Debate sobre cotas no CEBRAP – 2

O debate sobre cotas nas universidades lida com uma dimensão do ensino superior no Brasil, a do acesso, mas não só deixa outras questões importantes de fora, como que acaba ocupando todo espaço do debate público sobre a questão universitária, que fica em segundo plano.

Em minha apresentação no CEBRAP, chamei a atenção para o fato de que o sistema de ensino superior brasileiro é fortemente estratificado, tanto no sentido de que a maior parte dos alunos vêm de camadas sociais médias e altas, como no sentido de que a estratificação se dá no interior das instituições. Anteriormente, as instituições públicas tendiam a ser de melhor qualidade, gratuitas e de difícil acesso, enquanto que as privadas, além de pagas, eram de pior qualidade, e aceitavam qualquer tipo de aluno. Hoje, existem muitas instituições públicas tão ruins quanto muitas privadas, e diferenças importantes dentro de cada instituição; um número crescente de instituições privadas de elite, sobretudo nas áreas de administração e direito; e um segmento crescente de educação superior privada de acesso gratuito, com poucos requisitos de entrada, e financiado pelo governo federal através do ProUni. Para os estudantes que entram nos cursos e instituições de pior qualidade, públicos ou privados, pagando ou sem pagar, com ou sem cotas, as chances são altas de que aprendam pouco e mal, abandonem o curso antes de diplomar, e, mesmo se conseguirem o diploma, deixem de obter os benefícios que esperavam que ele trouxesse. Na medida em que o ensino superior se expanda, o mais provável é que sejam os segmentos de má qualidade que cresçam, porque estes são os mais baratos, e com isto aumentem estes problemas, a um custo crescente para a sociedade, em dinheiro e frustração.

O caminho não é deter a expansão, mas tornar o sistema mais diversificado e mais eficiente. A diversificação consiste em criar alternativas reais ao modelo dominante de ensino superior, calcado nas antigas profissões liberais, e abrir espaço para diferentes tipos de formação, para pessoas com diferentes interesses e condições de estudo. Hoje, em toda a Europa, discute-se o modelo de Bologna, que combina um nível inicial de três anos para todo o ensino superior, mais acadêmico ou mais aplicado, seguido de um período de formação profissional de dois anos (equivalente ao mestrado), e outro adicional de três ou quatro anos para a formação de alto nível; esta discussão, até agora, não chegou ao Brasil. Se as universidade públicas fossem mais eficientes, elas poderiam, com os mesmos recursos que tem hoje, melhorar sua qualidade e atender a mais alunos. Para se tornarem mais eficientes, elas precisam deixar de funcionar como repartições públicas, assumir a responsabilidade pela gestão plena de seus recursos materiais e humanos, e serem cobradas por seus resultados.

Como não há recursos para continuar financiando a expansão do ensino superior público e gratuito, diante das prioridades muito maiores da educação básica e média, é necessário recolocar a questão do ensino superior público gratuito, e o espaço adequado do ensino privado. A expansão depende hoje, fundamentalmente, do setor privado, que já atende à 70% da matrícula no ensino superior do país. O atual governo, apesar de tratar o setor privado quase como delinqüente, no projeto de reforma que elaborou, foi o primeiro da história recente do país a subsidiá-lo diretamente, através da isenção de impostos do ProUni. É importante criar um marco regulatório adequado tanto para o setor público quanto para o setor privado, para estimular a qualidade de ambos, assim como os espaços para novas modalidades de educação nos mais diversos níveis, e para diferentes públicos.

Parece que esquecemos, finalmente, que uma das funções fundamentais do ensino superior é a formação de alto nível e a pesquisa científica e tecnológica. Isto está dito em todos os documentos públicos, frequentemente em termos da famosa “indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão”. O que não se diz é que, em todo mundo, a excelência só se consegue em algumas poucas instituições, geridas por critérios estritos de qualidade e desempenho, e com níveis de financiamento muito superiores às demais. Sem uma politica deliberada de excelência e concentração de recursos, associada a um processo bastante amplo de diferenciação e ampliação do acesso, não iremos a nenhuma parte.

Em um contexto mais amplo de reformas, cabem, certamente, políticas compensatórias para aumentar a diversidade dos jovens que chegam às universidades, desde que acompanhadas de programas educacionais adequados e apoio financeiro para que o acesso ao ensino superior não seja uma simples farsa; e sem que as pessoas precisem ser catalogadas e etiquetadas pelas autoridades conforme a raça de seus avós.

