grados, con los mecanismos de la autoridad y la regulación pública y con el poder de las oligarquías y las corporaciones universitarias para marcar, dentro del famoso “triángulo de Clark”, el lugar de los distintos países e instituciones en el ámbito de múltiples alternativas de gobernabilidad.

O texto completo do prólogo  está disponível aqui.

Jacques Schwartzman: O novo programa de financiamento estudantil

O artigo abaixo, de Jacques Schwarzman, foi publicado no Estado de Minas em 4 de outubro de 2009:

O Novo FIES

Acaba de ser aprovado pelo Congresso o projeto de lei que muda as regras do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior(FIES). São várias  as mudanças. A Caixa Econômica Federal deixa de ser o agente operador, passando esta atribuição para o FNDE/MEC, prazos mais dilatados de reembolso são introduzidos e para algumas áreas (medicina e licenciaturas, principalmente) é possível pagar o crédito com trabalho em órgão público. No entanto, a medida mais importante é a que procura trazer para o mercado de crédito educativo instituições financeiras, como os bancos comerciais, que até este momento têm uma participação irrelevante.

É de se indagar porque os bancos não se sentem atraídos. Possivelmente porque o risco é muito elevado quando comparado com outros financiamentos, tais como de automóveis e imóveis. Nestes casos, os próprios bens financiados servem de garantia, o que não ocorre com o financiamento de pessoas à busca de melhor qualificação, cujo ativo gerado é intangível. É preciso portanto exigir garantias de pessoas que não as tem, tornando mais difícil a concessão de credito. O setor bancário sofre também da concorrência do FIES que trabalha com taxas muito baixas, em alguns casos de 3,5% a.a.

O Projeto trata de eliminar o risco dos agentes. A solução encontrada foi a  de distribuir parte deste risco às Instituições de Ensino Superior, que entram com entre 15 e 30% dos recursos, tornando-as mais responsáveis na escolha dos que vão receber o empréstimo. As reservas do FIES cobrem os restantes 70% ou 85%. Assim, se um aluno, depois de todas as tentativas amigáveis e judiciais de cobrança, permanecer com um saldo devedor de digamos, 10 mil reais, a IES repassará ao FIES entre 1500 e 3000 reais e o FIES transferirá este montante e mais 7000 reais para o agente financeiro. Isto será suficiente para atrair os bancos ao programa? Aguardemos para ver as respostas. De qualquer maneira é uma boa tentativa.

O crescimento do ensino superior agora depende da capacidade de pagamento dos alunos no setor privado, que parece estar chegando ao limite. No setor público, apesar do Programa de Expansão e do REUNI, as vagas não serão suficientes para atender à demanda, mesmo porque os alunos que entrarem por estas vias serão os provavelmente os melhores do setor privado devido à dificuldade do Vestibular, que são também em geral os que têm mais capacidade para pagar, o que se constituirá num golpe contra as privadas. Para compensar, o ProUni está colocando no setor privado cerca de 400 mil alunos carentes e de bom desempenho no ENEM.

Em síntese, o problema atual não é a falta de oferta em termos agregados, pois no setor privado temos 1,3 milhões de vagas não preenchidas. O que está faltando é a capacidade de pagamento dos possíveis demandantes. A extensão do crédito, inclusive aos estudantes carentes, é uma boa forma de se financiar os alunos, pois estaremos aumentando suas chances de obter uma remuneração mais elevada, se comparada ao que ganhariam se tivessem somente o curso médio, e com isto teriam como pagar o empréstimo. Sem dúvida este é um caminho mais justo do que as bolsas do ProUni ou o ensino gratuito nos estabelecimentos públicos.

Jacques Schwartzman
Diretor do CESPE/UFMG

UNIDEBATE: Espaço para a discussão dos problemas da USP

Um grupo de professores da Universidade de São Paulo, entre os quais Eunice Ribeiro Durham,  José Arthur Giannotti, Carlos Humes Junior, Hernan Chaimovitch e Walter Colli, criaram um site de discussão sobre a Universidade de São Paulo. Na “Carta aos Docentes” que apresenta o site, eles dizem, entre outras coisas, que

As estruturas tradicionais de organização e gestão das universidades mostraram-se inadequadas para operar com eficiência neste novo cenário mundial e para oferecer o suporte necessário à atuação de docentes e pesquisadores. Reformas estão em curso em quase todos os países. Em comparação, nós, na USP, parecemos navegar à deriva, presos a soluções e organizações que estão se tornando rapidamente obsoletas e sem lideranças que nos permitam definir um projeto compatível com a magnitude de nosso potencial social e intelectual.

 

ENEM: Caso de Polícia

O fiasco do adiamento das provas do novo ENEM, seguido em detalhe pela imprensa como caso de polícia, não tem sido acompanhado de nenhuma discussão mais aprofundada sobre o impacto mais amplo desta nova prova sobre a educação do país, e mais especialmente sobre as questões do acesso à educação e sobre o ensino médio.

