Guiomar Namo de Mello: Os candidatos e as prioridades para a educação

A campanha eleitoral está esquentando, e o tema da educação aparece nas pesquisas como o mais importante, na percepção do público. O que devemos esperar e cobrar dos candidatos, neste terreno? Eis o que propõe Guiomar Namo de Mello:

Para as próximas eleições, é importante que os candidatos estabeleçam com clareza quais são suas prioridades na educação. Não podemos continuar com listagens que abrigam de tudo um pouco, satisfazendo a todas as correntes ou posições, tudo com o mesmo valor. As prioridades podem ser as que são sugeridas abaixo, ou outras. Mas não se pode continuar com um discurso esgarçado para agradar a todos. Os pés começaram a aparecer na ponta do cobertor. Até para cada um poder posicionar-se sem falsas esperanças. É preciso finalmente dizer o que é mais importante e por que. Aí vão minhas sugestões.

• Que tudo seja passado por um crivo inicial: total prioridade para a escola regular, a boa e velha escola pública na qual estão matriculados a maioria dos alunos. Dessa forma, tudo que for para reforçar, acelerar, enriquecer, a escola regular, será mais prioritário. O resto é o resto.

• Prioridade absoluta para mais recursos pedagógicos, humanos e técnicos para as escolas regulares. Meta e prazo para o país ter todas as crianças estudando pelo menos 05 horas relógio por dia. Uma vez que essa jornada escolar estiver consolidada, então pensar em rede física e recursos humanos para uma jornada de 06 horas. Mais do que isso vira instituição total e escola é escola, não é internato, quartel, ou convento.

• Estabelecer metas e prazos para alcançar níveis de aprendizagem por ciclos, séries, segmentos, o que seja, mas que seja pactuado com os atores principais e que sejam feitas campanhas todos os dias, todos os meses dos anos, falando dessas metas, da necessidade de todos se esforçarem para alcançá-las: pais, vendo se a escola está no rumo das metas; imprensa com critério para olhar o que existe, o que falta, o que está certo ou errado; formadores de opinião e decisores, antenados para as metas. Essa campanha teria que veicular conteúdos deste teor:

• Nenhum aluno de escola pública do país vai deixar de aprender o equivalente a um ano de escolaridade. Na primeira série, na segunda série e assim por diante, esse ano de escolaridade terá de produzir os seguintes avanços…

• Junto, uma campanha que de tanto repetir, persuada e ensine a olhar o que a escola tem que fazer, mostrando que só a escola pode fazer isso. Nenhuma outra instituição. Comprometer os mídia com a divulgação disso. Fazer merchandising disso nas novelas, nos programas de auditório, no Faustão, nos programas da Igreja Universal, onde houver audiência. Repetir tanto que o povo vai aprender. Não há nenhuma razão para que a escola seja um mistério para as pessoas do povo.

• Com esse critério, deixam de ser prioritários, embora valiosos, os demais adereços que vêm sendo colocados na escola regular: ações assistenciais, pós escola, escola de tempo integral, etc. etc. As funções assistenciais têm que ser retiradas das escolas. Nada há a dizer para justificar isso. E se não for possível fazer uma coisa tão simples quanto essa, me pergunto se vale a pena ser governo…

• As iniciativas de CIEPS (Brizola), CIACS (Collor), CAICS (Collor), PROFICS (Pinotti), CEUS (Marta), e PÓS ESCOLA (Pinotti), não seriam prioritárias. Está na hora de tomar um partido claro, nítido, sereno e direto sobre isso. A grande maioria das nossas crianças tem casa, pai e mãe. As que se encontram em situação de risco, vivendo na rua, têm que receber um atendimento específico e customizado para essa situação. Como política pública, a educação escolar não precisa ser integral, nem no tempo diário de permanência nem na abrangência de toda a vida da criança. Sem essa clareza nossos dirigentes e gestores continuarão achando que é legítimo adotar medidas e programas assistencialistas e pirotécnicos, comprometendo os poucos nichos de política educacional séria que existem.

• É preciso se posicionar contra todo e qualquer encurtamento da escola regular: é uma vergonha ainda existam escolas que funcionando em três turnos diurnos, o que dá menos de 03 horas relógio de efetivo trabalho diário! Quem não se indignar com uma coisa dessas não merece ser governo.

• O funcionamento básico de todas escolas regulares sob padrões de qualidade aceitáveis é uma prioridade que não pode ser deixada subentendida. Esse padrão deve ser explicitado, e pelo que diz a pedagogia do bom senso seria: pelo menos 05 horas de 60 minutos de jornada diária; jornada do professor com pelo menos 20% para trabalho de planejamento e capacitação; módulos de materiais básicos a serem definidos (livros, materiais didáticos, publicações) e um compromisso de que esses materiais chegarão a todas as classes de todas as escolas e a todos os seus alunos; módulo básico de materiais de aprendizagem e desenvolvimento profissional para os professores – porque no curto prazo eles terão que aprender na escola onde estão para ensinar – com garantia de que chegará a todos os professores individualmente, não por escola para serem fotocopiados; instalações físicas adequadas para a jornada de alunos e professores com o currículo básico do ensino fundamental e médio. Esse pacote básico deve ser pactuado com os diferentes atores, gestores, parceiros.

• Ensino fundamental de nove anos: Não temos o direito de jogar fumaça na realidade: o ensino fundamental com 05 horas diárias, 200 dias letivos, durante 08 (oito) anos, dá um total de 8.000 horas de escolaridade. Se forem 09 (nove) anos, mantidas as 04 horas atuais (um número otimista porque muitas escolas funcionam com menos de 04 horas relógio por dia), 200 dias letivos, dá um total de 7.200 horas de escolaridade. Portanto, se é para aumentar o tempo de permanência na escola, melhor seria ampliar a jornada diária do que acrescentar uma coorte ao ensino fundamental. Basta fazer a conta. Considerando no entanto que tornou-se politicamente incorreto ser contra os nove anos de escolaridade (a propósito eu votei contra no Conselho Nacional de Educação), pelo menos os sistemas municipais e estaduais deveriam ter autonomia para decidir como querem organizar esses nove anos. Já há muito municípios no Sul e Sudeste nos quais o último ano da pré-escola está universalizado, isto é, todas as crianças já estão na pré-escola aos 06 anos completos. Porque raios eu teria que tirá-las com cinco anos da pré-escola para começar o fundamental com 06 anos se ela já está na escola? O fato de ela estar no último ano da pré-escola ou no primeiro ano do ensino fundamental vai mudá-la? Vai mudar suas necessidades? E se todos os alunos já tem pelo menos nove ou até mais anos de escolaridade porque a pré-escola se universalizou, porque então não estender para o primeiro ano do ensino médio o ano a mais?