Discriminação e desempenho acadêmico


Será que as pessoas que são discriminadas têm pior desempenho nos estudos que as que não o são? Os dados do questionário socio-econômico dos participantes do ENEM sugerem que não. Uma percentagem significativa dos participantes que se consideram negros – 52.4% – dizem que já sofreram discriminação racial, assim como 15.2% dos pardos e 16.7% dos amarelos, ou orientais. No entanto, o desempenho no ENEM, tanto de pardos quanto de pretos, não está relacionado à discriminação, mas ao nível sócio-economico das familias.

É claro que ser e dizer que é discriminado são coisas diferentes: algumas pessoas podem ser discriminadas sem se dar conta, e outras podem ser especialmente sensíveis a qualquer forma de preconceito. Mas a reação a isto tanto poderia ser de se prejudicar pela discriminação recebida como de reagir contra ela, e não se deixar abater. Os dados do ENEM sugerem que as pessoas que se sentem discriminadas não se deixam abater, e se desempenham da mesma forma ou até melhor do que os outros, dentro das limitações de sua condição social e de seu meio.

Debate sobre cotas no CEBRAP

No dia 11 de agosto participei de um “debate sobre cotas” no CEBRAP, em São Paulo, juntamente com Antônio Sérgio Guimarães. O ponto principal de minha apresentação foi que a educação superior brasileira tem problemas importantes, mas que as cotas, raciais ou sociais, não são a resposta, porque elas partem de um entendimento errado a respeito de quais são estes problemas, tanto em relação ao acesso ao ensino superior, quanto ao sistema de ensino superior brasileiro em si. Estou resumindo abaixo a primeira parte, e a segunda fica para um próximo blog.

No início, procurei mostrar, com dados da PNAD de 2004 (a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE), que as diferenças de acesso à educação pelos diferentes grupos de cor, na definição do IBGE, vem se alterando rapidamente. Na população total, mais ou menos metade das pessoas se declaram “brancas” nas pesquisas, uns 45% se declaram “pardos”, e uns 5% se declaram “negros” (daqui em diante utilizarei estas denominações sem aspas). Na população de mais de 20 anos, existem 4,1 vezes mais brancos do que pardos e pretos com educação superior no Brasil (7,7 e 1,8 milhões, respectivamente), refletindo o passado de desigualdades. No ensino médio, a diferença cai para 1,4 vezes (15,7 para 10,9 milhões). A maioria destas pessoas já não está mais estudando. Entre os que estão estudando hoje, a diferença no ensino superior é muito menor, de 2.6 vezes (3 ,4 para 1,3 milhões), e no nível médio, é de 1.1 vezes (4,5 para 4,1 milhões), ou seja, praticamente igual à distribuição da população. No ensino fundamental, já não existem diferenças. A explicação é simples: na medida em que o sistema educacional se amplia, o acesso se torna maior, e a metade não branca da população brasileira, que é também a mais pobre, vai encontrando mais espaço.

A grande expansão do ensino médio dos últimos anos já começa a pressionar o ensino superior, e, para ver o que está acontecendo nesta passagem, fiz uma análise dos dados mais recentes do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, tornados acessíveis pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o INEP.

Os dados do ENEM não são representativos da população, já que a participação é voluntária, mas já incluem um grupo bem significativo de pessoas. Em 2005 se inscreveram cerca de 3 milhões de jovens, dos quais cerca de 2 milhões fizeram as provas e responderam a um questionário socioeconômico, que continha uma pergunta sobre “cor”, igual à do IBGE. A distribuição é muito semelhante à da população, com 45% de brancos, 38.4% de pardos e 12% de pretos – este último o dobro, em termos proporcionais, do que na população como um todo. Analisando os resultados da prova objetiva, encontramos, como era de se esperar, uma grande variação do desempenho em função da educação e da renda das famílias de origem dos candidatos, e também diferenças por cor. A média dos brancos na prova objetiva é 42,9; dos pardos 36,9; e dos pretos, 35,6; uma diferença, portanto, de 7.3 pontos entre brancos e pretos. A média para todo o país é de 40 pontos. Em termos de renda, as médias são de 31,6 para as famílias com até 1 salário mínimo, e 59.6 para as famílias 10 a 30 salários mínimos – 28 pontos de diferença, portanto. A diferença entre os filhos de mães só com educação primária e com educação superior é de cerca de 20 pontos. Dentro de cada grupo de renda ou educação familiar, as diferenças de grupos de cor persistem, mas em menor grau: entre brancos e pretos (excluindo os pardos), as diferenças são de 2 pontos entre as famílias de um salário mínimo, e 10 pontos entre famílias de 10 a 30 salários mínimos; 3,1 pontos para filhos de mães que só completaram o antigo primário, e 12% para filhos de mães com educação superior.

