Monica Grin: O curriculo de sociologia para o ensino médio no Rio de Janeiro

Recebi de Mônica Grin a nota abaixo, que reproduzo:

Prezado Simon,
Cheguei hoje de viagem e vi que vc colocou em seu blog a acertada critica, que eu ja conhecia e sobre a qual te enviei um e-mail antes de viajar, sobre o curriculo de sociologia no ensino médio no qual meu nome aparece como autora da versão original. Concordo com todas as suas ponderações e críticas e, exatamente por isso, escrevo para o seu blog em respeito aos colegas da área de sociologia.

Tal como voce, estou indignada com a versão reformulada que fizeram da versão original, sem que eu fosse sequer avisada dessa reformulação. Soube dessa nova versão através de seus comentários. O trabalho da equipe original  foi em grande medida modificado e certamente vou exigir aos coordenadores desse projeto que retirem meu nome dos créditos, pois não me identifico com aquele programa e não sou autora de muitas daquelas habilidades presentes no quadro. Dei algumas aulas para 2 professoras de sociologia do ensino médio que fizeram a parte programática e fiz, sim, a parte formal de leitura crítica dos parametros (que não aparece no documento que voce disponibilizou, na qual alertava para os perigos de normatização das habilidades esperadas do professor de sociologia que podiam resultar em ideologização e militância, a exemplo do uso do termo “conscientizar”), especialmente quando não se respeita uma terminologia estritamente acadêmica, ou científica se alguns preferem.

Nada mais fiz do que dar uma orientação a duas professoras do ensino médio e o material que resultou não corresponde ao material reformulado que voce disponibiliza em seu blog. Sugeri alguns temas que sequer foram respeitados nessa nova versão. Tenho a minha versão original e na comparação vi o quanto de mentalidade militante havia sido introduzida nessa versão reformulada.

Não quero dizer que a versão original esteja perfeita. Há certamente problemas. Alguns dos temas que voce lista, eu não contemplei. Mas há equivocos que não posso simplesmente deixar que pensem que são meus.Para que voce tenha uma idéia, jamais nos meus estudos sobre racismo utilizei a categoria “raça” de forma naturalizada. Sempre uso aspas. Nunca chamei indígena, branco ou negro de raça. Isso contraria anos de estudos que desenvolvo sobre o tema. Há um item nesse quadro reformulado que fala em diferenciar o conceito de politica do conceito de politicagem.

Não dá para simplesmente calar diante dessas distorções. Tenho doutorado em ciência Política no Iuperj e como poderia falar em conceito de politicagem? Nunca ouvi falar que havia um conceito de politicagem. O material original foi reformulado à minha revelia. Não me mandaram as modificações para que eu pudesse reagir. Isso tudo é muito sério. Sequer fui informada dessa nova versão. Estou realmente indignada e comungo das mesmas opiniões críticas expressas nos comentários dos colegas em seu Blog.

Fiz esse trabalho sob coordenação da UFRJ em 2005, quando o secretario de educação era Cláudio Mendonça. Vou tomar providencias para que o meu trabalho, apenas uma pequena parte da versão original, não se confunda com essa versão modificada que não reconheço como minha e que se tornou pública agora sob o governo de Sergio Cabral.

O currículo de sociologia para o ensino médio no Rio de Janeiro

Acabo de ver a lamentavel proposta curricular para o programa de sociologia para o nível médio do Rio de Janeiro. É um conjunto  desastroso de idéias gerais, palavras de ordem e ideologias mal disfarçadas que confirmam as piores apreensões dos que, como eu, sempre temeram esta inclusão obrigatória da sociologia no curriculo escolar.

É difícil saber por onde começar a crítica.   Faltam coisas essenciais como familia e parentesco, educação, socialização, estratificação social, mobilidade, criminalidade, religião, burocracias, modernidade, opinião pública, instituições. Na parte de “sociedade democrática”, nao há nada sobre instituições políticas,  sistemas políticos comparados, participação politica, sistemas eleitorais, partidos políticos, populismo, fascismo.  Nao há nada mais conceitual sobre teoria sociológica, suas correntes, etc.  Nao há sequer algo sobre direitos civis, sociais e humanos.