A melhor maneira de desmistificar a proposta de ensino fundamental de nove anos é o compromisso para valer quanto à eliminação do fracasso escolar no ensino fundamental, porque é urgente ser honesto e reconhecer que o Brasil há décadas e décadas tem um ensino fundamental de 09, 10, 11, 12 anos. Por causa da repetência, cada concluinte do fundamental já representou até 12 anos de escolaridade. A média atual, alcançada a custa de um enorme esforço para acelerar as crianças e regularizar o fluxo, é de 9.7 anos. Até pouco tempo só os ricos no Brasil faziam o fundamental em 08 anos. E uma fração reduzida dos pobres excepcionais. Todos os demais já faziam e já fazem o fundamental em no mínimo 09 anos. Diz o discurso mistificador que são as crianças mais pobres que precisam entrar antes na primeira série, aos 06 anos. Que são elas as que mais ganham com 09 anos de escolaridade! Ora bolas, não são exatamente elas as que mais repetem? Portanto não são elas que já fazem o fundamental em bem mais de 8 anos? É uma lógica infernal essa!

A verdade é que se não tivesse repetência o país já poderia ter universalizado não só o fundamental como o médio e a educação infantil. Basta imaginar, em 100 anos de Século XX, quanto o Brasil gastou com repetência!!! Dava para ter o melhor sistema de educação do mundo, gastando o dobro do custo aluno que se gasta hoje. Não acham que está na hora de fazer essa conta? Quanto foi que o Século XX cobrou aos brasileiros pela repetência? E isso só em recursos financeiros, sem falar da auto estima, porque, como diz o comercial do Credicard, essa não tem preço. O discurso portanto tem que ser – uma vez assumida a inevitabilidade do ensino fundamental de nove anos – um compromisso com o país, os pais, a opinião pública, os contribuintes, os tomadores de decisão, os formadores de opinião, que vamos diminuir o ensino fundamental para 09 anos. Vamos diminuir porque a partir de agora, a duração será só de 09 anos e apenas 09, nunca mais do que 09 anos. Será um compromisso do tipo: daqui em diante nenhuma criança vai ser deixada para trás, obrigada a fazer a escola obrigatória em 10, 11 ou 12 anos. daqui em diante 09 anos será o limite. Nunca mais vamos fazer uma criança voltar para trás e fazer a mesma coisa outro ano, mais outro e mais outro. Daqui em diante nunca mais um aluno vai repetir em geografia num ano, voltar a fazer todas as disciplinas no ano seguinte e, ao final, repetir novamente só que em… matemática.

• Prioridade deve ser dada a todo e qualquer esforço para enriquecer, reforçar, acelerar, recuperar a escola regular. Deixar dessa mentirinha de abrir escola para a comunidade aos fins de semana. Desde os anos 80 muitas prefeituras de começaram a fazer isso. Nunca melhorou um só vintém a aprendizagem dos alunos. O melhor uso das escolas nos finais de semana seria para fazer o que não dá para fazer nos dias úteis, por falta de espaço/tempo, gente, vontade, um tudo. E o que é que não dá tempo de fazer durante a semana? Ensinar e aprender mais matemática, mais português, ciências, história e geografia. Portanto prioritários neste caso seriam todos os programas de reforço, aceleração e melhoria da aprendizagem. E lembrem, se tivermos metas definidas de aprendizagem não é difícil saber o que está faltando ou onde as coisas estão difíceis numa escola ou mesmo para um aluno!. Para isso valeria a pena gastar contratando professores temporários, ou agregando horas na jornada dos atuais, que ganhariam mais para continuar ensinando nos fins de semana. Isso tudo num programa organizado e supervisionado pelos professores regulares e pela direção da escola.

• Escola 24 horas, seria o ideal! Aí daria para inventar coisas do tipo: usar estagiários que fazem licenciaturas à noite e lutam para conseguir fazer estágio. Eles poderiam ser os professores residentes de fim de semana, continuando o trabalho feito com o professor dos dias da semana. Seria um programa para todas as crianças voluntário. Aposto que a aceitação pelos pais seria grande. E muitas vezes não tem dinheiro para levar os filhos ao cinema, ao teatro, nem mesmo ao zoológico. Quanto mais passear no shopping. E não me digam que seria chato. Só se o trabalho for mal feito. Se for didaticamente bem feito pode perfeitamente seduzir as crianças de periferia.

Da mesma forma no ensino médio deveria ser prioridade aproveitar todo o tempo disponível para reforçar a aprendizagem dos conteúdos curriculares. Sobretudo porque a maioria do ensino médio público é noturno. Aqui também alunos de curso de licenciatura de física, biologia, história, etc., poderiam ter um grande projeto de estágio e iniciação. Uma residência escolar de fim de semana, uma escola 24 horas…

No caso do ensino médio esses horários de fins de semana poderiam também ser ocupados com programas de preparação profissional de variada duração. Desde cursos de nível técnico, que se iniciariam concomitantemente e seriam concluídos ao final do ensino médio ou mesmo após, até cursos de curta duração para atender às estratégias de sobrevivência desses jovens no curto prazo. Eles precisam trabalhar para continuar estudando. Como aliás já fizemos vários da geração que hoje tem 50, 60 anos… Convênios com escolas técnicas públicas ou privadas da região poderiam reverter em real benefício para esses alunos pobres, na verdade trabalhadores que estudam à noite.

• Quanto aos professores da educação básica: Grande prioridade teria dar bolsas de estudos, créditos ou quaisquer outros subsídios (as prefeituras poderiam completar até mesmo com uma bolsa de manutenção ou um salário de residente) para os jovens que quiserem fazer curso de formação de professores. Mas as instituições teriam que passar por uma avaliação para se qualificarem como instituições que podem receber bolsistas financiados pelo dinheiro público (não a avaliação pedante e cartorial da comissão de especialistas do MEC, outra, de um conselho especial só para cuidar nacionalmente da política de formação docente, junto com estados e municípios)

• A qualidade da formação dos professores para escolas regulares de educação básica, é outra prioridade. Não adianta dizer que vai formar os professores em nível superior. A qualidade não acontece por milagre só porque é ensino superior. Do jeito que são os cursos de formação atual, não tenho medo de afirmar que os velhos cursos normais, de nível médio porém decentes, eram melhores. Ter nível superior não garante qualidade, chega de cartorialismo e mistificação. Tem que afirmar que o professor será formado em curso superior qualificado e que o governo vai tomar as providências necessárias para garantir isso. Por exemplo, só vai conceder bolsa ou crédito para alunos, se o destino forem instituições com selo de qualidade do MEC, do Conselho ou de qualquer outra instância que será criada para isso. Sem comissão de especialistas da SESU por favor que na área de formação de professores, elas são um desastre!!!!

• Isso leva à proposta de que o governo federal, em colaboração com os governos estaduais e quem sabe até municipais, crie sistemas de certificação de competências docentes para professores ingressantes e, periodicamente, para re-certificação da competência dos professores em exercício.

• Carreira dos professores da educação básica. Nos anos 80, começamos a falar que a carreira de professor era um impeditivo para o ensino de qualidade. Já se vão portanto quase 30 anos. Estamos todos 30 anos mais velhos, de cabelos brancos. E continuamos dizendo que a carreira de professor é impeditivo para várias medidas que teriam de ser adotadas para melhorar o ensino. Já deu para aprender que sem quebrar estes ovos não tem omelete:

• Aposentaria aos 25 anos: precisa acabar, ser no mínimo igual à do trabalhador comum. A idéia de duas carreiras, uma na qual ingressariam os novos e outra para aposentados e em serviço, é também uma idéia dos anos 80. Se tivéssemos feito isso naquele momento já teríamos todos os professores na carreira nova. Daqui há 30 anos estaremos ainda falando a mesma coisa?