Estes dados mostram, primeiro, que as diferenças de renda e educação familiar, e não a cor, são os principais correlatos dos resultados do ENEM, que, por sua vez, são uma indicação razoável da chance de a pessoa entrar em uma universidade mais competitiva. Segundo, que existem diferenças entre os grupos de cor que persistem nos diferentes grupos de renda e educação familiar. E, terceiro, que estas diferenças aumentam na medida em que aumenta a renda e a educação das famílias, como se os ganhos em educação e renda das famílias pretas (e, em menor grau, pardas) não fossem suficientes para que os filhos obtenham ganhos equivalentes em seu desempenho escolar.

Alguns economistas têm descrito estas diferenças não explicadas estatisticamente como “discriminação”. No entanto, não há evidência de que seja esta de fato a explicação das diferenças. Elas podem se dever, por exemplo, ao fato de que os ganhos sociais e econômicos das famílias pardas e negras sejam mais recentes, que os cursos superiores dos pais tenham sido completados em carreiras e instituições de menor qualidade, e que estas famílias ainda não tenham conseguido acumular o “capital cultural” que é o requisito para o bom desempenho escolar. Uma indicação do que pode estar ocorrendo pode-se ver na percentagem de pessoas que estudaram em escolas particulares, cuja qualidade em geral é maior, nos níveis mais altos de renda e educação. Entre as famílias entre 9 e 15 mil reais mensais de renda, 59% dos brancos estudaram em escolas particulares, assim como 61% dos pardos, mas somente 28.6% dos pretos. Entre as famílias cujas mães têm nível superior completo, 40% dos brancos, 30% dos pardos e 18.7% dos pretos estudaram em escola particular.

O ENEM tem várias perguntas sobre percepção e experiência de discriminação. Muito poucos se dizem preconceituosos, mas cerca de 30 a 40% vêm preconceitos nos colegas e nas próprias famílias. Mais da metade dos pretos, e 16% dos pardos, dizem que já sofreram discriminação. Mas ter ou não sofrido discriminação não afeta os resultados no ENEM.

É possível, no entanto, que as crianças pretas e pardas estejam sofrendo formas de discriminação que não aparecem nas estatísticas, e que podem estar afetando seu desempenho? É claro que é possível, e até mesmo provável. Mas o que as estatísticas mostram é que, com ou sem discriminação, o que mais determina as diferenças de resultado e de oportunidades educacionais são a renda das famílias, a educação dos pais, e outras variáveis como o tipo de escola que o jovem freqüentou. É importante conhecer melhor, enfrentar e corrigir os problemas de discriminação, assim como os fatores que levam muitas famílias, mesmo educadas e ricas, a não proporcionar a seus filhos as condições adequadas para que estudem e se desenvolvam. Mudar tudo isto é difícil, caro e complicado. Criar cotas raciais nas universidades por decreto é simples e barato. Mas não resolve, e acaba desviando a atenção de aonde estão os verdadeiros problemas.

Fico devendo a segunda parte da discussão, sobre o sistema universitário brasileiro e o que fazer com ele.

Em quem votar?

A Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção, criou um site com o histórico de todos os candidatos à Camara de Deputados, em todo país – quem são, o que fizeram, os bens que possuem, os processos que sofreram, etc. Agora, ninguém mais pode dizer que votou errado por falta de informação. O site se chama Excelências, e vale mais do que um click! (site inacessível em julho 2009)

Uma maneira emocionante de voar

Depois de alguns meses em Oslo, onde tudo é organizado e funciona, e a adrenalina nunca sobe fora dos campeonatos de ski, foi emocionante voltar ao Brasil tendo que fazer uma conexão em Londres pela Varig em crise. O mais emocionante de tudo era a total falta de informações sobre o que estava acontecendo ou iria acontecer. Os telefones da companhia nas diversas capitais européias haviam sido cortados, ou respondiam com musiquinha eterna do Antonio Carlos Jobim, e muito raramente atendia alguém, que dizia não saber de nada. Aproveitando a crise da Varig, as outras companhias que voam para o Brasil jogaram os preços nas alturas, e mesmo assim todos os voos estavam lotados para as próximas semanas.