Em relação à equidade, dois anos atrás escrevi uma nota comparando o ENEM brasileiro com o “General Certificate of Secondary Education” inglês,  o CGSE, que tinha a intenção semelhante de criar um padrão único de qualidade, e acabou sendo abandonado porque significaria a desqualificação de uma série de diplomas técnicos e profissionais que existem no país.. Na ocasião, perguntava se o ENEM não estaria na contramão das reformas educacionais que o pais necessita. Continuo achando que está.

Discussão semelhante tem ocorrido no Chile, que tinha uma prova nacional denominada PAA (Prueba de Aptitud Académica), que media competências genéricas, e foi substituida pela Prova de Seleção Universitária, PSU, que mede também conhecimentos específicos do curriculo escolar. No Chile, o ingresso ao ensino superior se faz estritamente em função desta prova, com os alunos melhor qualificados escolhendo os cursos e universidades de sua preferência.

A justificativa para estas provas unificadas é que elas funcionam como um padrão de referência para o ensino médio, e criam um sistema mais universal de acesso ao ensino superior. A crítica é que elas obrigam todos os cursos de ensino médio a preparar os alunos para esta prova, sobrecarregando os currículos escolares e impedindo portanto que os cursos se diversifiquem e que os estudantes possam optar por modalidades distintas de formação. No caso do Chile, estudos estatísticos mostram que, com a passagem do antigo PAA para o novo PSU, instituido em 2004, a discriminação social no acesso ao ensino superior aumentou, na medida em que a nova prova se tornou mais difícil para os estudantes provenientes de escolas públicas de pior qualidade.

Está havendo hoje, no Brasil, um movimento de reforma do ensino médio, que, se bem conduzida, daria aos estudantes mais opções, não somente por áreas de conhecimento, mas também por tipo de formação – mais acadêmica, mais prática, mais profissional ou mais geral, conforme as motivações e condições dos estudantes. Isto deveria também desembocar em um ensino superior com um grande leque de opções e diferentes portas de entrada, possibilidade que o novo ENEM, na prática, impede.

Se o novo ENEM abrisse espaço para que os alunos pudessem optar por diferentes provas, com os cursos superiores também utilizando estes diferentes resultados para selecionar os alunos mais adequados a seus programas, isto permitiria que o ensino médio se diversificasse, e que o ensino superior também se ampliasse (e não somente crescesse) para atender melhor à grande variedade de pessoas que querem continuar estudando depois do ensino médio.

O caminho que estamos seguindo, no entanto, é o de manter o ENEM como exame unificado, colocar todos na mesma camisa de força, e depois tentar corrigir os problemas de acesso e estratificação que ele cria estabelecendo cotas para os que não conseguem bons resultados. Não parece ser o caminho mais inteligente.

O FEBEAPÁ do ENADE, revisited!

enad“MEC: um em cada 4 professores se forma em curso ruim”, diz   O Estado de São Paulo, dando como ruim uma notícia que, se fosse verdadeira, seria ótima: 3 em cada 4 professores se forma em um bom curso!

Mas é claro que não é nada disto.  Como os resultados das provas do ENADE são “normalizados” em uma distribuição simétrica, sempre vai haver mais ou menos um quarto no nível inferior, mais ou menos um quarto no nível superior, e muitos cursos no meio.  Este mesmo tipo de bobagem aparece em outras notícias, que procuram comparar resultados de áreas diferentes, como se as pontuações fossem comparáveis. Também não faz sentido comparar os resultados de um ano para outro, porque as provas variam de ano a ano, e todas são “normalizadas” cada ano.

O fato é que o ENADE não trabalha com conceitos de “bom”, “ruim” ou mais ou menos, mas, simplesmente, ordena os cursos em uma escala de 5 pontos, distribuições parecidas para cada área como a do quadro ao lado, feito para todas as áreas em conjunto. Se todos os cursos forem muito bons, ou muito ruins, a distribuição vai ser sempre a mesma.

A culpa das bobagens é, em parte, da imprensa, que já deveria ter entendido isto, e não continuar a repetir  os mesmos equívocos ano a ano. Mas a culpa também é do MEC, que  continua produzindo e publicando estes índices apesar dos grandes problemas que existem na maneira em que são calculados, coisa também já suficientemente discutida (veja “O Conceito Preliminar dos Cursos e as boas práticas de avaliação da Educação Superior”).

Nos debates sobre a avaliação da educação,  eu sempre fui a favor da utilização de dados quantitativos e comparáveis; mas o mal uso reiterado destas metodologias dá muita força aos argumentos dos que sempre se opuseram a elas.

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FEBEAPÁ:  para as novas gerações, que não sabem, trata-se do Festival de Besteiras que Assola o País, frase criada décadas atrás por Estanislao Ponte Preta.

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