Por outro lado, sobram bobagens como “compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias, raças (negra, indígena, branca) e segmentos sociais, agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto princípio estético (sic) que pode incentivar a tolerância, mas que em alguns casos pode gerar conflitos”, ou “compreender que a dominação européia expressa pelo colonialismo e pelo imperialismo é a causa fundamental das desigualdades sociais”  ou ainda “construir a identidade social e política atuante e dinâmica para a constante luta pelo exercício da cidadania plena”, e trivialidades como “perceber a importância do trabalho para a sociedade”. Quem quiser ver o texto completo da proposta pode baixá-la da Internet aqui.

A sociologia, quando bem dada, mostra para as pessoas que existem muitas maneiras diferentes de entender o mundo. Este programa visa o contrário, ou seja, inculcar nos jovens uma visão de mundo particular e empobrecida.

Temo que os programas que estão sendo feitos para outros estados poderão parecidos, ou piores. Penso que a Sociedade Brasileira de Sociologia, ou os sociólogos mais ativos que a compõem, deveriam tomar uma posição pública sobre isto, inclusive sugerindo um programa minimo mais razoável. Não seria difícil, existem muitos bons exemplos na internet, inclusive o sumário da Wikipedia em português, que podem servir de referência.

O terremoto do Chile

Pedro Sainz, ex-diretor de estatísticas da CEPAL, resume desta maneira a situação no Chile, por email que comparto com todos:

En general en Santiago y Valparaiso los edificios antiguos y las casa y edificios de albañilería antigua o barro ha sufrido, algunos en partes, los más antiguos con destrucción irreparable. En las autopistas que cruzan Santiago los daños son muy pocos. No obstante un paso sobre nivel que se rompió ocupa la TV todo el día. Hay barrios enteros en que los daños son adornos y lozas rotas. Lo más dificil son una parte de barrios en que se rompieron matrices de agua. En algunos casos demorará 48 horas en reponerse. Pero el grueso de Santiago tiene luz y agua.

En el Sur, Concepción y la costa cecana la situación es grave. Reponer agua y electricidad ha sido más difícil, en particular en calles en que se cayeron postes. Lo mismo el agua es más dificil cuando se han roto matrices. Esta mañana en Concepción la TV muestra saqueos que son pronto reprimidas.

En la costa, especialmente en pueblos chicos unos 15 minutos después del terremoto olas gigantes barrieron los barrios bajos. No obstante la gran mayoría huyo a alturas. 15 metros bastan. Pero las casas de los bajos fueron barridas, no quedó nada. Van contados unos 300 muertos, lo que siendo grave muestra que la mayoría salió razonablemente en términos vitales del terremoto.

Curiosamente el Terminal del aeropuerto es uno de los pocos ejemplos de edificios nuevos afectados. Pero por lo que se ve hay muchos techos falsos que se cayeron. De hecho allí no murió nadie, ni hubo heridos graves en un edificio que tenía gente trabajando y circulación de pasajeros. Las pistas están operativas.

As transformações das universidades e da cooperação internacional|Changing universities and academic outreach

Changing universities and academic outreach. Paper for the  prepared for the New Century Scholar’s program, Fulbright Commission, 2009-2010. Preliminary version, for comments only.

Abstract:  Academic international cooperation between US and Western Europe and developing countries reached its peak in the 1960s and 1970s, through a combination of increased support for higher education, science and technology in the US and Europe; the economic development and modernization drives of former colonial and developing countries; and the foreign policy of he US and Western Europe during the cold war years. Already in the 1980s, however, it had lost much of its priority, due to a succession of failures of international cooperation, a growing skepticism about the promises of modernization, a growing concern with issues of poverty and human rights, and the expansion of private higher education and the priority given to globalization and international competitiveness by the major universities in the US and elsewhere.

This essay describes this development with a special emphasis on the links between the US and Latin America, and discusses the issues associated with the current trends.   It concludes that truly cooperative undertakings are needed, and require stable, competent and reliable patterns on both sides, recreating the global epistemic communities that could provide the basis for their permanence. Given the differences in wealth and competency, these North-South links will never be fully symmetrical regarding resources and knowledge transfer, but they should be as symmetrical as possible in terms of the genuine effort of each side to understand the needs, the conditions and the perspectives of the other.