A melhor recomendação que consegui foi embarcar para Londres como estava previsto, procurar a Varig no aeroporto, e ver o que ia acontecer. Chegamos às 7 da noite, com várias malas, e o que encontramos foi dezenas de pessoas amontoadas ante um guichê onde dois funcionários tentavam atender de alguma maneira quem conseguia chegar até eles. Alguns haviam entrado na fila duas da tarde, outros estavam tentando ser atendidos pelo segundo ou terceiro dia. Alguns conseguiam ser colocados em voos de outras companhias, outros não. Outros funcionários conversavam com os passageiros na fila, e davam informações desencontradas. A um estudante uruguaio, que dizia não ter dinheiro nem para comprar um sanduíche, disseram que não poderiam fazer nada, que a Varig não estava pagando gastos de hotel, e ele que procurasse sua embaixada para pedir ajuda. Um italiano chegou perguntando, inocentemente, aonde deveria entregar sua bagagem, e foi informado de que o vôo não existia, que a Varig não voltaria a voar, e que ele deveria pedir à agência de viagens que devolvesse o dinheiro da passagem. Para uma moça educada que pedia o telefone da Varig em Londres para se queixar, deram um número que, quase certamente, não atenderia. Onze da noite, depois de eu ter reservado e pago um hotel pela Internet, anunciaram aos que ainda estavam na fila que teriam um hotel pago pela companhia, e que em dois dias, esperavam, haveria um vôo extra de Londres para o Brasil. Dois dias depois mandaram os que estavam no hotel para Frankfurt, aonde foi preciso enfrentar uma nova fila para conseguir o cartão de embarque para um dos dois vôos que estavam saindo para o Brasil, em meio a boatos de que a tripulação estava exigindo seu descanso regulamentar, e não voaria. Minha impressão dos funcionários com quem lidei foi que estavam todos muito tensos, tendo que absorver e lidar com a ansiedade dos passageiros, temendo ser agredidos, e sem saber o próprio futuro, com a ameaça bastante real de perder seus empregos. A maioria conseguia se manter equilibrada e tratar bem todo mundo, mas ouvi muitas queixas de gente maltratada também.

A principal causa da confusão, me parece, foi a tática deliberada da companhia e seus novos donos de ir empurrando os problemas com a barriga, lidando com as crises e situações a cada momento, em vez de buscar uma solução organizada a previsível para a situação de falência, conhecida há tanto tempo. É uma tática que tem sua lógica. Se eu tivesse sido informado com antecedência que meu vôo havia sido cancelado e a passagem perdida, eu teria comprado outra, arcado com o prejuízo e pronto, gastando um pouco de bílis, mas pouca adrenalina. Sem isto, fica a pressão de todos sobre a companhia e as matérias na imprensa, que, sem dúvida, ajudam a pressionar o governo e os credores por mais prazos, mais concessões, e assim ir vendo o que dá para salvar de todo este desastre. Nesta confusão, não existe previsibilidade, não há critérios claros sobre quem vai ou não ser atendido, e as soluções parecem variar tanto em função do “você sabe com quem está falando” como do humor dos funcionários, ou das instruções diferentes que recebem a cada momento. O fato de que havia em meu grupo um advogado bem relacionado em Brasília, e que o grupo se organizou para tratar em conjunto com a companhia, parece que ajudou bastante.

O que torna possível esta tática de empurrar com a barriga, me parece, é a insegurança jurídica que caracteriza a economia do pais, sobretudo numa área regulada como esta da aviação civil. Desde o início, a crise da Varig tem sido marcada por uma sucessão interminável de apelos, decisões e contra-decisões judiciais, e um posicionamento pouco claro por parte do governo que, por um lado, tem conseguido evitar que o setor público, via BNDES, assuma todos os custos da falência da empresa, mas, outro lado, faz uma série de concessões em relação às dívidas com o fisco, uso de aeroportos, concessão de linhas, etc. Nisto, o governo tem apoio da opinião pública – uma enquête do site do O Globo na Internet mostrou que a maioria das pessoas achava que a viúva deveria acudir a Varig, e poucos eram a favor de uma “solução de mercado”, aonde a Varig nunca conseguiu competir. Minha impressão é que, neste processo, a empresa foi se desorganizando cada vez mais, perdendo valor e espaço no mercado, e o resultado final está sendo pior para todos, desde as empresas internacionais que fornecem os aviões e deverão buscar mais garantias e proteção para assinar novos contratos. até o público que é afetado pelas incertezas e não tem os benefícios de um mercado mais competitivo, sem falar, é claro, nos custos invisíveis dos impostos e taxas que o governo deixa de recolher, e que são pagos, em boa parte, por quem só anda de ônibus.

O “Eduquês” em Portugal

Nuno Crato, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, tem trabalhado também com os temas da educação, criticando o predominio do que ele chama de “pedagogia romântica” ou “eduquês” em seu país. Ele tem na Internet um artigo entitulado “A Pedagogia Romântica e a Falta de Senso (2003) e é autor do livro “O ‘Eduquês’ em Discurso Directo – Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista” (2006).

(Agradeço à Dra. Cristina Fontana pelas indicações acima).