• Poder ter salários diferenciados para disciplinas nas quais faltam professor; para professores que são mais esforçados e comprometidos e cujos alunos aprendem melhor, ou mais depressa.

• Desarmar o falso discurso que número de alunos por turma afeta, a qualidade. Só se for um número absurdo de 50, 60 alunos. Caso contrário não há nenhuma evidência de que 20 alunos aprendem mais do que 30.

• Criar incentivos ou prêmios para esses professores esforçados e comprometidos. Fazer campanha mostrando que é possível ensinar a criança brasileira, sobretudo a mais pobre.

• Instituir compensações e prêmios para sistemas (municipais ou estaduais) que experimente inovar em matéria de carreira de professor e seus impactos sobre a organização do trabalho na escola. Por exemplo: porque todos os professores têm que ser iguais e ganhar igual? Uma parte dos alunos de qualquer escola aprende com mais facilidade do que outros. Tem alunos que aprendem apesar da escola. Esses “easy students” poderiam ser atribuídos a auxiliares, supervisionados por professores “seniors”. As classes mais difíceis deveriam ficar com os professores mais qualificados, da mesma forma que os pacientes mais graves são acompanhados mais de perto pelos médicos mais experientes. Um hospital funciona com uma enfermeira especializada para um número de auxiliares técnicos, atendentes, etc. Será que dá pra pensar em algo parecido na escola? Alguma perspectiva nova, por favor.

A solução dos cinco por cento (com a permissão de Sherlock Holmes)

No excelente trabalho sobre Desigualdade de Renda no Brasil, preparado por uma equipe do IPEA e outros especialistas, está dito o seguinte, sobre o tema da discriminação no mercado de trabalho:

“Quando pretos e brancos igualmente produtivos, têm a mesma ocupação, no mesmo segmento do mercado de trabalho, e os brancos recebem remuneração maior, dizemos que existe discriminação salarial contra os pretos. Além da cor, trabalhadores podem ser discriminados por várias características, tais como idade, sexo, religião etc. A despeito desta representar talvez a manifestação mais injusta da desigualdade, sua importância quantitativa é limitada, uma vez que responde por apenas 5% da desigualdade entre trabalhadores e por uma fração desprezível da desigualdade entre famílias”.

As principais razões das diferenças de renda são, primeiro, a produtividade do trabalho; depois, a educação; e, terceiro, a segmentação do mercado do trabalho, sobretudo geográfica – pessoas com as mesma qualificações e atividades ganham salários distintos conforme a região que vivem, por exemplo. Em outras partes do trabalho, os autores assinalam que as diferenças existentes entre os grupos de cor no Brasil se dão sobretudo através das diferenças educacionais, que, por sua vez, influenciam a produtividade do trabalho.

Esta análise ajuda a colocar em perspectiva a discussão bastante estéril que vem ocorrendo a respeito das propostas de política racial no Brasil. Se ela é correta (e me parece que é), ela mostra que, se as políticas raciais fossem implantadas, e eliminassem a desigualdade, elas poderiam resultar em uma redução de não mais de cinco por cento da desigualdade no país (mesmo considerando que existem outras discriminações que não as raciais). Grandes reduções só podem ser obtidas com a melhoria da produtividade do trabalho, a melhoria da educação, o redirecionamento dos gastos sociais, e a integração dos mercados de trabalho no país, processos que, bem ou mal, vêm ocorrendo, mas precisam ser mais intensificados.

Isto não significa que políticas contra a discriminação social não sejam necessárias. Mas o efeito destas políticas só seria maior se elas não se limitassem a eliminar a discriminação, mas criassem novas formas de discriminação positiva – ou seja, garantindo maior renda para pessoas menos produtivas e menos educadas, desde que tenham determinadas características raciais. Muitas das propostas existentes vão exatamente neste sentido.

É importante notar também que o conceito de “discriminação” utilizado pelos autores do trabalho é residual, ou seja: eles chamam de discriminação as diferenças de renda que não podem ser explicadas por diferenças de produtividade, educação e localização geográfica, principalmente. Mas podem haver outras explicações para estas diferenças que não sejam discriminação, e que precisariam ser melhor conhecidas.

Universidade, meritocracia e saberes universais

Eduardo Luedy, comentando neste blog o manifesto sobre os “direitos iguais na República Democrática” (veja baixo), diz que, se a universidade é uma instituição meritocrática, e os currículos são baseados em saberes universais, então as cotas não se justificariam. Mas ele desconfia tanto de uma coisa quanto de outra, e acredita que, no fundo (ou nem tão no fundo assim), tanto a meritocracia quanto a noção de saberes universais são pretextos para manter a desigualdade e a discriminação.

São questões importantes, que não permitem respostas apressadas. Sabemos que a relação entre resultados nos exames vestibulares e resultados nos cursos superiores é imperfeita, como é imperfeita a relação entre o desempenho nos cursos e na vida profissional. Nada indica, por exemplo, que os 10% mais qualificados mas que não passaram em um vestibular de medicina seriam piores médicos do que os 10% menos qualificados que passaram. Se a seleção fosse feita por sorteio, neste grande grupo intermediário, os resultados seriam provavelmente os mesmos. Uma vez obtidos, os diplomas funcionam como pontos nos concursos e promoções, licença para o exercício de determinadas profissões, e engordam os currículos no mercado de trabalho, além de trazer prestígio a seus portadores, mesmo que tenham sido péssimos alunos, ou freqüentado escolas de fim de semana. Se os privilégios não dependem do conhecimento nem do mérito, porque usar o mérito como critério de seleção, que só beneficia os filhos das classes médias e altas?

De fato. Mas acontece que os benefícios obtidos pelos títulos enquanto tais beneficiam seus portadores, mas não a sociedade como um todo, porque não passam de sinecuras. O interesse de um indivíduo pode ser o de obter um título com o mínimo possível de esforço, e aproveitar ao máximo da legislação e dos mitos que garantem os privilégios dos portadores do diploma que recebe. O interesse da sociedade, por outro lado, é o de associar ao máximo o diploma à competência, e eliminar os privilégios associados à simples posse de credenciais. O país precisa de profissionais competentes nas diversas áreas, e isto justifica os investimentos públicos na educação superior e na pesquisa; mas não precisa de um sistema de privilégios e de prestígio baseado na distribuição de credenciais educacionais de um tipo ou outro.