As transformações das universidades e da cooperação internacional (em inglês). Texto preparado para o New Century Scholar Program da Comissão Fulbright. Versão preliminar, para somente comentários.

Sumário: A cooperação acadêmica internacional entre os Estados Unidos, e Europa Ocidental e os países em desenvolvimento atingiu seu auge nos anos 60 e 70,  por uma combinação de fatores como o amumento do apoio dos governos ocidentais à educação sueprior e à pesquisa,  a busca de desenvolvimento econômico e modernização por parte das antigas colônias e os países em desenvolvimento, e a política externa dos países ocidentais nos anos de guerra fria.  Já na década de 80, no entnato, este tipo de cooperação havia perdido prioridade, graças ao ceticismo crescente em relação às metas de desenvolvimento e modernização, à preocupação crsescente com os temas da pobreza e dos direitos humanos, e a expansão do ensino superior privado, e a preocupação crescente com a globalização e a competitividade internacional por parte das principais universidades americanas e européoas

Este ensaio narra estes desenvolvimentos, com ênfase nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina, e discute os temas associados a estas novas tendências. A conclusão é que atividades de cooperação internacional continuam sendo importantes e necessárias, e requerem parceiros estáveis, competentes e confiáveis dos dois lados, que possam recriar as comunidades epistêmicas que são  a base de sua permanência. Dadas as diferenças de renda e capacitação, as relações entre países do norte e do sul nunca serão simétricas em termos de transferência de conhecimentos, mas precisam ser tão simétricas quanto possível em termos do esforço genuino de cada parte de entender as necessidades, as condições e as perspectivas de cada um.

Os deixados para trás na educação brasileira|The left behind in Brazilian Education

Em novembro passado fiz uma apresentação com este título no Teacher’s College, na Universidade de Columbia, e agora me dizem que o podcast, em video e/ou voz, está disponível para baixar do Itunes. Para quem estiver interessado, aviso que demora 1:27m, e a qualidade da imagem é bastante sofrível.  Em todo caso, clique aqui para o video. A apresentação em powerpoint está disponível aqui.

Last November I made a presentation at the Teacher’s College, Columbia University, on “The Left Behind in Brazilian Education”, and now I learned that the presentation is available on Itunes. To those who are interested, let me warn you that it is 1:17m long, and the imagine is not very good. In any case, click here for the video. The powerpoint presentation is available here.

A tragédia do Haiti

No meio dos horrores da tragédia do Haiti, a análise mais inteligente que vi até agora é de David Brooks no New York Times de 14 de janeiro. Ele começa comparando o terremoto de San Francisco em 1989, de magnitude 7, quando morreram 63 pessoas, e o de agora, da mesma magnitude no Haiti, com centenas de milhares de vítimas. A diferença principal é a pobreza; e o problema de fundo é que, por muitos anos, tem havido muitos esforços de ajudar o Haiti a sair da situação de pobreza extrema em que sempre esteve atolado, e nada parece funcionar. Será que, passada a tragédia, será possivel encontrar novos caminhos, além da caridade bem intencionada que não funciona?  Vale muito a pena ler.

Neste  momento, o grande problema do Haiti não é a falta de dinheiro, nem de gente e países querendo ajudar, mas a coordenação e a logística necessária para fazer a ajuda chegar às pessoas necessitadas. O Brasil, com o contingente militar que tem lá e os suprimentos e pessoal de socorro que está enviando, deve ter um papel importante, embora menor do que o que o governo e  a imprensa procuram fazer crer. Outro dia a manchete dos jornais era que Estados Unidos e Brasil estavam coordenando os trabalhos, quando a desproporção entre o envolvimento americano e brasileiro é enorme, como não poderia deixar de ser. E a nota deprimente foi o protesto do ministro Celso Amorim junto ao governo americano porque os nossos aviões não estavam tendo prioridade no aceesso ao espaço aéreo do Haiti, cujo controle o governo americano precisou assumir, tentando criar assim um incidente político-diplomático no pior momento possível.