Guiomar Namo de Mello: Os candidatos e as prioridades para a educação

A campanha eleitoral está esquentando, e o tema da educação aparece nas pesquisas como o mais importante, na percepção do público. O que devemos esperar e cobrar dos candidatos, neste terreno? Eis o que propõe Guiomar Namo de Mello:

Para as próximas eleições, é importante que os candidatos estabeleçam com clareza quais são suas prioridades na educação. Não podemos continuar com listagens que abrigam de tudo um pouco, satisfazendo a todas as correntes ou posições, tudo com o mesmo valor. As prioridades podem ser as que são sugeridas abaixo, ou outras. Mas não se pode continuar com um discurso esgarçado para agradar a todos. Os pés começaram a aparecer na ponta do cobertor. Até para cada um poder posicionar-se sem falsas esperanças. É preciso finalmente dizer o que é mais importante e por que. Aí vão minhas sugestões.

• Que tudo seja passado por um crivo inicial: total prioridade para a escola regular, a boa e velha escola pública na qual estão matriculados a maioria dos alunos. Dessa forma, tudo que for para reforçar, acelerar, enriquecer, a escola regular, será mais prioritário. O resto é o resto.

• Prioridade absoluta para mais recursos pedagógicos, humanos e técnicos para as escolas regulares. Meta e prazo para o país ter todas as crianças estudando pelo menos 05 horas relógio por dia. Uma vez que essa jornada escolar estiver consolidada, então pensar em rede física e recursos humanos para uma jornada de 06 horas. Mais do que isso vira instituição total e escola é escola, não é internato, quartel, ou convento.

• Estabelecer metas e prazos para alcançar níveis de aprendizagem por ciclos, séries, segmentos, o que seja, mas que seja pactuado com os atores principais e que sejam feitas campanhas todos os dias, todos os meses dos anos, falando dessas metas, da necessidade de todos se esforçarem para alcançá-las: pais, vendo se a escola está no rumo das metas; imprensa com critério para olhar o que existe, o que falta, o que está certo ou errado; formadores de opinião e decisores, antenados para as metas. Essa campanha teria que veicular conteúdos deste teor:

• Nenhum aluno de escola pública do país vai deixar de aprender o equivalente a um ano de escolaridade. Na primeira série, na segunda série e assim por diante, esse ano de escolaridade terá de produzir os seguintes avanços…

• Junto, uma campanha que de tanto repetir, persuada e ensine a olhar o que a escola tem que fazer, mostrando que só a escola pode fazer isso. Nenhuma outra instituição. Comprometer os mídia com a divulgação disso. Fazer merchandising disso nas novelas, nos programas de auditório, no Faustão, nos programas da Igreja Universal, onde houver audiência. Repetir tanto que o povo vai aprender. Não há nenhuma razão para que a escola seja um mistério para as pessoas do povo.

• Com esse critério, deixam de ser prioritários, embora valiosos, os demais adereços que vêm sendo colocados na escola regular: ações assistenciais, pós escola, escola de tempo integral, etc. etc. As funções assistenciais têm que ser retiradas das escolas. Nada há a dizer para justificar isso. E se não for possível fazer uma coisa tão simples quanto essa, me pergunto se vale a pena ser governo…

• As iniciativas de CIEPS (Brizola), CIACS (Collor), CAICS (Collor), PROFICS (Pinotti), CEUS (Marta), e PÓS ESCOLA (Pinotti), não seriam prioritárias. Está na hora de tomar um partido claro, nítido, sereno e direto sobre isso. A grande maioria das nossas crianças tem casa, pai e mãe. As que se encontram em situação de risco, vivendo na rua, têm que receber um atendimento específico e customizado para essa situação. Como política pública, a educação escolar não precisa ser integral, nem no tempo diário de permanência nem na abrangência de toda a vida da criança. Sem essa clareza nossos dirigentes e gestores continuarão achando que é legítimo adotar medidas e programas assistencialistas e pirotécnicos, comprometendo os poucos nichos de política educacional séria que existem.

• É preciso se posicionar contra todo e qualquer encurtamento da escola regular: é uma vergonha ainda existam escolas que funcionando em três turnos diurnos, o que dá menos de 03 horas relógio de efetivo trabalho diário! Quem não se indignar com uma coisa dessas não merece ser governo.

• O funcionamento básico de todas escolas regulares sob padrões de qualidade aceitáveis é uma prioridade que não pode ser deixada subentendida. Esse padrão deve ser explicitado, e pelo que diz a pedagogia do bom senso seria: pelo menos 05 horas de 60 minutos de jornada diária; jornada do professor com pelo menos 20% para trabalho de planejamento e capacitação; módulos de materiais básicos a serem definidos (livros, materiais didáticos, publicações) e um compromisso de que esses materiais chegarão a todas as classes de todas as escolas e a todos os seus alunos; módulo básico de materiais de aprendizagem e desenvolvimento profissional para os professores – porque no curto prazo eles terão que aprender na escola onde estão para ensinar – com garantia de que chegará a todos os professores individualmente, não por escola para serem fotocopiados; instalações físicas adequadas para a jornada de alunos e professores com o currículo básico do ensino fundamental e médio. Esse pacote básico deve ser pactuado com os diferentes atores, gestores, parceiros.