Nem sempre é fácil ver este conflito de interesses, porque a defesa dos privilégios profissionais – por exemplo, quando os advogados querem impedir a criação de novas faculdades de direito, quando os médicos tentam limitar as atribuições de outros profissionais de saúde, quando o sindicato de sociólogos obriga as escola a contratar seus filiados para dar aulas nas escolas em todo o país – é sempre feito em nome da qualidade profissional e do interesse da sociedade. No entanto, os profissionais mais bem formados estão, em geral, muito mais preocupados com a qualidade real do diploma que possuem do que com a defesa dos cartórios profissionais. Esta mesma divisão entre os que valorizam os conteúdos e os que valorizam os títulos existe no interior das universidades. Para algumas instituições e pessoas dentro delas, o que importa é fazer prevalecer os valores da competência e do mérito competência no ensino e na pesquisa, não só porque isto beneficia os mais competentes, mas também porque torna mais legítima sua demanda por financiamentos públicos e reconhecimento de sua autoridade profissional. Para outros, no entanto, o que vale são os direitos adquiridos e as posições conquistadas.

Se este raciocínio é correto, então as políticas públicas que incentivam o mérito no ensino superior estão alinhadas com o interesse da sociedade e contribuem para fazer com que as instituições de ensino valorizem cada vez mais o mérito e o desempenho, tanto de alunos quanto de professores e pesquisadores; e vice-versa. Nesta perspectiva, sistemas de cotas para categorias de alunos, na medida em que dissociem o acesso do mérito, são claramente contrárias ao interesse público.

Mas isto não esgota o problema, porque, como sabemos, o mérito está associado às condições educacionais e econômicas das famílias de origem dos estudantes, e, como foi dito no início, nem sempre os sistemas de seleção das universidades refletem o mérito verdadeiro, medido por outros critérios. Existem várias maneiras de enfrentar estes problemas: investindo na preparação de grupos em situações de desvantagem, melhorando suas condições de competitividade; mudando os critérios de seleção para as universidades, saindo do atual sistema rígido de provas para outros que possam tomar outros fatores em consideração; e ampliando e diversificando mais o sistema, de forma a permitir que, no lugar de algumas poucas hierarquias de prestígio, exista uma pluralidade cada vez maior de alternativas.

O que traz à baila o segundo ponto levantado por Eduardo Luedy, o da existência ou não de saberes universais. Esta foi uma grande discussão nos Estados Unidos, aonde se dizia que as universidades tradicionais mantinham o culto da cultura do White Dead Men, e que era necessário substituí-la pelas culturas dos negros, das mulheres, dos jovens e das pessoas vivas, sem falar nas diferentes tradições culturais da Ásia e da África. Como toda a polarização, ela tinha algo de verdadeira, e muito de bobagem. Aplicada às humanidades, faz bastante sentido buscar, recuperar e fortalecer outras tradições culturais, associadas a diferentes identidades, ainda que com o risco de que, nestas novas tradições, as ideologias prevaleçam sobre os conteúdos literários, artísticos e filosóficos das diferentes correntes. Mas não faz sentido abandonar as tradições intelectuais mais importantes da cultura ocidental, que, de fato, um patrimônio universal e inestimável que, de fato, foi construido predominantemente por homens brancos já falecidos. Aplicada às ciências e à tecnologia, os riscos são maiores: é muito difícil defender hoje a existência de uma física, biologia ou matemática branca ou negra, ariana ou judaica, burguesa ou proletária, latino-americana ou imperialista. A globalização do conhecimento técnico e científico é um fato que tem conseqüências de muitos tipos, algumas delas bem negativas, e ainda persistem tradições técnicas e científicas que são peculiares a determinados contextos. Mas o caminho, evidentemente, não é o de criar espaços reservados para saberes particulares, definidos por critérios raciais, nacionais ou de classe, e sim criar condições para que todos participem e se beneficiem dos conhecimentos e das competências que se desenvolvem e estão disponíveis em um mundo cada vez mais global.

De novo, isto não esgota o problema. O mundo do conhecimento é fragmentado (quem fala ainda hoje da “unificação das ciências?”), e os sistemas de ensino superior, ao invés de insistirem no predomínio absoluto das hierarquias tradicionais do saber científico, devem estar abertos à pluralidade e convivência de diversas formas de qualificação profissional e produção do conhecimento, competindo entre si.

Em resumo: apesar de suas dificuldades, o princípio do mérito não pode ser abandonado no ensino superior; e a solução para os problemas de iniqüidade de acesso e resultados deve passar pelo apoio aos que dele necessitam e pela diversificação cada vez maior de caminhos e possibilidades, e não pela redistribuição pura e simples dos benefícios de um sistema de privilégios que precisa ser superado.

Busca-se um diretor para o Brazil Institute, Washington

O Woodrow Wilson Center em Washington está divulgando o seguinte anúncio:

Director, Brazil Institute, Woodrow Wilson Center, Washington DC
CLOSING DATE: July 27, 2006
$77,353 – $100,554 per annum

DUTIES: The purpose of this position is to provide intellectual and administrative leadership to an international program of scholarly research, publication, and outreach activities on Brazil. Major duties include, but are not limited to: 1) organizing conferences, seminars, and dialogues on a broad range of political, economic, and cultural issues in Brazil and on the U.S.-Brazilian relationship; 2) management of and responsibility for all program activities; 3) fund-raising for support of Brazil Institute activities and administrative expenses, including project staff; 4) budget preparation and submission for the Program’s grants and/or contracts (both federal and private funding sources); 5) supervising and contributing to the writing and development/editing of all Program meeting publications, public announcements, and book publications; 6) working in cooperation with the Fellowship Office to administer an international fellowship competition; 7) working with colleagues to sustain the programs of the Wilson Center and the Latin American Program as a whole; 8) maintaining a professional relationship with all groups (domestic and international) in the fields of Latin American studies and Brazilian studies; and 9) continuing personal research and writing on various aspects of Brazilian politics, economics, international relations, and U.S.-Brazilian relations.

QUALIFICATIONS: Candidates must have a minimum of 5 years of general experience in research and other professional work, and an additional 4 years of specialized experience directly related to the duties described above; Ph.D. in the social sciences with an emphasis on the study of Brazil; or equivalent professional experience; Language facility in English and Portuguese.

For more information and complete job announcement (INCLUDING SPECIALIZED QUALIFICATIONS AND REQUIREMENTES), please visit:
http://www.wilsoncenter.org/employment

Edward Telles: O debate sobre políticas raciais

Edward Telles, professor do Departamento de Sociologia da UCLA (University of California Los Angeles), envia a seguinte contribuição:

Políticas raciais: um debate franco e plural

Na semana passada, a imprensa brasileira divulgou a iniciativa de um conjunto de intelectuais, ativistas e artistas que levou a Brasília um documento contra a adoção das PLs Lei das Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Na mesma data em que os representantes dessa iniciativa reuniam-se em Brasília com o presidente da Câmara dos Deputados e do Senado para entrega formal do documento, Demétrio Magnoli, colunista desta Folha, acusou-me publicamente no seu artigo de 29 de junho passado de “pescar um documento público da Internet e falsificar (seu) título”. Meu ato ilícito teria consistido, segundo o colunista, em denominar tal documento como o “Manifesto da Elite Branca” e divulgá-lo, em seguida, no boletim eletrônico da Brazilian Studies Association (BRASA).