Geraldo Martins: a escolha de reitores (2)

O texto do professor Jacques trata de uma questão delicada, polêmica e muito presente na história de nossas universidades. A escolha dos reitores tem relação muito forte com a autonomia universitária. Durante a ditadura, tivemos o período mais crítico e deletério dessa relação como descreveu Cláudio Moura Castro: “O Governo Militar exibiu, em muitos momentos, injustificável brutalidade ao tratar o ensino e a pesquisa. A escolha de reitores e ministros de estilo autoritário, as prisões arbitrárias, as perseguições injustificadas, as cassações e aposentadorias compulsórias de cientistas destacados, tudo isso aconteceu de forma incontestável”  (Em Ciência e Universidade – Zahar – 1985).
Não há o que discordar do Prof. Jacques. Principalmente, quando considera que essa questão permanece “mal resolvida” até o presente, porquanto está sujeita às forças de diferentes interesses e “convicções ideológicas”. São pertinentes as suas observações quanto à legitimidade de um governo eleito democraticamente atrelar as universidades à condução de suas políticas educacionais. Conclui, então, que o ideal seria uma “combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos”. Entretanto, o grande risco é o de favorecer uma gestão universitária partidarizada ou de manipulação dos seus cargos de direção como instrumentos a serviço do poder e dos interesses políticos no âmbito do governo, dos segmentos internos ou de outras corporações.
Considerando essa situação, permito-me fazer uma referência ao que procurei expor no livro “Universidade Federativa, Autônoma e Comunitária”.
Na proposição dessa universidade, defendemos que os processos de gestão e de escolha dos reitores assumam uma dimensão participativa ampliada, ou seja, não restrita ao âmbito interno de seus membros, sejam os permanentes (docentes) ou transitórios (estudantes). Pelo seu caráter constitutivo, essa universidade (imaginária) estaria a serviço de uma comunidade mais ampla e não seria dependente de um único dono (mantenedor), seja ele o Estado ou o empresário privado. Ninguém pode negar que tanto nas universidades estatais, como nas universidades particulares, a relação política ou financeira do reitor ou do dirigente da entidade com o dono/proprietário da universidade é uma relação de subordinação, ainda que sejam ostentadas aparentes posturas de autonomia.
Na universidade federativa e comunitária, essa relação torna-se mais diluída, porquanto tanto a comunidade interna (acadêmica), como a externa é chamada a participar nas decisões e a assumir responsabilidades na sua organização e no seu financiamento. O reitor não seria representante apenas da comunidade universitária interna e menos ainda do Estado ou do mantenedor privado. Precisaria ser uma liderança reconhecida, intelectual e administrativamente, capaz de expressar os anseios das comunidades interna e externa e ao mesmo tempo articular e viabilizar a participação dos entes federados na sustentação e nos destinos da organização.
Por comunidade externa entendemos todos os atores de uma gestão federativa, ou seja, de uma forma de administração sob o regime de cooperação dos entes federados. Trata-se da perspectiva estabelecida pela própria Constituição Federal (Artigo 211). Também fazem parte da comunidade externa todos os agentes locais/regionais, em seus diversos segmentos: organizações empresariais, sindicatos, entidades culturais, educacionais, desportivas, jurídicas, religiosas, etc. De alguma forma, todos eles estariam presentes, por seus representantes, em alguma instância colegiada de deliberação superior.
Evidentemente, a comunidade acadêmica (interna), pela própria natureza das suas atividades, deverá deter a responsabilidade maior pela vida acadêmica, cujos gestores devem ser escolhidos com base na sua competência e nos critérios do mérito científico.
Por essas razões, ponderamos que a ‘gestão comunitária’ está estreitamente relacionada com os processos de democratização e de participação, mas sem confundir-se com as concepções de ‘gestão democrática’, que têm sido propugnadas para as universidades com base na bandeira igualitária assentada no pressuposto de que os estudantes, os professores, os técnico-administrativos são todos iguais.
O que desejamos realçar, aproveitando o tema suscitado pelo professor Jacques Schwartzman, é que essa idéia de universidade federativa com gestão comunitária objetiva aproximar a organização universitária dos cidadãos e criar os meios para uma interação mais intensa dos atores envolvidos. Obviamente, implica uma dinâmica complexa e barreiras quase intransponíveis. Todavia, seria uma forma de gestão que propiciaria maior transparência, maior controle público e maior efetividade.