• Ensino fundamental de nove anos: Não temos o direito de jogar fumaça na realidade: o ensino fundamental com 05 horas diárias, 200 dias letivos, durante 08 (oito) anos, dá um total de 8.000 horas de escolaridade. Se forem 09 (nove) anos, mantidas as 04 horas atuais (um número otimista porque muitas escolas funcionam com menos de 04 horas relógio por dia), 200 dias letivos, dá um total de 7.200 horas de escolaridade. Portanto, se é para aumentar o tempo de permanência na escola, melhor seria ampliar a jornada diária do que acrescentar uma coorte ao ensino fundamental. Basta fazer a conta. Considerando no entanto que tornou-se politicamente incorreto ser contra os nove anos de escolaridade (a propósito eu votei contra no Conselho Nacional de Educação), pelo menos os sistemas municipais e estaduais deveriam ter autonomia para decidir como querem organizar esses nove anos. Já há muito municípios no Sul e Sudeste nos quais o último ano da pré-escola está universalizado, isto é, todas as crianças já estão na pré-escola aos 06 anos completos. Porque raios eu teria que tirá-las com cinco anos da pré-escola para começar o fundamental com 06 anos se ela já está na escola? O fato de ela estar no último ano da pré-escola ou no primeiro ano do ensino fundamental vai mudá-la? Vai mudar suas necessidades? E se todos os alunos já tem pelo menos nove ou até mais anos de escolaridade porque a pré-escola se universalizou, porque então não estender para o primeiro ano do ensino médio o ano a mais?

A melhor maneira de desmistificar a proposta de ensino fundamental de nove anos é o compromisso para valer quanto à eliminação do fracasso escolar no ensino fundamental, porque é urgente ser honesto e reconhecer que o Brasil há décadas e décadas tem um ensino fundamental de 09, 10, 11, 12 anos. Por causa da repetência, cada concluinte do fundamental já representou até 12 anos de escolaridade. A média atual, alcançada a custa de um enorme esforço para acelerar as crianças e regularizar o fluxo, é de 9.7 anos. Até pouco tempo só os ricos no Brasil faziam o fundamental em 08 anos. E uma fração reduzida dos pobres excepcionais. Todos os demais já faziam e já fazem o fundamental em no mínimo 09 anos. Diz o discurso mistificador que são as crianças mais pobres que precisam entrar antes na primeira série, aos 06 anos. Que são elas as que mais ganham com 09 anos de escolaridade! Ora bolas, não são exatamente elas as que mais repetem? Portanto não são elas que já fazem o fundamental em bem mais de 8 anos? É uma lógica infernal essa!

A verdade é que se não tivesse repetência o país já poderia ter universalizado não só o fundamental como o médio e a educação infantil. Basta imaginar, em 100 anos de Século XX, quanto o Brasil gastou com repetência!!! Dava para ter o melhor sistema de educação do mundo, gastando o dobro do custo aluno que se gasta hoje. Não acham que está na hora de fazer essa conta? Quanto foi que o Século XX cobrou aos brasileiros pela repetência? E isso só em recursos financeiros, sem falar da auto estima, porque, como diz o comercial do Credicard, essa não tem preço. O discurso portanto tem que ser – uma vez assumida a inevitabilidade do ensino fundamental de nove anos – um compromisso com o país, os pais, a opinião pública, os contribuintes, os tomadores de decisão, os formadores de opinião, que vamos diminuir o ensino fundamental para 09 anos. Vamos diminuir porque a partir de agora, a duração será só de 09 anos e apenas 09, nunca mais do que 09 anos. Será um compromisso do tipo: daqui em diante nenhuma criança vai ser deixada para trás, obrigada a fazer a escola obrigatória em 10, 11 ou 12 anos. daqui em diante 09 anos será o limite. Nunca mais vamos fazer uma criança voltar para trás e fazer a mesma coisa outro ano, mais outro e mais outro. Daqui em diante nunca mais um aluno vai repetir em geografia num ano, voltar a fazer todas as disciplinas no ano seguinte e, ao final, repetir novamente só que em… matemática.