Vamos aos fatos para evitar que o debate sobre racismo no Brasil não fique comprometido por práticas intimidadoras que buscam deslegitimar aqueles que, como eu, fundamentados em vários anos de pesquisa e análises empíricas rigorosas, defendem políticas de cunho racial. Com sua circulação na sociedade brasileira, foi-me enviado, bem como a outras pessoas, por email, cópia de tal manifesto. Constava do email o título “Manifesto da Elite Branca” no subject line. Sugeri aos coordenadores da BRASA, Professores Marshall Eakin e James Green, que o fizessem circular no seu site, dando, assim, acesso aos brasilianistas para debate. Ciente do título repugnante – “Manifesto da Elite Branca” – que constava como “assunto” no email, mas fiel às fontes, mencionei no site da BRASA que o documento circulava na Internet com tal denominação. Fiz aquilo que fazemos todos que usamos a Internet para veicular idéias, debates e propostas. Coloquei à disposição o documento, informando como estava sendo veiculado.

Sou acadêmico e na qualidade de estudioso das questões raciais comparativas, fui selecionado em 1996 pela Fundação Ford para ser Program Officer no seu escritório do Rio de Janeiro, onde permaneci até 2000. Porque trabalhei nessa Fundação na área de direitos humanos, Magnoli me descreve como intelectual ativista que defende os direitos das “minorias.” Na minha visão, compartilhada não apenas por colegas brasileiros igualmente funcionários da Ford, mas também por inúmeros outros acadêmicos, atuantes e representantes de diversos setores da sociedade brasileira, sempre foi importante investir nas demandas de grupos minoritários, sejam negros, mulheres, gays ou indígenas, para fazer valer suas vozes e suas lutas no processo democrático.

No meu livro, Race in Another America: The Significance of Skin Color in Brazil (2004), que ganhou da American Sociological Association o prêmio de melhor livro em 2006, explico com rigor por que sou a favor de políticas que consideram a cor das pessoas, para além daquelas que devem ser garantidas sem discriminação de qualquer tipo a todos os cidadãos de um país. Os princípios da universalidade deveriam ser suficientes para regir nossas sociedades, porém não bastam nas sociedades contemporâneas, pois não conseguem desarmar a discriminação com base na cor da pele. Em meus estudos mostro que as taxas de mobilidade social brasileiras revelam que crianças pobres porém brancas têm maior chance de chegar a posições de classe média do que crianças igualmente pobres, mas negras.

A grande desigualdade racial no Brasil se apóia em uma estrutura hiper-desigual e também por haver barreiras à entrada de negros na classe média, o que tem produzido uma elite brasileira quase inteiramente branca. A primeira causa deve ser tratada com medidas universalistas capazes de reduzir a desigualdade entre todos os brasileiros, mas a segunda só pode ser enfrentada com políticas compensatórias de cunho racial, especialmente aquelas que facilitam a entrada de negros nas universidades. Não podemos ignorar a raça na construção de uma democracia inclusiva, posto que ela é critério da exclusão. Dadas as especificidades brasileiras, políticas sociais que procuram reduzir ou até mesmo superar o enorme fosso racial no Brasil têm de ser engenhosas e criativas. Julgar, porém que se possa ignorar a questão racial nos seus desenhos, seria ilusório.

Martin Luther King, defensor das políticas universalistas, dizia que, contar apenas com elas, “não é realista”. Quando um homem se lança na corrida com três séculos de atraso, é praticamente impossível superar a defasagem que o separa dos que largaram na frente. Milagres não existem. Vontade política, sim. Tardava que o debate sobre a questão racial fosse enfrentado com coragem pela sociedade brasileira. Para que se avance nele é essencial que ganhe as páginas desta Folha e de toda a imprensa. Contudo, se avançar no debate significa destruir quem pensa diferente, falsear intenções e escamotear a verdade, então o risco de sermos ineficazes e inócuos na nossa ação é grande. E com isso, não estaremos ajudando a combater com efetividade o racismo.

Intelectuais lançam manifesto contra cotas

O jornal O Globo publicou a seguinte matéria sobre o manifesto, na sexta feira 30 de junho:

Intelectuais lançam manifesto contra cotas

Texto entregue aos presidentes do Senado e da Câmara pede rejeição de projetos que reservam vagas em universidades

BRASÍLIA. Um grupo de 114 intelectuais, artistas e ativistas do movimento negro, entre eles o cantor e compositor Caetano Veloso, o poeta Ferreira Gullar e a professora Yvonne Maggie, lançou ontem manifesto contra o projeto de lei que institui a política de cotas nas universidades federais e o que cria o Estatuto da Igualdade Racial, com reserva de vagas para negros no ensino superior e no serviço público. Cinco dos signatários entregaram o documento aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Intitulado “Carta Pública ao Congresso Nacional – Todos têm direitos iguais na República democrática”, o texto pede aos parlamentares que rejeitem os dois projetos. O argumento é que a adoção de políticas específicas para negros pode acirrar conflitos raciais ao dar status jurídico ao conceito de raça, além de não atacar o problema estrutural da desigualdade no país, que é a falta de acesso universal à educação de qualidade.

Aldo disse ter restrições ao modelo de cotas raciais adotado nos Estados Unidos, com reserva de vagas para negros tal qual prevê o Estatuto da Igualdade Racial e, em menor escala, ao projeto de cotas nas universidades federais proposto pelo MEC, que reserva 50% das vagas para alunos da escola pública, com subcota para negros e índios.

Pré-vestibulares para os pobres

O manifesto é assinado pelo ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Simon Schwartzman e pela ex-secretária de Política Educacional do Ministério da Educação Eunice Durham, ambos no governo Fernando Henrique. Eunice é favorável à criação de cursos pré-vestibulares para a população pobre.

– Políticas contra a pobreza são necessárias e incluem necessariamente a população não-branca. Mas não se trata somente de abrir espaço e sim de dar oportunidades de estudo e trabalho a quem necessita. O que explica a pobreza de grande parte da população não-branca no Brasil não é a discriminação, mas a falta de oportunidades, que afeta também um grande número de brancos, e que não podem ser discriminados – disse Schwartzman em entrevista por e-mail.

– A universidade não é prêmio para a injustiça passada. Não se repara injustiça premiando descendentes de quem foi vítima da injustiça – disse Eunice.

Autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racial, o senador Paulo Paim (PT-RS) disse que a proposta tem o objetivo de reparar a população negra pelo sofrimento e pela falta de oportunidades decorrentes da escravidão. Paim afirmou que ainda são raros os negros que ocupam cargos na direção de empresas ou instituições bancárias:

– Esse é um manifesto da elite, pois dar espaço aos negros não interessa. Hoje temos política de cotas para mulheres nos partidos políticos e ninguém reclama.

Manifesto sobre as propostas de política racial para o Brasil

O seguinte manifesto está sendo divulgado hoje, com mais de cem assinaturas, entre as quais a minha:

Todos têm direitos iguais na República Democrática

O princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos é um fundamento essencial da República e um dos alicerces sobre o qual repousa a Constituição brasileira. Este princípio encontra-se ameaçado de extinção por diversos dispositivos dos projetos de lei de Cotas (PL 73/1999) e do Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000) que logo serão submetidos a uma decisão final no Congresso Nacional.