Geraldo M. Martins – 7 de dezembro de 2009
O texto do professor Jacques trata de uma questão delicada, polêmica e muito presente na história de nossas universidades. A escolha dos reitores tem relação muito forte com a autonomia universitária. Durante a ditadura, tivemos o período mais crítico e deletério dessa relação como descreveu Cláudio Moura Castro: “O Governo Militar exibiu, em muitos momentos, injustificável brutalidade ao tratar o ensino e a pesquisa. A escolha de reitores e ministros de estilo autoritário, as prisões arbitrárias, as perseguições injustificadas, as cassações e aposentadorias compulsórias de cientistas destacados, tudo isso aconteceu de forma incontestável”  (Em Ciência e Universidade – Zahar – 1985).
Não há o que discordar do Prof. Jacques. Principalmente, quando considera que essa questão permanece “mal resolvida” até o presente, porquanto está sujeita às forças de diferentes interesses e “convicções ideológicas”. São pertinentes as suas observações quanto à legitimidade de um governo eleito democraticamente atrelar as universidades à condução de suas políticas educacionais. Conclui, então, que o ideal seria uma “combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos”. Entretanto, o grande risco é o de favorecer uma gestão universitária partidarizada ou de manipulação dos seus cargos de direção como instrumentos a serviço do poder e dos interesses políticos no âmbito do governo, dos segmentos internos ou de outras corporações.
Considerando essa situação, permito-me fazer uma referência ao que procurei expor no livro “Universidade Federativa, Autônoma e Comunitária”.
Na proposição dessa universidade, defendemos que os processos de gestão e de escolha dos reitores assumam uma dimensão participativa ampliada, ou seja, não restrita ao âmbito interno de seus membros, sejam os permanentes (docentes) ou transitórios (estudantes). Pelo seu caráter constitutivo, essa universidade (imaginária) estaria a serviço de uma comunidade mais ampla e não seria dependente de um único dono (mantenedor), seja ele o Estado ou o empresário privado. Ninguém pode negar que tanto nas universidades estatais, como nas universidades particulares, a relação política ou financeira do reitor ou do dirigente da entidade com o dono/proprietário da universidade é uma relação de subordinação, ainda que sejam ostentadas aparentes posturas de autonomia.
Na universidade federativa e comunitária, essa relação torna-se mais diluída, porquanto tanto a comunidade interna (acadêmica), como a externa é chamada a participar nas decisões e a assumir responsabilidades na sua organização e no seu financiamento. O reitor não seria representante apenas da comunidade universitária interna e menos ainda do Estado ou do mantenedor privado. Precisaria ser uma liderança reconhecida, intelectual e administrativamente, capaz de expressar os anseios das comunidades interna e externa e ao mesmo tempo articular e viabilizar a participação dos entes federados na sustentação e nos destinos da organização.
Por comunidade externa entendemos todos os atores de uma gestão federativa, ou seja, de uma forma de administração sob o regime de cooperação dos entes federados. Trata-se da perspectiva estabelecida pela própria Constituição Federal (Artigo 211). Também fazem parte da comunidade externa todos os agentes locais/regionais, em seus diversos segmentos: organizações empresariais, sindicatos, entidades culturais, educacionais, desportivas, jurídicas, religiosas, etc. De alguma forma, todos eles estariam presentes, por seus representantes, em alguma instância colegiada de deliberação superior.
Evidentemente, a comunidade acadêmica (interna), pela própria natureza das suas atividades, deverá deter a responsabilidade maior pela vida acadêmica, cujos gestores devem ser escolhidos com base na sua competência e nos critérios do mérito científico.
Por essas razões, ponderamos que a ‘gestão comunitária’ está estreitamente relacionada com os processos de democratização e de participação, mas sem confundir-se com as concepções de ‘gestão democrática’, que têm sido propugnadas para as universidades com base na bandeira igualitária assentada no pressuposto de que os estudantes, os professores, os técnico-administrativos são todos iguais.
O que desejamos realçar, aproveitando o tema suscitado pelo professor Jacques Schwartzman, é que essa idéia de universidade federativa com gestão comunitária objetiva aproximar a organização universitária dos cidadãos e criar os meios para uma interação mais intensa dos atores envolvidos. Obviamente, implica uma dinâmica complexa e barreiras quase intransponíveis. Todavia, seria uma forma de gestão que propiciaria maior transparência, maior controle público e maior efetividade.