• Prioridade deve ser dada a todo e qualquer esforço para enriquecer, reforçar, acelerar, recuperar a escola regular. Deixar dessa mentirinha de abrir escola para a comunidade aos fins de semana. Desde os anos 80 muitas prefeituras de começaram a fazer isso. Nunca melhorou um só vintém a aprendizagem dos alunos. O melhor uso das escolas nos finais de semana seria para fazer o que não dá para fazer nos dias úteis, por falta de espaço/tempo, gente, vontade, um tudo. E o que é que não dá tempo de fazer durante a semana? Ensinar e aprender mais matemática, mais português, ciências, história e geografia. Portanto prioritários neste caso seriam todos os programas de reforço, aceleração e melhoria da aprendizagem. E lembrem, se tivermos metas definidas de aprendizagem não é difícil saber o que está faltando ou onde as coisas estão difíceis numa escola ou mesmo para um aluno!. Para isso valeria a pena gastar contratando professores temporários, ou agregando horas na jornada dos atuais, que ganhariam mais para continuar ensinando nos fins de semana. Isso tudo num programa organizado e supervisionado pelos professores regulares e pela direção da escola.

• Escola 24 horas, seria o ideal! Aí daria para inventar coisas do tipo: usar estagiários que fazem licenciaturas à noite e lutam para conseguir fazer estágio. Eles poderiam ser os professores residentes de fim de semana, continuando o trabalho feito com o professor dos dias da semana. Seria um programa para todas as crianças voluntário. Aposto que a aceitação pelos pais seria grande. E muitas vezes não tem dinheiro para levar os filhos ao cinema, ao teatro, nem mesmo ao zoológico. Quanto mais passear no shopping. E não me digam que seria chato. Só se o trabalho for mal feito. Se for didaticamente bem feito pode perfeitamente seduzir as crianças de periferia.

Da mesma forma no ensino médio deveria ser prioridade aproveitar todo o tempo disponível para reforçar a aprendizagem dos conteúdos curriculares. Sobretudo porque a maioria do ensino médio público é noturno. Aqui também alunos de curso de licenciatura de física, biologia, história, etc., poderiam ter um grande projeto de estágio e iniciação. Uma residência escolar de fim de semana, uma escola 24 horas…

No caso do ensino médio esses horários de fins de semana poderiam também ser ocupados com programas de preparação profissional de variada duração. Desde cursos de nível técnico, que se iniciariam concomitantemente e seriam concluídos ao final do ensino médio ou mesmo após, até cursos de curta duração para atender às estratégias de sobrevivência desses jovens no curto prazo. Eles precisam trabalhar para continuar estudando. Como aliás já fizemos vários da geração que hoje tem 50, 60 anos… Convênios com escolas técnicas públicas ou privadas da região poderiam reverter em real benefício para esses alunos pobres, na verdade trabalhadores que estudam à noite.

• Quanto aos professores da educação básica: Grande prioridade teria dar bolsas de estudos, créditos ou quaisquer outros subsídios (as prefeituras poderiam completar até mesmo com uma bolsa de manutenção ou um salário de residente) para os jovens que quiserem fazer curso de formação de professores. Mas as instituições teriam que passar por uma avaliação para se qualificarem como instituições que podem receber bolsistas financiados pelo dinheiro público (não a avaliação pedante e cartorial da comissão de especialistas do MEC, outra, de um conselho especial só para cuidar nacionalmente da política de formação docente, junto com estados e municípios)

• A qualidade da formação dos professores para escolas regulares de educação básica, é outra prioridade. Não adianta dizer que vai formar os professores em nível superior. A qualidade não acontece por milagre só porque é ensino superior. Do jeito que são os cursos de formação atual, não tenho medo de afirmar que os velhos cursos normais, de nível médio porém decentes, eram melhores. Ter nível superior não garante qualidade, chega de cartorialismo e mistificação. Tem que afirmar que o professor será formado em curso superior qualificado e que o governo vai tomar as providências necessárias para garantir isso. Por exemplo, só vai conceder bolsa ou crédito para alunos, se o destino forem instituições com selo de qualidade do MEC, do Conselho ou de qualquer outra instância que será criada para isso. Sem comissão de especialistas da SESU por favor que na área de formação de professores, elas são um desastre!!!!

• Isso leva à proposta de que o governo federal, em colaboração com os governos estaduais e quem sabe até municipais, crie sistemas de certificação de competências docentes para professores ingressantes e, periodicamente, para re-certificação da competência dos professores em exercício.