O PL de Cotas torna compulsória a reserva de vagas para negros e indígenas nas instituições federais de ensino superior. O chamado Estatuto da Igualdade Racial implanta uma classificação racial oficial dos cidadãos brasileiros, estabelece cotas raciais no serviço público e cria privilégios nas relações comerciais com o poder público para empresas privadas que utilizem cotas raciais na contratação de funcionários. Se forem aprovados, a nação brasileira passará a definir os direitos das pessoas com base na tonalidade da sua pele, pela “raça”. A história já condenou dolorosamente estas tentativas.

Os defensores desses projetos argumentam que as cotas raciais constituem política compensatória voltada para amenizar as desigualdades sociais. O argumento é conhecido: temos um passado de escravidão que levou a população de origem africana a níveis de renda e condições de vida precárias. O preconceito e a discriminação contribuem para que esta situação pouco se altere. Em decorrência disso, haveria a necessidade de políticas sociais que compensassem os que foram prejudicados no passado, ou que herdaram situações desvantajosas. Essas políticas, ainda que reconhecidamente imperfeitas, se justificariam porque viriam a corrigir um mal maior.

Esta análise não é realista nem sustentável e tememos as possíveis conseqüências das cotas raciais. Transformam classificações estatísticas gerais (como as do IBGE) em identidades e direitos individuais contra o preceito da igualdade de todos perante a lei. A adoção de identidades raciais não deve ser imposta e regulada pelo Estado. Políticas dirigidas a grupos “raciais” estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância. A verdade amplamente reconhecida é que o principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação, saúde e previdência, em especial a criação de empregos. Essas metas só poderão ser alcançadas pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra privilégios odiosos que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade política e jurídica.

A invenção de raças oficiais tem tudo para semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de desigualdades.

Qual Brasil queremos? Almejamos um Brasil no qual ninguém seja discriminado, de forma positiva ou negativa, pela sua cor, seu sexo, sua vida íntima e sua religião; onde todos tenham acesso a todos os serviços públicos; que se valorize a diversidade como um processo vivaz e integrante do caminho de toda a humanidade para um futuro onde a palavra felicidade não seja um sonho. Enfim, que todos sejam valorizados pelo que são e pelo que conseguem fazer. Nosso sonho é o de Martin Luther King, que lutou para viver numa nação onde as pessoas não seriam avaliadas pela cor de sua pele, mas pela força de seu caráter.

Nos dirigimos ao congresso nacional, seus deputados e senadores, pedindo-lhes que recusem o PL 73/1999 (PL das Cotas) e o PL 3.198/2000 (PL do Estatuto da Igualdade Racial) em nome da República Democrática.

Rio de Janeiro, 30 de maio de 2006.