Jacques Schwartzman: a escolha dos reitores

Escreve Jacques Schwartzman, do  Centro de Estudos de Políticas Públicas e Educação Superior da Universidade Federal de Minas Gerais:

O  Governo Federal, desde a década de 50, sempre teve um papel  ativo na escolha dos dirigentes das IFES. Uma lista de 6 nomes, organizada pelo órgão colegiado máximo da instituição, era enviada ao MEC , para designação pelo Presidente da Republica. Os integrantes da lista disputavam entre si a nomeação, que afinal decidida pelo governo, era pouco contestada. Com o advento do regime militar, esta forma de escolha passou a  ser questionada. Argumentava-se que os governos militares não tinham legitimidade para fazer esta escolha já que não foram eleitos e ainda assim  cassavam professores , expulsavam alunos e interferiam na autonomia das Universidades. Gerou-se então uma pressão para que os Reitores fossem escolhidos por processos exclusivamente internos, promovendo-se consultas e preparando listas que induziam a escolha do preferido pela comunidade. Este movimento foi parte da luta pela volta da democracia ao país.Na maior parte das vezes a escolha recaia sobre os preferidos da comunidade, mas nem sempre era assim.

Esgotado o regime militar, algumas importantes decisões para escolha de dirigentes foram tomadas e promulgadas em forma de lei (9192/95). Nesta constava que a escolha deveria recair entre professores de alta titulação, através de lista tríplice organizada por um Colegio Eleitoral, que poderia promover ou não uma consulta à comunidade. Caso ela fosse feita, deveria ser organizada pelo próprio Colegio, tendo os professores peso 70 e funcionários e alunos os outros 30. Esta é a lei em vigor, mas na prática a lista tríplice  é organizada de tal forma que deixa pouca margem para uma decisão alternativa à decidida pela consulta que elege apenas um candidato. Assim, o governo federal, agora eleito democraticamente, não tem influencia em tão importante decisão. Ainda assim, no governo FHC algumas poucas tentativas foram feitas no sentido de escolher um candidato alternativo ao mais votado. O exemplo mais conhecido foi o do Reitor Vilhena da UFRJ e que gerou calorosos protestos e contestações.

Agora, a pretexto de disciplinar o processo de escolha de dirigentes (Reitores)  dos recém criados Institutos Federais de Educação , Ciência e Tecnologia, editou-se o  Decreto 6.986 de 20 de Outubro de 2009, que diverge em alguns pontos da Lei 9192/95. Nele obriga a realização de consulta à comunidade, elimina a lista tríplice substituindo-a por um único candidato a ser homologado pelo Presidente da República. Postula também que a participação de cada segmento na eleição, se dará de acordo com a “legislação pertinente”,isto é, conforme os pesos definidos na Lei 9192/95, segundo nossa interpretação.Não obstante, de acordo com o artigo 12 da Lei 11.892, os pesos de cada um dos três segmentos foram fixados, paritariamente, em 1/3 para cada um deles , diminuindo sensivelmente a importância do corpo docente.

Temos portanto duas formas de escolha de Reitores,como se fossem cargos diferentes. Esta situação surge em função de convicções ideológicas de setores que estão hoje no poder e que sempre foram favoráveis a processos amplos de escolha, como se, nas universidades, a democracia fosse mais importante do que a meritocracia, o que está refletido na redução do peso dos docentes no processo.  Fica também  mal resolvida a questão de qual seria o papel do governo, quando eleito democraticamente, na condução da política educacional das Universidades públicas. Dada a situação “sui-generis” das universidades no contexto dos órgãos públicos , melhor seria uma combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos, o que implicaria na elaboração de listas  e não na definição de um candidato único a ser imposto aos governantes.

Finalmente, caberia comentar como é possível que um decreto revogue dispositivos de uma lei e como é possível eleger-se para um mesmo cargo,o de Reitor, através de critérios divergentes.  Com a palavra os juristas.

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