• Carreira dos professores da educação básica. Nos anos 80, começamos a falar que a carreira de professor era um impeditivo para o ensino de qualidade. Já se vão portanto quase 30 anos. Estamos todos 30 anos mais velhos, de cabelos brancos. E continuamos dizendo que a carreira de professor é impeditivo para várias medidas que teriam de ser adotadas para melhorar o ensino. Já deu para aprender que sem quebrar estes ovos não tem omelete:

• Aposentaria aos 25 anos: precisa acabar, ser no mínimo igual à do trabalhador comum. A idéia de duas carreiras, uma na qual ingressariam os novos e outra para aposentados e em serviço, é também uma idéia dos anos 80. Se tivéssemos feito isso naquele momento já teríamos todos os professores na carreira nova. Daqui há 30 anos estaremos ainda falando a mesma coisa?

• Poder ter salários diferenciados para disciplinas nas quais faltam professor; para professores que são mais esforçados e comprometidos e cujos alunos aprendem melhor, ou mais depressa.

• Desarmar o falso discurso que número de alunos por turma afeta, a qualidade. Só se for um número absurdo de 50, 60 alunos. Caso contrário não há nenhuma evidência de que 20 alunos aprendem mais do que 30.

• Criar incentivos ou prêmios para esses professores esforçados e comprometidos. Fazer campanha mostrando que é possível ensinar a criança brasileira, sobretudo a mais pobre.

• Instituir compensações e prêmios para sistemas (municipais ou estaduais) que experimente inovar em matéria de carreira de professor e seus impactos sobre a organização do trabalho na escola. Por exemplo: porque todos os professores têm que ser iguais e ganhar igual? Uma parte dos alunos de qualquer escola aprende com mais facilidade do que outros. Tem alunos que aprendem apesar da escola. Esses “easy students” poderiam ser atribuídos a auxiliares, supervisionados por professores “seniors”. As classes mais difíceis deveriam ficar com os professores mais qualificados, da mesma forma que os pacientes mais graves são acompanhados mais de perto pelos médicos mais experientes. Um hospital funciona com uma enfermeira especializada para um número de auxiliares técnicos, atendentes, etc. Será que dá pra pensar em algo parecido na escola? Alguma perspectiva nova, por favor.

A solução dos cinco por cento (com a permissão de Sherlock Holmes)

No excelente trabalho sobre Desigualdade de Renda no Brasil, preparado por uma equipe do IPEA e outros especialistas, está dito o seguinte, sobre o tema da discriminação no mercado de trabalho:

“Quando pretos e brancos igualmente produtivos, têm a mesma ocupação, no mesmo segmento do mercado de trabalho, e os brancos recebem remuneração maior, dizemos que existe discriminação salarial contra os pretos. Além da cor, trabalhadores podem ser discriminados por várias características, tais como idade, sexo, religião etc. A despeito desta representar talvez a manifestação mais injusta da desigualdade, sua importância quantitativa é limitada, uma vez que responde por apenas 5% da desigualdade entre trabalhadores e por uma fração desprezível da desigualdade entre famílias”.

As principais razões das diferenças de renda são, primeiro, a produtividade do trabalho; depois, a educação; e, terceiro, a segmentação do mercado do trabalho, sobretudo geográfica – pessoas com as mesma qualificações e atividades ganham salários distintos conforme a região que vivem, por exemplo. Em outras partes do trabalho, os autores assinalam que as diferenças existentes entre os grupos de cor no Brasil se dão sobretudo através das diferenças educacionais, que, por sua vez, influenciam a produtividade do trabalho.

Esta análise ajuda a colocar em perspectiva a discussão bastante estéril que vem ocorrendo a respeito das propostas de política racial no Brasil. Se ela é correta (e me parece que é), ela mostra que, se as políticas raciais fossem implantadas, e eliminassem a desigualdade, elas poderiam resultar em uma redução de não mais de cinco por cento da desigualdade no país (mesmo considerando que existem outras discriminações que não as raciais). Grandes reduções só podem ser obtidas com a melhoria da produtividade do trabalho, a melhoria da educação, o redirecionamento dos gastos sociais, e a integração dos mercados de trabalho no país, processos que, bem ou mal, vêm ocorrendo, mas precisam ser mais intensificados.

Isto não significa que políticas contra a discriminação social não sejam necessárias. Mas o efeito destas políticas só seria maior se elas não se limitassem a eliminar a discriminação, mas criassem novas formas de discriminação positiva – ou seja, garantindo maior renda para pessoas menos produtivas e menos educadas, desde que tenham determinadas características raciais. Muitas das propostas existentes vão exatamente neste sentido.

É importante notar também que o conceito de “discriminação” utilizado pelos autores do trabalho é residual, ou seja: eles chamam de discriminação as diferenças de renda que não podem ser explicadas por diferenças de produtividade, educação e localização geográfica, principalmente. Mas podem haver outras explicações para estas diferenças que não sejam discriminação, e que precisariam ser melhor conhecidas.

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