Adel Daher Filho – Diretor do Sindicato dos Ferroviários de SP-Bauru/MS e MT; Adilson Mariano – Vereador PT Joinville (SC); Alberto Aggio – Professor livre-docente de História, UNESP/campus de Franca; Alberto de Mello e Souza – Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ; Almir da Silva Lima – Jornalista, MOMACUNE (Movimento Macaense Culturas Negras, Macaé-RJ); Amandio Gomes – Professor do Instituto de Psicologia da UFRJ e do PPGHC (IFCS-UFRJ); Ana Teresa Venancio – Antropóloga, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; André Campos – Professor do Departamento de História da UFF e da UERJ; André Côrtes de Oliveira – Professor; Angela Porto – Historiadora, Pesquisadora do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; Anna Veronica Mautner – Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de S.Paulo e colunista da Folha de S. Paulo.; Antonio Carlos Jucá de Sampaio, Professor Adjunto do Departamento de História – UFRJ; Antonio Cícero – Poeta e ensaísta; Antonio Marques Cardoso (Ferreirinha) – Fábrica Cipla (Ocupada pelos Trabalhadores), Joinville/SC; Aurélio Carlos Marques de Moura – Presidente do Conselho Municipal de Cultura da Serra (ES) e da Associação Cultural Afro-brasileira “Ibó de Zambi”; Bernardo Kocher – Professor Departamento de História da UFF; Bernardo Sorj – Professor titular de sociologia UFRJ; Bila Sorj – Professora titular de sociologia UFRJ; Bolivar Lamounier – Cientista Político; Cacilda da Silva Machado – Professora do Departamento de História da UFPR (PR); Caetano Veloso; Carlos Costa Ribeiro – Professor; atuou como especialista contratado no Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente – PNUMA/UNEP; Claudia Travassos – Pesquisadora Titular da Fundação Oswaldo Cruz; Cláudia Wasserman – Professora Adjunta de História da UFRGS; Celia Maria Marinho de Azevedo – Historiadora; Célia Tavares – Professora Adjunta de História (FFP/UERJ); Cyro Borges Jr. – Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Mecânica da UERJ; Darcy Fontoura de Almeida – Professor Emérito, UFRJ; Demétrio Magnoli – Sociólogo e articulista da Folha de S. Paulo; Dilene Nascimento – Historiadora, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; Domingos de Leers Guimaraens – Artista Visual; Dominichi Miranda de Sá – Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz; Egberto Gaspar de Moura – Professor Titular de Fisiologia, Instituto de Biologia, UERJ; Elvira Carvajal – Professora de Biologia Molecular e Genética, UERJ; Eunice R. Durham – Professora titular de Antropologia, Professora emérita da FFLCH da USP; Fabiano Gontijo – Professor Adjunto de Antropologia, Departamento de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Programa de Pós-Graduação em Letras, UFPI; Fernanda Martins – Pesquisadora da Fundação Oscar Niemayer (RJ); Fernando Roberto de Freitas Almeida – Coordenador do curso de Economia da Faculdade Moraes Junior/Universidade Presbiteriana Mackenzie-Rio; Ferreira Gullar – Poeta; Francisco Martinho – Professor de História da UERJ; George de Cerqueira Leite Zarur – Professor Internacional da Flacso e Consultor Legislativo da Área de Educação Superior da Câmara dos Deputados; Gilberto Hochman – Cientista Político pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ; Gilberto Velho – Professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Ciências; Gilda Portugal – Professora de Sociologia da UNICAMP; Gilson Schwartz – Economista, Professor de Economia da Informação da ECA-USP e Diretor da Cidade do Conhecimento (USP); Giselda Brito – Professora Adjunta de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Gláucia K. Villas Boas – Vice-Diretora do IFCS/UFRJ e professora do departamento de Sociologia da UFRJ; Guilherme Amaral Luz – Professor do Instituto de História da UFU; Guita Debert – Professora Titular de Antropologia do Departamento de Antropologia UNICAMP; Helena Lewin – Professora Titular aposentada da UFF; Hercidia Mara Facuri Coelho – Pró-reitora, Universidade de Franca (UNIFRAN); Hugo Rogélio Suppo – Professor adjunto de História da UERJ; Icléia Thiesen – Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Memória Social da UNI-Rio; Isabel Lustosa – Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa; João Amado – Mestrando em História da UERJ e professor da rede pública; João Leão Sattamini Netto – Economista, membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Comodante do Museu de Arte Contemporânea de Niterói; João Paulo Coelho de Souza Rodrigues – DECIS, UFSJ; John Michael Norvell – Professor Visitante, Pitzer College, Claremont, CA EUA; José Augusto Drummond – Cientista político, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB); José Carlos Miranda – Diretório Estadual do PT SP, Coordenação do Comitê por um Movimento Negro Socialista (MNS); José Roberto Ferreira Militão – Advogado, AFROSOL-LUX – Promotora de Soluções em Economia Solidária; José Roberto Pinto de Góes – Professor da História da UERJ; Josué Pereira da Silva – Professor de sociologia, IFCH, UNICAMP; Kátia Maciel – N-Imagem – Escola de Comunicação da UFRJ; Kenneth Rochel de Camargo Jr. – Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ; Laiana Lannes de Oliveira – Professora de História da PUC (RJ); Lena Lavinas – Professora do Instituto de Economia da UFRJ; Lilia K. Moritz Schwarcz – Professora Titular de Antropologia da USP; Lucia Lippi Oliveira – Socióloga, pesquisadora e professora do CPDOC/FGV; Lúcia Schmidt – Professora Adjunta da Faculdade de Engenharia da UERJ; Luciana da Cunha Oliveira – Mestranda em História pela UFF e professora da rede pública de ensino; Luiz Alphonsus de Guimaraens – Artista Plástico; Luiz Fernando Almeida Pereira – Professor de Sociologia da PUC-Rio; Luiz Fernando Dias Duarte – Professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ; Luiz Werneck Vianna – Professor titular do IUPERJ; Madel T. Luz – Professora Titular do Instituto de Medicina Social da UERJ; Magali Romero Sá – Historiadora, Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ; Manolo Florentino – Professor de história, IFCS/UFRJ; Marcos Chor Maio – Sociólogo, Fundação Oswaldo Cruz; Maria Alice Resende de Carvalho – Socióloga, professora do IUPERJ; Maria Conceição Pinto de Góes – Pós-Graduação em História Comparada, UFRJ; Maria Hermínia Tavares de Almeida – Professora Titular de Ciência Política da USP; Maria Sylvia de Carvalho Franco – Professora Titular de Filosofia, Unicamp; Mariza Peirano – Professora titular de antropologia, UnB; Mirian Goldenberg – Professora de Antropologia IFCS-UFRJ; Moacyr Góes – Diretor de cinema e teatro; Mônica Grin – Professora do departamento de História da UFRJ; Monique Franco – Professora FFP/UERJ; Nisia Trindade Lima – Socióloga, Fundação Oswaldo Cruz; Oliveiros S. Ferreira – Professor de Política na PUC-SP e USP-SP; Paulo Kramer – Professor do Departamento de Ciência Política da UnB; Peter Fry – Professor titular de antropologia UFRJ; Priscilla Mouta Marques – Professora de Português e Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa, auxiliar de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz; Ronaldo Vainfas – Professor Titular de História Moderna da Universidade Federal Fluminense; Renata da Costa Vaz – Diretora do Sindicato Servidores Públicos Municipais Campinas/SP; Renato Lessa – Professor titular do IUPERJ; Ricardo Ventura Santos – Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e Professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, UFRJ; Rita de Cássia Fazzi – Professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC (MG); Roberto Romano – Professor Titular de Filosofia, Unicamp; Roney Cytrynowicz – Historiador; Roque Ferreira – Coordenador Nacional da Federação dos Trabalhadores sobre Trilhos – CUT, Conselho Comunidade Negra Bauru-SP; Serge Goulart – Integrante do Diretório Nacional do PT; Sergio Danilo Pena – Professor Titular do Depto. Bioquímica e Imunologia da UFMG; Silvana Santiago – historiadora; Silvia Figueiroa – Historiadora, Professora do Instituto de Geociências da UNICAMP; Simon Schwartzman – Presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro; Simone Monteiro – Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz; Ubiratan Iorio – Professor Adjunto da UERJ e Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep); Uliana Dias Campos Ferlim – Cantora e professora, mestre em história; Vicente Palermo – Instituto Gino Germani, Buenos Aires, Conicet, Argentina; Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista político; Wlamir José da Silva – Professor Adjunto de História da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ); Yvonne Maggie – Professora titular de antropologia IFCS/UFRJ; Zelito Vianna – Cineasta.

O parto da montanha

O texto final da proposta de reforma do ensino superior, apresentado com tanta fanfarra pelo governo no início do Ministério Tarso Genro, resultou em uma proposta tímida, que insiste em erros antigos e não lida com os temas importantes, e que dificilmente passará pelo Congresso neste ano eleitoral. Junto com Cláudio de Moura Castro, fizemos uma série de comentários sobre as sucessivas versões deste projeto, o último dos quais, “O Parto da Montaha”, sobre esta versão mais recente, disponível aqui.

Os equívocos e a falta de clareza do Ministério da Educação na área do ensino superior são dissecados com lucidês em um texto preparado por José Luis da Silva Valente, que foi Diretor do Departamento de Desenvolvimento do Ensino Superior da SESu/MEC na gestão de Paulo Renato e trabalha hoje em uma empresa privada, a VMD BRASIL Consultoria Educacional.

Como nos tempos do Estado Novo: obrigatoriedade da sociologia e filosofia no ensino medio

Tenho recebido uma chuva de mensagens pedindo apoio para a campanha para tornar obrigatório o ensino de sociologia e filosofia no ensino médio. O principal promotor desta campanha é o sindicato dos sociólogos de São Paulo. A Lei de Diretrizes e Bases diz que os estudantes oriundos do ensino médio devem demonstrar ” domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Ora, quem sabe sociologia e filosofia são os sociólogos e filósofos formados nestas disciplinas, e quando a lei passar a ser cumprida, eles serão contratados para dar estes cursos, criando um grande mercado de trabalho para estas profissões e, ao mesmo tempo, formando melhores cidadãos para o pais. Bom para os sociólogos e filósofos profissionais, e bom para todo mundo. Certo?

Não, errado! No passado, a tradição era que o governo definia, nacionalmente, os currículos de todos os cursos, que eram obrigatórios para todas as escolas. A conseqüência era que o ensino se dava de forma burocrática, ritualizada, e os estudantes tinham que aprender um amontoado de conhecimentos inúteis e mal dados, que eram esquecidos rapidamente. Em grande parte, isto ainda é assim. A Lei de Diretrizes e Bases de 1996, ainda que de forma imperfeita, buscou mudar isto. Ela estabelece, de forma bastante ampla, que os estudantes devem adquirir conhecimentos de ciências naturais, linguagem e ciências sociais e humanas, e que os governos, nos seus diferentes níveis. devem estabelecer as “competências e diretrizes” da educação em seus diversos níveis, “que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos” dos diferentes cursos. Ela menciona filosofia e sociologia (erradamente, me parece), da mesma forma que poderia mencionar disciplinas tradicionais do ensino médio, como geografia e historia, e disciplinas que obviamente deveriam existir, como o direito, a economia, a computação e a estatística. Em principio, cada escola deveria poder organizar seu programa de estudos como achasse melhor, e os estados e municípios poderiam estabelecer requisitos mais específicos para seu âmbito de atuação, que as escolas deveriam atender, sem perder sua autonomia.

Mas o publico, de uma maneira geral, não entendeu isto, e os governantes tampouco. As demandas pelo ensino obrigatório de diferentes disciplinas não para de crescer: educação ambiental, língua castelhana, agora sociologia e filosofia – porque não antropologia e demografia, e trazer de volta a historia e geografia, e mais a economia e o direito, sem falar das novas áreas cientificas e técnicas, como computação, biotecnologia e nanotecnologia? E a teologia, ou religião? Milhares de novos professores seriam contratados para estes cursos obrigatórios, e os alunos que se virem para entender e memorizar todos estes novos conteúdos!

Isto não tem como dar certo. Do ponto de vista dos alunos, este tipo de educação enciclopédica, formada pela soma de pequenos fragmentos de conhecimentos das diversas disciplinas, não faz o menor sentido. O estudantes precisam dominar a linguagem verbal e simbólica das matemáticas, e é importante que entendam o que são as ciências, o que é o mundo das relações sociais e econômicas, e o que são as instituições. Isto pode ser feito de muitas maneiras diferentes, e existem formas de verificar se de fato estes conhecimentos básicos estão sendo adquiridos e incorporados (vejam por exemplo as avaliações internacionais da OECD, o PISA). O mais importante não é o conhecimento extenso, de um monte de fragmentos, mas o conhecimento o mais aprofundado possível de algumas áreas, com as quais as escolas possam ter mais afinidade. No nível médio, algumas escolas podem preferir se aprofundar na formação literária, outras na formação em ciências biológicas, outras na formação filosófica ou sociológica, ou em determinadas línguas estrangeiras. Idealmente, os alunos, e suas famílias, deveriam poder escolher as escolas conforme suas especialidades. Mesmo não havendo esta possibilidade, se a escola trabalhar bem seus temas, o mais provável é que todos os alunos se beneficiem.

Meus colegas do sindicato de sociólogos que me perdoem, mas sociologia não é, nunca foi e provavelmente nunca será uma profissão, e sim uma disciplina acadêmica, com fronteiras pouco definidas e conteúdos muito variáveis. Como disciplina, ela se aproxima mais de áreas como a filosofia, antropologia e economia do que das profissões estabelecidas como o direito ou a medicina. Os conhecimentos relativos ao mundo das relações sociais, assim como das questões da ética e da moralidade, não são privilégios dos sociólogos e filósofos portadores dos respectivos diplomas, mas estão presentes, de diversas formas, em outras disciplinas, como a teologia, a antropologia, o direito, a historia e a critica literária. Fazer com que as escolas contratem, obrigatoriamente, pessoas com diplomas de sociólogo ou filosofo não é nenhuma garantia de que os estudantes irão adquirir conhecimentos relevantes nestas áreas, inclusive porque a Lei de Diretrizes e Bases não diz, nem teria como dizer, que conteúdos específicos em sociologia ou filosofia os estudantes deveriam aprender. Dada a qualidade geralmente precária dos cursos superiores de sociologia e filosofia no pais, criar esta obrigatoriedade seria, simplesmente, enrijecer ainda mais o currículo escolar, e tornar o ensino médio pior ainda do que já é .

Eu vejo um papel importante para sociólogos e filósofos em relação ao ensino médio, que é o de pensar e propor, a partir de seus conhecimentos, conteúdos que poderiam ser de interesse das escolas, preparando livros e materiais pedagógicos de qualidade, e tratando de convencer as escolas da importância de seus conhecimentos para a formação dos jovens. Mas isto deve ser feito de baixo para cima, a partir do trabalho com as escolas, e não de cima para baixo, pela promulgação de leis de ensino obrigatório, como nos velhos tempos do Estado Novo.

As organizações da sociedade civil e a democracia

No dia 25 de maio, participei do 4o. Congresso GIFE sobre investimento social privado, em Curitiba, aonde apresentei os resultados  do Censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, que me coube analisar (publicado em dois volumes, um geral, e outro específico sobre as ações na área de educação.. O GIFE tem hoje mais de 90 associados, e reúne as principais instituições privadas que desenvolvem investimentos sociais no país. Estima-se que os associados do GIFE gastem cerca de 1 bilhão de reais por ano, sobretudo na área da educação. É muito dinheiro, mesmo se comparado com os gastos públicos do setor educacional – cerca de 15 bilhões por parte do governo federal e 40 bilhões dos governos estaduais, além dos gastos dos municípios e das famílias.

No passado, os investimentos sociais das empresas eram feitos sobretudo como filantropia, ou como instrumento de marketing institucional. Hoje, cada vez mais, o tema da responsabilidade social das empresas ganha o primeiro plano, e uma questão que se coloca é se as empresas não estariam, de alguma forma, tratando de desempenhar uma função que seria eminentemente pública. Em um extremo, estes investimentos podem estar suprindo carências que seriam da responsabilidade do setor público, aonde ele não consegue chegar. No outro extremo, estes gastos poderiam estar abrindo espaços para novas experiências e desenvolvendo novos modelos de atuação que poderiam beneficiar a sociedade como um todo. Entre os dois, estes gastos podem estar tendo uma função filantrópica importante, mas limitada ao âmbito de atuação das instituições, sem impactos externos mais amplos. Os dados do Censo, ainda que limitados, sugerem que é ainda sobretudo isto o que está acontecendo.

O tema reapareceu, de uma outra forma, na reunião sobre “Sociedade civil e democracia na América Latina: crise e reinvenção da política” organizada pelo Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e o Instituto FHC em São Paulo, nos dias 26 e 27. O paper inicial de Bernardo Sorj colocou a questão: em que medida as instituições políticas tradicionais – os partidos políticos, o Congresso, o próprio executivo – estariam sendo substituídos por ONGS – as organizações não governamentais – e qual a conseqüência disto para a Democracia? O caso do Chile, apresentado por Ernesto Ottone, serviu como evidência de que a verdadeira democracia se constrói com partidos políticos e instituições públicas consolidadas, elementos que faltam ou estão em crise em outros paises da região – Argentina, Brasil, Peru, Bolívia.

Não é uma discussão simples, e é claro que as instituições que participam do GIFE são muito diferentes do que normalmente se pensa quando se fala das novas ONGs. Para de Tocqueville, a base da democracia americana, duzentos anos atrás, era justamente a fortaleza das organizações da sociedade civil que, segundo autores mais recentes (Robert Putman, Bowling Alone) estariam desaparecendo, ou se transformando em lobbies e grupos de pressão. Que espaço existe ainda, na América Latina, para as instituições políticas mais tradicionais, e o que se pode esperar da combinação entre governos de base plebiscitária e estes novos atores sociais?

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